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A batalha de Lisboa

por João Távora, em 12.09.25

(...) "Só Carlos Moedas, devido ao sistema eleitoral, pode evitar que a maior câmara do país caia sob a influência de quem acha que o problema da habitação é haver proprietários privados, que o problema da segurança é haver demasiado policiamento, que controlar as migrações é racismo, ou que a nossa história e as nossas tradições são para ser repudiadas.

Acredita que o elevador da Glória nunca teria caído se estivesse pintado com as cores da Palestina? Porque deve haver na candidatura socialista alternativa a Moedas quem seja capaz de acreditar nisso. Para que haja uma maioria de bom senso e para impedir que Lisboa seja reduzida a uma comuna woke, é possível — e até talvez recomendável — votar em outras listas que não a do PSD e dos seus aliados para a Assembleia Municipal. Mas para a presidência da câmara, só é possível votar em Carlos Moedas."

Rui Ramos no Observador

A política TikTok

por João Távora, em 11.09.25

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Como é que é possível, sessenta deputados da Nação, influenciados por um vídeo TikTok produzido pelo seu líder (e depois apagado), oporem-se a uma viagem presidencial à Alemanha à Festa dos Cidadãos, “Bürgerfest”, por pensarem que se tratava de um festival de hambúrgueres? Segundo a nota do Palácio de Belém, a "Bürgerfest", em português Festa dos Cidadãos, “realiza-se anualmente nos jardins da residência oficial do Presidente Federal, para honrar o trabalho voluntário e promover o envolvimento cívico dos cidadãos”. Não havia nenhum deputado capaz de evitar este boçal disparate, talvez com a ajuda da Inteligência Artificial, à falta de outra?

É este o sentido crítico e conhecimento técnico destes nossos representantes que todos os dias com estardalhaço reclamam competência e ética no exercício dos poderes públicos? Não consigo evitar uma enorme vergonha alheia. É o preço do poder popular, dos critérios de escolha dos eleitores, bem sei. Quantos destes incapazes se preparam para conquistar lugares de responsabilidade nos órgãos autárquicos do país?

É a natureza humana à rédea solta, que em instituições fracas adquire demasiado protagonismo. O mundo está perigoso, é o que eu vos digo.

O PS que não aprende

por henrique pereira dos santos, em 10.09.25

Nas democracias há eleições (não basta haver eleições para haver uma democracia, mas não há democracia sem haver eleições).

As eleições não servem para escolher os melhores e muito menos os mais puros, servem, em primeiro lugar, para remover os que as pessoas não querem no poder e, em segundo lugar, para escolher quem as pessoas querem ver, naquele momento, no poder.

As eleições são amorais, não são plebiscitos morais.

O PS, que perdeu a sua ligação à sociedade, evoluindo para um mero grupo de ocupação do poder, tem muita dificuldade em lidar com a ausência de poder, até porque não acredita que no quadro normal do combate político as suas hipóteses de voltar rapidamente ao poder sejam grandes.

Como confunde o que aparece na comunicação social com a sociedade, tem vindo a procurar ocupar o poder sem verdadeiramente convencer os eleitores, até porque teve um enorme êxito na última vez em que conseguiu fazer isso, quando António Costa, sem avisar os eleitores, formou um governo com um inesperado acordo político com forças políticas que no dia das eleições toda a gente estava convencida de que eram seus adversários.

Nessa altura, a generalidade da comunicação social engoliu a ideia de que era normal fazer-se uma coisa diferente do que o eleitorado pensava quando votou e o PS achou que o método dava menos trabalho que ganhar eleições, o que se tem manifestado numa deriva populista a propósito de questões morais, quer no caso Spinumviva, quer agora, a propósito do desastre do elevador da Glória.

O PS acha que uma peça como a deste jornalista, dizendo que Moedas mentiu, tem mais valor que o que diz Jorge Coelho ao minuto 2 desta outra peça, isto é, um jornalista acha que as pessoas comuns acreditam que que a única questão que se conhecia sobre a ponte de Entre-os-rios era o mau estado do pavimento e, por isso, tinha sido decidido fazer um ponte nova e o PS acha que conversa de treta desta faz as pessoas rejeitarem Moedas.

O problema de fundo do PS é que não consegue ganhar a câmara de Lisboa no combate político normal e, quando acontece um desastre, vê ali uma oportunidade para alterar os dados do problema, porque tem uma comunicação social justicialista a ladrar incessantemente às canelas de Moedas, sem se aperceber de que a credibilidade do jornalismo está abaixo da credibilidade dos políticos.

Perderam com Montenegro e o afunilamento da campanha eleitoral no caso Spinumviva e, mesmo assim, juntam um conjunto de pessoas em que ninguém confia (António Costa? Santos Silva? Alberto Martins? Ferro Rodrigues? Capoulas Santos?, a sério que é com estas pessoas a negarem o conhecimento que existia dos problemas da ponte de Entre-os-rios, largamente documentado, que o PS quer ganhar a câmara de Lisboa a Moedas?) para, com a ajuda da imprensa, negar a realidade e fazer um juízo moral que, evidentemente, não aplicam a um tal José Sócrates, o homem que nunca se demitia (e bem), mesmo que as conclusões posteriores apontassem para a extracção excessiva de areias, sector tutelado por este colega de governo que agora todos renegam, depois de anos a dar-lhe resultados eleitorais internos no partido que ultrapassam os 90% de apoio.

Todos ministros de um primeiro ministro que se demitiu para fugir do pântano, sem nunca assumir responsabilidades políticas nenhumas por ter deixado crescer o pântano.

Não aprendem mesmo, e isso gera uma chuva dissolvente sobre o PS, cujos estragos vão demorar a ser reparados.

