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Nos próximos meses a contenda vai agitar-se, a cadeira de Chefe de Estado está a vagar e há que lá sentar uma personalidade nacional que satisfaça uma significativa proporção de portugueses, capazes de o exibir na lapela. A expectativa do regime, uma ilusão benigna, é que no final da contenda todos se sintam representados por essa figura. Evidentemente que tal ensejo é irrealizável, mas todos nos conformámos com o circo. No dia seguinte ás eleições, os eleitores assistirão a um processo de erosão, de desmistificação do eleito, fenómeno que, basta consultar os jornais, se repete inexoravelmente desde o início desta terceira república. Os crachás cairão das lapelas dos adeptos, mesmo dos mais fervorosos, como folhas secas no outono. A questão está no facto das pessoas terem memória curta e por isso não discernirem que o problema não está no malabarista que ocasionalmente é inquilino de Belém, mas na arquitectura retorcida e ineficaz do regime de Chefe de Estado que nos coube em azar. Todos saberão o que eu penso do assunto, não nos detenhamos nisso.
A relativa novidade da eleição que se avizinha, é a excepcional partidarização e consequente atomização dos profusos candidatos que se propõem ir a votos. Da esquerda extrema à direita trauliteira temos protagonistas para várias sensibilidades partidárias, sendo naturalmente o centro do bolo a fatia mais cobiçada. O sectarismo das candidaturas é, no entanto, indisfarçável, facto que, tendo em conta o papel que cabe a um Chefe de Estado, de representar toda uma Nação, não deixa de ser estranho. Se não vejamos: Marques Mendes foi o candidato presidencial anunciado no congresso do PSD, e prepara-se para receber o apoio do CDS, ou seja, será o candidato da AD. Mesmo que sem apoio unânime, António José Seguro, destacado militante socialista, obteve a anuência do seu partido para tentar finalmente reconquistar o Palácio de Belém para a esquerda, de lá apeada há 20 anos. André Ventura candidata-se para aumentar a base de apoio do Chega, fazer tanto barulho quanto possível, perorar contra os ciganos e contra os imigrantes – entretenimento puro para o comentariado e para os debates. Em termos de espalhafato só lhe faria frente a Joana Amaral Dias que, no entanto, não goza de grande simpatia nos Media. A Catarina Martins caberá a ingrata tarefa de levantar as bandeiras do Hamas, das minorias LGBT, e as franjas esquerdistas do PS, entre outras micro-causas, sempre contra o "patriarcalismo reaccionário". Imaginem a mensagem de Ano Novo da presidenta Catarina Martins se ganhasse as eleições. Mais abrangente será o discurso de Cotrim de Figueiredo, mais um a disputar o centro a Marques Mendes, e a fincar o seu partido na agenda das presidenciais. Admirável é a fidelidade dos comunistas ao seu eleitorado em vias de extinção, no boletim constará orgulhoso António Filipe que se sacrifica a correr para Belém.
Desenganem-se aqueles que, por eu ser um conservador, pensam que tenho alguma predilecção por militares, fardas ou patentes. Como a história dos últimos duzentos anos nos reclama dos livros, foram mais as vezes que as suas intromissões na política deram asneira do que o contrário. Escuso de listar aqui uma interminável lista de sinistras personagens fardadas que nos fadaram a este triste destino. Não é por isso que nutro alguma simpatia pelo Almirante Gouveia e Melo, cuja candidatura emerge fora dos partidos. Se os partidos são importantes numa democracia liberal, parece-me redutor que tudo se tenha de cingir a eles e às facções que representam na vida pública. E se, na lógica “republicana”, faz sentido o presidente emergir das facções em litígio, também deveria ser natural que a sua eleição obedecesse a outra ordem de razões – nem sempre, nem nunca. Já o disse aqui há atrasado: a mim, parece-me que a figura de Gouveia e Melo é o que vislumbro de mais parecido com um Chefe de Estado independente, sóbrio, austero e patriota - o rei.
O campeonato das presidenciais definitivamente não é para mim que disso sou objector de consciência, mas entristece-me ver tanto preconceito contra o único candidato apartidário. Tiranizado o espaço público pela hegemonia partidocrata, seria uma boa surpresa para mim que o Almirante passasse à segunda volta.
Simone Tulumello é um geógrafo que escreve sobre habitação, deixando claro que "Arquitectura (especialmente urbanismo) e Geografia são, com a Sociologia, as disciplinas centrais aos estudos de habitação (housing studies)", ao contrário da economia que "teve tradicionalmente pouco interesse no sector da habitação: só nas últimas duas décadas há uma produção científica significativa".
Como Simone Tulumello explica, "a clássica lei da procura e da oferta ... nunca é demonstrada: é assumida como um facto e usada como instrumento para forçar a realidade".
Baseando-se num economista (apesar de desvalorizar o contributo do conhecimento económico para a discusssão da economia da habitação) que escreve no Ladrão de Biclicletas e no Esquerda.net (Vicente Ferreira), Simone Tulumello não tem dúvidas em afirmar que "a disponibilidade de casas relativamente aos núcleos que dela precisam" é "o parâmetro que deveria definir o encontro entre procura e oferta", isto é, que a existência de uma casa vazia em Alcaravelas em simultâneo com uma família sem casa na Baixa da Banheira, define o ponto de equilíbrio entre oferta e procura de casas em Alcoentre.
Isto só não se verifica actualmente porque os fundos internacionais tratam a habitação como um activo financeiro, invalidando a lei da oferta e da procura pela introdução de um elemento externo que empurra os preços para cima retirando casas do mercado através do investimento no sector (por favor, não me peçam para explicar as ligações lógicas disto, estou apenas a tentar caracterizar o caminho lógico de Tulumello à procura da oferta no sector da habitação).
Tulumello cita o artigo 65º da constituição, atribuindo aos indivíduos obrigações que a constituição atribui ao Estado, para argumentar que há um conflito de direitos, isto é, que o direito de propriedade (que é dos indivíduos) e o direito à habitação, que deve ser assegurado pelo Estado, se equivalem e se devem equilibrar.
Por isso afirma, lucidamente, aliás: "Muita gente que tem muito espaço na comunicação social não consegue aceitar que a habitação seja reconhecida como um direito, exactamente como o direito à propriedade".
É verdade que muita gente não consegue aceitar esta ideia: não há nenhuma razão para aceitar uma ideia sem qualquer base moral ou legal, como é o caso, visto que o direito de propriedade é um direito intrínseco dos indivíduos (ao ponto da Declaração Universal dos Direitos Humanos lhe dedicar o seu artigo 17, sem quaisquer condições), enquanto o direito à habitação é um direito social e económico que cabe ao Estado assegurar (na Declaração Universal dos Direitos Humanos é um mero direito decorrente do direito a um nível de vida digno), isto é, manifestamente não estão "exactamente" no mesmo plano.
"O que muitos economistas esquecem é que o valor económico da habitação ... é determinado primariamente por nós: pelo Estado que lhe fornece as infraestruturas que a tornam habitável; e pela colectividade, que faz as cidades e os lugares que dão valor a um imóvel. ... faz completamente sentido pretendermos que essas casas sejam utilizadas para o fim ao qual se destinam ... O direito à propriedade não pode ser confundido ... com o direito de transformar um objecto necessário à satisfação de um direito básico em activo financeiro".
Caro Tulumello, não são os economistas que se esquecem, é a sociedade, são as pessoas comuns que querem mesmo poder dispor dos seus recursos, da sua propriedade e estão mesmo escaldadas com as inúmeras formas de contrabando que pretendem reabilitar a ideia de apropriação colectiva dos meios de produção.
