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A falta de cultura política de muitos jornalistas faz com que, de vez em quando, passem defesas ferozes do liberalismo pelos seus filtros fortemente estatistas.
É o caso desta peça da Lusa (olá estatistas) publicada no Observador (olá redacção estatista), sem que nem a Lusa, nem o Observador, se tenham dado conta da poderosa defesa do liberalismo que ela comporta.
Moçambique é, em grande medida, um Estado falhado (se dúvidas houvesse, é dar uma volta pelo meio de Maputo e contar o número de seguranças à porta de casas relativamente vulgares, num incomensurável desperdício de recursos que decorre da incapacidade do Estado assegurar a segurança dos seus cidadãos), mas tem, sobretudo, um Estado extractivista.
Na peça, aliás, faz-se referência a uma situação completamente ridícula (pura afirmação do poder arbitrário sobre as pessoas), de que só tive conhecimento quando estive em Maputo, há uns oito ou nove anos, que consiste em limitações de circulação no espaço público por causa da proximidade com símbolos do poder.
Na altura, ia eu pela rua normalmente, a tentar refazer mapas da minha infância, quando dou por mim perto de dois clubes que frequentei inúmeras vezes (mais um que outro), entretanto transformados em casa do presidente da república, ou coisa do género.
Até aí, enfim, faz parte das evoluções históricas os novos poderes se apropriarem de bens públicos para usos privados, a pretexto do exercício de funções públicas, o que nunca imaginei é que não podia passar, a pé, no passeio da rua que ladeia essas instalações, era proibido.
Isto caracteriza o Estado moçambicano, ainda hoje, mas não é o essencial, o essencial é que este poder pós colonial, tomou opções.
As intenções com que foram tomadas essas opções, são irrelevantes, o que interessa é que o Estado pós colonial decidiu estar-se nas tintas para as liberdades individuais, em nome de paraísos futuros, incluindo uma das liberdades fundamentais, o direito de propriedade e o direito a dispor da sua propriedade livremente, que são extensões da liberdade individual.
Sem direito de propriedade e investimento do Estado na defesa dos direitos de propriedade, nem a liberdade individual é defendida, nem é possível criar sociedades prósperas e razoavelmente equilibradas.
Sem surpresa, também por essa razão, Moçambique é um país paupérrimo, que vive de estender a mão à caridade internacional, com milhões de pessoas com vidas miseráveis, dependente de terceiros, em especial nos suburbios das cidades.
Apesar de todos os programas de assistência internacional e cooperação, Maputo é uma cidade infernal para os seus pobres, que são a larga maioria, que se vêem e desejam para se libertar da pobreza, pastoreados por um Estado que não lhes garante nem educação, nem saúde, nem transporte que assegurem as condições de trabalho e, muito menos, segurança, quer física, quer jurídica.
E é neste contexto que vale a pena olhar para notícia e reparar como as pessoas se vão organizando para satisfazer a procura de bens e serviços que realmente existe, independemente do que diga ou faça o Estado.
Se o Estado resolvesse deixar-se de parvoíces e passar a tratar o direito de propriedade como um bem público, em vez de o diabolizar, era um instante enquanto os transportes públicos de Maputo melhoravam estratosfericamente, num reforço do processo informal em que as pessoas comuns, fintando o Estado, e centradas no seu interesse próprio, passaram a fornecer transportes públicos que servem melhor as pessoas comuns.
O liberalismo funciona e faz falta, muito mais em Moçambique que em Portugal, é o que diz a notícia que resolvi destacar neste post.
Já lá vão 40 anos de andanças pelos tribunais como advogado. Assisti a muitos excessos, quer da parte dos magistrados ou dos colegas, quer da parte dos arguidos, quantas vezes indivíduos violentos e de um despropósito que só a sua pouca educação, o seu primitivismo, poderiam desculpar. Assim o entendiam os juízes num desconto que os poupava (aos arguidos) a dissabores maiores.
Tudo isto para dizer que José Sócrates é totalmente desprovido de educação, é um verdadeiro arruaceiro, um primitivo cuja falta de escrúpulos lhe encheu os bolsos e ergueu o tom de voz e a desconexão do discurso. Não obstante, um ex-primeiro-ministro desta República o tempo bastante para conhecer os mínimos protocolares. Sem perdão, portanto.