Culpa e responsabilidade

por henrique pereira dos santos, em 09.09.25

A diferença entre culpa e responsabilidade é muito estreita, sobretudo no senso comum, mas poder-se-á dizer que a culpa é o incumprimento de um dever e a responsabilidade resulta do reconhecimento de que uma determinada acção provocou um efeito negativo para terceiros.

A culpa não deve morrer solteira, com certeza, mas para isso é preciso, primeiro, identificar a culpa de que se fala.

A responsabilidade pode, ou não, morrer solteira, dependendo do grau de ligação entre a dita acção (ou omissão) e o resultado.

João Miguel Tavares (cito-o mais vezes nestas coisas porque tenho grande respeito por ele, ao contrário de outros que acho que nem vale a pena citar) volta a insistir na tese de que há sempre erro humano quando uma tragédia não resulta de uma fenómeno natural, a propósito do desastre do elevador da Glória.

Sim, há um erro humano inicial com mais de cem anos (um erro de concepção do projecto de substituição da cremalheira por um cabo), que durante mais de cem anos, apesar das inúmeras intervenções de modernização e melhoria do equipamento, e das ainda muito mais numerosas inspecções e acções de manutenção, não foi identificado por ninguém, indiciando que é um erro humano muito longe de ser evidente, até ao momento em que ocorre um desastre.

Sendo isto o que se sabe, qual é a responsabilidade das pessoas envolvidas e que pessoas se consideram envolvidas, portanto, potencialmente responsáveis.

Culpa ninguém tem, aparentemente, nem o projectista inicial, que tem com certeza a responsabilidade pelo erro de concepção mas não tem culpa, terá sido tão diligente quanto possível ao conceber o projecto, de tal maneira que não só o projecto foi aprovado e executado, como o erro de concepção, durante cem anos, não foi identificado.

Responsabilidade sim, como, em teoria, têm responsabilidade todos os que, nesses cem anos, tiveram alguma responsabilidade técnica no funcionamento do elevador (é um bocado idiota exigir responsabilidades aos dirigentes das organizações que operaram o elevador, porque isso pressupõe que é responsabilidade de um gestor estar tecnicamente mais habilitado que os técnicos contratados exactamente por serem tecnicamente mais habilitados).

O que interessa isso para a discussão actual sobre o assunto?

Muito pouco, na medida em que o que aconteceu não está relacionado com nada que tenha sido feito, com a informação que existe (é claro que falta esclarecer por que razão o cabo se soltou, aí sim, pode haver outro erro humano na amarração do cabo, ou uma fadiga de material não detectada numa inspecção, mas manifestamente isso continua a estar fora da responsabilidade directa dos responsáveis pelas organizações).

No entanto, a esquerda e o jornalismo (perdoem-me o pleonasmo), resolveram cometer exactamente o mesmo erro que cometeram com a Spinumviva, cavalgando o justicialismo e procurando liquidar politicamente um adversário através de leituras ultra-moralistas de uma tragédia.

E é um erro político por dois motivos.

Por um lado, ao contrário do jornalismo histérico e da sonsice política, a generalidade das pessoas não fazem leituras moralmente maximalistas do que se passou (quer agora, quer na Spinumviva).

A faixa do eleitorado, ainda relevante, que é sensível a essas leituras hiper moralizantes, não vota maioritariamente nos partidos moderados, vota nos partidos que vivem dessas leituras hiper moralizantes da acção política, sobretudo o Chega, desde que a extrema-esquerda está eleitoralmente tolhida pela sua história, que fez com que os eleitores do ressentimento se passassem, em grande escala, da esquerda radical para a direita radical.

Aos jornalistas o que devia preocupar não é a posição dos políticos nos estudos de opinião que pretendem avaliar a confiança das pessoas em diferentes grupos sociais, em que, desde sempre, os políticos andam pelos lugares que traduzem a habitual desconfiança das pessoas comuns nos políticos.

O que devia preocupar os jornalistas é que já há alguns estudos em que a confiança nos jornalistas aparece abaixo da confiança nos políticos, em grande parte porque se fixou a ideia, no jornalismo, de que o jornalista tem sempre que estar do lado contrário ao do poder, mesmo que o poder tenha, como às vezes tem, razão.

Very Typical

por José Mendonça da Cruz, em 08.09.25

«A Tasca», em Sagres, era um bom restaurante nas coisas fundamentais. Bom peixe bem tratado na grelha, boas ameijoas frescas e feitas no ponto com aquele molho que exige muito pão, e ainda outras alegrias genuínas e básicas. É agora um desgosto very typical. Em vez de caplanas tem bowls; em vez de ameijoas à Bulhão Pato tem amostras de ameijoas em molho inexplicável; em vez de «Polvo Sagreiro» tem uns tentáculos (dois, ou seja, cada polvo dá 4 pratos) que de «Sagreiro» não tem seguramente nem a batata doce, nem o molho de tomato-coriander-bayliff-onions-peppers-garlic, de que a casa deve fazer um barril diário para espalhar em cima de polvo, bowls e mariscadas. Suponho que também sobre peixe mediocremente estragado. E assim uma honrosa e inesquecível tasca se transformou em mais um antro de receitas sem gosto nem rasgo. Foi a última vez. Passem bem e rejubilem com o turismo mais rasca.

"A economia política dos incêndios em Portugal"

por henrique pereira dos santos, em 08.09.25

Antes do post: sobre o acidente do elevador da Glória tenho ouvido insistentemente a afirmação de que a culpa não pode morrer solteira, sem que ninguém me responda a uma pergunta básica: qual culpa?

O título deste post reproduz o título do artigo que Ricardo Paes Mamede publica hoje no Público.