A sua ideia de que alguém não pode pegar numa banana e em vez de a comer (ou seja, a utilizar para o fim ao qual se destina) a transformar numa obra de arte que é um activo financeiro, é a negação da liberdade.
Acontece que a liberdade é um direito que está ainda antes e acima do direito de propriedade que tanto incómodo causa a cabeças totalitárias como a sua.
E se resolver pensar um bocadinho no assunto, verá que a lei da oferta e da procura não é nada do que descreve acima, é a mera materialização da liberdade de trocar um bem ou serviço por outro bem ou serviço que outro alguém tem a liberdade de dispor como bem entende.
Mas se a ideia de liberdade não o seduz, como parece, ao menos que olhe para os resultados obtidos pela aplicação de ideias semelhantes às suas: em lado nenhum do mundo o controlo das rendas e da propriedade das casas pelo Estado deu bons resultados no médio/ longo prazo (raramente, deu resultados razoáveis no curto prazo, nada mais).
Esta tolice é das mais repetidas pelos estatistas que insistem que tem de ser o Estado a resolver os problemas de habitação que existem.
Comecemos pelo mais básico de tudo: o Estado, em Portugal, é responsável por 2% da habitação, o mercado por 98%, portanto, nestas circunstâncias, dizer que o mercado falhou, parece-me simples idiotia.
Note-se que, mesmo no que diz respeito a habitação social, o mercado é responsável por cerca de 3% da habitação social que o Estado, por via repressiva, impõe aos senhorios que assegurem, através de uma lei de arrendamento iníqua.
Refira-se ainda que mesmo em países em que o Estado é responsável por bem mais que 2% da habitação, os problemas de acesso à habitação subsistem, vejam-se os exemplos de Amesterdão ou de Estocolmo, neste último caso, o tempo de espera por uma casa é superior a dez anos.
Dir-se-á, com razão parcial, que o mercado actual, em Portugal, não está a dar resposta à forte procura que existe fora dos segmentos médio/ alto, alto e de luxo.
A pergunta central que se deve pôr é a seguinte: havendo, como há, uma forte procura de habitação nos segmentos médio, médio/ baixo, baixo e mesmo social, por que razão não há um caixa de supermercado jeitoso que arrisque construir para esses segmentos, com margens mínimas, mas ainda assim abrindo a possibilidade de um futuro mais risonho que a carreira que o espera no supermercado?
Primeira hipótese, o jeitoso não tem qualificações que lhe permitam meter-se nesse negócio. É uma hipótese sem interesse nenhum porque qualquer pessoa, com quaisquer qualificações, consegue produzir um quarto a mais na sua casa para alugar e ajeitar o seu rendimento ao fim do mês. Não o faz, legalmente (ainda gostava de saber quantas das casas estatisticamente devolutas correspondem a casas em pleno uso no mercado informal), porque a regulamentação sobre a matéria não lhe permite disponibilizar um quarto em condições sub-óptimas mas, ainda assim, melhores que a que o potencial inquilino tem neste momento, seja na rua, seja em casas superlotadas que alugam camas ilegalmente, seja na famosa história de se dormir na bagageira do Uber fora das horas de serviço (história que não sei se existe, o que sei que existe é que o senhor de uma das mercearias perto de minha casa vive com a mulher e dois filhos dentro da mercearia, em condições que, evidentemente, a lei proíbe).
Segunda hipótese, não tem capital para investir. Hipótese mais séria que a primeira, mas não só o crédito é relativamente fácil (bem sei que é mais fácil para os ricos que para os pobres mas, de uma maneira ou de outra, apesar de tudo é relativamente fácil) como, tivesse ele uma nesga de terreno, poderia ir fazendo uma barraca que venderia e lhe permitiria fazer outra melhor, que venderia, e depois uma casa modesta, que venderia, etc.. Não o pode fazer legalmente porque a lei o impede de construir coisas que, não sendo o óptimo, seriam melhores que as condições actuais em que dormem os potenciais compradores (ou inquilinos), para além de lhe exigir um processo kafkiano de licenciamento para o qual ele não está preparado.
Terceira hipótese, não tem a tal nesga de terreno porque não consegue aceder a terrenos onde se possa fazer uma coisa qualquer. Sim, essa é uma parte relevante do problema, mas quem cria a escassez de terrenos é o Estado ao expropriar o direito de construção na minha propriedade, impedindo os mais pobres de aceder a terrenos piores, com problemas, onde possam fazer um tugúrio qualquer que possam melhorar com o tempo, não é o mercado que não consegue responder a esta procura, é o Estado que ao impor critérios de construção e qualidade mínimos, deixa de fora todos os que, por uma razão ou por outra, não têm recursos para fazer, arrendar ou comprar alguma coisa que melhore as suas condições actuais, até que tenham outras condições para mudar para melhor.
Poderia estar aqui a desfiar hipóteses, umas atrás das outras, mas todas elas se podem reduzir a uma ideia chave: o mercado não responde à procura de segmentos mais baixos, porque é um mau negócio construir para esses segmentos.
E é um mau negócio porque o Estado impõe condições de construção que obrigam a custos elevados, tendo destruído o mercado de arrendamento (e sem vontade de o liberalizar, dar liberdade contratual e ser o garante do cumprimento dos contratos livremente estabelecidos), impôs a escassez dos terrenos onde se pode construir, regulamentando a construção de modo a tornar impossível a existência de construção barata (regulamentando áreas, infraestruturação, eficiência energética, etc., etc, etc..) e taxando sofregamente a actividade.
Não, não é o mercado a falhar, o mercado está a funcionar razoavelmente, dentro dos estreitos limites que o Estado impõe, de que resulta a resposta padrão do mercado, orientada para os segmentos que podem pagar o cumprimento de todas as restrições que o Estado resolve inventar.
Substituir o investimento privado pelo investimento do Estado no sector, mantendo o contexto (o que não é seguro, como se sabe, o Estado tende a fazer para ele regras que não são válidas para as pessoas comuns), apenas vai agravar o problema porque o Estado não costuma ser mais eficiente que os privados na produção de bens e serviços.
Se tiverem dúvidas, é olhar para a gestão dos bairros sociais, em que mesmo com rendas de menos de vinte euros, o grau de incumprimento dos inquilinos é brutal e a degradação é a norma, porque os recursos gerados não pagam, sequer, a depreciação do capital.
Os papeis foram propositadamente lançados ao ar, e depois o deputado houve que se vergar e apanhá-los, com a reprimenda que levara. É o mesmo que, nos seus cartazes da campanha que se avizinha para as Presidenciais, brama contra os ciganos (diga-se, em sã verdade, eu também não gosto de ciganos, e os ciganos, em geral, não gostam dos portugueses) e contra o Bangladesh, compreenda-se, contra toda a migração asiática.
Isto, reitero, da parte de alguém que quer ser o sumo-pontífice do Estado e exercer a suprema magistratura. Manda o decoro a exclusão do voto no candidato Ventura.
Há outros. Desde logo o "Almirante", salvo o devido respeito, um cavalheiro que terá lidos uns livritos sobre Sidónio Pais e se julgará tão providencial. Há também um "estadista" de pequena estatura, um homem de sempre ligado à política partidária, conquanto nada de mau lhe seja apontável no seu percurso moral. O mesmo se diga de um terceiro, mais jovem, estou certo uma pessoa boa, sem embargo de um algum ar ridículo, de sobrancelhas em til, com que pretende frisar a sua jovialidade.
E há outros mais que não contam para a disputa do campeonato.
(De fora ficou o único em que votaria, o meu amigo Tino de Rans, a mais conseguido retrato da idiossincrasia portuguesa e, consequentemente, o que melhor nos podia representar.)