Do que me tenho apercebido passar-se, dentro e fora da sala de audiências, jamais pensei ser possível. No exterior, enfrentando a horda de jornalistas propalando os maiores dislates em tom de desafio, o nariz já enrolando e estrafegando a pobre ponte Vasco da Gama. Lá dentro, poisando os seus calhamaços à sua frente e explicando à Presidente do Colectivo como se propõe conduzir os trabalhos. A sua exposição, que já anunciou longa e em relação à qual impõe a todos os agentes judiciais não o interrompam.
Hoje foi só o primeiro dia. Intuamos o que se avizinha... Oxalá o tribunal esteja à altura e a magistrada que o preside não desmereça das suas colegas que, mais que os seus colegas, gostam pouco de não serem prontamente obedecidas.
A procissão ainda vai no adro. Os milhões de Sócrates ainda terão farta aplicação. Quanto terá ele pago a Paulo Pinto de Albuquerque pelo vergonhoso parecer que este deu em seu auxílio?
Para além de João Adrião, devo ser dos únicos conservacionistas que gostam de discutir conservação da natureza procurando um ponto de vista liberal.
Está hoje em todo o lado um conjunto de notícias sobre o programa alcateia, um programa de cinco milhões de euros para apoiar a conservação do lobo ibérico.
Não vou discutir o fundamentos do programa (é mentira que o lobo esteja em declínio em Portugal), nem a natureza das medidas adoptadas (aumentar o valor de um indemnização por prejuízos que existe há dezenas de anos sem nunca ter sido avaliada a eficácia da medida, é o tipo de medidas que não estou interessado em discutir).
O que me interessa é a seguinte questão: o que poderíamos fazer melhor com cinco milhões de euros, em matéria de conservação da natureza? Dito em jargão economês, qual é o custo de oportunidade desta opção?
Para mim, a resposta é facílima: pagar directamente aos produtores que existem uma parte dos benefícios sociais que resultam dessa gestão, como forma de reforçar a competitividade destes produtores e, por essa via, aumentar a área gerida e a qualidade dessa gestão, é incomparavelmente melhor que andar a desbaratar dinheiro que acabará nos que gerem melhor as candidaturas, não necessariamente o terreno.
Mas deixamos desaparecer o lobo?
O lobo, em toda a Europa, está em expansão e, mesmo aceitando a teoria do oásis que diz que a população portuguesa de lobo, que é uma sub-população definida administrativamente da população ibérica de lobo, que está em expansão, ainda assim, aceitando esta estranha lógica, a população portuguesa de lobo, mesmo nos documentos oficiais, estará, na pior das hipóteses, estável.
De resto, as medidas previstas já existem há um ror de anos e o que se está a fazer é simplesmente ir ao saco azulado do Fundo Ambiental assegurar que há dinheiro para se fazer o que sempre se fez, cujos resultados nunca foram avaliados seriamente.
Já pagar directamente aos produtores 100 euros por hectare, no caso de manterem as ervas e matos com menos de 50cm nas suas propriedades, não só é coisa que nunca se faz, como, a fazer-se, reforça largamente as transferências de dinheiro para os que gerem a nossa paisagem rural, cujo principal problema é mesmo o abandono.
Claro que começar a fazer perguntas sobre custos de oportunidade de políticas públicas de conservação da natureza é inútil, haverá poucos a ouvir a pergunta, e ainda menos a tentar perceber o que quer dizer exactamente a pergunta.
Maria João Guimarães é uma senhora que quase todos os dias escreve as suas opiniões sobre os conflitos do médio-oriente, embrulhando-as num simulacro de jornalismo.
"A GHF é duramente criticada tanto pelo tipo de ajuda que fornece - uma boa parte precisa de ser cozinhada e muitas pessoas não têm combustível para o fazer - e sobretudo por estabelecer muito poucos pontos, onde têm sido mortas, por disparos israelitas, centenas de pessoas: o último número, do Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU, é de 613 mortos ...".
Esta pequena pérola merece alguma atenção.
Primeiro ponto (porque Maria João Guimarães o vem repetindo, ipsis verbis, há vários dias) é o que diz respeito ao título do posto "por disparos israelitas".
Como é que a jornalista sabe qual é a origem dos disparos que resultam nos mortos referidos (já lá iremos ao resto da discussão)?
Não sabe, não sabe ela, nem sabe ninguém.
Usemos então uma fonte que manifestamente não é pró-israelita, a aljazeera.
"Mahmoud Basal, a civil defence spokesperson in Gaza, said they “recorded evidence of civilians being deliberately killed by the Israeli military”".
