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Nuno Palma tem insistido bastante no paralelismo entre os fundos comunitários e o ouro do Brasil, que responsabiliza pelo atraso económico verificado de meados do século XVIII a meados do século XX (depois disso há um período em que o país continua atrasado, mas está em recuperação, numa clara trajectória de convergência económica com o mundo mais desenvolvido).
Eu não sei o suficiente do assunto para saber se Nuno Palma tem razão, mas a minha intuição diz-me que terá uma boa parte de razão, mesmo que eu não saiba fundamentar exactamente a minha convicção (o que quer dizer que se me apresentarem argumentos que eu perceba, mudo de opinião tranquilamente).
O que posso é ver o mecanismo actuar, de forma muito clara, na gestão da paisagem, em especial nas políticas públicas relacionadas com a gestão do fogo (excluindo as políticas de supressão do fogo, de que sei bastante menos).
Lembrei-me disto ao ler hoje o bom trabalho (parcial, claro, mas bom) do Público sobre o Programa de Transformação da Paisagem, um programa conceptualmente errado (se se quiser, pode ler-se aqui a crítica aos fundamentos da investigação académica que leva mais longe os princípios, errados, desse programa), que repete erros já cometidos e em curso que, mesmo com a fragilidade de avaliação que existe em Portugal, tem produção de informação mais que suficiente para se concluir que não funcionam.
Já em tempos uma das pessoas que são ouvidas pelo Público esteve duas horas ao telefone comigo, zangada com o artigo que Henk Feith e eu tínhamos escrito sobre o referido Programa de Transformação da Paisagem, com base nos processos concretos que foram sendo desenvolvidos.
A pessoa em causa tinha razão, as setenta áreas de intervenção são todas diferentes (e isso é muito claro no artigo de hoje do Público), mas todas elas cabem numa caracterização que fizemos no artigo para que ligo acima: "O vazio de grande parte destes planos é o que seria de esperar de processos conduzidos desta maneira, por uma administração pública sonâmbula que trata o dinheiro dos contribuintes como um maná caído do Céu".
E este é o problema a que Nuno Palma vem aludindo (se bem o percebo) e que eu, a partir da minha pequena experiência de ver executar ginásios ao ar livre que nunca ninguém usou, secadores de plantas que nunca secaram uma folha, queijarias que nunca produziram um queijo e dezenas e centenas de ideias fantásticas a torrar capital, mas completamente inúteis a produzir riqueza, tendo a achar que em boa parte está certo.
É que quando o capital e os recursos disponíveis são virtualmente ilimitados, a eficiência da sua aplicação tende a diminuir progressivamente, tendendo para o zero, e o resultado é o que é hoje visível na peça do Público sobre a aplicação do Programa de Transformação da Paisagem: apesar de ainda se estar na parte mais fácil (o país arde em 2017, o programa é lançado em 2020, começa a ser aplicado no terreno em 2024, através do que é mais simples, a execução de infraestruturas e plantações), o que preocupa os gestores que cada parcela do programa é apenas o calendário de execução para aceder ao financiamento, não se lendo nada sobre economia da paisagem, sobre rentabilidade, sobre receitas a obter para financiar a gestão futura, nada disso aparece na peça do Público.
Resumindo, o dinheiro vai-se gastar, isso é certo, e da próxima vez que houver um problema recicla-se o trabalho anterior, cometem-se os mesmos erros (a actual ministra do Ambiente até já fala em plantar carvalhos para servir de barreira ao fogo, reproduzindo o mito persistente da resistência das folhosas autóctones ao fogo, apesar de todas as evidências do carácter mitológico dessa ideia) e alguma nova fonte de financiamento vai ser mobilizada para alimentar o poderoso mercado da captação de fundos comunitários.
O país e nós ficamos como sempre, com a cabeça entre as orelhas.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, Jesus entrou, num sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos O observavam. Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado». Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.
Palavra da salvação.
Este ano, porque ardeu em áreas onde há menos eucalipto (eu sei que irrita muito os anti-eucaliptistas eu passar o tempo a lembrar que o eucalipto está em 10% do país, ou seja, sobram 90% onde podem ocorrer coisas dificeis de relacionar com o eucalipto), a discussão sobre os eucaliptos arrefeceu, mas voltará em força nos próximos fogos que ocorram em áreas com forte presença de eucalipto.
Este ano tem ardido muito pinhal, que recupera muito mal destes fogos, o que significa que a contínua diminuição da área de pinhal a que assistimos (já terá ocupado perto de um milhão e meio de hectares, mas hoje está a menos de metade e vai diminuir com os fogos deste ano, substituído pela mistura de mato e sucata florestal que alimenta os grandes fogos) e por isso é útil fazermo-nos esta pergunta: e se o sector da pasta de papel falir, como faliu a resinagem e o aproveitamento da madeira de pinho?
Claro que o falir, aqui, está a ser usado de um forma relativamente abusiva, mas comecemos na resina e acabemos na pasta de papel, para chamar a atenção sobre o que acontece à gestão da paisagem se o sector da pasta de papel seguir os passos do sector da resina, como parece estar a acontecer.
Portugal foi um dos, ou o, não sei bem, maiores produtores mundiais de resina.
Com base nisso, criou uma indústria de química pesada com forte peso mundial em alguns produtos específicos.
Essa base económica criou riqueza, criou emprego e gerou gestão de paisagem (para além de ranchos folclóricos, como não se cansa de dizer Helena Matos, que é de Mação).
Nessa altura os resineiros não tinham de se preocupar muito com a gestão do sub-bosque para poder aceder às bicas porque a agricultura e pastorícia se encarregavam de limpar os pinhais a resinar, só tinham de lutar contra o preconceito de que a resinagem diminuía a qualidade da madeira de pinho, para obter mais área de pinhal para resinar (e aturar a kafkiana regulamentação do sector, mas isso é o habitual em Portugal).
Mas, o futuro tem sempre estes "mas", um dia o mercado mundial de resinas fez os preços da resina nacional deixarem de ser competitivos, a indústria instalada ou se reconverteu, ou faliu ou passou a comprar resina no mercado mundial, deixando de comprar resina nacional.
Com a agricultura e pastorícia em colapso, deixou de haver gestão dos pinhais, com o preço da resina e da madeira a ser menos interessante para os produtores, passou a haver mais risco de incêndio, com o aumento de risco de incêndio, o pinhal, uma criação relativamente moderna nas nossas paisagens, começou a reduzir-se, "caindo, caindo, caindo, caindo, caindo sempre, e sempre, ininterruptamente, na razão directa do quadrado dos tempos".
Hoje gastamos rios de dinheiro a tentar resolver os problemas de gestão da paisagem que resultaram do simples facto do mercado internacional de resina se ter alterado, com impactos sobre a gestão da paisagem que insistimos em ignorar, substituindo a discussão racional por mitos sobre interesses económicos ocultos e ilegítimos relacionados com qualquer inimigo escolhido em cada momento, suspeitando eu que no próximo ano culparemos os judeus, visto que os outros inimigos clássicos já estão um bocado vistos.
Ora um processo semelhante parece estar a ocorrer no sector da pasta de papel, com alterações muito relevantes no peso dos mesmos dois países que influenciaram o mercado internacional da resina, a China e o Brasil.
Os donos das celuloses parecem ter perfeita consciência do processo e com eles não precisamos de nos preocupar muito, ou se adaptam, ou vão à falência, são as leis da vida económica.
Quer a diversificação de investimentos da holding da família Queiroz Pereira, quer a diversificação de produtos criados a partir da pasta em que Navigator e Altri, por caminhos diferentes, estão hoje empenhados, reflectem o que aconteceu com a indústria de química pesada criada a partir da resina e a consciência do espectro que ronda o sector (sempre que posso, gosto de usar o poderoso arranque do manifesto comunista no que escrevo).