Por isso não voto. Ou melhor, voto, sim senhor, aproveitando o boletim para uma breve exortação à Nação - Monarquia sempre!!!
Se outras não restassem, sempre referiria estas razões: o Almirante, se ganhar, creio não findará o mandato e tornará à sua antecedência monárquica com a maior convicção; Marques Mendes, é terrivel dizê-lo, - porque é de um fatalismo cruel - não tem planta de estadista, mais pela sua expressão pouco forte e pelo seu passado partidário; Tozé Seguro, um anjo sem asas, logo se perderia em discursos "à Sampaio", num tempo diferente e com os amigos do luso-universal Costa a comerem-lhe a cabeça...
E que assim não fosse. A Nação é realista, o estado é republicano e inimigo da Nação. Dentro da minha porta a Nação entra, a República não. Logo...
Tenho dito.
"Está tudo bem e nem há qualquer problema em conseguir uma habitação seja em que regime for, porque 85% das transações são feitas por familias (já agora quantas em valor absoluto), o crédito à habitação vai de vento em popa, constroem-se mais casas, MAS, os preços continuam a subir e a procura mantém-se estável e elevada, quando logicamente devia reduzir nem que fosse poucochinho porque algumas das casas contruídas deviam ter satisfeito parte da procura.
Mas não, a procura continua no universo dos baixos salários que impede aceder ao universo da oferta dos preços elevados e em crescendo.
Toda a Europa já se apercebeu desta situação exceto o HPS e mais algumas sumidades da IL.
Nem sempre uma mentira por ser muitas vezes dita, passa a verdade."
Não é a qualidade do comentário, que é fraquinha, que me interessa, mas sim o facto de comentários deste tipo serem muito frequentes e, por isso, valer a pena insistir na desmontagem de algumas tretas, em especial a treta habitual de distorcer os argumentos dos outros, para se conseguir argumentar.
Vou usar a técnica da fiambreira, cortando fatia a fatia.
"Está tudo bem e nem há qualquer problema em conseguir uma habitação seja em que regime for".
Ninguém diz que não há qualquer problema, há divergências sobre que problemas existem (eu tenho insistido que o problema central é o do acesso à primeira habitação, para além do problema que existe deste tempos imemoriais que é o facto de uma casa ser cara, por isso haver dificuldade dos mais pobres a esse bem, tanto maior quanto o mercado de cedência a troco de renda ou serviços for mais escasso), mas há um acordo bastante transversal de que há dificuldade em encontrar casas a baixo, ou mesmo moderado, custo.
Usar este tipo de distorções dos argumentos dos outros é uma confissão de incapacidade de argumentação racional.
"porque 85% das transações são feitas por familias (já agora quantas em valor absoluto)".
De novo a mesma técnica da distorção (a referência aos 85% das transações respondia ao argumento de João Paulo Batalha de que a construção não significava oferta porque era tudo para entesourar) e outro truque retórico que consiste em fazer perguntas para as quais se sabe, ou pode saber, a resposta. Os dados que uso são de fácil acesso ("Entre abril e junho de 2025, transacionaram-se 42 889 habitações, o que representa uma taxa de variação homóloga de 15,5% e um aumento de 3,7% face ao trimestre anterior. No trimestre de referência, o valor das habitações transacionadas atingiu 10,3 mil milhões de euros, mais 30,4% que em idêntico período de 2024. No 2.º trimestre de 2025, as aquisições de habitações pelo setor institucional das Famílias perfizeram 37 699 unidades (87,9% do total), somando 8,9 mil milhões de euros (87,0% do total). Neste período, os compradores com um domicílio fiscal fora do Território Nacional adquiriram 2 107 alojamentos (4,9% do total), o que representa uma redução homóloga de 14,5%"), o que demonstra que a pergunta não pretende convocar informação para a discussão, mas levantar dúvidas quanto à validade dos argumentos do adversário.
Esta técnica de levantar dúvidas quanto à informação através de perguntas retóricas que podem fragilizar as bases objectivas de uma discussão racional é uma evidente confissão de incapacidade de argumentar de forma útil e racional.
"o crédito à habitação vai de vento em popa, constroem-se mais casas, MAS, os preços continuam a subir e a procura mantém-se estável e elevada".
Este tipo de frases que misturam informação objectiva (a que está antes do MAS), a que se segue uma frase com meias verdades, antecedida de uma adversativa, é outra técnica retórica muito usada por quem tem dificuldade em deixar que os factos influenciem as suas ideias. O argumento que se pretende contestar, mais uma vez, respondia ao argumento de João Paulo Batalha de que a construção não aumenta a oferta de casas porque é tudo para entesourar (ninguém percebe esta ideia de que os investidores vão correr riscos para o mercado imobiliário em vez de comprar lingotes de ouro, porque partem do princípio de que estando a aumentar a construção fora do mercado, isso faz com que a expectativa de valorização futura no momento em que as casas entram no mercado seja forte e segura). Que os preços continuam a subir é um facto, que a procura seja estável não está demonstrado em lado nenhum, que é elevada face à oferta é outro facto (basta ler o que citei do relatório do INE, com os preços a subir mais que a oferta, indiciando que o aumento da procura é maior que o aumento da oferta) e, portanto, o MAS que caracteriza este argumento não faz sentido nenhum, não há nenhuma justificação para uma forma adversarial entre factos consensuais.
O que se pretende, com esta técnica retórica, é sugerir que os adversários estão a omitir informação que contraria o seu argumento, esta forma de distorcer o ponto de vista dos outros é a confissão de que não há muitos argumentos racionais que permitam à discussão evoluir de forma útil.
"quando logicamente devia reduzir nem que fosse poucochinho porque algumas das casas contruídas deviam ter satisfeito parte da procura".
Bingo!, era aqui que se pretendia chegar, quando esta conclusão não tem a menor base empírica ou teórica. Para que os preços baixem ou, pelo menos, não subam ao mesmo ritmo, é preciso que a dimensão da nova oferta seja próxima ou maior que a nova procura. O que o sistema de preços está a dizer é que não é isso que se passa, o que se passa é que o aumento da oferta tem sido lento, e o aumento da procura tem sido mais rápido, estando a maioria dos investidores convencidos de que essa tendência tem condições para se manter algum tempo. O que acontece é que há um conjunto de pessoas que acham que a construção de casas não deveria aumentar, por razões que não têm qualquer relação com a teoria económica, e que são perfeitamente legítimas, e portanto entretêm-se neste jogo argumentativo da treta, procurando justificar os efeitos reais dessa opção política legítima: o aumento da dificuldade dos mais pobres acederem a uma habitação (é um clássico, os mais pobres é que pagam as favas da imposição a todos da virtude das classes dominantes).
Pretender que uma opção política legítima, mas desastrosa, tem efeitos diferentes daqueles que a realidade demonstra, através destas chiquelinas argumentativas, é característico de quem está mais preocupado com a sinalização da sua virtude que com a resolução dos problemas dos outros, em especial, dos mais pobres e frágeis.
"Mas não, a procura continua no universo dos baixos salários que impede aceder ao universo da oferta dos preços elevados e em crescendo".
O corolário clássico deste contorcionismo argumentativo acaba em novelos lógicos sem qualquer interesse: a procura está no universo dos baixos salários, mas os promotores imobiliários preferem só construir para o universo dos altos rendimentos onde, aparentemente, o distinto comentador acha que não está a procura (a frase não se entende muito bem, tem ali uma junção de palavras que se pretendem usar, "baixos salários" e "preços elevados e em crescendo", mas a ligação entre essas palavras parece carecer de qualquer lógica, portanto é possível que a minha interpretação, que me pareceu ser a única que poderia justificar a frase, não seja a interpretação mais razoável da frase).