O que é a defesa civil de Gaza de que este senhor será porta-voz?
É um dos muitos ramos dos serviços de segurança palestinianos, directamente dependente do ministério do Interior que, no caso de Gaza, quer dizer, do Hamas.
Ou seja, a fonte das afirmações taxativas de Maria João Guimarães é de uma das partes em conflito.
Como faria um aluno básico de jornalismo, sabendo que uma das fontes de uma informação é uma das partes em conflito (logo, sem a menor credibilidade), convém perguntar: quem e com que benefício se espalha essa informação?
A questão de fundo prende-se com um assunto sério, o controlo da ajuda humanitária resulta em potencial controlo dos beneficiários (se não te portas bem, não levas farinha) e em captação de recursos para quem a distribui, sobretudo se a desviar para um mercado paralelo (apenas em Gaza, sobre cujos habitantes a ONU despeja milhões pelos simples facto de alguém ter um estatuto de refugiado de um sítio onde nunca esteve, mas sim o seu bisavô, é que os mercados continuam a funcionar, sem que se perceba que economia existe ali).
Israel acusa a ONU de não controlar convenientemente a ajuda humanitária (o que a ONU reconhece ao referir os frequentes assaltos), permitindo que ela seja controlada pelo HAMAS (coisa que a ONU nega) e, consequentemente, inventou um sistema de fazer chegar ajuda humanitária que pretende evitar que essa ajuda seja controlada pelo HAMAS.
A quem interessa descredibilizar este esquema, a Israel, ou ao Hamas?
Ao Hamas, evidentemente ("The expected Israeli mechanism for distributing aid in Gaza is completely unacceptable, and we call on our people not to cooperate with it, as the occupation will use the aid distribution as a security and intelligence operation under the cover of the Israeli-funded ‘Gaza foundation", dizia o Ministro do Interior do Hamas, o tal que tutela a defesa civil citada por Maria João Guimarães).
Logo, os problemas causados às pessoas que se dirigem aos pontos de ajuda (e que o Hamas entende que devem ser boicotados pelas pessoas comuns) são mais provavelmente causados pelo Hamas ou por Israel?
Assim sendo, sendo mais do interesse do Hamas que haja problemas, e não se sabendo de forma independente do que resultam a maioria dos incidentes, como pode a jornalista dizer, taxativamente, que os disparos são israelitas?
Pode, da mesma maneira que que atribui ao Alto Comissário da ONU umas declarações de são de um seu porta-voz, que aliás não diz que os 613 mortos são o que a jornalista diz que são, como se pode ver na ligação que fiz para a Aljazeera.
Resumindo, a lata com que jornalistas se servem do seu estatuto para torturarem a informação a que têm acesso até que ela diga o que querem, é incomensurável.
E depois queixam-se da crise do jornalismo, quando a crise, que existe, parece ser em primeiro lugar uma crise de confiança no jornalismo, que está completamente enxameado de gente que quer mudar o mundo, sem as complicações e riscos fazer o que é necessário, tomar o poder, preferindo o conforto do jornalismo sonso ao desconforto do confronto político aberto e leal.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, designou o Senhor setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. E dizia-lhes: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara. Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho. Quando entrardes nalguma casa, dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’. E se lá houver gente de paz, a vossa paz repousará sobre eles; senão, ficará convosco. Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem, que o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem, comei do que vos servirem, curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’.
Palavra da salvação.
Embora muito menos ligado à actividade quotidiana da Montis (ou mesmo à discussão estratégica sobre o seu futuro), continuo a interessar-me pelo que a Montis vai fazendo.
Por isso vou lendo o blog que persiste e presta informação (para além da carta que mensalmente é enviada aos sócios para os manter informado, uma prática que deveria ser padrão em associações, e é em alguns países, mas que em Portugal grande parte das associações desvalorizam incompreensivelmente, ao contrário do que faz a Montis).
E foi ao ler este post que me lembrei de, mais uma vez, ir falando desta experiência.
Quando comprámos uns eucaliptais caducos, numa zona de solo muito degradado e, muito provavelmente, baixa produtividade primária, avaliámos várias hipóteses, e acabámos por decidir reconverter o eucaliptal noutra coisa mais interessante.
O eucaliptal era uma típica situação que não parecia dar palha nem dar espiga (como eucaliptal de produção, não valia grande charuto, como mata produtora de biodiversidade, valia ainda menos), como acontece em largos milhares de eucaliptais em Portugal.
