por Pedro Correia, em 07.06.08
Sócrates, Paulo Bento e a imaginação do poder
Há muitos aspectos incompreensíveis do Maio de 68, mas o que sempre mais me intrigou foi querer levar "a imaginação ao poder". Imaginação ao poder, para quê? Quem exerce o poder em princípio é um político.
Alguma vez um político precisa de imaginação? Dêem-me um exemplo de um político na história que se tenha distinguido pela sua imaginação.
Assim de repente não me estou a lembrar de nenhum. Os políticos com imaginação são como o Peter Pan: recusam-se a crescer e a ver a vida como ela é. Vivem numa espécie de Terra do Nunca, e julgam que a praia está debaixo da calçada. A imaginação é para o John Lennon: do que um político precisa é de ideias (que é diferente de imaginação), vontade política e, sobretudo, bom senso. É por isso que eu, que não simpatizo nada com Nicolas Sarkozy, espero que no seu projecto de acabar com a herança do Maio de 68 ele não seja bem sucedido em muitos aspectos, mas que o seja pelo menos neste: o de acabar com a ideia peregrina da "imaginação ao poder".
Vendo bem as coisas, tivemos recentemente um primeiro-ministro (não
eleito) aparentemente cheio de imaginação: refiro-me evidentemente a Pedro Santana Lopes. E digo "aparentemente" porque Santana é cheio de ideias (muito pouco concretas) e em qualquer campanha onde se meta avança sempre com grandes projectos, alguns deles por sinal bem mirabolantes. Creio tratar-se mesmo do político português mais imaginoso (ou rodeado pelos assessores mais imaginosos). Só que viu-se o que era a imaginação com o santanismo no poder. O país sem rumo, sem nenhuma coerência governativa, e o governo sem fazer ideia de como pôr em prática nenhum dos imaginosos projectos.
Foi por isso que, assim que em boa hora lhe foi dada a oportunidade para isso, o país se livrou do turbilhão imaginoso santanista e elegeu um primeiro ministro que é a antítese da imaginação. Monótono, previsível, assim é José Sócrates. Com Sócrates sabemos sempre com o que podemos contar e não há surpresas. É por isso que eu gosto dele.
No Sporting a situação é análoga. Aliás os recentes treinadores do Sporting são parecidos com alguns dos últimos primeiros ministros de Portugal. Fernando Santos foi o Guterres do Sporting, boa pessoa, católico e medroso. Já Peseiro era o Santana: estava sempre a inventar nas tácticas e não oferecia confiança nenhuma aos adeptos. Mas fazia-os sonhar: imaginavam que, jogando sempre ao ataque e descurando a defesa, venceriam muitos troféus, Viu-se o que ganharam com ele. O balneário era uma desorganização e a equipa arrastava-se sem rumo.
Em boa hora os dirigentes sportinguistas despediram Peseiro (num processo complicado e tumultuoso, como foi o despedimento de Santana) e foram buscar um treinador que é o seu oposto (como Sócrates é o oposto de Santana). Tal como Sócrates, Paulo Bento não inventa, Paulo Bento é previsível, Paulo Bento é teimoso. Até na maneira de vestir são semelhantes! Com Paulo Bento sabemos sempre com o que contar, e é por isso que eu gosto tanto dele. Paulo Bento dá-nos efectivamente tranquilidade, apesar dos seus discursos repetitivos. E quanto à sua imaginação, fica sumarizada naquela conferência de imprensa a seguir ao Sporting-Paços de 2006, imortalizada pelos Gato Fedorento:
"andebol, basquetebol, mão; futebol, pé".
Tenho cá para mim que enquanto os portugueses se recordarem de Santana Lopes, o primeiro-ministro será Sócrates, e enquanto os sportinguistas se recordarem de Peseiro, o treinador será Paulo Bento. Espero que ambos tenham muito sucesso e continuem muito tempo nos seus cargos.