Parece um oximoro falar num "monárquico anarquista", mas João Camossa personificava bem o paradoxo, talvez por admirá-lo na indiferença para com a mundanidade, com aquelas barbas que bem podiam lembrar um Kropoktin ou um Bakunine. O anarca de Camossa tem liminar aproximação àquela ideia de Junger que gosta "da anarquia, mas não dos anarquistas". O anarca é, de forma singular, um solitário, como aqueles nomes primeiramente citados: dois príncipes russos que identificam o carácter aristocrático do anarca revoltado contra esse mesmo mundo.
Não lhe faltavam os costados da resistência. O pai capitão da marinha, fora um dos resistentes ao 5 de Outubro. A genealogia encontrava pressupostos ao carisma combatente. Interessa pois lembrar (para quem continua a suportar a ideia de que a monarquia caiu sem oposição), que ainda houve um capitão-mar-e-guerra Augusto Saldanha (pai de João Camossa), ao lado de um Paiva Couceiro, aquela estripe guerreira que de forma romântica podemos associar aos leais soldados na estribeira do seu rei. Era, como todos os idealistas, um "rebelde contra os pressupostos prevalecentes" e um "radical", como escrevia um outro monárquico e tradicionalista libertário chamado Kunnelth von Leddihn, também resistente contra todas as tiranias e crítico à loucura da modernidade.
A ideia do rebelde não se esgota na sua finalidade primária de se apresentar apenas contra as regras do jogo convencional, ele deliberadamente enfrenta esse "totalitarismo democrático", na máxima jungeriana da luta contra a modernidade despida de alma, que absorve o individuo e o escraviza. É o rebelde que recusa eliminar a sua individualidade nas multidões, um sentimento aristocrático que o devolve à primazia da solidão. O anarca Camossa tem essa similitude com Junger, é o soldado desmobilizado e que novamente retoma à escrita, ou o trabalhador que se volta para a vida espiritual, mais um espadachim do que um bombista.
Entendo quando convicto se denominava um"monárquico anarco-comunalista", ou um "anarco-miguelista", não pretendendo com isto fabricar conceitos políticos ou entrar em derivas ideológicas, tinha a sua percepção do mundo e dos homens, da história e da política, não tinha ilusões, distópico e fundamentalmente crítico, na consequência de se isolar numa sociedade cada vez mais igualitária no sentido capitalista, em que o consumismo e as modas ceifam as inteligências. Então, a coragem de ser diferente apenas interessa aos corajosos, por originais e intransigentes na sua vontade de se assumirem como homens livres, como Camossa sempre foi.
Podia ter tido vida fácil, não fosse um gastador, ou uma alma generosa, irresponsabilidade económica que o arrastou para a miséria, teve inclusive de vender a biblioteca herdada para poder sobreviver. Aristocrata por temperamento, anarca por condição, monárquico por convicção, caminhava em sentido contrário a quaisquer movimentos, regimes, grupos, tudo o que inculcasse cartilhas, ideologias, partidarismos. Mas sabia estabelecer alianças e, no miasma em que convergiam as inteligências, sabia dar a voz à luta. Algumas histórias ficaram para marcar o mito. Em Camossa, da sua eloquência, da sua personalidade, é difícil distinguir os factos da lenda. Sabe-se que durante o exercício da profissão (ele era advogado), e em plena barra do Tribunal Plenário de Lisboa, passou, em circunstâncias insólitas, de advogado a réu. Ora, para tal, tinha de despir a toga. Ameaçou o juiz de que estava nu por debaixo da toga. Se verdade ou não, tal não posso, na falta de mais dados, confirmar. Mas demonstra muito de um homem pouco convencional, conflituoso e de coragem determinante. Quando ser monárquico podia possibilitar uma entrada na Assembleia Nacional, tal nunca o seduziu. Nem monárquicos como Hipólito Raposo e Luís de Almeida Braga regozijaram com qualquer regime, o sentido da resistência era o mesmo. Preferiu o perigo, entre desilusões e fracassos, contra o ministerialismo do poder centralizador e contra outros despotismos que bem se podiam justificar entre ideologias e com os "amanhãs que cantam".
Não estava para sectarismos, nem se reclinava perante a banalidade dos grupúsculos. Exemplo desse carácter inconformista revelou-se quando recusou falar ao Diário Popular na cervejaria Trindade, alegando: "Que diriam os meus inimigos se me vissem retratado com um fundo de alegorias maçónicas?" - era esta a sua postura.
Por um lado o anarca, o desregrado, o rebelde, por outro o activista, o político, o militante. Um homem de paradoxos e de complexidade marcante. Participou na revolta da Sé (1961) e no Golpe de Beja (1961), se se opôs ao Estado Novo também se oporia àquela transformação violenta orquestrada pelo Partido Comunista e tão pouco simpatizava com qualquer outro extremo à esquerda. Foi co-fundador da «Convergência Monárquica» e em 1974 funda o Partido Popular Monárquico, ao lado de Barrilaro Ruas, Rolão Preto e Ribeiro Telles. Figuras igualmente paradoxais, como Rolão Preto, o aventureiro quase quixotesco dos camisas-azuis, o mais jovem da primeira geração do Integralismo Lusitano, depois o velho e honrado idealista que vivera o frenesim do século XX entre a loucura das ideologias e a aventura da guerra, nacional-sindicalista que concebia o rei com os sovietes. Estes eram os homens capazes de brandir o seu credo com a força demolidora do verbo.
Camossa invocava uma corrente libertária para quem o rei devia ser o último vestígio do Estado. Podia também aliar-se a outro anarca-monárquico, o Salvador Dali, ou a um Tolkien, cujo pensamento não divergiria muito. Ou ainda, um pouco mais velho mas ainda assim conhecido, um homem livre como Afonso Lopes Vieira, e ainda, próximo e contemporâneo, um Agostinho da Silva, no reencontro entre um neo-republicanismo místico e uma concepção anarco-comunalista reivindicada por uma facção do Partido Popular Monárquico, ideias compreendidas da influência de Herzen e do federalismo municipalista que apaixonara, nos primórdios da contestação oitocentista, uma primeira geração de republicanos. Subsumiam-se as ideias de uma monarquia pré-absolutista, idealizada na sua formulação popular e democrática, porque o que é verdadeiramente tradicional é inventar o futuro (diria mestre Agostinho da Silva).
A quem teima em colocar estereótipos sobre os monárquicos (e talvez eles sejam os principais responsáveis por essa imagem) Camossa permanece como uma figura fugida ao desinteresse deste mundo de banalidades e etiquetas. Não deixou uma obra escrita, um pensamento que possamos delimitar, ele próprio teria detestado um qualquer séquito de discípulos, mas deixou o Centro Nacional de Cultura, do qual foi um dos fundadores, deixou na memória uma luta inabalável em nome da instituição que compreendia melhor representar Portugal, para todos os efeitos a monarquia era a alternativa possível e nunca concretizada.
Fica aqui a homenagem a um homem singular e grande. Um homem verdadeiramente livre que podia ter proferido aquelas mesmas palavras de Ernst Junger: "para se chegar a ser livre, há que ser livre, pois a liberdade é existência".
"A explicação é esta: o stock de casas novas não está a ser posto no mercado, nem de arrendamento, nem de venda. São activos financeiros que estão parqueados para investimento".
João Paulo Batalha, que não conheço a não ser do facto de ter estado num mesmo estúdio de televisão que eu quando foi do debate sobre a pequeníssima alteração da lei dos instrumentos de gestão territorial a que erradamente se chamou lei dos solos, resolveu desembestar numa defesa completamente acéfala do artigo do Público de ontem sobre habitação.