O mais simples, seguro e rápido para erradicar os eucaliptos era cortar, esperar pela rebentação, pulverizar com glifosato, repetir se necessário, até os eucaliptos estarem todos mortos.
Como a aplicação de fitocidas implica qualificações adequadas, e como queríamos que o processo fosse demonstrativo de uma possibilidade que qualquer proprietário poderia adoptar para reconverter eucaliptais, decidimos experimentar uma coisa muito mais lenta, mais cara, muito mais exigente em mão-de-obra, mas com uma grande vantagem: poder ser facilmente feita por qualquer pessoa, ao ritmo que pudesse e quisesse, na sua propriedade.
A técnica consiste em cortar os eucaliptos (coisa que demorou algum tempo até se encontrar alguém interessado em o fazer, sem ter de ser pago) e ir partindo a rebentação na inserção no tronco principal, que é fácil, desde que não passe muito tempo.
Como não tenho possibilidade de ir lá ver com os meus olhos (que é o que gosto), vou vendo as fotografias e relatos para tentar perceber como vai evoluindo a coisa.
O que me motivou a fazer este post é que quando discutimos as possibilidades, não me lembro de ter valorizado um aspecto que hoje me parece dos mais importantes: as árvores que ainda não morreram (penso que são a maioria), são bombas de nutrientes que estão a bombar nutrientes em camadas profundas do solo (e fixandoos da atmosfera, já agora), ao nível das raízes, fixando-os nas copas das varolas que vão rebentando, e que são espalhadas pelo solo, quando partidas, devolvendo esses nutrientes às camadas superficiais do solo (eu sei que dada a quase ausência de solo não mineral, a secura e a inclinação, muitos desses nutrientes migram rapidamente para outras paragens).
Isto é, se é verdade que o processo é muito mais lento do que o processo expedito de cortar e pulverizar a rebentação com glifosato, não é menos verdade que, desta forma, estamos a tornar mais rápida a regeneração do solo, ao produzir e disponibilizar, in loco, matéria orgânica essencial a essa regeneração.
Não há meios para avaliar os resultados reais do processo, mas suspeito que a velocidade de recuperação do solo é muito aumentada com esta forma de fazer a reconversão dos eucaliptais em matas biodiversas.
A cena repete-se a cada cinco anos, com mais ou menos despudor, mais ou menos confrangedora, o posicionamento dos putativos candidatos à disputa eleitoral para a corrida a Chefe de Estado de Portugal. Este ano a particularidade é a candidatura de um militar que concorre à margem dos partidos, numa clara aproximação à estética monárquica, suprapartidária. E entende-se bem porquê.
Se os partidos constituem alicerces fundamentais, reguladores das diferentes tendências ou concepções ideológicas rivais que despontam da sociedade, sempre conflitual e competitiva, no modelo constitucional português, herdado do liberalismo monárquico, parece-me redundante, e até equívoco, o costume de o Chefe de Estado emanar dum partido político. Tirando o caso de Ramalho Eanes tem sido assim sempre desde o 25 de Abril. Tal acontece na ingénua presunção de que, no dia seguinte às eleições, os portugueses adiram à ilusão de que o mais alto magistrado da Nação tenha fechado as suas convicções sectárias a sete chaves num baú atirado à Fossa das Marianas. E que as suas pretéritas actuações no palco das quezílias partidárias não tenham passado de dramatizações artificiais para a conquista do poder. Mais um prego para o caixão do sistema.
A natureza humana é aquilo que é, e pouco haverá a fazer para a domesticar, sem ser com muita violência. Uma sociedade saudável é inevitavelmente conflituosa, competitiva, inquieta, combativa. As disputas emergem a cada momento nas famílias, nas empresas, em qualquer organização social. Aquilo a que chamamos “civilização” é a regulação eficiente dessa conflitualidade e a mitigação dos perigos inerentes aos excessos que essa violência implícita comporta, às vezes com pulsões de morte. É neste âmbito que se compreende a estruturante eficácia dos partidos, que são instrumentos de conquista de poder, um dos mais letais instintos humanos. Por isso, quando vejo deputados no parlamento à beira do histerismo a esgrimir argumentos, a disparar palavras e frases bombásticas com os seus antagonistas no lugar de espadeiradas ou rajadas de metralhadora, fico contente com esses sinais de civilidade. As fúrias ficam-se por palavras, e as razões revestem-se em ideais, mais ou menos sofisticados, mais ou menos nobres. Mas no início, lá bem no fundo, está um inevitável instinto guerreiro, uma propensão existencial para o conflito e para a contenda, uma inquietação voraz de poder. É inegável a eficácia das democracias liberais na mitigação destas autofágicas pulsões humanas.
