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Os wokes deram à luz o Chega, e outras histórias

por João-Afonso Machado, em 19.05.25

O desenho do sucesso eleitoral do Chega no Alentejo, visto no mapa, diz tudo. A dita extrema-direita conquistou todos os baluartes do PCP e do PS, sobretudo os mais povoados por comunidades ciganas. É, não tenhamos medo de falar a verdade: não estamos a discutir migrantes mas de um povo radicado em Portugal há séculos, séculos esses em que sempre deu de barato a nossa lei, a nossa ordem, optando por uma vida fácil, e sem higiene, de vender nas feiras e no mercado da droga, de roubar e assaltar. Todas as excepções vindas ao papel confirmam essa regra. E é rigorosamente certo: as pessoas têm medo dos ciganos, evitam-nos, cedem-lhes a passagem e, se se verifica algum acidente de automóveis em que sejam intervenientes, exclamam nas barbas da polícia - Ora, são ciganos, nunca mais lhes deitam as mãos.

Profissionalmente assisti a muitos casos de queixas no tribunal por ofensas à integridade fisica (praticadas por ciganos) depois desistidas, com medo das represálias. Entretanto, à conta de toda a possidoneira da Esquerda e a sua excitação anti-xenofobia, os jornais deixaram de falar nas costumeiras cenas de facas envolvendo ciganos e/ou as suas lutas inter-clãs, e tudo passou a ser, apenas, o facto ou as famílias. Assim diplomaticamente, com a gente fartíssima de saber quem eram os autores.

Os portugueses, de norte a sul, não gostaram. E o Chega, com toda a exuberância, limitou-se a cavalgar essa onda e a alcançar o lugar que alcançou. Na mais completa euforia, já certo de que há de ser a primeira força política. Ou seja, em ansiosa espera por um pretexto qualquer para outras eleições.

O PS. Pois o PS teve o azar (e o pretensiosismo) de escolher o mais desastrado líder da sua história. Um Pedro Nuno que, por mais que erguesse o punho, nunca conseguiu esconder o Porsche. Um homem que não era afável com as pessoas - não conseguia, mesmo. E que mentiu despudoradamente toda a campanha eleitoral, utilizando e distorcendo frases ouvidas dos adversários no dia anterior.

O resultado foi o que se viu. Para o eleitorado a SpinumViva é um não-caso. A coligação subiu em número de deputados; a IL também. Mas não o suficiente. Com os tontinhos do Chega, provado está, não se pode contar - vivemos o "tripartidarismo" de Ventura - e o PS é, por natureza, infiável. Porém, o último caminho que resta: assim o sucessor do "estadista" sanjoanense seja Francisco Assis, Sérgio Sousa Pinto ou - bingo! - Álvaro Beleza.

Termino com uma nota: do que ouvi ontem à noite: partidos sociais-democratas já são três, a saber o PSD, o PS e (imaginem) o Livre. Será porventura a nova disputa nossa: espelho meu, diz-me quem é mais social-democrata do que eu...

A Ética católica e o Espírito do Capitalismo

por Daniel Santos Sousa, em 17.05.25

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A tese de Weber (no seu "A ética protestante e o Espírito do Capitalismo") encontra um campo amplo de adeptos, visando atacar o atraso dos países de cultura católica, em relação ao avanço técnico, político e económico dos países de cultura protestante. Tese não totalmente original, porque já tinha sido antecedida cerca de trinta anos por Antero de Quental, com o sugestivo título de "Causas da decadência dos povos peninsulares" (mas claro, como é português a relevância é menor). Ambas as teses estão viciadas, mas não cabe aqui discutir isso (1).

 É interessante como mesmo catedráticos e estudantes quase divinizem uma teoria que várias vezes já foi refutada pela historiografia. Talvez porque a tese de Weber pareça elegante a olhos deslumbrados, principalmente a povos como os de cultura católica que sempre desprezaram a sua identidade para preferir imitar o estrangeiro (i.e., os povos protestantes). E não é de admirar que um professor de direito se sinta tentado a preferir o protestantismo ao catolicismo, o próprio direito português é muitas vezes copiado de países protestantes (a Alemanha principalmente).   

O trauma em questão vem a propósito do suposto atraso das nações católicas em relação às nações protestantes, um velho estribilho oitocentista que ganhou raízes profundas nas nossas academias. O argumento é falso e já o demonstrarei. Ofereço a proposta de Hayek que no discurso perante a Academia Sueca citou dois escolásticos ibéricos: Luís de Molina e Juan de Lugo, afirmando que a análise económica austríaca não era uma novidade, já tinha sido formulada nos século XVI e XVII e tinham origem católica e espanhola.  

Exactamente, as ideias do capitalismo emergiram da Europa mediterrânica, herdeira da tradição grega, romana e tomista (3), influência muito mais decisiva do que na tradição dos filósofos escoceses do século XVIII (Adam Smith e David Hume). Um mesmo Hayek cita diversas vezes Luís de Molina, um padre jesuíta espanhol, a propósito da ideia do equilíbrio natural do mercado na formação do «preço natural» ou do «preço justo». 

Aliás, foram dominicanos e jesuítas, professores de moral e teologia em universidades, como a de Salamanca e a de Coimbra, que constituíram os focos mais importantes do pensamento durante o Século de Ouro espanhol, antecedendo Smith e antecipando em séculos a escola Austríaca. E mesmo as teorias do protestante John Locke sobre o consentimento popular e a superioridade popular no governo já tinham encontrado fundamento num escolástico de Salamanca chamado Juan de Mariana, embora também descritas por Suarez, outro grande teólogo (e o fundador do direito internacional moderno).  

Quanto ao capitalismo das nações protestantes, tanto Hugh Trevor Ropper, como Michael Novak (4), tinham já explicado que «a ideia de que o capitalismo industrial de larga escala era ideologicamente impossível antes da Reforma é negada pelo simples facto de que ele já existia.» (ROPPER) Aliás Michael Novak descobre o desenvolvimento do capitalismo em cidades como Antuérpia, Lisboa, Milão, Lucena, refutando assim a tese de Weber da "ética protestante".  

E vem acrescentar ainda Henri Pirenne, uma década depois da publicação do livro de Weber (primeiramente citado), baseando-se em documentação anterior à Reforma, de que "os aspectos essenciais do capitalismo - iniciativa individual, avanços no crédito, lucros comerciais, especulação, etc. - podem ser encontrados a partir do século XII nas cidades-república da Itália - Veneza, Génova e Florença". 

Como explicar então o declínio Peninsular? Consequência lógica dos ciclos históricos de ascensão e decadência dos impérios. Simplesmente, aproveitando as palavras de Rodney Stark, os países protestantes do Norte ocuparam o lugar outrora "ocupado pelos velhos centros capitalistas do Mediterrâneo". Depois, os países mediterrânicos (Portugal e Espanha), falharam em deduzir o sistema económico para o qual tanto contribuíram e perderam o passo do tempo. Tragicamente, também povos que passaram os últimos duzentos anos a copiar instituições contrárias à sua cultura, o que resultou em guerras e revoluções constantes ao longo dos séculos XIX e XX. 

A influência dos pensadores da escolástica de Salamanca teria ainda um novo fôlego com o catalão Jaime Balmes (1810-1848), que além de teólogo foi economista e político católico, o mesmo que elaborou a lei da utilidade marginal vinte e sete anos antes de Carl Menger. 

Sim, é verdade que o capitalismo tem origem religiosa, mas não é protestante, mas católica. 

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(1) uma desmistificação da tese de Weber: "Max Weber: The Lawyer as Social Thinker" Frank Parkin,Stephen P. Turner,Regis A. Factor (pp.162, 164, 165). 

(2) "The Victory of Reason - How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Success", Rodney Stark (pp.11-12) 

(3) "As raízes escolásticas da Escola Austríaca e o problema com Adam Smith", Jesús Huerta de Soto

(4) mais uma desmistificação de Weber: "The Spirit of Democratic Capitalism", Michael Novak (pp.276-277)

Falemos, então, de migração

por henrique pereira dos santos, em 17.05.25

Alberto Gonçalves, no Observador, hoje, acabou por ser o empurrão final a uma ideia que há algum tempo tem andado a fermentar como um potencial post, que hoje passa de potencial a real.

Sou angolano de nascimento, mas moçambicano de criação.