Apesar de várias pessoas lhe explicarem na sua página de Facebook, de forma simples, as razões pelas quais o artigo era puro lixo (e eu acrescento aqui o boneco que o Carlos Guimarães Pinto usou para demonstrar a tolice do que está a ser dito sobre a oferta, a título de exemplo das várias coisas que permitem dizer que João Paulo Batalha simplesmente não quer ver a realidade para não ter de mudar de ideias), continuou com uma cassette sobe os dados estarem errados ou não, e outras patetices, até que finalmente escreveu a frase que cito no início deste post.

Note-se que o problema não é João Paulo Batalha dizer disparates, todos nós dizemos, o problema é que um artigo que, no essencial, apresenta o argumento de que construir casas aumenta o preço (como alguém judiciosamente comenta, se isso fosse verdade, então demolir casas teria como efeito diminuir o preço) foi amplamente citado como sendo uma coisa séria, ao ponto de, à noite, a SIC, no seu jornal principal, repetir a estupidez, chamando um geógrafo para corroborar esta inovação brutal da teoria económica.
O terraplanismo passou a ter direito de cidade, no actual jornalismo.
Veja-se a explicação brilhante (citada no princípio deste post) dada por João Paulo Batalha para corroborar a existência de um fenómeno raro, a demonstração de que a lei da oferta e da procura não se verifica no mercado da habitação.
Constrói-se para entesourar ("activos financeiros que estão parqueados para investimento", uma frase que não diz nada, evidentemente, mas soa muito bem), ao ponto de que tudo o que se está a construir não entra no mercado da habitação, portanto, há aumento tímido de construção, mas não há aumento da oferta.
Significa, se esta hipótese for verdadeira, que não há transações no sector das famílias.
Os dados são claros, mais de 85% das transações são feitas por famílias.
Se esta hipótese for verdadeira, o crédito à habitação deve estar pelas ruas da amargura.
Azar, há 21 meses que o crédito à habitação está a crescer, sendo o aumento do mês mais recente para os quais existem dados o maior aumento do stock de crédito à habitação desde 2008, ou seja, se a hipótese de João Paulo Batalha for verdadeira, há um monte de famílias portuguesas a endividar-se loucamente para parquear activos financeiros para investimento (a frase que acabei de escrever não faz grande sentido, a compra de uma casa é, ela mesma, um investimento, mas não sou eu o responsável pelo absurdo, estou apenas a levar a sério as tolices escritas por outros sobre o mercado da habitação).
É o estado do debate sobre políticas públicas promovidas pelo jornalismo e apoiado por pessoas para quem a realidade é completamente irrelevante, face ao brilhantismo das suas ideias e à pureza moral de que se revestem.
A propósito do artigo que me faz escrever este post, no Público, fui parar a um artigo do Expresso, sobre o facto das rendas terem baixado, que começa com esta frase típica de um jornalismo de referência: "No primeiro trimestre de 2024 as rendas dos apartamentos cresceram 3,8% na Europa, o que mostra que os preços continuam a abrandar".
Esta confusão entre diminuição da aceleração e travagem é um clássico das peças jornalísticas que falam da inflação (o que não falta é gente que pensa que os preços diminuem quando a inflação baixa), mas o artigo de hoje no Público, de Rafaela Burd Relvas, é outro nível de iliteracia económica.
"É uma máxima do liberalismo económico de fácil compreensão: quando a oferta de um produto ou serviço aumenta, superando a ecvolução da procura, o seu preço diminui; quando o contrário se verifica, o movimento inverso acontece. Seria uma teoria credível, não fosse, no caso da habitação, embater na realidade".
Ou seja, o Público, através de uma das suas jornalistas, da opção editorial de dar o destaque do jornal a este texto e de fazer disto a manchete da primeira página, está, num domínio do conhecimento diferente, a subscrever teses científicas ao nível de dizer que a terra é plana ou que Darwin não tem razão nenhuma e a teoria da evolução não passa de uma história da carochinha.
Talvez o mais espantoso seja o facto de, para garantir que uma das leis básicas da economia não se aplica à habitação (e, de resto, acha que é apenas uma das máximas do liberalismo económico e não uma lei básica da economia), Rafaela Burd Relvas não vá ouvir pessoas que percebem da economia do sector, mas duas pessoas que não têm qualquer trabalho sobre a economia da habitação (ou sobre qualquer outro domínio da economia).
Mais, uma delas, que nunca leu o artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos ("Artigo 17 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade."), chega mesmo a explicar que era o que mais faltava que alguém tivesse direito a ter mais casas que aquela em que vive: "Uma coisa é a casa onde vivemos. Ninguém tem de mexer nela. Outra coisa é a ideia de que temos o direito de ter mais casas do que aquela em que vivemos, como um instrumento para extrair rendimento. Uma segunda casa não é um par de sapatos".
De resto, o outro investigador, sem qualquer curriculum em economia, revela a mesma ignorância sobre os processos económicos, ao explicitamente achar que não existem custos de capital e que capital parado em contexto de inflação não gera perda (e já nem falo no custo de oportunidade, por ser demasiado complexo para estas cabecinhas): "Se eu vender laranjas, não posso ficar com as laranjas, indeterminadamente, porque elas aprodrecem (uma nota marginal sobre a ignorância em matéria de cozinha e conservação de alimentos, que parece estar ao nível da ignorância económica). ... Não é isso que acontece no caso dos imóveis ... Não consegue vender no momento, mas recusa-se a baixar o preço. Espera um, dois, três, quatro anos. E o preço não baixa; pelo contrário, até vai subindo".
A tese central defendida é que como o aumento de preços coincide com as regiões onde também aumenta mais a oferta, isso permite a conclusão de que aumentar a oferta não diminui o aumento da pressão da procura que faz aumentar o preço.
Que essa coincidência seja exactamente a demonstração da lei da oferta e da procura que se pretende negar (onde aumenta a procura o preço aumenta, gerando maior retorno para o investimento, o que faz coincidir, geograficamente, o aumento do preço e da oferta, enquanto a oferta não superar a procura) parece ser ideia que não cabe na cabeça da jornalista, dos dois investigadores de áreas não económicas que a jornalista escolhe ouvir para contestar uma das leis básicas da economia, dos editores que resolvem aprovar e dar destaque a esta tolice, sem que, sequer, percebam que, para além da pura difusão de "fake news", o jornal está, por coisas como esta, a cavar a sua sepultura.
Que haja jornalistas, investigadores, músicos e artistas plásticos (há muitos nos duzentos investigadores e especialistas que entendem que não se pode negar o direito à habitação com base na defesa do direito de propriedade, como se o direito de propriedade não fosse um direito humanos fundamental e o direito à habitação uma mera decorrência do direito genérico a um nível de vida satisfatório ("Artigo 25 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.") de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos) que escolham jamais deixar que os factos influenciem as suas ideias, é lá com eles.
Que a direcção e os accionistas de um jornal achem normal que se negue a lei da gravidade para justificar o facto dos aviões voarem apesar de serem tão pesados, já me parece manifestamente excessivo para um jornal que se pretenda sério.
Uma das mais interessantes contribuições teóricas de Lenine contraria directamente Marx: onde Marx (e Engels) entendiam que só os trabalhadores poderiam libertar os trabalhadores da sua exploração, Lenine veio falar da vanguarda dos trabalhadores, organizada no partido dos trabalhadores.