Já não entendo é a necessidade que se proclama no espaço público de que o chefe máximo da nação participe e provenha desse teatro de guerra. Somos, como seres humanos, criaturas únicas e irrepetíveis, muito mais do que as nossas crenças e convicções. Por isso é que acredito, que um país antigo como o nosso merecia, no topo da pirâmide do Estado, em contrapeso com a restante arquitectura, uma instituição mais representativa da nossa identidade, mais agregadora, realmente independente das inevitáveis refregas entre os grupos de interesses e pertenças sectárias. A Pátria em figura humana.
E não me conformo que esta discussão não desponte no espaço público, viciado no degradante circo, na despudorada hipocrisia que consiste a disputa das putativas candidaturas a Presidente da República. Uma tristeza muito grande.
Publicado originalmente aqui
Sobre o aborto, como sobre muitas outras coisas que acho demasiado complexas para ver um caminho único, falo raramente.
Andava há tempos a pensar escrever qualquer coisa sobre como de uma discussão sobre um problema social real e relevante, se passou para a conversa sobre direitos fundamentais, ódio às mulheres, masculinidade tóxica e coisas semelhantes.
"Se todo o aborto é um mal, afirmava, o aborto clandestino é uma «catástrofe», explanando de forma documentada a realidade do aborto clandestino em Portugal quanto ao tipo de práticas e suas consequências para a saúde das mulheres: a utilização de «métodos primitivos e brutais, principalmente entre as camadas da população economicamente mais desfavorecidas»; a sujeição a consequências gravíssimas que, «com uma alarmante frequência, vão até à morte»; as hemorrarias, inflamações do útero ou doenças permanentes, a incapacidade de trabalho durante meses ou anos e mesmo a esterilidade. «A vida sexual e as funções reprodutoras da mulher sofrem um duro choque», acrescentava.
Que razões levariam então tantas mulheres a «enfrentar a morte, a esterilidade, as doenças e ainda a repressão legal para evitar ter filhos», questionava Álvaro Cunhal. Como resposta adiantava a miséria e a angustiosa situação económica das classes trabalhadoras, marcada pelos baixos salários, o desemprego massivo, a impossibilidade de ter amas para tomar conta dos seus filhos, as condições brutais de exploração do trabalho e a parca alimentação que não permitia uma maternidade saudável. Sendo assim, como podem elas «ansiar a vinda ao mundo do produto do seu ventre, como podem desejar que a carne da sua carne venha para o sofrimento e para a dor?»".
A citação é deste artigo do Avante, já com mais de dez anos, sobre a tese académica de Álvaro Cunhal, discutida em Julho de 1940, com o título «O Aborto: Causas e Soluções» (a tese foi muito bem classificada, de acordo com as teses do PC, porque era tão boa que até o júri fascista foi obrigado a reconhecer-lhe esse valor, de acordo com a lógica, porque o júri era mais justo do que o PC gostaria de admitir).
Pareceu-me útil para assinalar o ponto de partida da discussão sobre a legalização do aborto: o aborto é um mal, mas independentemente do que diga a lei, muitas mulheres fá-lo-ão, em condições mais precárias se for ilegal, especialmente no caso das situações de maior fragilidade social e económica, frequentemente com graves efeitos de saúde para as mulheres, incluindo riscos acrescidos de mortalidade precoce.
A tese que fundamenta a oposição a esta legalização, desde sempre, é a de que não é apenas um mal, é uma violação do direito à vida, pelo que a lei não pode acolher essa possibilidade.
As duas posições, irreconciliáveis em grande medida, foram evoluindo, quer por parte dos que se opõem ao aborto pelas razões citadas, mas reconhecem os graves problemas sociais (incluindo de injustiça social) resultantes da sua proibição total, quer por parte dos que defendem a legalização do aborto, que deixou de encerrar, para muita gente, uma questão moral de primeira grandeza, ao não reconhecer qualquer direito antes do nascimento.
