“A igualdade é o valor mais nobre da democracia”, declarou a nova ministra da Igualdade de Espanha, a andaluza Bibiana Aído, no seu discurso de posse. Nova não, novíssima: tem apenas 31 anos e é a mais jovem ministra espanhola de todos os tempos, como se apressaram a anunciar os assessores governamentais no palácio da Moncloa.
José Luis Rodríguez Zapatero, que cultiva o marketing político como ninguém, transformou ‘Bibi’ – o petit nom de Bibiana na intimidade – num ícone da sua governação, produzindo instantâneos efeitos mediáticos, tal como aconteceu com Carme Chacón, a catalã de 37 anos que nomeou ministra da Defesa. A imagem desta loura vistosa, grávida de sete meses, passando revista às tropas em parada e viajando em avião militar para contactar as forças especiais do seu país estacionadas no Afeganistão, tornou-se de imediato um excelente cartão de visita da Espanha ‘socialista’. Paradoxalmente, visa promover um valor ‘burguês’ – para não dizer mesmo conservador – ao funcionar como instrumento subliminar de promoção da maternidade, enquanto sinónimo de modernidade e até de um certo glamour, num dos países que possui hoje uma das mais baixas taxas de natalidade em todo o mundo.

Mas regressemos à frase de Bibiana Aído, que soa como um slogan de assimilação fácil, destinado a colher aplausos generalizados. A igualdade será mesmo o valor mais nobre da democracia?
Um relance pela história dos últimos decénios demonstra que não.
Em nome da igualdade foram cometidos alguns dos maiores crimes do século XX. O extermínio de pequenos agricultores russos e ucranianos que não se submeteram à norma ‘igualitária’ da Revolução de Outubro. O internamento em campos de ‘reeducação’, a humilhação pública e as sevícias que desabaram sobre o embrião de classe média nos anos desvairados da pseudo-Revolução Cultural na China maoísta. A igualdade utópica erigida em dogma supremo que justificava os mais cruéis anátemas, como a liquidação de qualquer indivíduo que usasse óculos – esse absurdo símbolo de uma cultura ‘decadente’ – no Camboja sujeito à mão de ferro de Pol Pot.
Depois das escabrosas experiências de engenharia social feitas pelos maiores tiranos apostados em garantir a ‘igualdade’, esta palavra passou a ser uma das mais corrompidas da nossa época. George Orwell tornou bem evidente esta irremediável corrupção lexical, em que a palavra serve apenas de camuflagem para ocultar o seu significado oposto, na mais corrosiva fábula política de todos os tempos – O Triunfo dos Porcos (Animal Farm, 1945), quando se torna evidente, aos olhos de todos os animais que habitam a quinta, que “uns são mais iguais do que os outros”. Precisamente os que integram a camarilha triunfante, formando uma nova classe – igualitária no verbo, despótica no mando.

O pensamento de Bibiana Aído – que tutela um ministério com conotações orwellianas, na versão da imprensa madrilena que não esconde a sua alergia a Zapatero – é certamente alheio a tudo isto. Mas por melhores que sejam as intenções da jovem governante, a frase que proferiu estava errada. O valor mais nobre da democracia não é a igualdade – é a liberdade. A ‘igualdade’, como já se viu, pode coexistir com a mais aberrante ditadura (reina a ‘igualdade’, por exemplo, entre todos os prisioneiros num campo de concentração). Mas nunca haverá democracia sem liberdade. Não pode haver.
“A liberdade é preciosa – tão preciosa que deve ser racionada”, assegurou Lenine, numa das maiores proclamações de cinismo político de que há memória. Mas que é também uma notável homenagem do fundador do Estado soviético, embora involuntária, a essa aspiração suprema da condição humana que é a liberdade. Que só mantém o seu valor facial quando é aplicada sem racionamentos.
Até contra a igualdade, se for preciso.