É certo que, na verdade, o que sou, verdadeiramente, é apátrida, quase não me lembro de onde nasci (de Nova Lisboa, seguramente não me lembro de nada, sobra-me a cicatriz no nariz de ter caído de um muro em cima de uma enxada, ao que me dizem, do Lobito, para onde terei ido com dois anos de idade, tenho vagas memórias, aparentemente, muito menos vagas do que eu pensava, a julgar pela experiência  de lá ter voltado ao 35/ 36 anos, acabando a saber o que ia encontrar ao virar de cada esquina, mesmo não tendo a menor noção anterior de que teria memória desses sítios) e o mundo em que cresci até a meio da minha adolescência morreu de morte súbita, pouco depois de o ter deixado.

Ficou este meu interesse por Moçambique e é por isso que é o exemplo que vou usar para falar, brevemente, de migrações.

Ninguém me convence de que o desespero de tantos moçambicanos, os que por lá andam, e os que lá desandam, não se prende mais com opções do poder instalado em Moçambique, há cerca de cinquenta anos, que da herança colonial.

Uma das opções com fortíssima influência na pobreza que empurra os moçambicanos para fora do país, quando podem, ou para as manifestações de rua, às vezes violentas, dos que ficam, é o princípio constitucional, que viola o direito humano fundamental à popriedade, de que a propriedade da terra é do Estado e não pode ser dos indivíduos (mesmo quando organizados em comunidades).

O artigo 17º da declaração universal dos direitos humanos é taxativo: "Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.", mas para além do princípio constitucional que impede a propriedade da terra violar os direitos humanos, esse princípio é indutor de pobreza e miséria, como acontece sempre que os direitos de propriedade não são fortes e protegidos pelos Estados.

Pretender que a pobreza em Moçambique (e em grande parte de África), que gera fluxos migratórios relevantes, é uma herança colonial e não o resultado de opções do poder instalado, nomeadamente no que diz respeito ao direito de propriedade, tem servido para ilibar os governos moçambicanos (e, de maneira geral, de grande parte dos países pobres onde são gerados os fluxos migratórios que são uma das grandes questões sociais actualmente) das suas responsabilidades na pobreza do seu povo e da necessidade de arrepiar caminho, reforçando os direitos de propriedade nos seus países.

Dificilmente estes poderes, viciados na esmagadora prevalência do poder do Estado sobre a liberdade dos indivíduos, nomeadamente através da negação do direito de propriedade forte e plena aos seus cidadãos, estará interessado em transferir poder do Estado para os individuos.

Talvez fosse tempo dos países receptores de fluxos migratórios adoptarem medidas de política migratória que recompensem os países de origem que reforcem as garantias relacionadas com a propriedade privada, penalizando os que insistem em negar às pessoas comuns o direito à propriedade plena

O respeito pela propriedade privada não é uma panaceia para erradicar a pobreza, mas é seguramente uma condição sine qua non para a maior criação de riqueza nos países de origem desses fluxos.

Carlos Moedas está completamente enganado

por henrique pereira dos santos, em 16.05.25

Um amigo mandou-me a decisão da Câmara em que se proíbe a provocação desnecessária do Ergue-te! prevista para hoje no Martim Moniz.

Respondi-lhe que nem ia verificar se o documento era verdadeiro porque não tinha dúvidas de que era impossível que Moedas não só tomasse essa decisão (proibir uma manifestação provocatória de um partido em campanha eleitoral, argumentando que há grupos que se podem revoltar contra a presença de elementos da cultura dominante no país), como muito menos me parecia possível que justificasse a decisão nos termos em que o fez.

Eu estava enganado.

Por mais que tudo tenha sido feito com base no parecer da polícia, por mais que o risco de perturbação da ordem pública seja real e elevado, Moedas não é um funcionário da polícia, é um responsável eleito que tem de correr riscos, quando está em causa a liberdade de expressão.

A liberdade de expressão tem mesmo de incluir a liberdade de ser estupidamente provocatório, e se Moedas acha que a coisa pode correr mesmo mal, que trabalhe para evitar isso (duvido que o risco desta manifestação seja maior que o risco dos maluquinhos do futebol num jogo como o da semana passada ou do que vai acontecer no Sábado, seja qual for o campeão nacional de futebol).

Não só é inacreditável a decisão de Moedas, como é inacreditável os termos em que a justifica (mutatis mutandi, parece Pedro Pinto a dizer que Ventura não pode ficar num quarto de hospital com um cigano como companheiro de quarto) como é ainda inacreditável a quantidade de campeões da liberdade de expressão e da multicultiralidade que ficam calados perante este evidente abuso de poder.

Sim, é verdade que o Ergue-te! resolveu fazer uma provocação estúpida e desnecessária, mas o direito à asneira é sagrado, quando está em causa o respeito pela liberdade de expressão.

Questão diferente seria se o Ergue-te! decidisse expulsar alguém do Martim Moniz fosse sob que pretexto fosse, uma coisa são as palavras, que devem ser livres, outra coisa são as acções, que são limitadas pela lei e pelo efeito em terceiros.

O Ergue-te! quer batatada, isso parece-me uma evidência, cabe à polícia desenhar um dispositivo que limite essa possibilidade, o que é completamente inaceitável é que um Presidente de Câmara ache que pode restringir o direito de manifestação, nomeadamente em contexto eleitoral, porque tem a opinião (fundamentada, sem dúvida) de que os manifestantes querem é batatada.

Artur Baptista da Silva, o padroeiro da imprensa portuguesa

por henrique pereira dos santos, em 14.05.25

Em 2012, no auge da sanha da imprensa contra Passos Coelho, entra em cena Artur Baptista da Silva, apresentado pelo Expresso e por tutti quanti na imprensa portuguesa como um economista, professor numa universidade americana (que não existia), consultor das Nações Unidas (a credibilidade das Nações Unidas é tal que ninguém estranha que tenha consultores daquele calibre), do Banco Mundial e coordenador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ver comentário anterior sobre a credibilidade das Nações Unidas), que a imprensa acolheu efusivamente dando-lhe palco para falar de "um relatório inexistente sobre Portugal elaborado também pelo inexistente Observatório Económico e Social das Nações Unidas para a Europa do Sul." (não há como a wikipedia para fazer sínteses).

O então director adjunto do Expresso, Nicolau Santos, reconheceu ter sido embarretado.

O facto de um jornalista ser embarretado por um burlão, com um longo cadastro criminal, não terá tido grande influência negativa na carreira do jornalista, que foi depois presidente da LUSA e da RTP, numa demonstração de como a responsabilização pelos erros cometidos é levada mesmo a sério, no jornalismo.

Note-se que, o mais provável é que Nicolau Santos não quisesse "embarretar" os seus leitores, ele simplesmente foi vítima de uma característica da natureza humana (o viés de confirmação) por não ter cumprido regras básicas do jornalismo.

Há regras básicas da actividade jornalística que existem exactamente para limitar os problemas criados pela natureza humana, em que se inclui o viés de confirmação, ou a tendência que todos temos de acrescentar um ponto ao que contamos, sobretudo quando sabemos que a identidade de quem acrescenta o ponto não é revelada.

É por causa dessas características da natureza humana que a confirmação dos factos e a identificação das fontes (com excepção das situações em que a revelação da identidade da fonte a pode pôr em risco real) são coisas sagradas para se poder fazer jornalismo sério.

A generalidade da imprensa em Portutal está-se completamente nas tintas para estas regras e vou dar o exemplo do editorial do Público de ontem sobre a Spinumviva, história que a imprensa quer, à viva força, trazer para a campanha.

Como a imprensa investiu muito neste história e, afinal, aquilo é uma mão cheia de nada, passaram a explicar que não se passa nada, legalmente, mas há uma questão ética qualquer que, de maneira geral, quem escreve não se dá ao trabalho de explicar qual seja (um dos títulos de primeira página do Correio da Manhã de hoje, e que o Expresso imediatamente reflecte, criando uma situação "suficientemente estranha para dar títulos de online" (a justificação de David Pontes para dar importância a uma resposta sem qualquer relevância, de Montenegro), é o de que a sede da Spinumvia continua a ser a casa de Montenegro).

Na boa escola da promoção de Artur Baptista da Silva, que domina a imprensa, David Pontes diz, mais uma vez, que "Há certamente interrogações sobre o facto de o primeiro-ministro ... ter passado de uma empresa que se destinava a gerir património agrícola familiar para uma empresa dedicada à aplicação do RGPD e acabar na consultadoria empresarial", quando as únicas interrogações relevantes se prendem com a repetição desta mentira, inegavelmente mentira, que se pode verificar facilmente ser mentira.

David Pontes, para além deste evidente viés de confirmação que o faz acreditar no que escreveu, que é manifestamente falso, chega ao ponto de falar "de um político achar que pode manter uma actividade paralela, mesmo de forma indirecta", sem explicar aos seus leitores o que é uma actividade indirecta de alguém.