"A prevalência de um enorme número de propriedades de dimensão muito reduzida é, em si mesma, uma fonte de baixa rentabilidade da floresta. Boa parte das actividades associadas à produção florestal - construção de acessos, preparação do terreno, plantação, manutenção, gestão técnica e mobilização da maquinaria - envolvem custos fixos elevados. Isso significa que os custos médios por hectare são mais reduzidos em propriedades de maiores dimensões, aumentando a rentabilidade. Pelo contrário, prédios exíguos têm retorno proporcionalmente baixos", diz Ricardo Paes Mamede.

O que diz tem lógica, portanto, a ser verdade, o que teríamos seriam propriedades pequenas abandonadas e sem gestão, e propriedades médias e grandes em plena produção.

Só que não é assim, não só a maior parte do Valor Acrescentado Bruto Florestal provém das regiões do minifúndio, como o que não faltam são propriedades com dimensões adequadas que estão abandonadas ou com gestão insuficiente (escusamos de ir buscar o direito sucessório português, em Lisboa ou Porto o direito sucessório é o mesmo a a generalidade dos terrenos não estão ao abandono).

O que explica então o desfasamento entre a teoria e a realidade, partindo do princípio de que a realidade raramente está errada?

Dois aspectos da economia da gestão florestal que Ricardo Paes Mamede não refere.

O primeiro, a produtividade da estação - os hectares não são todos iguais, uma coisa é produzir 4 metros cúbicos por hectare, outra coisa é produzir 16 metros cúbicos por hectare e, para a mesma espécie, variações destas existem facilmente - que, por sinal, é uma coisa que está relacionada com a estrutura da propriedade.

O segundo, os custos da operação, se gerir matos for uma operação cara que consome os lucros potenciais - sobretudo quando essa operação está relacionada com o aumento do risco de incêndio, isto é, poupanças na gestão, aumentam os riscos - os ganhos de escala a que se refere Ricardo Paes Mamede podem ser insuficientes para resolver o problema de uma operação ruinosa, logo, quanto maior é a área a gerir, maior é o prejuízo potencial.

Há muitas coisas do artigo de Ricardo Paes Mamede com que estou de acordo, nomeadamente a sua crítica à ideia de que resolvendo os problemas de propriedade, o assunto se resolve por si e a sua conclusão de que, nas actuais circunstâncias de mercado, a intervenção do Estado é imprescindível para gerir sensatamente o fogo.

Mas, infelizmente, a partir de um diagnóstico fundamentalmente errado, só por mero acaso se consegue chegar a soluções úteis e praticáveis sobre que intervenções deve o Estado fazer para ganharmos controlo sobre o fogo.

A comunicação social que temos

por Corta-fitas, em 07.09.25

A SIC N ofereceu-nos esta noite um debate muito instrutivo, esclarecedor e diversificado sobre a tragédia que aconteceu e responsabilidades sobre o sucedido, e tudo isto apenas com os com seus funcionários, com a prata da casa (ou latão, melhor dizendo): o jornalista ou locutor cujo nome não me lembra e não merece que perca tempo em ir verificá-lo, o Paulo Baldaia, Eunice Lourenço e Pedro Marques Lopes.

Quatro pares de olhos centrados num único alvo, Carlos Moedas. Extraordinário! Não percebo a razão pela qual não alargaram o debate, por exemplo a João Soares e a Pedro Nuno Santos, para maior largueza ou amplitude de opiniões e assim esclarecerem melhor as pessoas que se dão ao trabalho de verem o canal. Eu dou-me a esse esforço mas apenas porque tenho um especial sentido de humor e gosto de ter matéria-prima fácil e gratuita para me divertir e escrever.

Por qualquer motivo que informaticamente desconheço, sou informado de várias “notícias” de diversos órgãos de comunicação social. De entre os bombardeamentos de hoje, recebi uma “coisa” da CNN, um escrito alegadamente de Anselmo Crespo, onde se dizia que ele teria dito, e agora entre aspas, “Anacoreta Correia veio fazer uma triste figura. Se acha que é o responsável político pela tragédia em Lisboa só tem de se demitir.”

Aquilo bateu-me forte, fortemente, como quem chama por mim. Gente não era certamente e a chuva não bate assim pelo que fui ver. Na verdade achei estranho e, conhecendo bem a categoria, honestidade e seriedade de Filipe Anacoreta Correia, não acreditei no que estava a ler e tive de confirmar.

Ao contrário do que afirmava falsamente Anselmo Crespo na mensagem que recebi da CNN, Filipe Anacoreta Correia não disse que se achava “o responsável político pela tragédia em Lisboa” nem tem, obviamente, de se demitir.

O que Filipe Anacoreta Correia disse foi que era ele quem tinha os pelouros da mobilidade e das empresas municipais (como é o caso da Carris) e que “Se é para apurar responsabilidades políticas, elas devem ser apuradas em mim, de forma inequívoca”, e não sobre Carlos Moedas.

Acrescentou ainda Filipe Anacoreta Correia que não hesitaria em demitir-se se houvesse qualquer indicação de que houve falhas de índole política (que não se verificou, tanto quanto se sabe até agora), que ainda não há qualquer dado objectivo que permita imputar responsabilidades políticas a quem quer que seja (que não há, até ao momento) e que era necessário esperar pelos resultados da investigação (como é evidente), tendo também reforçado (e obviamente) a autonomia operacional da Carris.

Esclareceu também que não tinha conhecimento de quaisquer queixas de sindicatos da Carris sobre falhas na manutenção e que tinha tido este trimestre uma reunião com sindicalistas e que nenhum lhe tinha comunicado essas supostas queixas.

De forma que, na posse dos dados que existem, eu posso dizer, tal como o Ministro disse do Reitor, que Anselmo Crespo é um mentiroso e que da próxima vez que se referir a Filipe Anacoreta Correia deve lavar antes, e bastante bem, a sua boquinha com sabão como a Mamã Dalton fazia ao Averell.