Não sei se a indústria se adaptará como aconteceu com a química pesada, passando a importar matéria prima, se deslocando as suas fábricas para perto da produção de eucalipto, simplesmente mudando de sector, ou de outra forma qualquer que a desligue da produção nacional de eucalipto, o que me interessa é responder à pergunta: e se a produção florestal de eucalipto deixar de ter mercado, isto é, falir, dentro de dez ou vinte anos (eu sei que dez ou vinte anos, do ponto de vista da economia e da sociedade, é um muito longo prazo e, pelo menos eu, provavelmente estarei morto, mas como exercício sobre gestão de paisagem, a pergunta interessa-me).
O mais provável será assistirmos ao processo que está a ocorrer no pinhal, progressivo abandono de gestão (já hoje, uns três quartos da área de eucalipto que temos não é gerida ou é sub-gerida), aumento do risco de fogo em paralelo com a diminuição do preço, realimentação do processo de abandono por inviabilidade ou elevado risco de investimento.
Há uma diferença substancial na ecologia das espécies, o eucalipto está muito bem adaptado ao fogo, como a generalidade das nossas folhosas autóctones, portanto, a par com o pontual alargamento da área de matos, teremos provavelmente muito mais sucata florestal como resultado do processo, e muito menos recursos para gerir a paisagem (a paisagem é gerida pelos recursos criados pela gestão, se eles não existem, o principal motor da evolução da paisagem passa a ser o abandono, o que significa que a nossa capacidade de escolha sobre o que queremos obter se reduz enormemente).
Ao contrário do que pretendem os líricos que acham que os carvalhos não ardem (deviam ir explicar isso ao fogo do Sabugal, provavelmente ninguém informou o fogo de que estava proibido de se alimentar de carvalhos e carvalhais), o resultado do reforço do abandono que virá da falência da produção de eucalipto não é um florescimento de carvalhais que o fogo não consome, o resultado é um ciclo infernal de fogo, com menos fogos, mais extensos e mais intensos, paralelo com a expansão dos carvalhais (com ciclos de fogo acima dos cinco ou seis anos, o carvalhal vai-se impondo, fortemente influenciado pela fisiografia) e espécies invasoras.
É uma chatice, mas a paisagem não existe para que a contemplemos, existe como síntese da forma como nos relacionamos com os elementos naturais (Teresa Andresen) e se não nos relacionamos através da economia e da criação de riqueza, o que nos permite ter recursos e possibilidade de escolhas, então é a lógica interna dos sistemas naturais que se impõe o que, para surpresa de muitos, não é necessáriamente o que nos convém mais, a nós, animais gregários de clareira.
O facto de perceber que o caminho traçado pelo mundo não aponta para um futuro melhor, e de saber que as minhas opiniões não conseguem inverter essa dinâmica, não me exime da responsabilidade de defender aquilo em que acredito. O valor das ideias não se mede pela quantidade de pessoas que as seguem, mas pela profundidade e honestidade com que são sustentadas. Valha-nos essa liberdade.
Ao longo da história, quem demonstrou uma consciência mais aguçada sentiu, de forma inevitável, a inquietação de não se encaixar no pensamento dominante. A lucidez manifesta-se como uma chama inquieta, que arde silenciosa em quem se recusa a render-se ao consenso fácil. Existe uma dignidade particular em erguer convicções solitárias diante do ruído da maioria: trata-se do preço a pagar por se permanecer acordado enquanto tudo em redor se acomoda ao conforto das ideias feitas e das tendências passageiras. Quantos se insurgiram perante a iniquidade da crucificação de Jesus?
A celebrada ideia de progresso e a satisfação existencial representam, na sua essência, um sinal de visão limitada. O apelo da vulgaridade atrai multidões, e o apaziguamento proporcionado pela resignação revela-se como um convite fatal à decadência colectiva.
Que não haja dúvidas: são sobretudo as "causas perdidas" que exigem inconformismo e empenho genuíno. E é neste esforço, por mais inútil que pareça, que poderemos fazer alguma diferença no balanço final da existência.
Como acontece sempre que se fala de gestão florestal, há um grande e persistente (tão persistente que há 200 anos que repetem argumentos no mesmo sentido, que vão sendo passados de pais para filhos) número de pessoas que explicam que estabelecendo as condições ideias, com coragem e determinação, a gestão das terras marginais, em Portugal, nos levará ao Paraíso.
De maneira que andamos sempre nisto, a torrar recursos dos contribuintes no estabelecimento de condições ideais para garantir a rentabilidade das operações de gestão que nos garantem paisagens equilibradas, empresas saudáveis e pessoas felizes, em vez de fazer o que parece mais simples: compreender o problema, reconhecer que os preços internacionais de alguns produtos não são compatíveis com os custos operacionais da gestão que os produz e que, portanto, ou alinhamos os incentivos que os contribuintes querem gastar para obter um determinado resultado com a economia que existe, ou deixamos as coisas ao Deus dará (E se Deus não dá/ Como é que vai ficar, ô nega?).
Uma das coisas que mais atenção merecem, quando começamos a desenhar o amanhã que vai cantar, são os problemas de propriedade, considerados condição sine qua non, para se atingir o nirvana da rentabilidade florestal que nos vai safar do fogo do Inferno.
Tal como é possível encontrar pessoas altamente qualificadas a defender que é possível gerir, rentavelmente, as paisagens dos xistos centrais instalando montados que substituam o mar de matos e sucata florestal que os caracteriza actualmente (com ilhas de produção de eucalipto rentável aqui e ali), esquecendo-se de que os montados são o resultado (lento, demorado) de um modelo de produção de cereais e porco de montanheira difícil de reproduzir nas serras do Centro de Portugal, desde que se queira e invista (os contribuintes) muito nisso, também há quem assegure que resolvendo as questões de propriedade, se resolvem as dificuldades de gestão associadas aos actuais preços mundiais do que seria possível produzir e às exigências de nível de vida que as pessoas fazem a si próprias.
Ontem falei de Cecília Meireles, que não conheço, hoje falo de Carlos Guimarães Pinto, com quem tenho facilidade de contacto, o que me permitiu perceber que a sua ideia não é exactamente a que eu ouvi (e ele disse, na verdade terá posto demasiada ênfase na questão do cadastro que a que seria adequada ao que realmente pensa) e é dele esta frase da conversa que tivemos (reproduzo com a sua autorização, claro) "Se descobrissem ouro nas florestas, até havia filas à porta dos notários".
É exactamente isto, o problema é não se conseguir criar riqueza suficiente para remunerar a gestão, face às alternativas de que os proprietários dispõem para empregar o seu trabalho e o seu capital e, por isso, racionalmente, abandonam o activo quando passa a passivo, o que, com o tempo e a transversalidade do problema, leva à situação actual de perda de controlo social do território, por inutilidade superveniente de ser proprietário de uma coisa que não vale nada.
Andar a insistir que o que é preciso é rapidamente atribuir propriedade a donos (a Montis está agora com um problema tremendo numa propriedade perfeitamente registada que os vizinhos dizem que não é no sítio em que diziam que é e que, no eBUPI, tem vários proprietários sobrepostos, demonstrando os riscos de andar a brincar aos registos de propriedade, quando a lei já prevê a usocapião para situações em que ninguém reclama a propriedade de qualquer terreno) é, como dizia o Sérgio Godinho, estar à espera do comboio na paragem do autocarro.
Quem me lê sabe que estou sempre a falar de uma proposta (co-pagamento da gestão de sub-bosque e matos a quem o fizer), e que defendo outra proposta que desenvolvo menos porque não sei o suficiente sobre combate ao fogo florestal (a separação das funções de protecção civil e combate ao fogo florestal, com a profissionalização séria dos bombeiros florestais, ligando-os à gestão que toda a sociedade faz ao longo do ano).