Não me parece que haja esperança enquanto for esta gente, que na verdade tem Artur Baptista da Silva como padroeiro, a dominar a imprensa.

Por muito que a imprensa seja central numa democracia, há que não ter medo de deixar o capitalismo exercer na imprensa a "destruição criativa" que o caracteriza.

A saúde é um negócio ... felizmente

por henrique pereira dos santos, em 13.05.25

Na discussão de políticas públicas há assim uma espécie de santo e senha que se tem de aceitar, para que a coisa siga normalmente em relação a alguns assuntos.

Um dos bons exemplos é o que hoje trata João Miguel Tavares, é-se obrigado a aceitar, sem contestação, que não há vida para lá da defesa da escola pública, liquidando, mediaticamente, qualquer político que resolva dizer que é o acesso público que importa discutir, não o dono das paredes da escola.

O mesmo se poderá dizer da dificuldade que terá um político que resolva dizer, com razão, que a saúde é um negócio, independentemente das nossas opiniões sobre o negócio e o acesso universal aos cuidados de saúde.

O mais curioso é que a saúde já foi um negócio muito mais pequeno do que é hoje, não porque houvesse menos doentes, claro, mas porque havia menos médicos, enfermeiros e tudo o resto.

Naquele tempo, os muito ricos poderiam recorrer aos poucos médicos existentes e a esmagadora maioria dos que precisavam de cuidados de saúde recorriam ao que podiam, fossem feiticeiros, bruxos, vizinhos ou, o que era mais frequente, às instituições filantrópicas ou de caridade (apesar do mau nome que foi sendo criado à custa da crítica à "caridadezinha", para um cristão "a caridade passa sempre pelo respeito do próximo e da sua consciência", sendo essa a base da extensão da acção social de muitas igrejas, no nosso caso, a católica).

As razões pelas quais havia poucos médicos é simples de explicar: o conhecimento sobre nós e o nosso corpo era, em muitos aspectos limitado e o mercado, isto é, o conjunto de pessoas com vontade e recursos para pagar serviços de saúde de elevada diferenciação, era igualmente limitado.

O resultado deste modelo de saúde, que não pretende ser um negócio, é a existência de poucos recursos para o desenvolvimento dos cuidados de saúde, e uma legião de cuidadores de primeira linha (de parteiras a simples apoio logístico) assente esmagadoramente em religiososos que dedicam a sua vida ao cuidado dos outros.

Se a profissão de médico tem a sua origem muito atrás no tempo, o reconhecimento da enfermagem como uma profissão especializada é relativamente recente: só em 1860 Florence Nightingale funda a primeira escola não religiosa de enfermagem.

De resto, em Portugal, no princípio do século XX, terá havido uma discussão interessante entre os jacobinos que queriam afastar as religiosas do trabalho de enfermagem, profissionalizando-o, e os que defendiam que o carácter voluntário dos cuidados a prestar os tornava mais humanos (é Pedro Almeida Vieira que me chama a atenção para a similitude entre esta discussão e a discussão  sobre o voluntariado e profissionalização no combate ao fogo florestal).

Quando a sociedade assume que a filantropia não é suficiente para garantir um acesso universal a cuidados de saúde, entrega ao Estado a responsabilidade de assegurar que todos os que precisam têm acesso a cuidados de saúde, alargando enormemente o mercado de cuidados de saúde ao determinar que o Estado deve assumir os custos desses cuidados, quando as pessoas não têm recursos para isso.

Claro que nisto tudo há uma imensa evolução de conhecimento e tecnologia que altera toda a relação que temos com a medicina, às vezes até por caminhos muito estranhos: hoje temos uma quantidade enorme de gente a defender o direito absoluto do indivíduo sobre o corpo de cada um, a propósito do aborto ou da mudança de sexo, ao mesmo tempo que temos muita gente, os mesmos ou outros, a dizer que é inaceitável que sejam as mulheres a decidir livremente se preferem fazer cesarianas ou ter partos como sempre se fizeram.

Os partos sempre foram um momento de risco elevado para as mães e os bebés (para estes, o risco elevado mantinha-se durante um ano ou dois), lembrando-nos de que a civilização é a luta constante que travamos contra a natureza.

Neste caso, travamos uma guerra sem quartel contra a mortalidade relacionada com os partos e a primeira infância, para a qual convocamos a profissionalização dos que assistem os partos e acompanham as crianças, a artificialização através da medicalização e hospitalização de um processo natural e a panóplia tecnológica, incluindo farmacêutica, que hoje rodeiam o nascimento de crianças.

Pretender que tudo isto se faz melhor voltando ao voluntariado e ausência de mercado, apenas substituindo a filantropia pelo Estado, não faz qualquer sentido para mim, o mercado, isto é, o ponto de encontro entre quem procura e quem oferece, é incomparavelmente mais eficiente a produzir soluções para os problemas de cada um.

O que cabe ao Estado é, o que já não é pouco, assegurar que esse mercado funciona tão bem quanto possível, e que ninguém fica para trás por falta de recursos.

Sim, a saúde é um negócio, um negócio crescente, e ainda bem.

As políticas públicas de saúde deveriam partir desta ideia base, e não da tolice, nunca demonstrada, de que a saúde não pode ser um negócio para que seja possível garantir cuidados de saúde adequados para todos.

Leão XIII o Papa das Encíclicas

por Daniel Santos Sousa, em 13.05.25

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A escolha do nome, Leão XIV, assegura a continuidade com outros grandes Papas, começando em Leão I, o Grande, que defendeu Roma dos Bárbaros, e culminando em Leão XIII, o Papa das Encíclicas, cuja Rerum Novarum (1891), sobre a questão dos operários, tanta influência teve no seu tempo e continuou a repercutir-se entre várias gerações. 

Ninguém nos media referiu, mas um dos católicos mais influenciados pelos ensinamentos de Leão XIII foi Salazar, educado e formado em pleno despontar teológico na viragem do século. Integrou pois uma geração de activistas católicos que respondiam ao chamamento que entrecruzava as várias crises políticas, assim em França emergiram nomes como Jacques Maritain, ou Étienne Gilson, e em Portugal (entre outros) Abundio da Silva, António Lino Neto, Gonçalves Cerejeira.

Numa era marcada pelo anticlericalismo os ensinamentos do Papa ofereceram uma resposta às ideologias do tempo, fosse o socialismo, fosse o liberalismo capitalista. Neste paradigma, as encíclicas de Leão XIII serão fundamentais na construção do que ficaria conhecido como Democracia Cristã. Logo em 1901, em resposta a este apelo do Santo Padre, para que os católicos participassem na vida política e influenciassem as decisões públicas, nasce em Coimbra o Centro Académico de Democracia Cristã, onde Salazar se formou politicamente e moldou o seu pensamento. Mas também outros militantes católicos aceitaram o chamamento, importante após 1910, com o jacobinismo do partido de Afonso Costa a assumir as formas mais ditatoriais e sinistras, um anticatolicismo que separaria profundamente o povo do regime republicano e contribuiria para a sua queda (entre outros factores de crise interna).

Fosse em França, fosse em Portugal, as relações entre a Igreja de Roma e os regimes republicanos e liberais eram difíceis (mesmo na nossa monarquia dita liberal as relações com a Igreja foram complicadas). Discutivelmente o Santo Padre procurou uma nova abordagem para apaziguar os ânimos com a República Francesa, política que ficaria conhecida como "Ralliement", marcada pelo brinde (conhecido como o "brinde de Algier") do Cardeal Lavigerie, num jantar com a marinha francesa, chamando os católicos a aderir “sem segundas intenções” à República (embora não invocasse directamente o nome).

Decisão papal que já vinha sendo anunciada (ou pelo menos preparada) em três importantes encíclicas, a Diuturnum (1881), a Immortale Dei (1885) e a Libertas (1888), em cada uma delas, o Papa recordou os ensinamentos da Igreja em relação ao espaço público e à liberdade política e humana. Culminando mais tarde, em 1892, na derradeira encíclica Au milieu des sollicitudes, onde pede aos católicos que aceitem a República em França, por razões de ordem prudencial certamente, evitando o divisionismo e a guerra civil entre católicos. Não querendo dizer o Santo Padre que seja a República o melhor regime, mas pretendia impedir que os católicos continuassem a estar divididos por questões políticas. Boas intenções que não lograram vingar como pretendia.

Este modelo teve impacto no movimento monárquico em França e fracturou a militância (não sei até que ponto não terá prejudicado uma restauração em Portugal, pois nos meios católicos colocou de parte a questão do regime, Salazar é disso exemplo).