A comunicação social queixa-se de não ser levada a sério, de não ser ouvida, lida, vista ou comprada. Acontece que certa comunicação social deixou de ser uma fonte de informação séria e independente para ser uma activista e agente política que prefere, ao invés de noticiar, influenciar e levar a cabo as suas pretensões, quaisquer que elas sejam.

Como pretende ela ter o mínimo de credibilidade?

Vasco Lobo Xavier

Domingo

por João Távora, em 07.09.25

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-Se e disse-lhes: «Se alguém vem ter comigo, e não Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo. Quem de vós, desejando construir uma torre, não se senta primeiro a calcular a despesa, para ver se tem com que terminá-la? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, se mostre incapaz de a concluir e todos os que olharem comecem a fazer troça, dizendo: ‘Esse homem começou a edificar, mas não foi capaz de concluir’. E qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro a considerar se é capaz de se opor, com dez mil soldados, àquele que vem contra ele com vinte mil? Aliás, enquanto o outro ainda está longe, manda-lhe uma delegação a pedir as condições de paz. Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo».

Palavra da salvação.

Justicialismo, doença infantil do jornalismo

por henrique pereira dos santos, em 06.09.25

"Ninguém pode fugir às suas responsabilidades", é como termina a crónina de João Miguel Tavares hoje, no Público.

"Concorrência continua sem conseguir cobrar 675 milhões de euros ao retalho alimentar", titulava, em letras gordas na primeira página, o Público de Domingo, 31 de Agosto".

O que une estas duas citações?

O facto de, nos dois casos, os jornais terem certezas sobre o que são "as suas" responsabilidades.

No segundo caso, o que está implícito, é que a concorrência cobrar 675 milhões de erros é uma prerrogativa do Estado, indiscutível, e pagar esses 675 milhões de euros é uma evidente responsabilidade do retalho alimentar.

Como se a responsabilidade do Estado não fosse demonstrar que as circunstâncias justificam o pagamento dessa multa e as prerrogativas do retalho alimentar não fossem as de se defender do que considerarem abusos do Estado.

No primeiro caso fala-se da impossibilidade de fugir às "suas" responsabilidades, antes sequer de se saber que responsabilidades são essas.

Imaginemos que ganho umas eleições para uma câmara. Imaginemos que passado algum tempo, uma árvore cai em cima de dez pessoas. Quais são as responsabilidades que me cabem nesse acidente?

Não sei, é preciso averiguar se alguém identificou o risco de forma clara, quem tinha a responsabilidade de o fazer, quem tinha a responsabilidade de, depois de identificado o risco, definir que medidas se deveriam adoptar para o eliminar ou mitigar, depois de definidas as medidas, saber quem tinha a responsabilidade de as financiar e executar, se as dez pessoas estavam debaixo da árvore, apesar dos avisos de que essa era uma opção perigosa, etc., etc., etc..

O risco zero não existe (João Miguel Tavares acha que sim, a julgar pelo que escreve, mas note-se que usei a crónica de João Miguel Tavares como mero exemplo de uma orientação justicialista muito presente na comunicação social nestes dias, sempre com a ideia de que o risco zero existe).

A gestão de risco é uma questão muito complexa que é facilmente sequestrada pelos populismos deste mundo.

É facilmente sequestrada porque a prevenção de risco custa muito dinheiro, custa tanto mais dinheiro quanto mais se tem o risco zero como objectivo e, consequentemente, depois do risco se materializar numa tragédia, é muito fácil acusar terceiros de terem feito opções erradas, mesmo que ninguém tenha identificado esses riscos antes.

As missões Apollo tiveram duas explosões graves, a primeira provocou a morte de três astronautas ainda no solo, a segunda foi no ar e permitiu o salvamento da tripulação. Claro que mais gente morreu antes, em variadas circunstâncias que provocaram acidentes nos vôos que foram sendo feitos até chegar ao programa Apollo.

Teria feito algum sentido pedir a demissão do Presidente dos Estados Unidos por causa dessas falhas?

Claro que não, o que foi feito, e bem, foi avaliar cada um desses acidentes com um objectivo clarinho, clarinho: evitar um acidente pelas mesmas razões, no futuro.

Se, nesse processo se identificam as "suas" responsabilidades, seja de quem for, susceptíveis de cair na categoria de negligência, incompetência, má gestão, com certeza isso pode ter consequências, inclusivamente judiciais, para esses responsáveis.

Quando se perde uma guerra, a responsabilidade é dos generais, não é dos soldados, mas o general não pode ser responsabilizado por uma manobra concreta mal executada por um subordinado, a menos que ela resulte de um padrão geral de impreparação do seu exército, ou de uma ordem directa do general.

O que manifestamente me parece pouco útil é esta pulsão, esta vontade de cortar a cabeça ao rei para resolver os problemas do reino.

Esta solução tem sido usada frequentemente ao longo da história, mas não me parece que os resultados verificáveis demonstrem que cortar a cabeça ao rei, de cada vez que alguma coisa falha, seja uma boa solução.

A flotilha e a ajuda humanitária

por henrique pereira dos santos, em 05.09.25

A flotilha que resolveu ir a Gaza levar ajuda humanitária tem um problema de fundo: nunca dá informação sobre que ajuda humanitária transporta, e como tenciona entregá-la em Gaza e a quem.

Tenho visto comentários de pessoas que consideram indignas as críticas, as observações ou as piadas sobre esta flotilha, porque nem que fosse apenas uma mão cheia de couscous, era ajuda humanitária e é preciso ter um coração de pedra ou estar subordinado a interesses incofessáveis para pôr em causa ajuda humanitária.