Agora, ao ouvir Cecília Meireles a dizer que enquanto não se fizer o cadastro não se resolve nada da gestão florestal, no fundo subscrevendo a tese de que são os problemas de propriedade que impedem o retorno do investimento, invertendo as reais relações de causa e efeito - é a falta de retorno da gestão que cria os problemas de propriedade - que percebi claramente o problema profundo de literacia florestal e de ecologia do fogo que temos (poderia ter concluído isso do deprimente debate sobre fogos na Assembleia da República, até por conhecer o opúsculo "o problema das carnes", que reúne intervenções na Assembleia Nacional em meados do século XX, o que me permite ter bem clara a perda de compreensão do mundo rural na sociedade).
É verdade que ser Cecília Meireles, por quem tenho um profundo respeito intelectual e inveja da sua capacidade política, me terá ajudado a não reagir como reajo a não sei quantas pessoas que falam sobre o assunto, isto é, encolhendo os ombros e lembrando-me de que não se pode esperar das pessoas mais do que aquilo que podem dar.
Alguém comentava que é impressionante como jornalistas com trinta anos de acompanhamento de fogos florestais, mas também políticos, técnicos etc., continuam agarrados a certezas sem qualquer base factual, como as histórias dos eucaliptos e pinheiros, de incendiários, falta de ordenamento, da impresivibilidade dos ventos, etc., etc., etc..
Os relatórios técnicos, as reformas florestais só comparáveis ao que fez D. Diniz, os Planos de Acção para as Florestas, contribuem para isto ao incluir sempre um sem número de medidas que permitem a qualquer pessoa encontrar nesses documentos pelo menos um parágrafo que justifica os seus preconceitos sobre o que é preciso fazer, mas sem que se perceba o que é verdadeiramente importante e o que são questões acessórias.
Como disse, eu deixei-me desse ecumenismo técnico, e concentro-me em duas coisas: pagar parte da gestão de combustíveis a quem a faz, separar e profissionalizar o combate florestal da protecção civil, tudo o resto não me interessa e acho que só serve para perder tempo e recursos.
Hoje cheguei à conclusão de que há uma terceira medida que deveria ser adoptada, para combater a iliteracia sobre gestão do fogo: mudar o formato dos briefings sobre fogos, do actual formato em que ninguém fala de fogos e todos falam de meios, para um formato que pode ser copiado de grande parte dos briefings dos serviços americanos correspondentes, em que se fala de cada fogo, descrevendo a situação no momento, o que se espera que venha a acontecer nas horas seguintes, avaliando impossibilidades e oportunidades e descrevendo o que vai ser feito em cada circunstância, para que se consiga ir gerindo o fogo até que seja possível reconduzi-lo a limiares de extinção.
Se quiserem é a diferença entre ter Anthimio de Azevedo a explicar o boletim meteorológico ou ter a estagiária mais gira a dizer se chove no dia seguinte, o primeiro aumenta o nosso conhecimento sobre o mundo e a forma como funciona, a segunda entretém-nos com informação básica.
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Tempos houve que, perante uma tragédia, perante um cataclismo, um funesto mau ano agrícola, ou infausta epidemia, a comunidade enchia as igrejas, recorria aos santos que nos andores saíam em procissão, suplicando-lhes o povo a intercessão ao Criador por uma redentora intervenção - eram uns totós. Chegados à laica modernidade, esvaziadas as igrejas e secularizado o espaço público, o fenómeno permanece com outras roupagens – só pode ser o sentido de humor de Deus: o sentimentalismo e a indignação são as novas formas de prece, sonoras suplicas laicas, vociferadas nos ecrãs das TVs e dos telemóveis quais oratórios ou altares domésticos. Os nossos “pensamentos” estão com as vítimas, dizem. Deve adiantar muito, deve…
Enfim, como já não se implora por milagres a Deus, exigem-se milagres aos impotentes políticos, que na verdade se puseram a jeito. O resultado disso, perante uma qualquer desgraça, mesmo sazonal, é uma ruidosa cacofonia desregrada, que não vale uma missa. O fragor irá entreter o burguês no seu sofá por uns tempos até que o assunto desapareça da agenda, escapulido como o vento escapa entre os dedos das mãos. De resto, a pandemia, os incêndios, as alterações climáticas, como é bom de ver e corrente acreditar-se, é responsabilidade nossa, do capitalismo ou da religião, e por consequência dos governantes ou do heteropatriarcado. Mas se por um lado já se armam as piras para queimar as bruxas, seja nas comissões de inquérito ou nos debates de televisão – o ritual da expiação da culpa, nossa tão grande culpa (e dos incendiários), assim o exige; no horizonte adivinham-se as vozes dos novos profetas que prometem soluções para vergar a natureza, soluções que afinal sempre estiveram nas nossas mãos (o aquecimento global que se cuide) na forma de mais legislação - como é que ninguém tinha visto isso ainda? O melhor caminho para se retomar “a vida como habitualmente” como já nos prometia o saudoso (?) António.
A propósito de saudade, sonhos, sentimentos e assim: para toda esta interminável e incómoda tragédia que é a nossa passagem pela vida terrena, já o John Lennon preconizava uma solução eficaz: imaginem uma existência sem céu, sem inferno, sem países, sem religião, enfim, toda a gente a viver em paz. Um mundo sem pessoas como solução. É o que nos irão propor um dia destes, os sentimentalistas e os populistas que conhecem as soluções fáceis e simples, que ninguém ainda tinha pensado.
Imagem daqui
"Mega-incêndios em Portugal aconteceram sobretudo em três anos e têm como principal causa o fogo posto".
Este é o título em destaque no Observador agora, às sete e picos do dia 27 de Agosto e é, deixem-me escrevê-lo com todas as letras, mentira.
Repito, o Observador tem como principal título uma evidente mentira.
Compreendo que a jornalista não tenha consciência da mentira porque, não sabendo muito do assunto sobre que escreve, não sabe que incendiarismo, mesmo quando crime, não é sinónimo de fogo posto (por exemplo, se fizer um churrasco e deixar escapar o fogo, cabe na definição de incendiarismo, mas não é fogo posto).
Já nem estou a falar do facto do número de ignições não ter qualquer relevância na área ardida, para o fogo maior registado no país, o de Arganil, bastou uma ignição que, por acaso, até terá resultado de uma trovoada (até podia ser fogo posto, é irrelevante, o que é relevante é saber por que razão um fogo se mantém activo mais de dez dias e queima mais de sessenta mil hectares, antes de se extinguir).
O que me interessa é realçar esta característica do jornalismo: o Observador dá voz aos melhores especialistas do assunto que existem no país, ouve-os calma e extensamente, explicam demorada e pormenorizadamente o problema e, depois, na sua redacção, há alguém que acha inútil recorrer a toda a informação recolhida, acha inútil usar os contactos que o Observador tem de dezenas de pessoas que sabem do assunto, fazendo uma peça que reflecte as convicções do jornalista, diga o que disser quem sabe incomparavelmente mais do assunto.
Não é uma crítica ao Observador, bem pelo contrário, até é dos mais equilibrados, é uma crítica à arrogância do jornalismo actual, que se recusa a aceitar que, sendo os jornalistas generalistas, em assuntos complexos será avisado recorrer a quem sabe para evitar estar a produzir peças jornalísticas ao nível de qualquer comentário num táxi ou ao nível de André Ventura.
Uma pessoa que lê o que escrevo resolveu pedir a um desses programas de inteligência artificial o seguinte: "Com base nos artigos do Henrique Pereira dos Santos, faz um artigo detalhado com o mesmo estilo com o título:
"E se o incêndio (de Arganil ou outro) ocorresse em Janeiro?"".