Mas Leão XIII deixou marcas de grande clarividência de pensamento, assumindo-se também como historiador apaixonado pela Idade Média. O estudo levou-o a reflectir numa "terceira via" entre o liberalismo e o socialismo. Inspiração que encontrou nas antigas corporações medievais. O importante não era a luta de classes, como queria o marxismo, nem a exploração capitalista, mas a harmonia social. O corporativismo não era necessariamente novidade, de Bonald a René de La Tour du Pin já tinha sido pensado. A contra-revolução já propugnara as linhas cimeiras para uma alternativa ao liberalismo, no que Marx ironicamente designará como “socialismo feudal”, caricaturado como  “metade eco do passado e metade ameaça do futuro”. Também na viragem para o novo século o corporativismo será retomado por Maurras e pelo Integralismo Lusitano. Mas com o Papa ganha um novo fôlego e terá grande influência no Estado Novo português.

Na Rerum Novarum deixou o entendimento:

"(...)as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada."

Foi um Papa inovador e reformista. Se as políticas que propôs tiveram bons resultados? Nem sempre. Os laivos "liberais" e de "reconciliação" não foram sempre produtivos. Resposta que o seu sucessor, Pio X, terá depois de resolver. De resto, Leão XIII deixou um legado e um pensamento para a posteridade, devemos muito aos seus ensinamentos.

Liberdade e igualdade

por henrique pereira dos santos, em 12.05.25

Por acaso, ouvi Mariana Mortágua a dizer que a igualdade é uma condição de liberdade.

Nada de novo "só há liberdade a sério, quando houver, a paz, o pão, a habitação, saúde, educação, quando pertencer ao povo o que o povo produzir", cantava Sérgio Godinho há largos anos, dando forma à ideia querida do marxismo que entende que condições objectivas de igualdade, a liberdade é meramente formal.

A mim parece-me que a aceitação da desigualdade é uma condição essencial para que cada um tenha liberdade para ser diferente, mas percebo quem queira argumentar que estou a falar de condições de chegada, quando Mariana Mortágua estava a falar de condições de partida.

Patrícia Fernandes é das cronistas mais interessantes que vou lendo por aí e hoje ajuda-me a fazer este post (involuntariamente).

"O que quer dizer Rawls com esta ideia de lotaria? O filósofo norte-americano pretende chamar a atenção para o facto de as circunstâncias que rodeiam o nosso nascimento não serem responsabilidade nossa, mas serem resultado de mera sorte: não escolhemos nascer numa família com recursos materiais ou com pais capazes de estimular intelectualmente os seus filhos, tal como não escolhemos nascer saudáveis, inteligentes ou como filhos mais velhos. É uma questão de lotaria social e natural, o que significa que as vantagens que retiramos dessas condições de sorte não podem ser vistas como resultado de um esforço da nossa parte – isto é, não são resultado do nosso mérito".

O artigo de hoje de Patrícia Fernandes segue por caminhos diferentes do que eu gostaria de realçar neste post.

Sim, é verdade que grande parte da trilogia em que se baseiam as nossas carreiras profissionais e o nosso sucesso social - capacidade, conhecimento e contactos - resulta, em grande parte, da lotaria genética, da lotaria no lugar de nascimento, da lotaria no contexto social, da lotaria nos professores que nos calham em sorte, etc..

Não é só lotaria, até porque grande parte da forma como lidamos com o nosso contexto, isto é, com os resultados da lotaria, é opção de cada um, mas há uma esmagadora quantidade de lotaria da qual depende a nossa vida.

O que me interessa realçar é que com a justa procura de menor injustiça - a lotaria, por definição, não tem qualquer relação com a justiça - desvalorizámos o princípio aristocrático de respeito pelo "favor dos deuses" que, em tese, fundamentava a ética aristocrática de estar ao serviço dos outros, como forma de estar à altura desse "favor dos deuses".

Um aristrocrata tinha obrigações éticas, pelo menos teóricas, de prover os que dele dependiam e de servir aqueles de quem dependiam as mercês que sobre ele caíam.

Pelo menos parte dessa ética, a que, por exemplo, Warren Buffett dá corpo com a sua promessa de doar 99% da sua fortuna para fins filantrópicos, motivando o movimento entre ultra-ricos americanos para se comprometerem a doar pelo menos 50% da sua fortuna para organizações filantrópicas, deveria ser revalorizada.

A mim parece-me bem mais útil aceitar que a desigualdade é uma consequência inevitável da liberdade, implicando a criação de uma dívida dos mais favorecidos sobre os que ficaram na mó de baixo, que tentar resolver os problemas de desigualdade limitando a liberdade, como resultou sempre da ideia de que a liberdade, e não a justiça, é um bem social a perseguir.

O resultado prático dos paladinos da igualdade foi sempre a perda da liberdade, sem grandes ganhos na redução das desigualdades e da injustiça.

E não me incomodem com os grandes ganhos motivados pelas lutas sociais dos paladinos da igualdade, por exemplo, o que verdadeiramente diminuiu a desigualdade entre os estatuto das mulheres e dos homens não foi sobretudo a luta das operárias por salário igual, foi a invenção da máquina de lavar roupa e dos contraceptivos baratos e acessíveis.

A substituição de Descartes pelo activismo

por henrique pereira dos santos, em 11.05.25

"If protected areas harbor larger fuel loads than unprotected lands, then with all else being equal (e.g. fire weather, ignitions, etc), we can expect that burned area and fire severity will both be higher in protected areas. Fuel load is one of the main drivers of fire intensity (Byram, 1959) which, in turn, affects fire severity, or the immediate ecological impacts of fire (Keeley, 2009). However, other possible mechanisms could explain the potentially larger impact of fire on protected areas. For instance, protected areas tend to be more remote, and can have lower road densities, which decreases accessibility and complicates fire fighting. They could also be more prevalent where other land uses are marginal, such as higher elevation zones, or steeper terrain (Baldi et al., 2017). Quantitative estimates of the magnitude of the changes in burned area and fire severity in protected vs unprotected areas are currently lacking, and the relative roles of the different possible underlying mechanisms also remain unexplored".

Este longo parágrafo é uma citação do estudo "Protected areas as hotspots of wildfire activity in fire-prone Temperate and Mediterranen biomes" de Víctor Resco de Dios, Simon J. Schütze, Angel Cunill Camprubí, Rodrigo Balaguer-Romano, Matthias M. Boer e Paulo M. Fernandes.

O estudo confirma o que se poderia esperar das políticas de conservação da natureza, tal como hoje são definidas: "Protected areas were being disproportionally affected by fire within most Temperate biomes, and fire severity was 20 % higher within protected areas also in Mediterranean biomes. Population in the periphery of forest areas was up to 16 times more likely to be exposed to large wildfires when their environment was within, or near, protected areas".

Basta ler os comunicados das ONGA nos anos em que arde mais área protegida para perceber a dissonância cognitiva que impera no mundo da conservação, considerando-se, de maneira geral (ONGA, académicos que não estudam o fogo mas têm opiniões definitivas sobre o assunto e jornalistas), que se as áreas são protegidas, então deveriam arder menos, quando, na verdade, é exactamente por serem protegidas (quer pelas características pelas quais são classificadas como áreas protegidas, quer pelas opções de gestão adoptadas por serem protegidas) que será de esperar que ardam mais que o resto do terriório.

É com base na mesma dissonância cognitiva que as autoridades de conservação, com a União Europeia, através da Comissão Europeia, à cabeça, definem políticas como o Pacto Ecológico Europeu no qual se inclui a maluqueira, sem qualquer base técnica, de ter 10% do território europeu em protecção integral.

Note-se que não há qualquer, mas rigorosamente qualquer, fundamento técnico nem para considerar 5, 10 ou 15% como limite adequado, como menos ainda existe qualquer demonstração de que é retirando toda a actividade humana de algum lado que se obtêm os melhores resultados de conservação, como se a gestão humana fosse intrinsecamente prejudicial e não pudesse ser orientada para a maximização do conteúdo de biodiversidade de uma área.

A razão para que tenhamos caminhado neste sentido é relativamente simples de indentificar: a racionalidade cartesiana na definição das políticas públicas de conservação foi completamente substituída pelo activismo sem qualquer base técnica racional.

De vez em quando, como neste caso, a academia lembra-nos de Camões, e sugere o "honesto estudo com longa experiência misturado", em vez de dar ouvidos a quem faz mais barulho à volta de um assunto.

E, é bom não esquecer, a ignorância bem intencionada mata mais que as más intenções: "the number of fire-induced fatalities in Europe is higher than, for example, the victims of terrorism", diz quem estuda o assunto.