Não sou eu (ou melhor, não sou apenas eu) que digo que a flotilha não tem nenhuma relação com ajuda humanitária, é um acto político (legítimo, reforço eu para que não haja dúvidas), é a organização que é clarinha, clarinha a esse respeito: "The Global Sumud Flotilla is a coordinated, nonviolent fleet of mostly small vessels sailing from ports across the Mediterranean to break the Israeli occupation's illegal siege on Gaza. It brings together a diverse coalition of international participants, including those involved in previous land and sea efforts like the Maghreb Sumud Flotilla, Freedom Flotilla Coalition*, and Global Movement to Gaza. Each boat represents a community and a refusal to stay silent in the face of genocide. ... These boats don't just carry aid; they carry a message: the siege must end."

A ajuda humanitária é aqui apenas um pretexto para tornar moral e mediaticamente aceitável uma acção política hostil a um dos beligerantes em Gaza, o que explica por que razão a organização nunca perde um segundo a explicar que ajuda humanitária transporta e qual é o modelo logístico que garante que essa ajuda chega a quem precisa.

Ao contrário do que dizem os organizadores, não existe nenhum bloqueio a Gaza que impeça a ajuda humanitária de entrar em Gaza, o que existe é um sistema de verificação dessa ajuda humanitária por parte de um dos beligerantes (Israel), que entende que os modelos que estavam a ser usados antes da guerra estavam ao serviço (voluntária ou involuntariamente, é irrelevante) do outro beligerante (o Hamas).

Embora o modelo de ajuda humanitária que estava a ser usado pela ONU em Gaza para fazer chegar às pessoas cerca de metade da ajuda humanitária do mundo seja o modelo universal (a ONU trabalha com os poderes de facto em cada região), o facto é que Israel (justa ou injustamente) considera que o facto do Hamas (o poder de facto reconhecido pela ONU) recusar o cumprimento de qualquer regra comum em qualquer conflito, faz com que a ajuda humanitária gerida pela ONU tenha estado a ser usada, há muitos anos, pelo Hamas para garantir o controlo sobre os palestinanos de Gaza (é a própria ONU que, nos seus relatórios, refere a quantidade de camiões que são sequestrados antes de chegar ao destino, em percentagens que vão variando, mas são muito altas e, frequentemente, andam pelos 90% da ajuda sequestrada por terceiros, dando alguma credibilidade à alegação de Israel).

Por essa razão, Israel e os Estados Unidos deram apoio a um modelo alternativo de ajuda humanitária que a ONU e a generalidade das organizações internacionais operando em Gaza recusam, em absoluto, por ser um modelo militarizado, assente em segurança armada e operado sob a protecção de um dos beligerantes, Israel.

O modelo tem dificuldades, em especial a hostilidade activa do Hamas, mas não teve, até agora, qualquer desvio dos seus camiões de ajuda humanitária, e distribui, diariamente, mais de um milhão e quinhentas mil refeições, sem que o Hamas consiga controlar essa distribuição.

Muitas pessoas e organizações que acham inaceitáveis as críticas a uma flotilha que diz que transporta ajuda humanitária, sem nunca especificar nada que permita o escrutínio do que anda a fazer, criticam fortemente o modelo da Gaza Humanitarian Foundation que distribui, de uma forma que pode ser escrutinada, um milhão e meio de refeições, diariamente, o que sugere que a sua repulsa em relação a Israel seja bastante maior que o seu amor aos palestinianos comuns.

Em particular, todos os jornais que conheço deram um grande destaque a um testemunho de um anterior funcionário que dizia da GHF o que Maomé não disse do toucinho, incluindo o testemunho do assassinato de uma criança às mãos das IDF, mas não só omitiram os desmentidos, documentados das IDF, como é normal que atirem para um esconso qualquer do jornal qualquer informação sobre o facto da dita criança ter sido encontrada viva e estar hoje em segurança, desmentindo cabalmente o testemunho que se considerou de absoluta credibilidade anteriormente, sem qualquer verificação dos factos.

A extraordinária história da identificação do miúdo, através das redes de confiança estabelecidas pela GHF, não tem qualquer interesse para a comunicação social, já o facto de um conjunto de pivilegiados resolverem dar uma volta de barco para fingir que se alistam na resistência popular contra o regime opressivo de Israel, usando a ajuda humanitária como biombo para as suas acções políticas, tem sistemática atenção dos jornalistas.

Ide pela sombra.

Não, Senhor Ministro, por favor não complique

por henrique pereira dos santos, em 04.09.25

"O ministro da Agricultura e Mar defendeu hoje a concretização de vários projetos-pilotos na área da pastorícia extensiva nos territórios do norte e centro atingidos pelos incêndios deste verão.

...

“A pastorícia extensiva é uma das soluções e que vai ajudar muito, mas não será a única solução para resolver esta questão”, disse o governante, que pretende utilizar uma dotação de 30 milhões de euros do Fundo Ambiental para os projetos de pastoreio.

Além da prevenção, o ministro da Agricultura acredita que a pastorícia pode criar uma fileira de valor, com vários produtos – como a carne, o leite e o queijo – e ajudar à coesão territorial".

Senhor Ministro, eu sei que tem à volta de si o IFAP, o GPP, o ICNF e mais não sei quantas sereias a cantar, mas projectos-piloto, Senhor Ministro?

Eu tenho uma sugestão, entretenha esses organismos todos pedindo-lhes que avaliem (contratem uma Agroges, uma Consulai, o que entenderem) todos os projectos e programas que já foram feitos com gado para a gestão dos fogos e, enquanto eles se entretêm com isso e a arranjar maneiras de evitar que os relatórios de avaliação digam que falharam todos por causa das estúpidas regras que os projectos e programas tinham de cumprir, inventadas por esses mesmos organismos, pegue nesses trinta milhões de euros e entregue-os a quem demonstre que, num determinado momento, teve o mato da propriedade sob sua gestão com menos de 50cm nos últimos três anos.