A tendência das organizações para se justificarem a si mesmas e hostilizarem os indivíduos que só criam confusão dentro das organizações, começando por terem as ideias que lhes apetece, em vez de terem as ideias que interessam à organização, é uma tendência muito forte e Lenine alavancou essa tendência na ideia do centralismo democrático, isto é, democracia dentro das organizações, sim, mas nunca com reflexos externos em que a individualidade contraria a decisão democrática colectiva.
É neste sentido que às vezes falo da tomada de poder pela ala leninista da Iniciativa Liberal, isto, a ala para quem a preservação da "linha justa" partidária é mais importante que o direito à asneira de toda a gente, o que conduz à ostracização e provável afastamento dos que não prescidem das suas opiniões no espaço público, mesmo que desalinhadas dos interesses da organização (escusam de me falar de Carlos Guimarães Pinto, com uma intervenção partidária mínima, que exprime publicamente as suas opiniões, não alinhadas com a direcção da Iniciativa Liberal, porque é uma excepção que confirma a regra, excepção essa que se deve à consciência do seu peso no movimento liberal em Portugal).
Não há nada de específico neste comportamento da direcção da IL, se falo mais vezes nisso a propósito da Iniciativa Liberal é apenas porque o liberalismo me interessa mais que o que defendem outros partidos.
Esta longa introdução tem apenas o objectivo de enquadrar a questão do financiamento partidário em Portugal, que é generoso e esmagadoramente feito pelo Estado, com base no número de votos.
Ou seja, a diferença entre o Bloco de Esquerda e a Jerónimo Martins, do ponto de vista do seu negócio, existe na substância, mas não tanto nos processos: o fundamental é ter uma equipa suficientemente profissional para vender o produto de forma eficiente, sendo possível ter receitas que garantam a sustentabilidade do negócio, mesmo que toda a gente diga mal das duas organizações.
Os militantes do Bloco (como de qualquer outro partido), na verdade, só atrapalham e não servem para nada, têm ideias próprias, conspiram uns contra os outros, não são precisos para financiar a organização e a manter, ao contrário dos funcionários do Bloco (ou de qualquer outro partido) que, desde que consigam bons resultados eleitorais (ou boas vendas, no caso da Jerónimo Martins), mais que justificam os seus ordenados por conseguirem captar recursos para que a organização se mantenha e assegure os rendimentos dos que dela dependem (tal como na Jerónimo Martins, o tempo dedicado à empresa pode depois ser rentabilizado noutra empresa que garanta melhores condições de trabalho, não é forçoso que assegurar os rendimentos de quem trabalha para um partido signifique a manutenção no partido, no Chega existem bastantes exemplos, e bastante evidentes, que demonstram esta ressalva, mimetizando, aliás, o que aconteceu com o PS de Guterres e Sócrates, cujo acesso ao poder, depois de anos de cavaquismo, permitiu a captação de muitos quadros para o PS, incluindo muitos que antes andavam nas margens do cavaquismo).
Estas características das organizações, em Portugal, são potenciadas pelo generoso financiamento do Estado e pelas regras excessivamente limitadoras do financiamento privado dos partidos, ao cortarem uma ligação fundamental dos indivíduos às organizações: a contribuição de cada um para a sua sustentabilidade económica.
Por mim, podíamos começar a cortar o financiamento do Estado aos partidos, liberalizando o financiamento privado (o que significa regras fortes de transparência em relação à origem dos recursos, e liberdade total de financiar qualquer organização política que se pretenda financiar).
5% por ano, para dar tempo aos partidos para retomarem competências de captação de militantes pagadores e financiadores.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».
Palavra da salvação.
Não conheço Lourenço Bray a não ser destas coisas virtuais, mas tenho apreciado o que tem escrito e, mais recentemente, o que tem escrito sobre habitação e sobre o que a burocracia europeia pensa sobre isso.
"Lá me dei ao trabalho de ver a que espécie de delírio recorrem no tal estudo para chegar a um valor mágico de “sobrevalorização”. Calculam uma média de três indicadores:Preço-rendimento (price-to-income) vs. média/nível de equilíbrio de longo prazo, Preço-renda (price-to-rent) vs. longo prazo; Modelo econométrico de fundamentais que relaciona preços com população, stock habitacional etc. etc. etc.. O gap final é a média simples destes três.
...
Eu não tenho de estimar nada ou usar modelos complexos, só tenho de observar uma tendência e interrogar-me se agora é o momento de inversão".
São de Lourenço Bray estas observações, em que comenta um relatório europeu que os estatistas difundiram largamente, do mais simples bom senso: o sistema de preços tem muito mais informação, muito mais precisa e difunde-a de forma muito mais eficaz que estudos baseados na ideia, manifestamente errada, de que o valor das coisas é objectivo e não o mero resultado do encontro de vontades subjectivas.
Serve-me isto como introdução ao manual de instruções para o desastre que o comissário europeu para a energia e habitação, dinamarquês e social-democrata, fez publicar ontem, no Público, sob o título "Crise da habitação na UE: uma solução europeia em defesa da nossa democracia".
Confesso que não percebo por que razão a habitação passou para a esfera europeia e o que é que políticas europeias podem fazer para melhorar um problema que, pelo menos em parte, resulta de políticas europeias.
Quando Dan Jorgensen diz que entre 2010 e 2023 o custo de construção das casas novas aumentou 52%, atribui este facto apenas ao aumento de custo dos materiais de construção mas, convenientemente, omite o provável contributo da regulamentação europeia para esse aumento de custo dos materiais e, mais directamente, da regulamentação europeia e nacional para a construção de casas, um sector fortemente regulamentado, quer no acesso aos terrenos com capacidade construtiva, quer no processo de construção em si mesmo.
Se se consideram os preços altos - uma falsa questão, os preços não são altos ou baixos, são o que resulta do encontro entre oferta e procura, o que pode haver é dificuldades de acesso provocadas pela diferença entre os preços que existem e o valor que é atribuído ao seu trabalho - ou se restringe a procura, ou se aumenta a oferta.
Restringir a procura, de maneira geral, colide com a liberdade de muita gente, seja porque passa a ser o Estado a decidir que usos posso dar à minha propriedade, seja porque restrinjo a imigração ou favoreço a emigração ou outra compressão qualquer da liberdade de dispor da minha propriedade ou da minha vida.
Aumentar a oferta, de maneira geral, implica aumentar a liberdade de resposta das pessoas à informação que lhe é fornecida pelo sistema de preços, seja simplificando licenciamentos e regulamentações, seja permitindo maior liberdade económica no uso da terra e outras medidas relacionadas com a liberdade de responder à procura existente.
Infelizmente, Dan Jorgensen não retira nenhuma conclusão relevante do seu diagnóstico que refere uma diminuição de licenças de construção de 20% coincidente com um aumento de 20% dos preços da habitação.
Pelo contrário, em vez de aprofundar as razões económicas que estão na base do problema, parte à desfilada por um atalho perigoso: "Porém, a um nível mais profundo, trata-se de uma crise moral com implicações para a dignidade e os valores humanos fundamentais".
Com base nesta coisa extraordinária que consiste em substituir o juízo económico pelo juízo moral sobre os desequilíbrios entre oferta e procura que geram o aumento de preços (sim, eu sei que, por definição, não existem desequilíbrios entre oferta e procura, mas serve para explicar isto de maneira rápida e compreensível), propõe-se então apresentar nos próximos meses um "Plano Europeu de Habitação a Preços Acessíveis".
Em primeiro lugar propõe-se restirar mais dinheiro à economia para que a Comissão Europeia o aplique em habitação acessível.
Combater a financeirização do parque habitacional.
Combater a burocracia (como toda a gente sabe, num saber de experiência feito, a coisa que a Comissão Europeia faz melhor é combater a burocracia).
