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Ao que parece, com a ajuda do jornalismo dos gritinhos, a oposição está a tentar usar o apagão na campanha eleitoral.
Julgo que é uma asneira política de proporções bíblicas.
Tanto quanto consigo perceber, as pessoas não estão zangadas com o governo nem com os operadores do sistema eléctrico, nem com os serviços de emergência e outros serviços públicos.
Se assim for, não tenho maneira de saber se esta minha percepção corresponde à realidade, criticar o incumbente que tem de gerir uma crise, quando não existem fortes sentimentos de responsabilidade do incumbente nessa crise, é uma asneira da grossa.
Aparentemente, as críticas têm duas linhas de argumentação, qual delas a mais frágil.
Uma, a de que a comunicação do governo foi má.
É uma crítica sem pés nem cabeça, quer porque é a admissão implícita de que a gestão da crise não correu mal, favorecendo o incumbente, quer porque não é nada linear que as pessoas, em situações como a que existiu, tenham grande interesse em estar permanentemente a ouvir políticos num registo forçosamente panglossiano.
A segunda, é a que relaciona a crise com privatizações, quando quer a origem da crise, quer a gestão da crise, não demonstram qualquer ligação com uma gestão mais interessada em interesses particulares com implicações negativas no interesse colectivo.
O que a oposição, e o jornalismo que lhe dá importância nesta rezinguisse, está é fazer perder credibilidade e autoridade de tudo o que diz sobre o governo, mesmo quando tem razão, visto que está a demonstrar que, seja qual seja a circunstância, malhará no governo e em quem o apoia, quer tenha, quer não tenha razões para isso.
A mim já me parecia que a ADIL (AD+IL) está com fortes probabilidades de ter uma vitória relativamente confortável nas eleições, mas se as oposições quiserem cavalgar o apagão para efeitos de campanha eleitoral, ainda se arriscam a levar um arraso bem maior.
Em qualquer caso, acho que o apagão terá mais efeitos na venda de rádios a pilhas que nas próximas eleições.
O apagão de ontem relevou-nos a importância da radiodifusão, das velhinhas ondas hertzianas cuja emissão convém manter por mais inútil que pareça – julgo que já só a Antena Um transmite em Ondas Médias (em minha casa não consigo captar) que tem vantagens funcionais em relação às Frequências Modeladas em caso de emergência. Aquilo que parecia inconcebível aconteceu: depois do almoço, ficámos progressivamente todos desligados. Primeiro desligados da rede telefónica fixa, depois da rede celular de telemóvel e finalmente da internet (móvel e fixa). A jornada serviu principalmente para percebermos as fragilidades que o nosso modo de vida excessivamente dependente da tecnologia encerra. De demasiadas tecnologias.
Da experiência urge tirarem-se profilácticas ilacções sobre as causas e responsabilidades pelo do sucedido, mas principalmente (porque o imprevisto acontece) sobre a necessidade de elaboração de planos de contingência para outra situação semelhante que venha a suceder. Convenhamos que, se um evento destes não for rapidamente sanado como foi o caso, ele pode gerar um grave problema de repercussões incalculáveis. O nosso modo de vida funda-se na facilidade de comunicação, na transação rápida de informações.
Estaria certamente fora das minhas cogitações, mas o facto é que ontem estive quase doze horas impedido de fazer um simples telefonema para os meus filhos – em tempos que já lá vão a rede telefónica tinha alimentação de energia própria, ou estarei enganado? Lá em casa valeu-nos o pequeno rádio portátil para passar um inesquecível dia… incontactáveis.
Valeu-nos principalmente o apagão ter tido uma resolução rápida.
Talvez se possa interpretar, desta frase, "se é que se pode chamar historiografia a alguma da actividade associada à exposição, a julgar pelos resultados", que eu teria dúvidas sobre a qualidade do trabalho de Isabel Castro Henriques.
Gostava de esclarecer este ponto.
Não tenho opinião própria sobre o trabalho de Isabel Castro Henriques, não o conheço o suficiente e o que ouço, de terceiros, é que é um trabalho sólido, quando escrevi o que cito acima estava, na verdade, a pensar mais em historiadores que conheço melhor, como Fernando Rosas, que também escreveram alguns dos textos da exposição.