As duas posições encerram, forçosamente, contradições e dificuldades (por exemplo, a legítima defesa e a guerra justa são consideradas circunstâncias que podem derrogar o direito à vida de terceiros, mas situações igualmente limite relacionadas com a gestação não são vistas com a mesma ponderação de direitos, no caso dos opositores ao aborto, ou a defesa de limites aos tempos de gestação para a realização legal do aborto, descartando a possibilidade de abortar até à véspera do nascimento, no caso dos defensores da ideia de que não há direitos antes do nascimento), mas na verdade parece-me relativamente fácil encontrar largas matérias de acordo, no que diz respeito à preocupação de resolver os problemas sociais relacionados com gravidezes indesejadas (ou desejadas, mas que o futuro vem a revelar como muito mais problemáticas que o esperado).
A minha incompreensão vai para a radicalidade woke que pretende afastar qualquer discussão, moral, política, social, sobre as melhores soluções associadas à gravidez indesejada, sob o argumento de que o aborto é um direito fundamental das mulheres que nem sequer pode ser questionado.
O que me preocupa não é a possibilidade de ver pais a eximir-se às suas responsabilidades argumentando que o nascimento de uma criança é uma decisão inteiramente livre da mãe, razão pela qual os pais não têm qualquer responsabilidade na criação dos filhos, o que me preocupa é mesmo a tendência para substituir por adjectivos pesados qualquer argumento a favor ou contra o que cada um pensa, ou andar a tentar perseguir pessoas que simplesmente afectam recursos à defesa das suas ideias, por mais que essas ideias sejam diferentes das minhas.
O aborto não faz parte dos direitos fundamentais declarados pela ONU, mas o direito à propriedade faz.
Isso, e bem, não impede que haja pessoas, e partidos, que consideram que propriedade é roubo, ou que achem adequadas imensas restrições ao direito à propriedade (veja-se, em toda a discussão sobre habitação, a posição de grande parte da esquerda).
Já era tempo de compreender que a interupção voluntária de uma gravidez (usei esta expressão, desta vez, para vincar o voluntária) tinha um contexto social, económico, científico e tecnológico no tempo em que Álvaro Cunhal apresentou a sua tese (nem a pílula tinha sido, sequer, inventada, quanto mais o resto), que a tornava uma chaga social para a qual faltavam respostas, e que hoje, apesar do contexto ser muito diferente e haver muitas mais respostas sociais e tecnológicas para gerir gestações, continua a ser relevante perguntar: onde está o ponto de equilíbrio da lei que assegure razoabilidade social e a melhor a ponderação de tudo o que está em causa, para as mulheres, claro, para os potenciais filhos, evidentemente, mas se não for pedir de mais, para os outros implicados em cada gestação?
Durante anos, os alunos sem aulas foram, e bem, matéria de debate político.
O actual ministro, Fernando Alexandre (declaração de interesses, conheço-o electronicamente, gosto bastante dele independentemente da inversa não ser necessariamente verdadeira, e tenho-o como pessoa competente e muito séria) fez desse assunto uma questão política central, e tomou um conjunto de medidas para resolver o problema, tomando como indicador de gestão a informação oficial.
Quando anunciou uma vitória política que ninguém acreditava ser possível, levantou-se o problema da fiabilidade dos números usados (é uma técnica muito usada pelos sindicatos e outros satélites do PC, partido com uma longuíssima tradição de torturar os números até que digam o que o partido quer).
Fernando Alexandre, que talvez tivesse desvalorizado alguns avisos anteriores sobre essa fiabilidade (compreensivelmente, é absurdo que os serviços do ministério da educação, nomeadamente os seus funcionários de topo que contactam com o ministro frequentemente, não tivessem demonstrado que números eram aqueles e o que significavam, mas este absurdo é o padrão da administração pública actual, que sabe que grande parte do seu poder reside na capacidade que os directores gerais consigam criar no controlo da informação que chega aos decisores políticos), mas independentemente disso, não procurou escapatórias, reconheceu que afinal os números não serviam para o que pretendia e mandou fazer uma auditoria externa.
Os resultados da auditoria são os que seriam de esperar por quem conheça bem o estado deplorável da administração pública, especialmente na sua capacidade de produzir informação de gestão relevante, que os sistemas de produção de informação existentes eram incapazes de produzir a informação pretendida.
O normal seria toda a gente bater palmas ao ministro que procurou apresentar resultados baseados em evidências, que no processo descobriu que a administração é incapaz de produzir informação relevante para a gestão de problemas relevantes e que, por isso, ao contrário de todos os outros que andaram a discutir o problema durante anos, mandou reformular os sistemas de produção de informação, de acordo com práticas de gestão sólidas.