Domingo

por João Távora, em 11.05.25

Leitura dos Atos dos Apóstolos

Naqueles dias, Paulo e Barnabé seguiram de Perga até Antioquia da Pisídia. A um sábado, entraram na sinagoga e sentaram-se. Terminada a reunião da sinagoga, muitos judeus e prosélitos piedosos seguiram Paulo e Barnabé, que nas suas conversas com eles os exortavam a perseverar na graça de Deus. No sábado seguinte, reuniu-se quase toda a cidade para ouvir a palavra do Senhor. Ao verem a multidão, os judeus encheram-se de inveja e responderam com blasfémias. Corajosamente, Paulo e Barnabé declararam: «Era a vós que devia ser anunciada primeiro a palavra de Deus. Uma vez, porém, que a rejeitais e não vos julgais dignos da vida eterna, voltamo-nos para os gentios, pois assim nos mandou o Senhor: ‘Fiz de ti a luz das nações, para levares a salvação até aos confins da terra’». Ao ouvirem estas palavras, os gentios encheram-se de alegria e glorificavam a palavra do Senhor. Todos os que estavam destinados à vida eterna abraçaram a fé e a palavra do Senhor divulgava-se por toda a região. Mas os judeus, instigando algumas senhoras piedosas mais distintas e os homens principais da cidade, desencadearam uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território. Estes, sacudindo contra eles o pó dos seus pés, seguiram para Icónio. Entretanto, os discípulos estavam cheios de alegria e do Espírito Santo.

Palavra do Senhor.

Mas porque é que ele não deu logo todas as explicações?

por henrique pereira dos santos, em 10.05.25

Há dois dias publiquei no Observador um ponto de vista sobre as razões que levam a imprensa a ser incapaz de olhar, com um mínimo de objectividade, para a Spinumviva (esta é uma generalização e todas as generalizações são injustas).

Estranhei ter demorado tanto tempo a aparecer um comentário como este: "O ponto é porque Montenegro não esclareceu logo de inicio actividade da empresa e falou que a empresa era e tinha sido constituida para gerir o patrimonio imobiliario da familia. Só mais tarde, várias semanas, é que se falou na consultadoria de gestão.".

A razão para ter estranhado tanto tempo é que este é dos argumentos mais usados para tentar manter vivas as teorias de conspiração sobre o que se esconde por trás da Spinumviva.

Não se pense que são apenas comentadores desconhecidos das caixas de comentários, repare-se no que escreve Susana Peralta, uma das mais ubíquas vozes do espaço público, sempre com um estudo académico pronto para demonstrar as suas teses, mas raramente encontrando estudos que tragam informação contrária aos seus preconceitos, uma verdadeira especialista do cherry picking.

Vou buscar um exemplo de Susana Peralta que é, justamente, considerada mais sólida que a maioria dos comentadores, sendo das mais relevantes representantes desta nova esquerda a quem a desigualdade incomoda mais que a injustiça, sempre pronta para descobrir interesses escondidos nas actividades privadas e completamente cega em relação aos interesses escondidos nas actividades do Estado.

"A estratégia de soltar informação a conta-gotas começou logo no debate da primeira moção de censura, a 21 de Fevereiro, quando Montenegro explicou que a Spinumviva havia sido criada para gerir a herança familiar de terrenos durienses e engarrafar umas garrafas de vinho. Quando percebemos que o grosso da actividade da Spinumviva era consultoria a outras empresas, Montenegro recusou dizer quais".

Tenho a firme convicção de que Susana Peralta não mente conscientemente, com o objectivo de enganar as pessoas, estará mesmo convencida de que a mentira que diz corresponde à verdade, porque confia no que se publica na imprensa e acha desnecessário recorrer a fontes primárias de informação, mas isso é apenas a demonstração de como o esmagador domínio da esquerda frívola no espaço público acaba por conseguir impor uma realidade paralela, mesmo a pessoas formadas e informadas.

Para quem quiser aceder a fontes primárias de informação, tem aqui o debate da moção de censura de 21 de Fevereiro de que fala Susana Peralta e pode constatar que:

1) Não é Montenegro que resolve trazer para o debate os seus terrenos, é o Chega, a generalidade da oposição e a imprensa (desculpem o pleonasmo) que, desde o primeiro minuto do debate, se centram na questão do imobiliário e o associam à alteração da lei dos solos;

2) "Vou directo ao assunto ... a criação da Spinumviva. Estava eu fora da política activa. Tinha solicitações e intervenções empresariais que extravasavam o reduto da advocacia. Tendo dois filhos que optaram por não seguir direito, mas gestão e administração de empresas e tendo eu próprio adquirido uma especialização em gestão e tirado uma pós-graduação em protecção de dados pessoais, e tendo ainda procedido a pertilhas familiares ... pensei e decidi nos seguintes termos". Como vê, cara Susana, é mentira que Montenegro tenha ocultado a actividade de consultoria, logo na primeira intervenção que fez sobre o assunto;

3) "Vou criar uma entidade para o trabalho fora da advocacia, envolvendo toda a família e das duas uma, ou não volto à política e me dedico também a essas actividades e preparo o caminho para os meus filhos, ou se voltar à política, deposito esta parte importante da minha vida, nos meus filhos". Como vê, cara Susana, é mentira que Montenegro tenha apresentado a Spinumviva como uma empresa para gerir heranças e encher umas garrafas de vinho;

4) "O objecto e o absurdo da centralidade do imobiliário ... o objecto da sociedade é amplo", como vê, cara Susana, é mentira que Montenegro se tenha escondido atrás de uma história da carochinha sobre gestão de heranças, vai mesmo ao ponto de considerar absurda a importância que dão ao imobiliário associado a essa gestão de heranças;

5) "actividades de consultadoria de gestão, de exploração agrícola, turística e empresarial, planeamento, organização e controlo de informação e gestão, reorganização de empresas, organização de eventos, consultadoria sobre actividade seguradora, protecção de dados pessoais, segurança e higiene no trabalho, política de marketing, gestão de recursos humanos, gestão e comércio de bens imóveis ... próprios ou de terceiros, arrendamento e outras forma de exploração dos mesmos, exploração e produção agrícola, predominantemente vitivinícola", como vê, cara Susana, escrever o que escreveu sobre o que Montenegro disse em 21 de Fevereiro é uma mentira de tal tamanho que, mesmo involuntária, é de uma falta de rigor que a envergonha como académica;

6) "Em terceiro lugar, a facturação e os clientes", pois é, cara Susana, depois de explicar a criação da empresa e o seu objecto (que era a questão central na moção de censura, é bom não esquecer), Montenegro passa longos minutos a descrever quer a facturação, quer os clientes, nomeando apenas um, que já era conhecido;

7) "O pico de facturação de 2022 ... ainda antes de assumir a presidência do PSD ... eu próprio fechei e apresentei a conta final de serviços de reestruturação de uma empresa familiar de comércio de combustíveis", como vê, cara Susana, Montenegro explicou, com pormenores que me dispenso de transcrever para aqui, tudo o que andou a empresa a fazer, antes de ele estar na política activa, e depois de ele ter voltado à política (com uma evidente quebra de facturação e resultados que desmonta qualquer teoria de conspiração sobre os benefícios criados para a empresa pelo facto de Montenegro ter passado a ser um político de primeira linha, primeiro como chefe da oposição e, depois de um incidente político que não poderia prever, ter acabado primeiro-ministro);

8) "Os clientes âncora, e com necessidade de acompanhamento permanente, foram os seguintes..." Montenegro, sem nunca dizer exactamente quem eram esses clientes, faz uma descrição suficientemente detalhada desses clientes, ao ponto de, logo nesse debate, Pedro Nuno Santos ter identificado, sem esforço, a Solverde. Como vê, cara Susana, até pode argumentar que o que escreve é o que está escrito na generalidade dos jornais, mas isso não a dispensa de consultar fontes primárias de informação antes de escrever mentiras do tamanho das que escreve.

9) Depois dessa caracterização, Montenegro descreve, pormenorizadamente, a actividade actual da empresa, centrada na protecção de dados. Como vê, cara Susana, eu sei que para os seus objectivos políticos dá jeito dar gás a essa conversa de falta de transparência, mas eu não entendo como expõe desta maneira a sua reputação de académica rigorosa, mentindo, mesmo que involuntariamente, de forma tão primária.