Acho natural que um mané como eu se pergunte por que razão alguém pede a Fernando Rosas para escrever textos científicos ou, no mínimo, académicos, sobre colonialismo, quando sabe perfeitamente que Fernando Rosas tem da política uma concepção que o impede de admitir que alguns pontos de vista devam ser considerados como hipóteses legítimas de interpretação.
Como várias vezes esta questão me surgiu, fui pensando no assunto e parece-me, sublinho este parece-me, que a discussão sobre o colonialismo está de tal maneira inquinada que quem quer que queira trabalhar sobre o assunto, do ponto de vista académico, tem de saber caminhar pelo campo ideologicamente minado que domina, de forma esmagadora, o trabalho da academia sobre este assunto, ou é ostracizado (o que equivale a um suicídio académico).
Isabel Castro Henriques é, intelectualmente falando, uma filha do Maio de 68, como é evidente logo no arranque desta entrevista.
Já tinha lido uma corruptela desta história algures, e é uma boa ilustração do que quero dizer "Mas vi também, na cidade do Huambo, uma realidade colonial diferente daquela que eu tinha aprendido aqui. Havia discriminação? Havia. Havia, por exemplo, cinema para os pretos e cinema para os brancos. Não havia nenhuma placa que dissesse “este é cinema de brancos, este é cinema de pretos”, mas havia uma prática que instalava os brancos (e alguns assimilados) no cinema Ruacaná, enquanto os pretos iam para o cinema São João, onde havia um ecrã que se via dos dois lados".
Comecemos pela corruptela, porque também ilustra bem como a discussão sobre o colonialismo passa rapidamente de uma realidade razoavelmente objectiva, com uma interpretação racionalmente discutível, para uma realidade paralela que encaixa melhor no discurso dominante mas é impossível de discutir porque não tem relação com a realidade.
Na corruptela que eu conhecia, Isabel Castro Henriques teria dito que tinha visto em Nova Lisboa, em 1966, um cinema para brancos e outro para pretos. Estranhei, mas era muito miúdo quando saí de Nova Lisboa (onde nasci), teria dois anos e qualquer coisa, talvez, e por isso fui perguntando a quem lá tinha vivido e que poderia ter mais memória, sem que alguém confirmasse a existência de qualquer cinema, ou coisa parecida, para brancos e outro para pretos.
Ao ver agora a história tal como é contada por Isabel Castro Henriques, a coisa explica-se facilmente: tratava-se, afinal, da distinção social que existe em relação a muita coisa, incluindo a frequência dos espaços públicos.
Para mim, confundir isso com segregação racial é um erro grande, mas compreendo que havendo, como de facto havia, uma forte sobreposição entre distinção social e cor da pele, haja muita gente que confunda as duas coisas, havendo mesmo quem considere isso racismo estrutural.
É uma discussão racional que pode ser feita, é possível que os dois pontos de vista retratem partes distintas da realidade, mas não se pode dizer que o eventual racismo descrito na história que citei pode, de alguma maneira, ser confundido com a lógica da África do Sul ou do Sul dos Estados Unidos na mesma altura.
Dizer que as duas realidades são semelhantes é simplesmente um disparate.
Na história que citei, Isabel Castro Henriques socorre-se de um argumento implícito frequente (que eu acho profundamente racista, diga-se) e lhe permite sugerir a existência de uma espécie de apartheid: consiste em reconhecer que no cinema dos brancos há "não brancos", mas ao mesmo tempo torná-los invisíveis através do uso de um termo do estatuto do indigenato (que nessa altura até já tinha sido revogado): eram "assimilados".
É mesmo muito frequente a desvalorização da elite não branca que se estava a formar, considerando-os como "assimilados", de uma forma que os aproxima do conceito de colaboracionista da resistência ao nazismo, ou de traidor de classe, dos regimes comunistas, o que os torna invisíveis como evidência de que o racismo talvez não fosse igual em todos os sistemas de colonização.
