A imagem, que veio reproduzida sexta-feira nas capas de todos os jornais nacionais espanhóis, é aparentemente banal: dois homens, fotografados de costas, caminham num jardim bem cuidado. Um deles, de casaco, põe a mão por cima do ombro do outro, em mangas de camisa.
Dito assim, sem pormenores adicionais, parece quase estranho que tal fotografia tenha merecido tanto destaque. Falta acrescentar o nome de ambos: o homem mais alto, à esquerda, é o rei de Espanha, Juan Carlos I de Borbón; o homem que caminha a seu lado é Adolfo Suárez, que o monarca designou primeiro-ministro numa fase dramática da vida colectiva espanhola, no período imediato do pós-franquismo, em que chegou a temer-se a eclosão de uma nova guerra civil, tão sangrenta como a dos anos 30.
A estes dois homens se deve o êxito da transição espanhola, que passou da ditadura para a democracia sem ónus financeiro nem rasto de sangue. Juan Carlos foi a referência máxima de estabilidade nesse período, Adolfo Suárez foi o homem audaz que soube interpretar os sinais históricos. Fundaram um regime, que subsiste até hoje. Lançaram os alicerces da Espanha moderna – estado próspero e progressivo, invejado em tantas latitudes.
Suárez, então o homem certo no lugar certo, está gravemente doente há vários anos: afectado pela doença de Alzheimer, deixou de reconhecer até os familiares mais chegados, tornou-se incapaz de alimentar uma conversa coerente e inteligível. “No reconoció al Rey, pero notó su cariño”, revelou o filho mais velho, Adolfo Suárez Illana, o autor da foto que comoveu milhões de espanhóis. Visto de costas, ladeando o monarca, Adolfo pai mantém a elegância e o garbo de sempre. Parecem ambos entretidos em amena cavaqueira. Uma prova – mais uma – de que as aparências iludem.
Também eu me comovi ao ver esta imagem: Adolfo Suárez foi um dos raros políticos que sempre admirei. O destino pregou-lhe uma partida cruel: ainda está entre nós, mas é como se já não estivesse. O intelecto fugiu-lhe: sobram-lhe momentos de genuína emoção, como garante o filho. A visita do rei, que lhe entregou a condecoração mais alta de Espanha, terá sido um desses momentos no crepúsculo da vida deste político que pela sua acção destemida soube conquistar um lugar na História.