Mas o normal não é o habitual, forçosamente, e o que aconteceu foi o habitual: o jornalismo caiu em cima do ministro por não ter informação relevante.
Os outros ministros andaram a gerir o problema sem essa informação, os jornalistas fazem, há anos, o triste papel de alimentar discussões com base em números que não servem para essas discussões, e quem leva na cabeça é o ministro que desencadeou mecanismos consistentes para resolver o problema de base da informação de gestão de que necessita (ele, todos os ministros depois dele e todos os gestores que continuam a gerir com base em informação que não serve para o que se pretende).
Claro que há nisto um lado cómico (não é, humoristas?), mas não deixa de ser deprimente.
Já houve um tempo em que dedicava algum tempo a documentos estratégicos como a "Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade".
Actualmente acho-os uma perda de tempo, mas isso não quer dizer que, por uma vez, não resolva fazer um documento com a minha opinião sobre esta estratégia que, de acordo com este aviso, foi aprovada em Conselho de Ministros, tem 46 páginas publicadas em Diário da República e, agora, vai para discussão pública durante 10 dias mais sessenta.
Todo o processo me parece uma tolice, mas como não o conheço, não quer dizer que não seja eu que estou mal informado.
É certo que, sendo eu uma pessoa do planeamento, sempre subscrevi uma ideia de Ilídio de Araújo (com quem trabalhei) que, numa conferência, dizia (citação de memória, não me incomodem com a literalidade das palavras, a ideia sei que era esta) que o mais importante de um plano era o que sobraria se no dia da sua apresentação, um mafarrico qualquer queimasse todos os seus elementos materiais.
É uma forma bem expressiva de dizer que os processos são mais importantes que os resultados, no planeamento.
Do pouco que li da estratégia, infelizmente parece-me que não se aprendeu grande coisa e a ideia de Teresa Andresen (aqui sim, os trinta anos passados podem atraiçoar a minha memória), na altura Presidente do ICN, quando eu era vice-presidente (eu sei, é ao contrário, eu é que era vice-presidente quando a Teresa era presidente) de montar uma estratégia em fichas temáticas, concretas, discutidas com os agentes de conservação relevantes, com objectivos claros e indicadores de resultados, trazendo os agentes de conservação para compromissos colectivos, nunca foi considerada (ao menos como hipótese).
O que vejo são 46 longas páginas a repetir as coisas do costume sem qualquer esforço de enraizamento na sociedade que faça a conservação da natureza ter objectivos colectivos que cada um vai procurando atingir, à sua maneira e na medida das suas possibilidades.
De resto, se dúvidas houvesse, lá se mantém uma coisa que existe desde o tempo dos afonsinhos, mas que nunca funcionou minimamente (e, se funcionou, nunca foi útil) e bem exemplificativa de uma ideia de estratégia centralista, estatista, burocrática e sem qualquer ligação com a realidade (incluindo a realidade da inutilidade deste orgão, bem documentada historicamente):
"Estabelecer que o fórum intersectorial aprova o seu regime de funcionamento para o período de vigência da ENCNB 2030 e é constituído por um representante designado por cada uma das seguintes entidades:
a) ICNF, I. P., na qualidade de autoridade nacional para a conservação da natureza e biodiversidade, que coordena;
b) Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P.;
c) Turismo de Portugal, I. P.;
d) Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.;
e) Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral;
f) Direção -Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos;
g) Direção -Geral da Autoridade Marítima;
h) Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I. P.;
i) Uma individualidade de reconhecido mérito no âmbito da conservação da natureza e biodiversidade, designada pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente;
j) Uma individualidade de reconhecido mérito no âmbito da conservação da natureza e biodiversidade, designada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses;
k) Outras entidades públicas ou privadas que devam ser convidadas, atentas as respetivas competências, em função das matérias em discussão;"
Quem faz conservação da natureza são os gestores de terrenos, agricultores, pastores, resineiros, empreiteiros florestais, empresas, etc., etc., etc..
O Estado acha-os inúteis para o acompanhamento da dita estratégia porque o Estado, qual pai dos povos, os representa a todos.
Genericamente, os preços sobem porque a procura cresce mais depressa que a oferta.
A oferta cresce devagar porque o licenciamento é lento e incerto, porque a regulamentação de construção encarece as casas e porque o negócio de construção de casas a baixo custo é deficitário (entre outras razões, porque a regulamentação obriga a construir caro e a fazer desaparecer os terrenos que podem ser urbanizados).