10) "Quarto, o destino dos lucros ou a não distribuição de dividendos", extraordinário, não é, cara Susana, até nisto Montenegro deu explicações pormenorizadas, ao contrário do que decorre das mentiras que escreveu;

11) "Por decisão dos sócios ... os lucros estão totalmente destinados ao investimento ... e temos dois objectivos em carteira ... a eventual construção de uma adega e de uma unidade de turismo na quinta do Douro ... e um eventual investimento numa startup tecnológica". Só falou de encher umas garrafas de vinho, não foi, cara Susana.

Vai longo o post, Montenegro continua com a explicação da renúncia à gerência da empresa que, para o efeito deste post, já é matéria menos relevante.

O que me interessou realçar neste post é como é fácil espalhar, reforçar, inventar mentiras, quando elas servem a argumentação das esquerdas, incluindo a instrumentalização de académicos com provas dadas que se dispensam, a si próprios, de verificar as fontes primárias de informação.

Calculo que que não seja por qualquer cálculo político ou pessoal, é mesmo porque estão tão convencidos da sua superioridade moral, que são incapazes de olhar para a realidade no pressuposto de que somos todos basicamente iguais.

Para mim, não deixa de ser hilariante ler um apoiante dos governos do PS, incluindo do governo Sócrates, e ministro de António Costa, preocupado com a degradação ética que representa o voto em Montenegro, mas com estes não vale a pena perder muito tempo porque o ridículo é suficientemete corrosivo.

Mas se se convenciona aceitar como verdadeira a ideia de que Montenegro não deu explicações substanciais desde o primeiro momento e se se usa essa convenção sem necessidade de a demonstrar para obter ganho político, mesmo sendo só válida numa realidade paralela, talvez seja altura das vítimas do debate público viciado fazerem um esforço mais sério para reequilibrar o tabuleiro de jogo.

O modelo sidonista

por Daniel Santos Sousa, em 09.05.25

Fotografia_oficial_do_Presidente_da_República_Sid

 

9 de Maio de 1918, Sidónio toma posse como Presidente da República. Celebrizou um estilo, criou um mito, modernizou a política fechada em torno do eixo partidocrático viciosos, que mesmo na República se arrastava com outros nomes e protagonistas, contudo a mesma "clasa discutidora" (como apoucava Donoso) desde a monarquia dita liberal. 

Dizem alguns que antecipou o século XX, ignorando que D. Carlos protagonizara brevemente um mesmo ensejo, a sua "revolução desde cima", também partilhada por João Franco e Oliveira Martins, vai ter em Sidónio um arauto. Dizem que foi "pré-fascista" ou antecipou Mussolini, o que parece exagerado, o modelo bonapartista era já um velho folclore, de Napoleão I a Napoleão III, até mesmo Bismarck. A manipulação do sufrágio universal para plebiscitar o poder, os banhos de multidão para legitimar a autocracia, em tudo o "cesarismo" definia um modelo. Nada de novo existe. 1800 anos antes de Napoleão, Júlio César emprestara o nome que mais tarde Augusto representou na definição de um sistema. A antiguidade clássica ensinou os modernos, como dizia Marx a Revolução Francesa fez-se "em vestes Romanas". 

 Em Portugal talvez fosse novidade, e nisso Sidónio teve repercussão. Mas reduzir Sidónio ao "ditador" deixa de fora muito da complexidade da sua acção. Afinal o que chamamos "populista" em Sidónio mais não era do que a dinamização democrática que procurava alargar a participação política às bases. Foi republicano convicto, nunca virou a casaca, mesmo quando o intitularam "Presidente-Rei" (epíteto poético sem dúvida que nada deve à sua verve) tal como Napoleão III fora o "Príncipe-Presidente" (fazendo-se depois plebiscitar Imperador). 

 No sentido castrense prussiano encontrou a pompa e glória. Bem concretizava as palavras de Oliveira Martins "uma ideia contendo um sabre". Ao contrário de Salazar alimentava-se das ovações populares, porquanto o futuro e perpétuo cônsul da República, o Presidente do Conselho, não tivesse ilusões relativamente às massas, pessimista como era em relação à condição humana. 

Face ao manancial de referências, muitos ignoraram a influência do modelo político americano em Sidónio. Curioso, para alguém acusado de "germanófilo". O certo é que o executivo presidencialista de Sidónio regia-se já pelo figurino presidencialista dos Estados Unidos (conforme lembrou Armando Malheiro da Silva).  Aliás, António Paes, filho de Sidónio, ofereceu a Luís de Freitas Branco o último livro lido pelo Presidente (seu pai) momentos antes de ser assassinado, nada mais do que uma obra sobre o Presidente Wilson. Pequenas notas marginais a um pensamento muito mais complexo e a um estilo político que terá ido beber a várias fontes.

 Pena que um ano de presidência não baste para explicar tudo, nem para desenvolver muito, contudo as premissas fundamentais permaneceram: um executivo forte, um modelo carismático, a centralização do poder, o "populismo" como arma de legitimação. Sidónio foi um relâmpago (breve e fugaz) no século XX Português.

O regresso a S. João da Madeira, ao menos....

por João-Afonso Machado, em 09.05.25

Prudente (creio que mais do que pessimista) por natureza, atrevo-me a augurar o descalabro do inefável Pedro Nuno. A cause dos seu fulgores que não vão além dos ataques pessoais a Montenegro. Atente-se no episódio de ontem relacionado com os limites que o candidato PSD referiu sobre os direitos dos grevistas.

Logo o rapaz Santos entrou em júbilo e longamente dissertou sobre as ameaças ao sacrossanto direito à greve. Nada disso estava em causa, como todas as pessoas normais perceberam. Mas a sua expressão final - Não passarão! - deixa bem claro esta cobóiada em que o o moço se acha envolvido contra os maus.

O seu discurso é agreste. Jamais deixará de o ser. O seu passado recente, na construção da Geringonça, nada atesta porque a Esquerda mais à esquerda basta-se só ofereçam-lhe qualquer coisinha... E como ministro foi a calamidade que se sabe. Os portugueses não terão esquecido.

E a rua gosta de outra abordagem, de palavras diversas... Evito as sondagens mas não me ocorre uma eleição ganha por alguém que só promete o que não sabe explicar como irá cumprir o prometido, e insanamente bota abaixo o adversário. 

Não que a derrota de Santos se traduza numa vitória retumbante. Há o desatinado Chega pelo meio, gente absolutamente infiável... Portugal está num beco sem saída. Mas o afastamento do arrogante sanjoanense já é qualquer coisa.

A responsabilidade é de Costa, não tanto de Montenegro

por henrique pereira dos santos, em 09.05.25

António Costa é um gestor de oportunidades com duas grandes qualidades: 1) consegue indentificar oportunidades a muito longo prazo, permitindo-lhe trabalhar para que eles se concretizem; 2) nunca fecha portas, a menos que seja estritamente obrigado.

Quando em 2015 percebeu que podia perder as eleições, percebeu também que a sua carreira política podia ser muito afectada por isso.

Com tempo, deitou fora a ideia, que defendeu publicamente, de que PS e PSD deveriam ter um entendimento estratégico para permitir que o mais votado entre eles governasse, mesmo em minoria, e passou a trabalhar na hipótese de perder as eleições de 2015, isto é, preparar, em segredo, um acordo com os partidos à esquerda do PS.

A coisa funcionou, Costa governou quatro anos e começou a trabalhar na hipótese de saltar do governo português para Presidente do Conselho Europeu, hipótese para a qual o calendário eleitoral português seria muito favorável ao terminar a legislatura no fim de 2023, mesmo a tempo de se posicionar para a ocupação do cargo do Presidente do Conselho Europeu em 2024.

Os partidos à esquerda e Marcelo Rebelo de Sousa, numa primeira fase, trocaram-lhe as voltas deitando o governo abaixo e marcando eleições para 2022, o que significava uma legislatura a acabar em 2026, limitando as suas possibilidades de ocupar o cargo que queria, sem se pôr na posição desfavorável em que ficou Durão Barroso para não perder a oportunidade de ser Presidente da Comissão Europeia.

Os eleitores reforçaram as nuvens negativas ao, surpreendentemente, darem uma maioria absoluta ao PS, em 2022, o que tornava mais complicado para António Costa manobrar as coisas de maneira a saltar a meio da legislatura para Bruxelas.

Não se deve subestimar Costa nestas matérias que verdadeiramente lhe interessam, isto é, a ocupação do poder que em cada momento acha o mais útil para si.

Por isso, em 2024, mesmo a tempo de gerir a sua candidatura a Presidente do Conselho Europeu, Costa aproveitou um pretexto contingente (podia ser esse, ou outro qualquer) para pedir a demissão, mandar as suas responsabilidades para com o país e os seus eleitores às malvas, fazer a trouxa e zarpar.