Não só ninguém diz que o engenheiro agrónomo Amilcar Cabral, casado com uma colega bem branquelas (trabalhou no gabinete ao lado do meu, portanto sei bem disso) e, inicialmente, funcionário dos serviços agrícolas portugueses é um assimilado, como o meu chefe dos escuteiros na paróquia mais branca e burguesa de Moçambique, a da Polana, na então Lourenço Marques, era preto retinto (o que seria impossível na África do Sul, na Rodésia, penso eu, e no Sul dos Estados Unidos) e não me lembro de alguém levantar alguma questão com isso ou de o arrumar numa classe de "assimilados" de que nunca ouvi falar, a não ser quando comecei a ler a historiografia moderna que me obrigou a conhecer o estatuto do indigenato.
Nunca ouvi invocar esse estatuto (naturalmente, estava revogado antes de eu nascer) em momento nenhum, por ninguém. Com certeza teria repercussões na sociedade colonial em algumas circunstâncias, mesmo depois de revogado, mas estava longe de fazer parte do dia a dia de uma família da pequena burguesia do funcionalismo público colonial.
O relevante é que quer o que agora escrevi, quer a dissimulação da emergência de uma elite não branca sob a designação de "assimilados", não podem entrar na discussão académica sobre o colonialismo porque não cabem no esquema colonizadores/ colonizados, assente numa ideologia racista, a que tem de obedecer grande parte do trabalho historiográfico sobre essa época.
Curiosamente, Isabel Castro Henriques até tem um discurso desalinhado nesta matéria porque se reconhece a si mesma como historiadora de África e não historiadora da relação de África com a Europa e América, isto é, historiadora da evolução africana motivada por factores endógenos e não externos.
Tenho pena, muita pena, que essa não seja a ideia central da exposição, a de uma historiografia africana de África que, claro, que não pode esquecer os factores externos, incluindo a influência europeia e americana, nomeadamente o colonialismo.
A mim, parecer-me-ia muito mais interessante que andar a lutar contra moinhos de vento, como frequentemente acontece, quando se pretende estudar o colonialismo em África (que está muito longe de ter sido igual em toda a África e menos ainda em todo o mundo) e, parece-me, é excessivamente visível nesta exposição.
Fui finalmente ver, sem grande profundidade, mas com um enquadramento feito por uma das pessoas que colaboraram na exposição, uma coisa chamada "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades".
A exposição vai estar no Museu de Etnologia até Novembro deste ano, portanto é natural que lá volte.
O problema começa com o objectivo da exposição: "desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial, descolonizar os imaginários portugueses e contribuir, de forma pedagógica e acessível, para uma renovação do conhecimento sobre a questão colonial portuguesa".
É muito comum, nesta área da discussão sobre o colonialismo (a que, erradamente, se mistura frequentemente a discussão sobre a escravidão, coisas que nem temporalmente se sobrepõem assim tanto), que os investigadores abandonem a posição clássica de quem se interroga para compreender o mundo (o manifesto domínio da academia), para adoptar a posição de quem pretende contribuir para mudar a sociedade (o manifesto domínio da política).
É pacífica a ideia de que compreender o mundo pressupõe uma ideologia (por uma daquelas coincidências improváveis, o ex-marido da coordenadora da exposição era meu colega e antropólogo, conheço-o bastante bem, e lembro-me bem de ele citar um dos seus professores, penso que na Sorbonne, que insistia que não valia a pena ir para o campo sem uma boa teoria), e que a forma como tentamos compreender o mundo não é imune à ideologia que carregamos, mas reconhecer isto não é o mesmo que legitimar a interpretação ideológica do mundo que é característica da actual investigação sobre o colonialismo.
O que mais me impressiona é a simplificação da realidade a partir da chave interpretativa com que se parte, em vez de usar a chave interpretativa como reconhecimento de uma complexidade difícil de apreender sem ideias que nos permitam estabelecer padrões que possam ser discutidos racionalmente.
Um dos exemplos é a forma como tem sido usado o luso-tropicalismo na discussão académica sobre o colonialismo e os seus legados.