A 100 euros por hectare, esses trinta milhões dão para reforçar a economia que gere combustíveis em 300 mil hectares (muito serão de pastorícia, mas não em projectos piloto, em economia real com agentes económicos reais, com economias reais), nada mau, não acha?

E, já agora, eu sei que o Senhor Ministro é mais computadores, mas esqueça essa fantasia de produzir leite com cabras em extensivo, fale com os pastores e deixe os seus directores gerais a falar sozinhos, qualquer pastor lhe explicará por que razão pretender gerir fogos a produzir leite de cabra é um disparate.

Depois dos incêndios é a "flotilha" que está a dar

por João-Afonso Machado, em 03.09.25

Vai chuviscando. Os incêndios desapareceram do mapa e do troglodice da Comunicação Social também. Vão sobrando uns temas futebolísticos e, sobretudo, a aventura da expedição à Palestina - a célebre "flotilha" povoada de revolucionários desta gema tão "tuga".

Parece que uma nossa estrela das artes - uma "famosa" - cujo nome não me ocorre, já voltou a casa. Há quem diga, porque se enchumbada em água morria afogada e (pior) azedava o mar com poluentes não degradáveis. Até ver, nas traineiras eleva-se à proa a nossa Mariana G-3 e outros tantos do tipo "nacionalizado, nosso".

Também li os apelos à intervenção internacional. Ou seja: amanhã estão todos de volta. A ocorrência, uma vez mais, pauta-se pelo ridículo. O que nada interessa, não fora a propaganda em seu redor. Aliás, perdido por perdido, só para não poluir as águas em vão, podiam subir o Mar Negro e, já agora, soltar (a meia voz, baixinho) uns slogans contra Putin. Ele que fosse à merda e deixasse a Ucrânia em paz...

Mas não. Será o que a Mariana G-3 quiser. Apenas isso não é assunto dos portugueses nem do contexto europeu.

Dos portugueses é assunto, sim, que Setembro ainda dará muitas voltas. Decerto sobrevirá o calor e os incêndios. E?...

E - nada. Nada sabemos. Nem para Setembro nem para o próximo ano. O Governo está atento? Planeia - ou constitui inócuas comissões? Poderemos descansar? Vem mais do mesmo? Temos e mantemos o direito à vida e ao sossego? Será legislado proficuamente?

Mariana, volta e dá o teu contributo, ó cachopa! Anda lá, que na Palestina nem vales um lugar de harém.

 

Lembrando velhas amizades

por João Távora, em 03.09.25

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Talvez porque me puseram um álbum do Tintim nas mãos antes sequer de eu saber o meu nome me tenha chocado a versão deficientemente animada, a estranheza daquelas falas mal dobradas e simplificação das histórias na TV. Afinal não foi a minha imaginação que lhe deu voz e movimentos? Até fui eu que inventei as tramas, enquanto folheava atento os livros ainda sem saber ler... Com o Tintim na TV fiquei definitivamente enciumado com a exposição pública e a banalização do meu herói.

Quase desde o berço que passeei por dentro daqueles quadradinhos, daquelas histórias e mistérios. É por isso que nunca consegui entregar de bom grado o Tintim ao mundo, como se cada aventura guardasse um segredo só meu, um pacto silencioso entre leitor e personagem. O eco das páginas lentamente viradas nas tardes soalheiras das férias intermináveis, o cheiro do papel, os risos partilhados com Milou e os sermões científicos do Professor Girassol, tudo isso moldou um universo privado onde os heróis eram eternos e os perigos, embora assustadores, terminavam sempre com um sorriso de esperança. E aquilo que hoje escapa a muita gente, a bondade de Tintim, a generosidade desse herói profundamente cristão.

Lembro-me das horas estáticas, que passei de pernas cruzadas, em puro deleite diante da última prancha do álbum Carvão no Porão, aquele insólito e colorido rally nos jardins de Moulinsart. As horas passadas em êxtase, fisgado num só quadradinho, invejando o pequeno carro vermelho do rebelde Abdallah em No Pais do Ouro Negro. Hergé deu-me os meus melhores amigos de toda a infância, de quem aliás fui íntimo. Com o Tintim e Milou fui crescendo e lutei contra os sovietes e contra a máfia. Ajudei a libertar os escravos e lutei contra o tráfico de droga. Fui também à lua, onde ia perdendo os meus amigos todos e não salvei o Engº Wolf de uma heróica morte. Planei arrastado por um condor pelas encostas dos Andes. Tremi de medo e gelei de frio a caminho do Tibete, num hino à generosidade. Comovi-me com o cão mais simpático do mundo, ri-me com os excessos do bêbado mais divertido de todos, o Capitão Haddock. Ao Hergé, genial criador destas histórias ficarei sempre grato pelos amigos que me proporcionou.

Com o passar dos anos, aquelas páginas passaram a ser refúgio e companhia, à medida que a vida se tornava mais complexa e o mundo parecia mais vasto e menos decifrável. Os personagens iam-se densificando. A cada releitura, descobria detalhes antes despercebidos, diálogos que se revelavam mais espirituosos, enigmas que cresciam em profundidade conforme a minha própria compreensão amadurecia. Havia sempre um novo segredo guardado entre os balões de fala, uma nuance nos olhares das personagens, uma nota de humor que só se revelava ao leitor mais atento. Assim, as aventuras de Tintim transformaram-se num território de familiaridade e surpresa, onde a infância encontrava refúgio e o espírito de aventura permanecia ao alcance das mãos.  