O resultado é o que se segue, e a demonstração de que a máquina é inteligente não está no artigo principal (é um artigo certinho e que responde ao que é pedido) mas sim na pergunta final.
"E se o incêndio (de Arganil ou outro) ocorresse em Janeiro?
A pergunta pode parecer absurda, quase provocatória: e se o incêndio de Arganil (ou outro qualquer) tivesse ocorrido em Janeiro? A área ardida seria a mesma, admitamos. Mas as consequências dificilmente o seriam.
Em Janeiro, a humidade do ar é mais elevada, os solos têm mais água, a vegetação encontra-se em repouso e com muito menos carga inflamável. O fogo, ainda que percorresse a mesma extensão, teria velocidades menores, menos intensidade e, em consequência, menos impacto sobre os solos, a fauna e a flora. Seria, no essencial, um fogo controlável. O mesmo fogo, a mesma área, mas efeitos diferentes.
É esse pequeno detalhe que tantas vezes se esquece quando se fala em hectares queimados: não é a mesma coisa arder em Junho ou em Janeiro. É como comparar uma enxurrada de Verão com a mesma quantidade de chuva caída durante um mês inteiro de Inverno. A soma pode ser a mesma, mas o impacto não é.
E aqui entra a ironia do nosso tempo. Passamos anos a ouvir vozes indignadas sempre que alguém sugere que o fogo pode ser usado como ferramenta de gestão da paisagem. Queimar em Janeiro? Nem pensar, isso é crime, dizem. Apagar tudo, de imediato, com meios aéreos se possível, porque “fogo é sempre mau”. Mas é precisamente em Janeiro que o fogo poderia ser usado de forma inteligente, segura e útil.
Um fogo de Inverno abre clareiras sem destruir a fertilidade dos solos, renova pastagens, reduz a carga de combustível acumulada. Facilita, em suma, a vida aos que em Junho têm de lidar com incêndios incontroláveis. Ao invés de ser uma tragédia, torna-se um aliado.
Há quem prefira, no entanto, a solução mágica de gastar milhões em máquinas e mangueiras para “apagar” qualquer chama fora de época. Como se o problema fosse o fogo em si, e não a forma como organizamos (ou desorganizamos) a paisagem. Continuamos agarrados à ideia de que viver no país mediterrânico que somos não implica aceitar o fogo como parte da equação.
Voltemos à pergunta inicial: e se o incêndio de Arganil tivesse acontecido em Janeiro? A resposta é desconcertante pela sua simplicidade. O problema não teria sido notícia. Não teria feito manchetes, nem reportagens dramáticas, nem reuniões de emergência. Teria sido apenas mais um fogo, um fogo banal, um fogo útil até.
Talvez seja tempo de deixar de diabolizar o fogo de Janeiro. Porque, se queremos mesmo reduzir os fogos de Junho, Julho e Agosto, convém aceitar que o fogo é tão natural no nosso território como a chuva no Inverno.
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Queres que eu dê-lhe um tom ainda mais irónico e provocador (no estilo crítico do Henrique Pereira dos Santos) ou preferes manter este registo mais equilibrado e explicativo?"
Tenho insistido na proposta de dividir os custos de gestão de matos e sub-bosque entre os produtores que existem na economia que existe e os contribuintes.
Tenho falado numa proposta base (muito prudente) de 100 euros por hectare de três em três anos, embora associada a um sistema que permita aumentar o valor quando há poucas candidaturas, diminuir o valor quando há muitas.
A proposta sido muito criticada porque tem vários problemas, alguns deles bem reais, mas raramente com propostas alternativas melhores (hoje, Paulo Fernandes, referindo o padrão de estar tudo calcinado nos montes e haver muitas ilhas verdes no fundo dos vales dizia que tinha uma boa proposta, terraplanar o país e, acrescentava, não é uma proposta menos absurda que muitas outras que tem visto).
A crítica que acho intelectualmente mais fraquinha é a de que a proposta não resolve tudo, ou que não vai levar gestão a sítios que ninguém quer gerir, porque isso não são críticas, são constatações que a proposta assume, a diferença fundamental é que transformações de paisagem, obrigações legais de gerir isto e aquilo, faixas de gestão de combustível em barda e fantasias dessas não resolveram nada até agora e calcinaram milhões (na melhor das hipóteses, nalgum caso têm mesmo efeitos negativos).
Há ainda quem diga que esta proposta é a demonstração de que as celuloses me pagam para defender o indefensável, porque o que eu quero é transferir dinheiro dos contribuintes para as celuloses.
Vamos então a isso.
As celuloses gerem uns 200 mil hectares de eucalipto, do total de 800 a 900 mil que existem no país.
Os críticos da proposta estão muito preocupados com o facto das celuloses receberem mais dinheiro pelo trabalho de gestão que fazem (e cujos resultados são notáveis, menos de um quarto da média nacional de prevalência de fogo nas suas propriedades e centenas de intervenções de bombeiros florestais especializados na gestão do fogo, com benefícios sociais relevantes) mas, aparentemente, não estão nada preocupados com os 600 a 700 mil hectares de eucalipto sem gestão ou com baixa intensidade de gestão que alimentam a intensidade dos fogos de Verão.
Para facilitar as contas, imaginemos que as celuloses gerem 300 mil hectares, o que daria uma comparticipação dos contribuintes para essa gestão de 30 milhões de euros cada três anos, ou 10 milhões por ano, contra resultados de ter, pelo menos uma vez a cada três anos, o sub-bosque com menos de 50cm de altura, em média.
Credo, cruz, entregar dez milhões de euros anuais às celuloses, só por fazerem uma coisa útil que, de qualquer maneira, já fazem!
Pois é, "Não é da benevolência do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse."
O que fazem as celuloses com um aumento de rendimento de 10 milhões anuais na gestão florestal é assunto que nem me interessa discutir, podem usá-lo em mulheres e vinho verde, como dizia o outro, mas essa não é, normalmente, a opção de empresas com um mínimo de racionalidade e escrutínio público, o normal é que aproveitem para melhorar o seu desempenho (ou diminuindo a importação de madeira por maior investimento próprio ou de terceiros na gestão de eucaliptais, ou alargando a área de não produção que gerem que penso que já está acima dos 15%, ou fazendo acordos com vizinhos dos seus terrenos para diminuir o risco de incêndio, ou investindo em projectos de gestão agrupada como têm vindo a fazer em Pedrógão e Mortágua, por exemplo, é irrelevante para a bondade da proposta).
É extraordinário que uma sociedade que acha normal apoiar empresas na criação de emprego, na formação profissional, na descarbonificação, na melhoria da mobilidade urbana, etc., etc., etc., tenha tanta dificuldade em aceitar o princípio de que é perfeitamente legítimo que os contribuintes paguem parte da gestão dos matos e sub-bosque, mesmo sendo evidente que o padrão de fogo que temos é fortemente influenciado pela acumulação de combustível não gerido.
E, note-se, a proposta beneficia sobretudo outras fileiras que estão no limiar da competitividade que hoje não crescem, gerando mais área gerida, porque o negócio não é suficientemente atractivo.
Ou alinhamos os incentivos com a consideração do interesse próprio dos agentes económicos que existem, ou damos com os burrinhos na água, como temos dado sempre que tentamos impor soluções que me fazem lembrar a reposição de comboios por pressão autárquica, de que resulta a circulação de comboios cheios de ausentes.
A gestão dos fogos fica resolvida com isto?
Claro que não, mas que é um passo no sentido certo e que aumenta as opções de gestão, disso tenho cada vez menos dúvidas.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, Jesus dirigia-Se para Jerusalém e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava. Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que se salvam?». Ele respondeu: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».