Reforçar o mercado único (não percebi como se reforça o mercado único combatendo a financeirização, mas reconheço a minha incompetência para esta discussão).
Nova legislação sobre o arrendamento de curta duração (cá está o que a Comissão Europeia entende por combater a burocracia, suponho eu), para combater as práticas abusivas de quem arrenda a sua propriedade e, com isso expulsa os habitantes das cidades.
A minha pergunta é simples: qual é a legitimidade da Comissão Europeia para me enfiar pela goela as políticas habitacionais de António Costa que os eleitores rejeitaram?
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A única coisa de que me queixo é da chegada tardia de Astérix à Lusitânia, ao fim de 40 álbuns de originais, quase 50 anos depois da morte de Goscinny o seu genial guionista e criador; e cinco anos depois da partida aos 92 anos de Urdezo, o desenhador que concebeu graficamente e deu vida às personagens da série. Michele Vaillant, personagem de Banda Desenhada (de corridas de automóveis que eu adorava) de Jean Graton, em 1971 já tinha vindo competir no Rally de Portugal, e voltou mais tarde em 1984 com “O Homem de Lisboa”, não sem antes ter passado por Macau em 1983. Dir-me-ão que o Hergé jamais colocou os seus personagens em terras da língua de Camões... ele era cuidadoso na indefinição dos países por onde Tintim passava, muitas vezes inventados. Mas é verdade, assim que me lembre de repente, Tintim passou pela URSS, China, Congo Belga, EUA, Tibete, Escócia, e Bélgica naturalmente (não explicitamente, julgo). Facto é que os personagens de Edgar Pierre Jacobs, Blake & Mortimer, visitaram a Lagoa das Sete Cidades na Ilha de São Miguel, Açores, no álbum “O Enigma da Atlântida”, um verdadeiro clássico.
Enfim, para a geração da Banda Desenhada de linha clara, “Astérix na Lusitânia” é assim como ganharmos o Eurofestival ao fim de décadas de irrelevância…
Mais vale tarde que nunca, recebamos estas celebridades gaulesas, Astérix e Obélix, com gáudio e todas as honras, a partir de amanhã numa livraria perto de si.
Agora que as pequenas celebridades paroquiais, como Sampaio da Nóvoa, Centeno ou Augusto Santos Silva, parecem estar definitivamente fora do assunto, temos já uma ideia do conjunto de candidatos relevantes para as eleições presidenciais, salvo alguma surpresa de última hora.
Aparentemente, temos três pessoas que querem e podem ser presidentes da república, Gouveia Melo, Marques Mendes e Seguro.
Esquecendo os candidatos folclóricos, temos depois um conjunto de pessoas que, como soldados disciplinados, estão a executar manobras de interesse partidário, mas sem qualquer interesse fora dos círculos da militância partidária e respectiva extensão mediática.
Sei o risco de fazer previsões tão taxativas sobre o futuro, mas parece-me que, neste caso há boas razões para, salvo surpresas de última hora, se admitir que os três primeiros podem ir à segunda volta e ganhar, os outros não têm grande hipótese de ir à segunda volta, excepto Ventura que, indo à segunda volta, perderia sempre com qualquer dos outros.
O que é diferente nestas eleições, em relação às anteriores, é que o voto da primeira volta não é irrelevante, quer porque há quatro pessoas que podem, em princípio, ter votações que os levem à segunda volta, quer porque três deles ganham facilmente se Ventura for à segunda volta, ou seja, na verdade, no caso de Ventura ir à segunda volta, o presidente é escolhido na primeira volta ao ganhar a corrida entre os três outros que podem passar à segunda volta.
Ventura é, dentro dos candidatos, o que parece ter um eleitorado mais seguro, cerca de 20% dos votos, mas tem dois problemas: 1) Na segunda volta não consegue aumentar o suficiente essa votação; 2) A ideia de que o seu eleitorado é mais seguro que o dos outros parece-me por demonstrar, é plausível, mas não é nada segura.
Gouveia Melo começou com boas indicações mas alienou grande parte do eleitorado de protesto ao hostilizar o Chega e escolher ter ao seu lado demasiada gente de quem se pode questionar parte do seu passado. Ao mesmo tempo que não tem grande coisa a oferecer ao eleitorado do centro moderado, quando comparado com Marques Mendes e Seguro, isto é, Gouveia Melo meteu-se por atalhos, e agora está metido em trabalhos. Acresce que a manobra partidária da Iniciativa Liberal pode ir buscar um ou dois por cento do eleitorado potencial de Gouveia Melo, e isso ser fatal na corrida para a segunda volta. Por outro lado, pode beneficiar da vontade da esquerda do PS castigar a ousadia de Seguro, pondo-o no seu lugar, o que aponta para o voto em Gouveia Melo na primeira volta.
Marques Mendes tem boas hipóteses de passar à segunda volta, com mais dificuldades que as que pensaria, mas tirando o caso de ser Ventura o seu adversário, não é nada linear que consiga ganhar uma segunda volta com Gouveia Melo e, sobretudo, com Seguro.
Sobra Seguro (em que, em princípio, vou votar) cuja principal dificuldade é passar à segunda volta, já que, se lá chegar, em princípio ganha a qualquer um dos outros três potenciais adversários.
Diria, com uma enorme incerteza, que se boa parte do eleitorado se estiver nas tintas para as manobras partidárias, e ignorar a tontice de estar a ver se é o PC, o BE ou o Livre que tem mais preponderância na esquerda radical, Seguro tem boas hipóteses, se os meninos da esquerda radical andarem a brincar no recreio para saber quem é o maior, provavelmente elegerão Gouveia Melo ou Marques Mendes como presidente da república.
Felizmente para nós, se o país e as instituições aguentaram dez anos de Marcelo, aguentam qualquer coisa, até porque, como tem demonstrado, e bem, Montenegro, o presidente da república pode ser reduzido à sua insignificância, no caso de optar por falar muito e não dizer nada.
Quando a “esquerda toda junta” votou contra a lei que permitia desocupar casas ocupadas ilegalmente — os chamados okupas — justificou-se dizendo que o problema não tinha grande dimensão. É verdade que, por cá, os números não são tão expressivos como na vizinha Espanha.
Agora, que a mesma “esquerda toda junta” voltou a unir-se para votar contra a proibição da burka, ouviu-se o mesmo argumento: o fenómeno não é comum em Portugal. Eu não tenho ido ultimamente para as bandas do Martim Moniz, mas acredito que, de facto, os casos não sejam muitos — até porque a imigração vinda de países islâmicos é, em larga medida, composta por homens.
Mas esta lógica — muito cara ao PS — de que só se deve agir quando um problema atinge proporções ingovernáveis é das mais estúpidas que conheço. A legislação serve também um propósito preventivo e pedagógico: existe precisamente para evitar que se criem problemas complicados. Esperar que eles explodam para depois agir é uma perfeita parvoíce.
Nos casos dos okupas ou das burkas, creio que a esmagadora maioria dos portugueses intui o óbvio: a prevenção é o melhor caminho. No seu afã de seguir a agenda do Bloco, o PS afasta-se cada vez mais do senso comum e entrincheira-se numa lógica apenas compreensível pelos Prata Roque do eixo Lux–Bairro Alto. Será, talvez, o seu caminho para a irrelevância. Não terei grande pena.
A propósito das guerras no Médio Oriente (são muitas e variadas) fala-se muito, e de forma muito indignada, sobre o direito internacional.
Eu, como qualquer pessoa radicalmente moderada, é a favor do direito internacional e da sua aplicação.
Mas convém ter em atenção dois pormenores.
O direito e a aplicação da lei não são a justiça, nem levam forçosamente à justiça, são duas coisas muito diferentes.