Por tudo isto em minha casa se cultiva este extraordinário herói e os seus amigos, e todos os anos se estreia em lugar de destaque um vistoso calendário temático publicado pela editora. E ainda hoje ao reencontrar um álbum em lugar nobre da estante, sinto a mesma emoção pueril, na expectativa de uma nova descoberta, como se a infância se deixasse viver, uma e outra vez, através da magia das linhas claras e cores vivas do desenho de Hergé. Ele é por certo responsável por muitas das mais felizes horas da minha infância, e por isso ser-lhe-ei sempre grato.

Texto adaptado duma troca de impressões escritas, no tempo áureo dos blogs.

Não, não são iguais

por henrique pereira dos santos, em 03.09.25

No que vou escrevendo sobre a guerra de Gaza (não, não escrevo sobre netanyahu, sobre colonatos, sobre a questão palestiniana, sobre a complexidade do médio-oriente, de maneira geral escrevo sobre a guerra de Gaza porque me choca o inacreditável desequilíbrio informativo com que a generalidade do Ocidente retrata a complexa realidade do que ali está a acontecer) há, frequentemente, quem faça a equivalência entre a informação proveniente de um grupo armado (a ONU não o classifica como grupo terrorista) que exerce o poder há quase vinte anos em Gaza, de forma despótica e sem o menor resquício de respeito por opiniões divergentes, e a informação proveniente de uma democracia e Estado de direito, com governos que mudam em função de eleições e que são largamente escrutinados.

Não esqueço que numa guerra, em qualquer guerra, a verdade é a primeira vítima e que é bastante estúpido tomar a informação proveniente de qualquer dos beligerantes como informação válida, sem um cauteloso escrutínio.

Mas reconhecer isso não é o mesmo que reconhecer que a informação vinda do Hamas e vinda das IDF é igual e que as duas organizações são iguais, do ponto de vista da informação que produzem.

Um bom exemplo é o de que aconteceu na famosa explosão que ocorreu no hospital Al-Ahli, em 17 de Outubro de 2023.

Nesse dia, centenas de jornais noticiavam que havia 500 mortos em resultado de um ataque israelita ao hospital, informação que teve eco numa declaração dúbia de António Guterres, que não atribuía qualquer autoria ao ataque, de alguma maneira aceitava os números de mortos divulgados e mostrava-se em choque, como é seu hábito.

O Hamas, desde o primeiro momento, acusou Israel, disse que havia pelo menos 500 mortos e praticamente toda a imprensa ocidental repetiu, estúpida e acriticamente, esta informação, havendo alguns, poucos, que tinham o cuidado de referir a versão, diferente, das IDF.

As IDF dizia que a informação que tinha era de que teria sido um disparo defeituoso da Jihad Islâmica, mas ia investigar o assunto e apresentar, a seu tempo, as suas conclusões.

O que o tempo e as provas demonstraram é que a informação do Hamas era totalmente falsa (nem eram 500 mortos, nem tinha sido um ataque israelita) e que a informação inicial das IDF era bastante credível, foi um disparo defeituoso da Jihad Islâmica, que caiu no espaço do hospital e matou menos de cem pessoas.

Ainda hoje continua a haver fontes de informação ocidental que mantêm a versão original do Hamas, embora, frequentemente, mitigada no seu tremendismo.

De resto, o artigo da Wikipedia sobre este assunto é esmagadoramente esclarecedor, quer pela evidência que identifica, quer pelo esforço de negar o que é evidente a partir dessa evidência, com citações de jornais e agências de informação.

O que é evidente neste caso, é o padrão habitual: o Hamas inventa e coloca nos meios internacionais (quer dos jornais, quer das organizações internacionais) literalmente o que quer (incluindo histórias da carocinha como as que são contadas sobre tiro ao alvo a criancinhas feito por militares israelitas a pessoas que se dirigem aos centros de distribuição alimentar da Gaza Humanitarian Foudation) e qualquer informação, mesmo fundamentada e escrutinável, produzida por alguém minimamente relacionado com Israel, é descartada (é extraordinário que seja a própria ONU, nos seus sites, que diga que 90% da ajuda alimentar que faz chegar a Gaza é desviada antes de chegar aos armazéns da ONU em Gaza e, ainda assim, haja a esmagadora percepção de que essa informação é manipulação israelita).

O exemplo mais recente deste evidente desequilíbrio informativo está nesta coisa extraordinária de haver umas quantas pessoas que resolvem meter-se numa Invencível Armada para fazer chegar ajuda humanitária a Gaza, e não haja um jornalista que pergunte aos organizadores e participantes, quantas toneladas de alimentos transportam, com que regularidade pretendem fazer chegar essa ajuda, e como compara isso com a ajuda enviada pelos Emiratos Árabes Unidos, de barco, ou com a ajuda lançada por meios aéreos, ou com o mais de milhão e meio de refeições que todos os dias a GHF distribui em Gaza (e distribui mesmo, não tem um único camião desviado, o que pode ser comparado com os 90% de camiões da ONU desviados no trajecto).

Que a informação do Hamas e de Israel precisa sempre de ser verificada, é um facto, são duas partes interessadas num conflito, mas que não há qualquer comparação entre a informação produzida por um grupo armado que exerce o poder sem qualquer escrutínio e tendo como única legitimidade a força das suas armas e a repressão que exerce sobre o seu povo, com a informação produzida por uma democracia imperfeita e um estado de direito imperfeito.

Pretender que as duas fontes de informação têm igual falta de credibilidade é cegueira voluntária.

Não, não é fatalidade, é escolha

por henrique pereira dos santos, em 02.09.25

"quando os meios chegam ao ponto X ou Y, a situação já não corresponde à missão que lhes foi atribuída" (é uma escolha atribuir uma missão que não tem uma correcta avaliação da evolução do incêndio).