Costa não foi vítima do Ministério Público, nada, rigorosamente nada, obrigava António Costa a demitir-se, nada, rigorosamente nada, dos processos judiciais implicavam qualquer questão para a legitimidade no exercício do cargo de primeiro ministros e, já antes, tinha havido questões judiciais no seu governo que Costa, bem, tinha optado por impedir que contaminassem a esfera da política, sendo muito claro na sua recusa (e bem) de aceitar a judicialização da política.

O que se passou não foi a interferência da justiça no processo político, derrubando um governo, o que se passou foi o aproveitamente pessoal de Costa de um incidente jurídico politicamente irrelevante, para se pôr ao fresco sem custos políticos de maior (não se sabe o dia de amanhã, e Costa não quer limitar os seus horizontes pessoais que materializa através do processo político).

Se daqui a dias vamos a eleições, depois de há um ano irmos a eleições, é apenas porque António Costa não tinha o menor interesse em perder a oportunidade de ocupar o lugar de Presidente do Conselho Europeu, mesmo que isso significasse, como significou, deitar ao lixo a estabilidade política que estava assegurada até 2026.

Montenegro, evidentemente, aproveitou a inépcia política do actual PS para forçar agora eleições em vez de estar mais um ano e meio, pelo menos, a governar muito fragilizado, e o PS, sem flexibilidade tática para responder ao cerco, deixou-se ir na corrente.

Se no ano passado, e neste, temos eleições, isso deve-se essencialmente à ambição pessoal de António Costa, e não às opções políticas e pessoais de Montenegro e Pedro Nuno Santos.

Como se responsabilizam os responsáveis?

por henrique pereira dos santos, em 08.05.25

Acordei com uma pergunta na cabeça: quem é responsável, e com que fundamentação, pela ausência de serviços mínimos na greve da CP em curso?

Com mais dificuldade que a transparência aconselharia, consegui respostas concretas.

Árbitro Presidente: Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia

Árbitro da Parte dos Trabalhadores: Filipe Rodrigues da Costa Lamelas

Árbitro da Parte dos Empregadores: Luis Filipe Monteiro Ramos Henrique

Estas três pessoas, a decisão foi tomada por unanimidade, são as responsáveis por privar milhares de trabalhadores, maioritariamente os mais pobres e desprotegidos, evidentemente, porque os outros têm alternativas, de condições razoáveis de deslocação durante uns dias, impedindo ou dificultando fortemente o seu direito a ir trabalhar, ou levar os filhos, ou ir ao médico, ou fazer compras, enfim, o duro quotidiano dos trabalhadores das profissões menos valorizadas, e mais um monte de outras pessoas.

Qual é o fundamento para isso?

"Acontece, porém, que a sua concretização – lembrando que tais serviços [mínimos] têm de ser casuisticamente demarcados, composição a composição, na sequência de jurisprudência constante com esse entendimento dos tribunais do Estado e dos tribunais arbitrais do CES – se revelou desaconselhável por não se garantir, quanto à percentagem que se julgou como correspondendo à satisfação das necessidades sociais impreteríveis sem, ao mesmo tempo, se aniquilar o núcleo fundamental do direito à greve, os mínimos padrões de segurança dos utentes no acesso às plataformas das estações ferroviárias e no uso das composições, segundo a informação obtida junta da empresa, no âmbito da sua audição".

Resumindo e limpando da liguagem jurídica, estas três pessoas consideraram que se fosse respeitado o direito à deslocação das pessoas afectadas (que são aos milhares) através da determinação de serviços mínimos, ficava em causa o direito à greve decretada pelos sindicatos (cuja representatividade é um segredo de Estado nunca revelado, e cujas decisões são tomadas de forma opaca por meia dúzia de pessoas).

Para confirmar, pode ler-se aqui a decisão.

Não me passa pela cabeça discutir juridicamente a decisão, e noto que a empresa recorreu da decisão para os tribunais comuns, o que me interessa é a pergunta seguinte que me surge, depois de ler a informação relevante e de saber quais são as perturbações que a decisão de duas dúzias de sindicalistas causam na vida de milhares de pessoas: se estas pessoas tiverem tomado uma decisão idiota, como podem os prejudicados responsabilizá-los pelo que fazem?

Como se responsabilizam sindicalistas que tomam decisões em função de interesses privados não explícitos (por exemplo, os interesses de um partido) ou em função de alguns trabalhadores (neste caso, os da CP), contra os interesses de milhares de outros trabalhadores e como se responsabiliza quem toma decisões no tribunal arbitral?

Talvez uma campanha eleitoral fosse uma boa oportunidade para que os senhores jornalistas perguntassem, a cada um dos partidos, se consideram que a lei da greve, tal como existe e é aplicada, assegura a adequada ponderação dos diferentes interesses, ou se realmente está na altura de olhar a sério para a legislação que enquadra o sindicalismo e o direito à greve, para lhe introduzir o mínimo de equilíbrio que permita evitar o absurdo social de não haver serviços mínimos decorrentes da greve da CP em curso.

Conclave

por João Távora, em 07.05.25

Uma coisa magnifica e comovente da instituição que é a Igreja é saber que o grande aplauso na praça de S. Pedro surge às palavras 'habemus papa!", não à pessoa que vai cumprir esse papel. Essa é a garantia da sobrevivência da instituição.

As greves políticas

por Miguel A. Baptista, em 06.05.25
Já por diversas ocasiões abordei este tema. As greves na função pública, bem como nas empresas públicas, raramente se prendem com a defesa genuína dos legítimos interesses dos trabalhadores; são, antes, frequentemente utilizadas como instrumentos de luta política.

É curioso constatar que aqueles que, de forma sistemática, boicotam através das greves o funcionamento dos serviços públicos são, paradoxalmente, os mesmos que advogam que o Estado deve ser o principal prestador desses serviços. Ou seja, quem proclama a importância dos serviços públicos é, não raras vezes, responsável pela sua inoperacionalidade, inviabilidade e falta de competitividade.

Como já vários assinalaram, este comportamento reiterado penaliza sobretudo os mais vulneráveis — precisamente aqueles que não dispõem de meios para aceder aos serviços prestados por operadores privados.

 Na Alemanha, uma parte significativa dos funcionários públicos — os que detêm o estatuto de "Beamte" (oficial) — não gozam do direito à greve. Tal limitação assenta no princípio de que estes trabalhadores têm um dever acrescido de lealdade para com o Estado e, em contrapartida, beneficiam de garantias especiais, como a estabilidade no emprego e regimes próprios de pensão.

O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tem reiteradamente confirmado esta proibição, considerando-a compatível com a Constituição alemã (Grundgesetz).

Sendo as greves sistemáticas no sector público um dos factores que contribuem para a nossa falta de competitividade — e, acima de tudo, para a exclusão dos mais desfavorecidos — seria desejável que existisse coragem para enfrentar este problema e procurar soluções justas e sustentáveis.

Contudo, estou certo de que tal não acontecerá. Este é um tipo de iniciativa que exige coragem política. E disso, por cá, não há grande abundância.

Aclamação de D. Manuel II

por Daniel Santos Sousa, em 06.05.25

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No dia 6 de Maio de 1908, D. Manuel II é aclamado Rei de Portugal. Aos 18 anos confronta-se com um país em rebuliço, explosivo nos ódios à coroa e à religião. Um Rei que não estava destinado a sê-lo, um rei inesperado. Ainda no luto da morte do pai e do irmão aceitou o pesado cargo que, desde Afonso Henriques, assegurara a independência e a liberdade da pátria. 

Não tinha como recuar. Os desígnios dos povos são sempre misteriosos e a história que encarnam um mistério. Para o povo, o rei vem devolver as esperanças às pátrias sem rumo. Esperançou uma «Monarquia Nova», um regime conciliador, contudo longe ficou do ensejo, as conturbações que desde o Ultimatum de 1890 se arrastavam agora repercutiam-se num grito ameaçador para o trono. O início do século fora já marcado pelo avanço do Partido Republicano e pela violência da rua, no final os elementos da desordem premeditavam o crime: o regicídio. Tais circunstâncias faziam já antever as próximas décadas de crise governativa e assassinatos políticos. 

Preso à redoma da decadência do sistema do constitucionalismo liberal D. Manuel estava destinado à tragédia. O jornalista republicano João Chagas escrevia "Vossa majestade chega demasiado novo a um mundo demasiado velho", como articulando todas as desvantagens que sobre o rei caiam. 