Palavra da salvação.
Das calamidade de 2017 até hoje (maxime este Agosto), assistimos a algumas ocorrências curiosas: o poder legislativo resolveu ser actuante e, vai daí, legislou sobre o cadastro predial (como também sobre as piriscas deitadas ao chão nas ruas da cidade...), a limpeza dos solos florestais e das bermas das estradas e proximidades das casas e embrenhou-se na burocratização do sistema de Protecção Civil (é só ouvir o que os bombeiros dizem dos «senhores da boina preta»).
Ou seja, fez coisa nenhuma. Ontem, em Pedrógão Grande, os matos estava mais viçosos, as bermas verdejantes, as casas tinham o fogo à porta, as populações - houve, felizmente, tempo de evacuar quem quisesse - de baldes e mangueiras resignadas, esperando a repetição do filme. Dali à Sertã, o fogo tinha o espaço todo por sua conta.
Dos anteriores incêndios mais não haverá a acrescentar. Apenas a frisar a sua extensão, a imensidão de incêndios começados num distrito, cavalgando mais dois ou três e ainda activos.
Também o poder executivo nada fez. Nem o socialista, com Costa a preparar demoradas malas para a Europa que ambicionava, nem o social-democrata, durante meses acossado pela "caso Spinumviva" e por uma série de gaffes ministeriais cometidas. Ou seja, por muito combustível para discussões políticas já na rentrée visando as eleições autarquicas que não estão longe. A República é assim...
... é assim e não quer admitir que a situação não dispõe de muitas soluções. O Interior do País está entregue às silvas e ao bravio, os poucos que lá vivem - umas tantas martirizadas aldeias - não logram forças para se defenderem eficaz e definitivamente. É o seu destino - a angústia vivida todos os verões. Assim como todos continuam a pisar a pirisca no cimento do passeio, ninguém vai limpar o hectarzito de pinhal que herdou já não sabe bem aonde. (Falo de leis inócuas, a especialidade parlamentar nossa.)
Tudo talvez não fosse tão complicado se não se verificassem dois factores: o primeiro - a maioria dos incêndios continua a ter mão humana, negligente ou intencional; o segundo - o clima mudou, as vagas de calor prolongam-se e um sinistro vento se encarrega de levar o fogo daqui para muitos quilómetros além (de resto, muito facilitando a vida aos incendiários).
Se o Poder político quisesse ser realmente actuante, rapava o País privado à escovinha e actuava com rigor nas matas nacionais e nos baldios. Invertia o ónus: quem se sentisse lesado pelo abate das suas árvores, que fizesse prova de propriedade e pedissse o ressarcimento das suas perdas. Se, ao menos, ainda dispusesse de alguma vontadinha, minimizava riscos, apostando na prevenção in loco: assim que a meteorologia tocasse os sinos a rebate, a guarda a cavalo, a pé ou motorizada em lugares considerados mais susceptíveis, e os carros de bombeiros também. É que todos os dias ouvimos - a rapidez da actuação é fundamental.
Mas não. Se de 2017 para cá tudo está na mesma, porque se mudará agora?
Nota prévia sem grandes comentários para além de sublinhar a inaceitabilidade deste título do Público de hoje

Feita esta nota prévia, comecemos então o post com uma fotografia, mais uma vez, de Paulo Fernandes, sublinhando, como o próprio fez questão de sublinhar, neste caso o ICNF fez o que lhe competia, outros é que nem tanto.

O que me interessa é a discussão à volta de investimento perdido, versus investimento produtivo futuro, a propósito de fogos.
O Estado tem gasto rios de dinheiro em faixas de gestão de combustível, como a que é referida na papeleta da fotografia, no pressuposto de que uma das maneira de limitar a extensão dos fogos é manter o território numa teia de linhas onde é possível travar um fogo (porque se reduz o combustível, reduzindo a intensidade do fogo até que ela entre dentro dos limiares de extinção que permite o combate eficaz), contendo os fogos dentro de células que não permitem a sua propagação a outras células.
A ideia é boa mas, para além da discussão sobre se esta é a maneira mais eficiente de limitar a extensão dos grandes incêndios, ela só tem interesse se, para além da adequada gestão do combustível das faixas, o dispositivo de combate estiver focado em aproveitar essas oportunidades para travar um fogo em progressão, coisa que não acontece em Portugal, porque não é assim tão fácil, mas sobretudo porque a doutrina que está na base da gestão do fogo em Portugal desvaloriza o combate florestal e hiper-valoriza a defesa de pessoas e bens, concentrando os meios disponíveis nas estradas e aldeias, deixando o fogo andar livremente pelo monte.
Há alguma investigação académica sobre a eficácia desta opção pela criação de faixas de gestão de combustível que aponta no sentido de que a sua utilidade tem sido muito marginal, havendo aqui e ali notícia de terem tido um efeito passivo na extinção de fogos sem grande intensidade, e situações pontuais do seu uso pelo dispositivo de combate, com algum êxito.
O que me interessa é que este investimento só serve para o fim para que foi criado, não alavanca economia (com certeza terá algum efeito no emprego e da redistribuição de riqueza das regiões ricas para as regiões pobres, que é pequeno e com impacto temporário) e, portanto, sendo marginal a sua utilidade para o combate aos fogos, é um bom exemplo de dinheiro deitado à rua.
A generalidade das opções do Estado na afectação de recursos na prevenção tem as mesmas características, seguem um padrão em que tecnicamente se idealiza uma situação desejável, operacionaliza-se a forma de dar execução a essa opção, de maneira geral assente em regras legais e administrativas fortemente condicionadas pelo Estado, vai-se a Bruxelas buscar um bocado de dinheiro, e aqui vai disto, sem que, por um momento, alguém se pergunte o que acontece se, por acaso, as medidas forem ineficazes ou quem é que existe para as pôr em prática (esta última parte resolve-se atirando tudo para cima das autarquias, com o argumento de que estão perto das populações).
De resto, continuamos a não ter rapidamente uma estimativa dos custos do combate por incêndio, que permitiria estabelecer comparações e tentar perceber por que razão uns custam mais, e outros custam menos.
Em acabando o financiamento, acabou-se tudo, a verdadeira actividade é a captação de fundos disponíveis, e não a gestão da paisagem ou a satisfação de necessidades reais de pessoas concretas.
Já devo ter escrito que me fui aproximando das questões sobre a gestão do fogo quando, posto numa prateleira, me dediquei a estudar os orçamentos das áreas protegidas para perceber por que razão nunca havia dinheiro para gestão da biodiversidade, mas havia sempre dinheiro para a gestão do fogo (que, de maneira geral, não tem grande relevância na conservação da biodiversidade, excepto quando é usado como ferramenta de gestão).
Nessa altura, rapidamente concluí que a esmagadora maioria do dinheiro que se gastava com os fogos, quer em prevenção, quer no resto, era dinheiro deitado à rua e comecei a dar por mim a discutir aplicações alternativas para esse dinheiro que, gerindo fogos, criasse economias.
Fui evoluindo para a defesa de actividades específicas (o pastoreio à cabeça, de tal forma era evidente o seu papel, o que culminou num dos melhores artigos que escrevi, "antes cabras que aviões") e, aos poucos, fui integrando outras actividades, tanto mais que entretanto fiz um doutoramento em evolução da paisagem rural no continente português ao longo do século XX que me permitiu ter um ponto de vista mais alargado sobre a economia da paisagem (uma coisa de que os meus colegas arquitectos paisagistas se esqueceram há décadas).