"quando fui comandante nacional, os peritos das universidades não eram muito atendidos, mas depois de integrar a Comissão Técnica Independente reconheci que há trabalho que tem alguma aplicabilidade" (é uma escolha não aprender e não usar o conhecimento existente).

"se a prevenção for tão boa que não há incêndios, para nós isso seria o ideal" (é uma escolha fazer jogos florais com situações impossíveis para disfarçar a incompreensão do que é o fogo, como processo ecológico).

"é importante que os proprietários olhem para a floresta como algo que produz um bem que tem um retorno" (é uma escolha achar que os proprietários não vêem retorno na produção de bens florestais porque são uns tontos).

É uma escolha calhar-nos a fava de ter o Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil que está mais preocupado com o braço de ferro com as associações de bombeiros que em compreender o papel do fogo nos nossos sistemas.

Depois do fogo

por henrique pereira dos santos, em 01.09.25

Há já bastantes anos, Paulo Fernandes mandou-me um estudo que avaliava (uma actividade em que os americanos são muito bons e nós muito maus) o efeito das medidas de emergência pós fogo nos Estados Unidos.

Não me lembro bem do estudo (e não o vou procurar agora), e muito menos do contexto em que o Paulo me mandou o estudo, talvez estivesse relacionado com a minha antiga desconfiança sobre a necessidade de medidas pós fogo, já que a recuperação dos sistemas naturais, em ecossistemas adaptados ao fogo, é bastante boa, na maioria das vezes.

O essencial da conclusão era que, em algumas circunstâncias havia algum efeito positivo (uma pequena parte dos casos avaliados), em algumas circunstâncias os efeitos tinham sido negativos (uma pequena parte dos casos avaliados e esses efeitos negativos relacionavam-se com o trânsito de máquinas pesadas nas operações de emergência pós fogo) e, na esmagadora maioria dos casos, tinha sido dinheiro deitado à rua visto que a recuperação ocorria com ou sem intervenções.

Sempre que existem fogos de alguma dimensão, o discurso política e a prática consiste em desenhar um conjunto de acções de emergência, sobretudo com justificações relacionadas com a suposta erosão dos solos pós fogo, esquecendo que as intervenções de emergência, para se justificarem, devem ser executadas em prazos muito curtos, ou são inúteis (a tradição portuguesa ignora olimpicamente os prazos curtos).

As acções são sempre mais ou menos as mesmas, cheias de "já agora", a coisa mais corrosiva para o orçamento e o prazo de execução de uma obra, seja que obra for.

O extraordinário em Portugal é que ninguém avalia os efeitos e a eficiência dessas intervenções, de maneira que vamos sempre fazendo as mesmas coisas, sem aprender nada com a experiência.

Comecemos por lembrar que um fogo, mesmo que tenha sido destrutivo para a matéria orgânica na camada superficial do solo (como acontece nos fogos de elevada intensidade que ocorrem em condições de secura do solo elevada), consiste numa reacção química que decompõe cadeias químicas complexas, disponibilizando nutrientes em formas elementares que permitem o uso pelas plantas, ou seja, são um grandioso processo de fertilização.

A resposta a este lembrete é que com a chuva, há uma grande erosão do solo, só que isso não é bem assim, à escala de uma parcela isso é parcialmente (já lá vamos) verdade, mas à escala da paisagem, se há zonas de erosão, há também zonas de acreção que beneficiam enormemente dessa deslocação de solos e nutrientes, a existir.

O parcialmente do parágrafo anterior refere-se à enorme confusão entre a lavagem de cinzas e carvões, que ocorre, mas não é erosão do solo, é a lavagem de nutrientes que estavam presos na vegetação e que o fogo dispobiliza através da quebra das cadeias químicas complexas. Daí que medir os materiais lavados pelas chuvas pós fogo, sem distinção de carvões, cinza e solo, seja uma aproximação grosseira que inclui uma estimativa de erosão do solo francamente exagerada.

Sim, é verdade que, sobretudo se as primeiras chuvas forem muito fortes, há alguma erosão nalgumas parcelas, mas também há acreção noutras.

Se se pretender potenciar as zonas de acreção, nomeadamente com o uso de técnicas de engenharia natural que permitam alguma retenção de sedimentos (sejam eles solo, carvões ou cinzas), óptimo, nada contra, desde que o custo seja razoável.

Agora andar a espalhar propágulos, sobretudo sob a forma de sementes, em áreas que estão saturadas de propágulos de vegetação adaptada ao fogo, "É sempre um esforço inútil,/ Um voo cego a nada".

Por mim, os programas de intervenção pós fogo deveriam esquecer esta cisma das estabilizações de emergência para se focar em três pontos:

1) controlo de invasoras;

2) na medida do razoável, engenharia natural que permita potenciar a acreção;

3) aproveitar a facilidade de acesso, de identificação de caminhos, muros e outros elementos da paisagem que resultam da limpeza feita pelo fogo, para desenhar um conjunto de linhas de ancoragem de fogos controlados de dimensão relevante, o que os torna muito mais baratos, com execução a iniciar-se ao quarto ano pós fogo (a execução do fogo, preparar as linhas de ancoragem pode começar no dia seguinte ao fogo).

É barato, é fácil e tem efeitos imediatos nos fogos futuros, incluindo a possibilidade de protecção de alguns núcleos em que se pretenda excluir o fogo durante uns anos, protegidos por envolventes com fogos controlados preparados no imediato pós fogo.

E, por favor, esqueçam a mania das plantações de árvores cujo objectivo não se sabe muito bem qual seja e que não tenham um programa de gestão a médio prazo.

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