A mera existência do choque entre Silva Porto e Livingstone, muito antes de qualquer ideia de luso-tropicalismo (encontram-se em mil oitocentos e troca o passo, Gilberto Freyre nasce em 1900), incluindo a crítica do império britânico à ausência de ocupação real das áreas que os portugueses reclamavam como suas em África e a resposta portuguesa baseada nas suas alianças com os poderes locais, deveria ser suficiente para que a academia se deixasse de simplificações sobre uma realidade demasiado complexa para se meter numa quadro binário de interpretação colonial em que praticamente só existem colonizadores e colonizados, como se do lado dos colonizadores e do lado dos colonizados a realidade não fosse imensamente diversa e contraditória, ao ponto de invalidar qualquer chave interpretativa binária.
Se dúvidas houvesse, comparar a colonização do Congo Belga com a lenta percolação de comerciantes portugueses para o interior de Angola, com rara ou nenhuma protecção do Estado português, seria suficiente para que o discurso académico sobre a colonização europeia de África fosse um bocadinho mais complexo, para descrever realidades muito mais diversas que o esquema dominante baseado na rigidez da homogeneidade de colonizadores e colonizados.
O mesmo se pode dizer do lado dos colonizados, que estavam longe, muito longe, de ser uma mole imensa de explorados que mais tarde os movimentos anti-coloniais representaram legitimamente, pelo contrário, eram um enorme mosaico de sociedades e culturas em permanente relação, quer pacífica, quer violentamente confrontacional, que uma boa parte da investigação sobre o colonialismo trata como uma mera fonte de fornecimento de pessoas escravizadas pela violência branca.
A exposição vale a pena (não discuto a pertinência da relação entre as peças expostas, algumas muitíssimo bonitas, e os textos e ideias expressas, porque não sei o suficiente do assunto), o museu vale a pena, mas a historiografia de base (se é que se pode chamar historiografia a alguma da actividade associada à exposição, a julgar pelos resultados) é melancolicamente esquemática e encharcada pelo ar do tempo woke em que estamos.
Fui ter a esta entrevista de Bordalo II, a partir desta crónica de Helena Matos.
Eu gosto muito do trabalho do Bordalo II, tal como da música e do trabalho musical (parece um pleonasmo, mas não é, José Mários Branco fez muita música e fez muita produção da música de outros) do José Mário Branco, o que não confundo é a enorme qualidade artística do que fazem, com o que pensam sobre a sociedade.
O título deste post, por exemplo, que é a citação de uma frase da entrevista, é um completo absurdo que decorre da ignorância de Bordalo II, de que ele não tem a menor consciência, sobre o que é a economia.
A economia é essencialmente relação entre pessoas, quando um jornal faz uma peça em que diz que o alojamento informal é hoje um negócio de milhões, o que o jornal está a fazer é descobrir que, quaisquer que sejam as regras, se alguém precisa de um tecto e alguém pode fornecer um tecto, essas duas pessoas vão acabar por fazer um acordo em que a primeira pessoa entrega qualquer coisa à segunda, em que a segunda está interessada, em troca desse tecto.
Pode não ser dinheiro, note-se, nas organizações caritativas que acolhem pessoas sem abrigo (ou peregrinos) o que a primeira pessoa dá em troca é paz de espírito ao segundo, que se sente bem em ajudar a primeira pessoa (por inclinação emocional ou por sólido percurso racional de adesão a uma ideia, isso é irrelevante), continua é a ser economia.
Se, como acontece em Portugal, as regras impostas pelo Estado dificultam a disponibilização de mais tectos, mas a produção de bens ou serviços em que as pessoas estão interessadas, atrai novas pessoas, então o alojamento informal vai crescer e vai estar mais longe da disponibilização de tectos compatíveis com a dignidade de quem precisa deles.
Quanto mais desequilibrada for a relação entre os que procuram um tecto e a capacidade de os disponibilizar em condições que a generalidade das pessoas considerem justa e razoável, maior será o mercado informal.
A economia é isto, e isto é impossível que se sobreponha às pessoas, porque isto são as pessoas, não é tudo o que as pessoas são, mas a economia são pessoas que estabelecem relações entre elas.