Por outro lado, pretender moldar a realidade em função do direito, em vez de se fazer um esforço de interpretar o direito a partir da realidade, é uma coisa muito pouco útil.

Este boneco é a ponte da Ajuda, rebentada durante a Guerra da Restauração, e ligava Elvas a Olivença.
Continua tão destruída como desde os meados do século XVII porque Portugal, e o direito internacional, não reconhecem esta fronteira (ainda hoje, os mapas militares portugueses interrompem o desenho da fronteira entre Portugal e Espanha neste troço).
Quantos dos radicais da aplicação do direito internacional estão mesmo disponíveis para armar um exército para Portugal ir garantir a aplicação do direito internacional (indiscutível, neste caso) a Olivença?
A esquerda radical acolhe a burka não por ignorância, mas porque ela simboliza o que mais deseja: a erosão moral e cultural do Ocidente.
A burka, imposta nas versões mais retrógradas e fanáticas do Islão, é um símbolo de violência e humilhação contra as mulheres.
Ao deixar apenas uma fenda para os olhos, nega à mulher o campo de visão, a expressão e, sobretudo, a identidade. Na nossa cultura, o rosto é a marca da pessoa, o sinal visível da dignidade individual. A burka apaga-o. Transforma o ser humano em sombra.
Quem a usa dificilmente encontrará emprego, integração ou liberdade. Não é um traje: é uma cela ambulante. Por isso foi, ebem, proibida em boa parte da Europa Ocidental. A burka é um monumento à submissão, uma peça icónica de um mundo em que a mulher é propriedade. Tudo isto parece óbvio, mas, como advertia G.K. Chesterton, “chegará o dia em que teremos de provar ao mundo que a relva é verde”. Pois bem: esse dia chegou.
E então, porque é que a extrema-esquerda simpatiza com a burka? Porque, para ela, a presença da burka no nosso espaço público é mais do que uma questão de religião: é um símbolo político. Representa, aos seus olhos, o colapso moral do Ocidente, e tudo o que enfraqueça o Ocidente é, por definição, bem-vindo.
A extrema-esquerda vê na burka a prova viva de que a civilização liberal falhou em impor os seus valores universais. E como o objectivo último é destruir essa civilização, para que surjam, um dia, os tais “amanhãs que cantam”, toda manifestação do seu enfraquecimento é recebida com entusiasmo. É a velha lógica revolucionária: os inimigos dos nossos inimigos são nossos aliados.
Pena é que a dignidade das mulheres sirva, uma vez mais, de arma táctica.
Pena é que um PS, capturado ideologicamente pelo Bloco de Esquerda, não perceba o atoleiro moral em que se deixou cair.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos uma parábola sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar: «Em certa cidade vivia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário’. Durante muito tempo ele não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: ‘É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens; mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente’». E o Senhor acrescentou: «Escutai o que diz o juiz iníquo!... E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa. Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?».
Palavra da salvação.
Parece que hoje, em gloriosa jornada parlamentar, a República proíbiu o uso da burca em espaços públicos, assim pretendendo "libertar" as mulheres desse atavio e da sua eterna submissão ao poder masculino. E a única conclusão que logrei tirar foi - eu afinal não sei o que é a liberdade.
Depois ouvi um breve debate sobre o tema, na CNN, entre um cavalheiro do Chega, uma senhora deputada (muito atrapalhada) do PSD e o sempre sereno Álvaro Beleza - alguém que prezo e recuso situar à esquerda, mesmo que ele se diga como tal - e reorganizei as ideias. Parece que tudo poderá ser resumido assim:
- A burca usada por muçulmanas contra a sua vontade, v. g. por imposição familiar - não, jamais! (E por esta via iriamos dar à violência familiar..) A burca usada por vontade própria é uma tão legítima opção quanto o turbante dos sikhs, a batinas dos eclesiásticos católicos romanos ou a longa barba dos ortodoxos. A circunstância de viverem em Portugal e terem de seguir o normativo jurídico da República Portuguesa nada contende com isso.
- Donde a péssima colocação do problema. Aliás: da jacobina colocação do problema.
- Depois sobram as imprescindíveis questões de segurança, para as quais uma defesa eficaz é a vídeo-vigilância. E aí, na realidade, debaixo de uma burca poderá estar um(a) terrorista, quem quer que seja animado dos piores propósitos, e a cara destapada é sempre um dado de valia.
- Tudo somado acarreta uma só conclusão: legislar assim à pressa, só na República portuguesa, ou nas demais afectadas pelo jacobinismo. Há lugares e lugares, propensões e propensões. Valeria proíbir uma burca como o uso de um barrete de esquiador, seja verão ou inverno. O legislador, em vez de pretender chatear, devia estudar e prever e só depois estatuir. Devia tirar os óculos escuros que, às vezes, são o disfarce dos meliantes. Também poderia pressupor que uma mulher de burca por convicção religiosa não se passeia por aí, à noite, em lugares atreitos a navalhas, rebentamento de caixas-multibanco ou de lojas de conveniência. E, então, o diploma legal sairía mais centrado nas condições de tempo e local do que no pano enroscado nas cabeças islamitas.
Mas isso dá trabalho, não provoca o outro lado do hemiciclo parlamentar e até pode ser consensual. Tudo uma monotonia, uma maçadora sessão. E não foi para isso que a Assembleia da República Portuguesa foi criada.
Ou então passem ao capítulo seguinte: o dos turbantes, batinas, balandraus e - sejamos coerentes - gajas em sapatos-andaime que atacam à noite na escuridão das avenidas.
A esquerda gosta de carregar a dor da escravidão que os povos africanos sofreram. Carrega-a com fervor moral, como se fosse sua, como se o passado se purificasse à força de indignação retroativa. Essa dor, legítima, sem dúvida, nada devolve a quem foi escravizado. E, no Ocidente, a escravatura acabou há mais de século e meio.
Convém recordar um detalhe que raramente entra nos manuais de virtude progressista: a esquerda teve pouco, muito pouco, protagonismo no abolicionismo. Os verdadeiros motores da abolição foram cristãos, evangélicos anglicanos, metodistas e quakers, que viam no ser humano um filho de Deus, único e irrepetível. Para eles, a escravatura era incompatível com a dignidade humana.
Pois bem, os que hoje gritam contra a História são muitas vezes os mesmos que se calam, ou alinham, perante os ultrajes do presente. São cúmplices, por ação ou omissão, da opressão imposta às mulheres por fações islâmicas retrógradas que as confinam à sombra e lhes negam o direito de existir no espaço público.
Hoje, ao votar contra a proibição da burka, a esquerda escolheu, consciente ou dissimuladamente. ficar do lado errado da História. Votou contra a dignidade e a favor da submissão.
Shame on them.
"Passos Coelho nunca escondeu o desejo de voltar ao poder Executivo, embora vá repetindo várias vezes que está “fora da política ativa”."
O jornalismo, sobretudo o jornalismo político, está reduzido a isto, a achar normal dizer que Passos Coelho (ou outra pessoa) nunca escondeu um desejo que vai repetindo que não tem.
Em que se baseia o jornalista para dizer que Passos nunca escondeu o que nega permanentemente?
Não sabemos, a hipótese mais provável é que tenha capacidades mediúnicas e esteja mesmo convencido de que o jornalismo é essa capacidade de ver muito para lá do que pode ser verificado objectivamente por alguém.
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Subscrevo e partilho das mesmas preocupações.Algum...
Em todo o caso creio que o grande desafio, muitíss...
Creio que no essencial as coisas caminham, se não ...
Sou assalariado desde que comecei a trbalhar, desd...
Desde que disseram esse disparate que eu pensei, b...