A procura cresce porque há aumento da procura de novas habitações, incluindo a imigração de todo o tipo e porque as pessoas querem morar em circunstâncias melhores que os seus pais, para além do afunilamento do emprego em poucas cidades.
A que se soma uma indução da procura por parte de um sector do turismo pujante.
É muito frequente ler-se que os preços estão tão altos, que ninguém consegue comprar ou arrendar casas, um disparate monumental, porque para os preços subirem é preciso que haja compradores e inquilinos.
Talvez valha a pena, por isso, perder algum tempo a discutir esta procura, pondo de lado a tolice de que os preços sobem porque os donos das casas fazem o que querem (outro disparate, o dono de uma empresa é um escravo do mercado, não consegue fazer nada que implique não ter clientes).
Um dos problemas centrais na escassez de oferta e, sobretudo, numa oferta muito pouco transparente, é o problema da confiança: se eu não tiver a certeza de que ponho o inquilino fora se precisar da casa e que ele vai cumprir o contrato, perfiro não correr esse risco e mantenho a casa fora do mercado.
Ou, o que é mais vulgar, procuro um inquilino que me dê garantias que o Estado e o sistema de justiça não consegue dar.
Se tenho uma extensa lista de contactos e conhecimentos em meios com algum poder de compra e, frequentemente, com algumas casas, pode ser que esse conhecimento pessoal resolva o assunto, criando uma gritante diferença em relação aos mais pobres e, sobretudo, aos estrangeiros mais pobres, sem redes sociais de apoio (ou eventualmente, cujas redes de sociais de apoio são as máfias que os trouxeram e exploram).
Se sou muito rico, posso dar garantias materiais, mesmo que sejam informais por não cumprir a lei, e pagar rendas mais altas, criando uma gritante diferença para os que não são ricos.
Portanto, em primeiro lugar, um sistema opaco, com justiça lenta e poucas garantias para o dono da casa, tem como consequência partir o mercado entre os segmentos altos e baixos, pressionando os preços para cima e levando ao desinteresse pelo mercado de segmentos mais baixos.
Do lado da aquisição, e passando por cima do problema dos terrenos em que se pode construir, a regulamentação de áreas, isolamento, infraestruturação, materiais e etc., que existe, tende a fazer com que as casas sejam caras, razão pela qual, se eu tiver os trocos para investir em construção de casas, vou apontar para os segmentos altos, esquecendo os outros segmentos do mercado.
Por fim, e não menos relevante, razão pela qual há muitos anos eu defendo a transferência da capital de Portugal para Castelo Branco, a macrocefalia do país, com forte concentração económica em Lisboa, Porto e Algarve, cria uma pressão desmesurada nessas áreas, porque as pessoas estão onde está o emprego (e investir em transportes, casas de renda acessível, serviços públicos, etc., para resolver esta questão, acentua o problema, não o resolve).
Mesmo situações relativamente simples (sublinho o relativamente) de pessoas que se reformam, poderiam vender a sua casa em zonas pressionadas e ir viver para zonas com melhor qualidade de vida, beneficiando da diferença de preço das casas (o que permitia a disponibilidade de um pé de meia muito catita), acabam por ter uma expressão mínima, dada a rigidez do mercado (os exemplos que conheço são de pessoas que sempre se sentiram exiladas nas grandes cidades ou pessoas que, perante a dificuldade dos filhos arranjarem uma casa, acabam por levar a sério a hipótese de ir viver para uma casa secundária, entregando a casa principal à família).
Uma das principais razões para não se controlarem preços de casas nas grandes cidades é mesmo pressionar as empresas a investir em escritórios e fábricas noutras zonas do país, o que lhes permite ter trabalhadores com muito melhor qualidade de vida com os mesmos ordenados, já que o preço das casas é substancialmente mais baixo.
O preço das casas tem subido muito, isso é bom porque nos torna, à maioria, muito mais ricos, mas tem um problema sério para o acesso à primeira habitação, só que impedir administrativamente a subida das rendas e das casas é a pior maneira de lidar com o problema.
Levar empregos para fora das zonas mais pressionadas, aumentar a oferta, diminuir a regulamentação que encarece as casas (incluindo a fiscalidade associada, mas não é esse o problema central) é incomparavelmente melhor como resposta ao problema que se pretende resolver.
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Existe um país liberal, que por coincidência é o m...
Botswana, ali ao lado 20000 per capita.pppMoçambiq...
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