E é desse longo percurso que acabo por aderir à tese de que o fundamental é pagar, parcialmente, a gestão de matos que é feita pela economia concreta que existe, às pessoas concretas que existem, no contexto económico real que está instalado, em vez de andar à procura das soluções ideais para as quais não há nem gente, nem mercados, nem economia que as execute.
O problema é que é praticamente impossível discutir racionalmente este princípio, porque continuamos a ter gente convencida de que as oliveiras e os carvalhos não ardem (cara Maria, vá dar uma voltinha à area ardida do incêndio do Sabugal), jornalistas que acham que os parques eólicos produzem vento, jornalistas que, pedagogicamente, mostram o papel que os carvalhos podem desempenhar na protecção das casas, ao mesmo tempo que filmam acácias e, pior que tudo, não há avaliação séria de resultados, com indicadores de resultados e não com indicadores de processo.
É fácil dizer que se aumentou muito o dinheiro gasto em prevenção, equilibrando-se com o dinheiro gasto em combate, e até é verdade, só que as medidas de prevenção em que foi gasto esse dinheiro têm o pequeno problema de serem pouco eficazes e se esgotarem em si, não contribuindo para fortalecer uma economia que crie riqueza, que crie emprego, que remunere o capital e, também, gere matos.
Dir-se-á, com toda a razão, sublinho, com toda a razão, que medidas com as que defendo não resolvem tudo, tanto mais que o combate continua a assentar numa doutrina errada que dissocia o combate florestal da gestão da paisagem, limitando os pequenos avanços que possa haver na gestão de combustíveis.
É verdade, e seria útil que finalmente o Estado se deixasse dos paninhos quentes que nos levaram até aqui, criando um corpo de bombeiros florestais especializado no combate ao fogo florestal, com carreiras dignas, formação adequada, preparação adequada e competências de comando que conheça o fogo por conviver com ele ao longo de todo o ano.
Só que o combate não é coisa de que eu perceba o suficiente para andar sempre a falar disso, de paisagem sei o suficiente para ter segurança nas propostas que faço, apesar do cansaço, do imenso cansaço, de estar sempre a ouvir objecções parvas ou ideias alternativas complicadas que pretendem resolver os problemas do mundo, quando eu só quero aumentar a área de gestão dos matos e sub-bosques, passo a passo, começando por pagar parte do custo dessa gestão a quem a faz.
"O Centro de Estudos Florestais do Instituto Superior de Agronomia analisou os grandes tipos de ocupação do solo afetados pelos cinco incêndios que tinham área superior a 10.000ha em 21 de Agosto, usando mapas obtidos do European Forest Fire Information System (EFFIS).
Estes cinco incêndios totalizavam uma área de 199.411ha, correspondendo a 73% da área queimada total reportada pelo EFFIS à data.
À data da análise, o incêndio do Piódão continuava ativo.
...
O Pinhal Bravo e o Eucalipto representavam, respetivamente, 24.3% e 4.2% dos 199.411ha queimados nos cinco grandes incêndios analisados, enquanto que o somatório das Outras Folhosas (sobretudo espécies ripícolas) e Outros Carvalhos (Quercus que não o Sobreiro e a Azinheira) correspondia a 6.0% dessa mesma área".
Convém acrescentar duas informações, a de que os matos representavam 42,7% da área ardida, a floresta 36,4% (decomposta como está dito acima) e a agricultura mais pastagens 19,4%.
E a informação de que análise é feita apenas para os incêndios com mais de dez mil hectares, o que deixa de fora o incêndio de Arouca, com mais seis mil hectares eucalipto.
Os dados acima não são nenhuma novidade, no sentido em que arde o que está disponível no sítio em que está a arder, mas é claro que ter outras folhosas e outros carvalhos com mais percentagem que o eucalipto é uma boa demonstração de que, mesmo que fosse possível ter carvalhais por todo o lado (e ninguém explica como se faz a transição e se gere o fogo entre a situação actual e os carvalhais maduros), não havia nenhuma garantia de que não houvesse Verões como o deste ano.
Resumindo, se os senhores jornalistas e os senhores especialistas em alhos que falam de bugalhos (como eu, e boa parte dos académicos que aparecem nestas alturas) se deixassem de continuar a insistir na necessidade de transformar a paisagem, talvez se conseguisse expandir a gestão que existe, com a economia que existe e com as pessoas que existem, em vez de se andar a gastar recursos em fantasias e soluções perfeitas, mas inúteis.
A Montis é uma associação de que sou co-fundador e fui seu presidente nos dois primeiros mandatos (os seus estatutos impedem a manutenção nos mesmo orgãos sociais por mais de dois anos, confesso que é uma norma cuja redacção me deixa insatisfeito porque quando a escrevi pensei que estava a escrever que não se podia estar em orgãos sociais da associação mais de dois mandatos, isto é, que não se podia transitar da direcção para o conselho fiscal, por exemplo, mas os advogados dizem que a norma diz que não se pode fazer mais de dois mandatos no mesmo orgão, razão pela qual, desde o início da Montis, eu acabo por ir saltitando de orgão em orgão, mas nunca mais voltei à direcção, nem tenho, neste momento, condições pessoais para isso).
A Montis foi feita tendo como inspiração a Associação Transumância e Natureza, hoje, Faia Brava, no que diz respeito aos objectivos centrais (gerir terrenos concretos com objectivos de conservação da biodiversidade), mas adoptando um modelo de gestão mais aberto institucionalmente e usando técnicas de gestão diferentes, essencialmente centradas na ideia de produção de biodiversidade a partir de terrenos que poderiam não ter grande valor desse ponto de vista, à partida, ao contrário da clássica atenção aos terrenos muito valiosos do ponto de vista de biodiversidade.
Já agora, a Rewilding Portugal nasce igualmente a partir da Faia Brava (embora num processo mais criativo, chamemos-lhe assim) e suspeito, nunca discuti o assunto com Manuel Malva, que também terá inspirado a Milvoz, qualquer das duas mais próximas da clássica conservação de sítios com interesse de biodiversidade que a Montis.
Desde o início que a questão da integração do fogo no modelo de gestão tem distinguido a Montis das outras abordagens, e logo em 2016, com a Montis fundada no ano anterior, arderam algumas das áreas geridas pela Montis (áreas da Altri Florestal, cuja gestão é cedida à Montis) e em 2017 ardeu o que era, então, a jóia da coroa da Montis, uns terrenos com carvalhal em recuperação que tinham sido comprados através de subscrição pública (crowdfunding, como se chama agora).
Em 2016, tendo ardido grande parte da Serra da Freita e serras envolventes, a Montis organizou um conjunto de passeios pedagógicos em que pretendia divulgar questões centrais de ecologia do fogo e da gestão do fogo enquanto processso ecológico fundamental (sem grandes resultados, os passeios foram tendo gente, mas sobretudo convertidos, entre outras razões, porque a generalidade do jornalismo e a generalidade do movimento conservacionista, nomeadamente os seus dirigentes, não têm interesse nenhum em conhecer o fogo porque já sabem tudo o que precisam sobre o assunto).
Em 2017, sendo um ano em que ardeu bastante eucalipto, criaram-se condições ideais para alavancar mais uma campanha contra o eucalipto.
Nesse ano, a grande novidade foi a demonstração do carácter invasor do eucalipto, que de facto se verificou pontualmente ao contrário do que era a informação científica sobre o assunto à época, mas que não tem nenhuma relevância face a invasoras agressivas como as acácias e as háqueas, porque eliminar eucaliptos não tem grande dificuldade técnica, logo, o seu papel como espécie invasora é marginal.
Ora a Montis passou completamente ao lado desse coro grego que, à revelia de toda a informação científica produzida sobre o assunto, pretendeu cavalgar a ideia de que os fogos, em Portugal, estavam muito ligados à excessiva plantação de eucalipto.