Idealista, mas incompreendido, o jovem monarca procurou a reconciliação, contudo o ódio crescia; procurou recuperar a confiança na coroa, mas o reinado de D. Carlos acumulara inimizades, mesmo no interior da monarquia. Para contrariar as vicissitudes desenhou uma nova estratégia política. Afastou João Franco (último político verdadeiramente coerente na defesa da monarquia). E, se D. Carlos fora o rei interventivo e energético e a sua ousadia levara-o à morte; D. Manuel procurou o rumo contrário: não intervindo, reinando, mas não governando, ainda que sempre com grande interesse pelos assuntos do Estado, estudando-os a fundo, discutindo-os com os ministros, os velhos e corruptos ministros dos partidos do rotativismo que o traíram, como tinham traído seu pai. 

O exílio ajudou-o a descobrir uma vocação mais profunda: o estudo, a escrita, a investigação, ali alcançou o estatuto de um erudito bibliófilo. Um rei que foi igualmente um intelectual, mas também um activista de causas nobres. Na Primeira Guerra Mundial prestou auxílios a Portugal, e (de forma polémica e não totalmente compreendida pelos seguidores) pediu aos monárquicos que não continuassem com as acções revolucionárias contra o Governo (dito da República). Estávamos na época da Monarquia do Norte, das incursões de Paiva Couceiro, quando no poder ocupava o cargo de Presidente o almirante monárquico Canto e Castro, aqui João Chagas encontrava a ironia, indicando que "Portugal é um país de paradoxos: tem um rei republicano no exílio e um presidente monárquico no poder". 

Morreu a 2 de Julho de 1932, o corpo voltou à terra que tanto amava, mas creio que a alma nunca de cá saiu, o mar e a terra portuguesa nunca o abandonaram e foi, até à morte (mesmo quando ilegitimamente deposto) rei de Portugal e como rei legítimo veio a enterrar na "Lusitânia antiga liberdade".

Os negócios activos de um primeiro ministro em funções

por henrique pereira dos santos, em 06.05.25

Os negócios activos de um primeiro ministro em funções não dizem respeito à sua vida privada, devem ser claramente escrutinados, ao contrário do que tem sido prática em Portugal.

Felizmente, no caso de Montenegro, essa prática foi abandonada e houve escrutínio à séria.

Conclusões?

Sim, o primeiro ministro em funções teve participação, por via do seu regime de casamento, num negócio privado activo.

Não, o primeiro ministro em funções não participa na gestão nem tem qualquer cargo nessa empresa.

Não, o primeiro ministro em funções nunca recebeu pagamentos dessa empresa, embora pudesse estar a beneficiar da sua potencial valorização, em função da política de distribuição de resultados da empresa.

A inovação de se considerar que todos as receitas da família do primeiro ministro em funções devem ser tratadas como receitas do próprio primeiro ministro corresponde a um retrocesso social brutal, em especial no que diz respeito à independência e respeito pelos direitos dos cônjuges (que, como é o caso, são frequentemente mulheres a quem se pretende negar a sua autonomia dentro do casamento) e não tem qualquer base legal ou ética.

Na dúvida, a sua mulher, com o seu consentimento como é de lei, em função do regime de bens do casamento, doou a sua parte aos filhos, deixando, portanto, de ter qualquer ligação com a empresa e eliminado qualquer benefício potencial que pudesse existir da valorização da empresa.

Esta é a situação base, mas faz algum sentido avaliar o histórico da empresa para perceber em que medida poderá haver conflitos de interesses potenciais.

Os conflitos potenciais de interesses não são matéria exclusiva da vida empresarial, por exemplo, uma das questões mais relevantes do processo influencier, mas poderia ser de um eventual processo sobre a gestão da renacionalização da TAP, é saber se Diogo Lacerda Machado intervém nos processos meramente pela sua actividade profissional, ou se usou a sua pública amizade e proximidade com o então primeiro ministro em funções para obter vantagens (mais uma vez, as vantagens não são apenas vantagens materiais, a vantagem política não tem mais dignidade que a vantagem financeira, por exemplo) para si, ou para terceiros, incluindo o primeiro ministro em funções que o nomeou, independentemente de haver, ou não, qualquer vínculo empresarial formal entre os dois.

A empresa foi fundada pelo actual primeiro ministro em funções, baseada em grande parte no seu círculo de relações, como acontece com qualquer pequena empresa que se lança neste mercado, com actividades nas áreas da consultoria empresarial, incluindo na protecção de dados, tendo o actual primeiro ministro em funções envolvido a mulher e os filhos na empresa.

Quando, por via da sua eleição para manda-chuva do PSD - que pressupõe a possibilidade de um dia ser primeiro ministro, desde que aguentasse internamente os quatro anos de oposição que seria de esperar da maioria absoluta do PS na altura - o actual primeiro ministro se desliga da actividade da empresa, a empresa perde praticamente toda a actividade de consultoria empresarial fora da protecção de dados, área em que entretanto tinha criado uma posição tranquila no mercado, ao contrário do que acontecia nas outras actividades da empresa, fortemente baseadas no actual primeiro ministro.

Resumindo, nada de relevante e condenável resulta do escrutínio profundo da avaliação aos negócios activos de um primeiro ministro em funções.

A única coisa relevante, do ponto de vista do processo político, foi a adopção, pelo PS, das habituais posições do PC, BE e Chega em relação a este tipo de matérias, que consiste em tomar cada suspeita como uma certeza, independentemente da solidez dessa suspeita, fazendo sistemáticamente potenciais ligações a interesses escondidos, para demonstrar a iniquidade dos outros, sobretudo em contraste com a pureza moral desses partidos.

Essa é a única novidade neste processo e, infelizmente, não é uma boa novidade, que se espera que se altere depois das eleições, em função da luta fratricida dentro do PS entre os demagogos que o dominam actualmente e as pessoas decentes que lá existem.

Debate

por henrique pereira dos santos, em 05.05.25

À esquerda (no ecrán) estava Rui Tavares, um académico e político, ou político e académico, que nunca geriu coisa nenhuma (fez umas bolsas com Ricardo Araújo Pereira e mais não sei quê, uma boa ideia que desapareceu sem deixar outro rasto que não sejam as dúvidas sobre a sua capacidade de, em condições especialmente favoráveis, fazer qualquer coisa com sustentabilidade futura. Falhar é muito mais fácil e frequente que conseguir, mas com tão poucas tentativas, é difícil ter uma opinião definitiva sobre as suas capacidades de gestor).

Logo depois, Paulo Raimundo, um político, desde pequenino, sem qualquer outra actividade profissional relevante, que se conheça (é o chefe o partido que pôs como secretária geral da principal central sindical do país uma senhora que nunca tinha trabalhado em lado nenhum, a não ser em sindicatos).

Logo depois, Mariana Mortágua, uma política, desde pequenina, sem qualquer outra actividade profissional relevante que se conheça.

Logo depois, Pedro Nuno Santos, outro político, desde pequenico, sem qualquer outra actividade profissional relevante.

Imediatamente ao lado, Luís Montenegro, um político, desde pequenino, que se lançou no mundo profissional quando estava na mó de baixo da política, quer com actividade profissional de advogado, quer fazendo uma empresa familiar, e que tem estado a ser atacado porque, ao que parece, as condições base de funcionamento de uma empresa familiar, baseada em capacidade, conhecimento e contactos, é eticamente incompatível com actividades políticas passadas e futuras.

Ao seu lado, André Ventura, um funcionário da autoridade tributária que se passou para político, sem qualquer actividade profissional fora do funcionalismo e da política (nem comprar a casa em que vive é negócio em que se tenha envolvido e pelo qual se tenha interessado).

Mais um passo ao lado, Rui Rocha, com uma carreira longa e bem sucedida como funcionário de empresas, incluindo lugares relevantes na gestão de recursos humanos da SONAE.

Por fim, a única empreendora conhecida do painel, Inês Sousa Real, cuja família tem uma actividade na agricultura intensiva, umas estufas, estufins ou qualquer coisa do mesmo género, sendo resto da sua actividade profissional no funcionalismo público, em especial como jurista na área do direito animal.

Penso que não vale a pena perder muito mais tempo a caracterizar o debate - talvez só para assinalar que terem feito uns cinco debates com este formato e cada um com um tema teria sido bem mais interessante para os espectadores que os intermináveis frente a frente - porque isto é uma boa metáfora da discussão de políticas públicas em Portugal: um conjunto de gente que desconhece o velho ditado popular: quem quer, vai, quem não quer, manda.

Claro que há excepções, mas a esmagadora maioria dos nossos políticos têm preferido mandar, a fazer.

E têm razão, quem dá o que tem, a mais não é obrigado.



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