De resto, ao contrário da histeria emocional à volta do suposto desastre ambiental provocado pelos fogos de Verão (um mito persistente que será difícil erradicar, os fogos de Verão são um problema social sério e um problema económico sério, mas só pessoas preocupadas com a metafísica dos impactos ambientais potenciais é que consideram que há uma tragédia ambiental associada aos fogos em Portugal), a Montis optou, em 2017, por primeiro dizer que era preciso ter informação fidedigna, depois era preciso cruzar os braços até à Primavera seguinte, e depois desenhar programas de intervenção em função da avaliação do que estava em causa (tipicamente, riscos muito elevados de expansão de espécies invasoras agressivas, riscos moderados de regressão na recuperação dos solos que está a ocorrer e oportunidades de intervenção nos dez anos seguintes com baixo risco de incêndio de Verão).
Esta atitude de racionalidade tranquila trouxe, naturalmente, muitos dissabores à Montis, incluindo internamente, porque havia pessoas que queriam embarcar na histeria anti-eucalipto que chegaram a abandonar, na prática, a associação, havia quem quisesse cavalgar emocionalmente os fogos de 2017 para optimizar a angariação de recursos, e teve, sobretudo, um efeito externo relevante, com a campanha difamatória sobre a Montis, que persiste, de ligações menos claras com a indústria de celulose.
São opções de gestão, mas não me peçam a mim que, quando a vida demonstra a irracionalidade, ou pelo menos os limites, dos modelos de gestão alternativos em que muita gente se baseia para difamar a Montis, eu fique calado, oferecendo a outra face, lamento, não faço isso, não porque me incomode especialmente oferecer as duas faces, mas porque o silêncio cobarde face a mitos largamente dominantes sobre gestão do fogo (em que se incluem os mitos sobre o eucalipto) é cumplicidade com políticas erradas que matam gente.
Tenho uma franca simpatia pela ideia de Rewilding e tive longas conversas sobre a sua aplicação em Portugal com Wouter Helmer, um dos fundadores da Rewilding Europe, em especial em torno da questão do fogo e em torno da questão da diferença de variabilidade anual do factor limitante na alimentação de grandes herbívoros nos Países Baixos (a neve e consequente escassez de alimento no Inverno) e em Portugal (a seca estival, com a consequente escassez de alimento, no Verão).
Não tenho a mesma simpatia pela organização Rewilding Portugal, mal nascida a partir de um processo feio de deslealdade, francamente opaca e manifestamente centrada numa lógica lobista de captação de recursos, mesmo que isso signifique andar a espalhar bisontes pela Beira Baixa, vendendo fantasias sobre o interesse ecológico de uma mera acção de comunicação, se quisermos ser benignos, ou propaganda, se quisermos ser mais rigorosos.
Não é a primeira vez que critico, de forma bastante áspera, a opção de inventar realidades paralelas para vender histórias da carochinha que caracteriza a Rewilding Portugal, e uma das vezes foi exactamente sobre os extraordinários resultados de gestão do fogo apregoados pelo seu director executivo (é um dos mistérios mais interessantes da Rewilding Portugal, muito pouca gente sabe quem são os seus dirigentes, como são escolhidos, por quem, em que processos eleitorais, mas o seu director executivo é sempre o mesmo, independentemente das direcções, sugerindo que é mais o director executivo que escolhe direcções de fachada, que as direcções que realmente orientam os orgãos executivos da associação).
Agora que os resultados extraordinários que tinham sido antes demonstrados foram incinerados com um fogo que repete o fogo de 2017, a Rewilding Portugal não perde tempo e opta por pedir dinheiro (para quem quiser contribuir, aqui fica a ligação), mantendo o mesmo modelo de actuação que consiste em esquecer a racionalidade e ir directo às emoções associadas ao fogo, tendo recolhido perto de oito mil euros em 24 horas, sem que se perceba bem para quê.
Ou melhor, a organização, na campanha, descreve o que pretende fazer: Apoio a produtores e animais afetados, selvagens e domésticos (alimentadouros, feno etc.) - 10.000 euros; Aquisição de material especializado de combate para futuras ocorrências (kits individuais, equipamento de combate, kit para viaturas, meios pesados de combate etc.) - 60.000 euros; Recuperação da paisagem afetada através de medidas de restauro ecológico (criação de charcas, sementeiras diretas nas áreas ardidas etc.) - 40.000 euros; Apoio a produtores afetados da região (apiários, sistemas de rega, maquinarias agrícolas, plantações etc.) - 40.000 euros.
Infelizmente, o que esta descrição do destino dos dinheiros torna evidente é que a Rewilding Portugal continua sem compreender que o fogo é um processo ecológico fundamental que deve ser integrado nos modelos de gestão, e não uma tragédia que deve ser erradicada dos sistemas (sim, o fogo pode provocar tragédias, como as cheias, mas não são as cheias que são uma tragédia, é construir-se em leito de cheia que leva à tragédia).
E por isso a caixa de ferramentas com que pretende trabalhar insiste em coisas razoavelmente inúteis e consumidoras de recursos, como sementeiras de áreas ardidas que estão cheias de propágulos de vegetação natural que co-evoluiu com o fogo, e coisas contraproducentes como evitar os pequenos e médios fogos, preparando o caminho para o próximo grande fogo, chegando ao ponto de omitir totalmente o papel potencial do fogo controlado na recuperação das paisagens e dos sistemas naturais.
São opções de gestão legítimas, como digo no post anterior sobre a Rewilding e o fogo para que faço ligação aí em cima, é bom que haja muita gente a fazer abordagens diferentes na gestão da biodiversidade, mas não há utilidade nenhuma em contrapor pensamento mágico à ciência, só porque isso torna mais fácil a angariação de financiamento para modelos de gestão que ignoram que o fogo é um processo ecológico fundamental que deve ser integrado nas opções de gestão, e não um "act of God" de que temos de nos defender quando, por azar, nos bate à porta furiosamente.

Estas fotografias são a base do comunicado da Milvoz sobre o facto da Bio-Reserva Integral do Vale da Aveleira ter ardido por estes dias.
A Milvoz é uma associação por quem tenho bastante simpatia, apoiei os seus primeiros crowdfunding para comprar terrenos, mas o sentimento de simpatia não é recíproco, penso eu, porque os dirigentes da Milvoz (em rigor, não diria que é associação unipessoal, mas assenta grandemente na preserverança e dedicação de Manuel Malva) se incomodam com as diferenças de opinião que existem entre eles e eu.
A lógica de gestão desta área, tanto quanto consigo perceber, em especial pelo seu nome, é uma lógica de não intervenção, reserva integral, mas assenta num pressuposto fundamental errado, o de que é possível excluir dos ecossistemas naturais um dos seus processos ecológicos mais relevantes, o fogo.
Na gestão de sistemas naturais, há três possibilidades racionais diferentes, mas a exclusão do fogo não é uma delas, a exclusão do fogo filia-se no pensamento mágico, não na racionalidade.
Uma das possibilidades racionais, e que faz sentido em alguns sistemas (por exemplo, em muitos zimbrais), aproxima-se da exclusão do fogo, requerendo uma gestão intensa da envolvente para diminuição do combustível disponível e uma atenção às projecções em caso de fogo intenso nas proximidades (dois, três quilómetros de raio, pelo menos). Nessa opção o que se pretende é mesmo excluir o fogo, pelo menos por largos períodos e limitar os seus efeitos, no caso de atingir essas áreas. Como disse, justifica-se para pequenas manchas de habitats que são mais susceptíveis ao fogo, mas é uma opção de risco e que não faz sentido na generalidade do território.
As duas opções racionais restantes (a Montis usa as duas) prendem-se com a gestão das características do fogo, isto é, frequência e intensidade.
A primeira consiste numa gestão contínua da quantidade e estrutura de combustíveis, de modo a que o fogo que atinja a parcela o faça em condições de baixa intensidade, se possível, e de limitação dos seus efeitos, se não for possível evitar que o fogo percorra a área com intensidades moderadas a elevadas.
A segunda consiste em gerir contando com a inevitabilidade do fogo, nas condições que calhar, procurando sobretudo ir melhorando o capital natural (solo e banco de sementes, por exemplo) de maneira a que a recuperação pós-fogo seja melhor, mais rápida e mais alinhada com os objectivos pretendidos para a área.
Nas fotografias acima é evidente uma grande severidade do fogo em grande parte da área, alguma piro-diversidade relevante, que resultam essencialmente de um relevo muito vivo, que cria condições fisiográficas bastante diferentes que, na sua interacção com o vento e influência na humidade do solo, deixam algumas áreas por arder, ou com intensidades de fogo diferentes (veja-se na parte inferior da fotografia como a combustão das folhas está longe de ser completa, indiciando baixa intensidade do fogo).
Avaliar mais que isto e dizer que este fogo representa perdas relevantes, neste momento, é precipitado, é preciso esperar pelo fim da próxima Primavera para perceber que indivíduos morreram ou não, e ver a resposta do banco de sementes e outros propágulos, só então se podendo falar verdadeiramente de avaliação dos efeitos deste fogo.
Se o objectivo é ter uma Reserva Integral, aceitar que o fogo faz parte do processo e que ciclicamente isto vai acontecer é meio caminho andado para baixar a angústia que imagens destas criam nos responsáveis pela gestão, nos sócios e doadores da associação, evitando o desânimo que faz baixar os braços a muita gente.
Pessoalmente, se eu tivesse responsabilidades de gestão, estar-me-ia nas tintas para o conceito formal de reserva integral e desenharia um programa de intervenções estruturado na resposta rápida ao risco de expansão de plantas invasoras e na retenção de solo através de técnicas de engenharia natural.
O que não me parece útil é protestar contra os efeitos de processos ecológicos fundamentais inerentes aos sistemas naturais.
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Gosto muito de séries policiais britânicas. Dentro do género encontram-se verdadeiras pérolas, sofisticadas histórias hoje contadas com técnicas aprimoradas de realização e suspense com actores muito bons, que nos lembram pessoas normais e não os modelos “artificiais” que quase sempre nos oferecem as congéneres americanas. Claro que estas séries, mesmo quando baseadas na literatura clássica do crime, reflectem o ar do tempo; de uma certa forma espelham a realidade sociocultural da contemporaneidade. Essas liberdades criativas, quanto a mim ameaçam a qualidade do produto, tornando-o mais com uma bandeira de um activismo qualquer, uma manifestação das virtudes e moralidade contemporâneas. Dir-me-ão que isso em cada época sempre assim foi, e é inevitável. Eu tenderia a concordar, se não fosse aquilo que me parece um exagero crescente, de fazer reflectir em quase toda a produção, até num mistério de Agatha Christie, toda a tralha de preconceitos e lugares-comuns às novas gerações, dispostos em democraticas quotas.
Mas o que me vem saltando aos olhos, há já algum tempo, é o retrato sociocultural da normalidade vigente nas grandes cidades britânicas – uma premonição daquilo que também chegará a este jardim à beira-mar plantado. Acontece que a velha caricatura do indígena, no caso do “bife”, aquela personagem pálida, de bochechas rosadas e gravata de fantasia histriónica, submerge perante a multiculturalidade, do mosaico de etnias que compõe por estes dias a paisagem urbana do reino de Sua Majestade. No seu lugar, entre figurantes e personagens principais ou secundários, encontram-se latino-americanos, africanos, muçulmanos, uma profusão de etnias, que curiosamente assumem um sotaque de inglês não convencional, um calão propositadamente carregado, seja de Manchester, seja de Newcastle ou duma região qualquer da Escócia. Assim como o modelo da família natural, o chamado "inglês BBC" caiu em desuso, suspeito que seja hoje malvisto, favorecem-se os regionalismos, o calão e os palavrões insistentemente repetidos capazes de fazer corar um tripeiro… Reflexo destes nossos tempos, as séries espelham a preponderância de lares monoparentais, pessoas sós e sem família, a normalização das plataformas de encontros, enfim, a representação porventura “martelada” dos temas fracturantes em voga, das chamadas minorias e múltiplas identidades sexuais, já para não falar das relações homossexuais cada vez mais explicitas, cenas a que não consigo assistir sem bastante incómodo.
Insisto: os britânicos são mestres a realizar séries policiais, mesmo quando nos revelam a sua estranha e decadente realidade. Uma das últimas que segui com agrado foi Vera, passada na enregelada região de Newcastle, protagonizado por uma solteirona de meia-idade, DCI Vera Stanhope. Dir-me-ão que a realidade sociocultural dos britânicos é bem mais prosaica do que os clichés da moda apresentados com os naturais exageros. Acredito, mas parece-me que os sinais de ruína dos valores tradicionais exibidos são claras marcas de uma sociedade profundamente fragmentada. Uma nação deslaçada pelo individualismo.
Porventura não escapará aos mais atentos, o símbolo que permanece e sob o qual trabalham os personagens destes dramas policiais: o monograma real de Sua Majestade o Rei Carlos III, encimado pela coroa real. Será que ela ainda inspira alguma coisa os britânicos?

O boneco acima foi-me mandado ontem, e sobprepõe a previsão de humidade atmosférica na noite que passou (de ontem para hoje), com os fogos activos em grande parte da Península Ibérica.
A mensagem era uma mensagem moderadamente optimista de quem sabe que a entrada de ar húmido é uma grande esperança para uma evolução favorável do combate ao fogo.
O que me chamou a atenção, no entanto, foi a excelente ilustração da localização geográfica dos fogos, uma questão que há anos me levou a fazer uns textos sobre a relação entre meteorologia e concentração de fogos.
A ideia de que arde em Portugal por causa do minifúndio, de não se saberem quem são os donos do terreno, do direito sucessório, a organização do combate e mais umas quantas idiossincrasias administrativas portuguesas e outras menos administrativas, como a grande presença de eucaliptal, tem um problema: a menos que esses factores portugueses sejam tão poderosos que afectem a Bulgária ou o Canadá, aparentemente, outros factores estão em causa na gestão do fogo.
Há, de facto, questões de geografia, ou de natureza, como se lhe queira chamar, e é isso que o boneco acima ilustra, o que arde na Península é sobretudo a faixa Noroeste acima do Tejo, por razões relacionadas com uma elevada produtividade primária, condições para uns quantos dias meteorologicamente muito favoráveis ao desenvolvimento do fogo e escassez de solo agrícola susceptível de suportar agricultura intensiva em larga escala.
Esta é a especificidade portuguesa e galega que justifica que haja mais fogos nesta parte do mundo.
Depois há um processo social transversal, que é o abandono ou diminuição da intensidade de gestão da grande parte do mundo rural em que não entra a produção intensiva.
Esse é um processo transversal em todo o mundo desenvolvido que faz com que arda em todo o mundo rural em que se verifica diminuição da intensidade de gestão, embora em menos anos por causa da tal especificidade geográfica do Noroeste Peninsular.
Claro que prender incendiários ou demitir ministros, governos, autarcas, comandantes de bombeiros, chefes de oficina ou empregados de café vai dar no mesmo, isto é, em nada, para se conseguir ir tendo uma gestão mais sensata do fogo.
Leitura da Epístola aos Hebreus
Irmãos: Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e autor da sua perfeição. Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus. Pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo. Vós ainda não resististes até ao sangue, na luta contra o pecado.
Palavra do Senhor.
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