É a justiça, a razoabilidade e o equilíbrio dessas relações que garante a maior ou menor liberdade de cada um no momento em que decide fechar o acordo que permite a troca, sendo razoável que o Estado se centre nas garantias de que não há alguns que abusam da sua posição dominante nestas relações.
Discutir isso parece-me muito útil, mas de Bordalo II eu espero que faça intervenções com grande qualidade artística, não espero que ensine os rudimentos de economia, matéria para a qual tem muito menos competência que para criar intervenções artísticas, umas melhores, outras piores, claro, mas seguramente muito melhores que a maioria das coisas de arte pública que vejo por aí.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.
Palavra da salvação.
A CNN «noticiou» ontem que houve «violência entre extrema-direita e anti-fascistas».
Recapitulando: um grupo de manifestantes não-autorizados pretendia assar um porco no Martim Moniz, como forma destemperada de protesto contra o facto de o Martim Moniz (do nome lendário que terá contribuído com a vida para a tomada de Lisboa aos muçulmanos) se ter transformado em local de oração muçulmana; um grupo de manifestantes não-autorizados apresentou-se contra eles com os proverbais lencinhos e bandeiras palestinianas -- suponho que também, ao menos em mente, com lemas do tipo «desde o rio até ao mar».
Temos, portanto, que os manifestantes «anti-fascistas» vieram em última análise protestar, especificamente, contra a instituição de Lisboa como capital do reino de Portugal, e, em geral e adversariamente, contra a civilização ocidental e judaico-cristã; e que os manifestantes «fascistas», destemperados embora, afinal defendiam a fundação e afirmação de Portugal, e a filiação na civilização ocidental e judaico-cristã.
Donde resulta, da estupidez ou do enviesamento jornalístico, que afinal os destemperados sejam os bons, e que os combatentes «anti-fascistas» sejam o inimigo.
"Plus fréquents, plus étendus et plus menaçants qu’autrefois, ils s’inscrivent dans un contexte de transition, dans la relation des populations avec le feu et dans son comportement dans les paysages, qui touche de vastes zones du globe".
É de facto uma ironia eu escrever este título num post feito em 25 de Abril, mas antes disso é sobretudo uma coincidência.
Tudo começa quando reparo num título da revista Visão "Grandes incêndios, um legado do Estado Novo".
A peça é assinada por Luís Ribeiro, que vou conhecendo por aí e tenho na conta de um jornalista com bom senso, o que aumentou a minha estranheza, e me fez ler a peça.
Foi por essa via que fiquei a saber de uma conferência ontem, 24 de Abril, sobre um projecto de investigação chamado Paisagens de fogo, e também por isso que acabei por ter acesso às comunicações apresentadas, produzidas no contexto deste projecto.
É de um dos artigos a que cheguei por esta via a citação com que começo o post, e o facto de o estar a fazer a 25 de Abril, com o título que escolhi, não é nenhum branqueamento do 24 de Abril, é uma irritação com a manipulação ideológica com que a academia se entretém para contrabandear ideias que, no mínimo, aparecem recobertas por névoa woke (para usar uma expressão que não é minha, mas achei particularmente adequada) que impede os investigadores de ver para além dos seus preconceitos.
"Au cours de ce processus, les intérêts et l’économie des peuples utilisant les baldios ne sont guère pris en compte [Radich et Baptista 2005] et l’appareil d’État, avec ses ingénieurs et gardes forestiers, s’impose localement. Après la Révolution de 1974, qui a mis ¬n à quarante ans de dictature, les baldios sont revenus aux mains des communautés rurales (avec le décret-loi no 39, du 19 janvier 1976). Cependant, les caractéristiques des baldios et de la population résidente se sont, entretemps, profondément transformées, et les liens entre les deux passablement distendus [Baptista 2010]".
Usa-se uma bibliografia cuidadosamente escolhida: tanto quanto sei, a minha tese de doutoramente é a única sobre a evolução da paisagem rural na totalidade do continente português, ao longo de todo o século XX em Portugal, que se baseia em dados estatísticos directamente coligidos no sistema estatístico nacional, sem implicar qualquer escolha prévia de locais nem de métodos de produção de informação específica, o que não impede os investigadores deste grupo de escolherem não a usar (não por desconhecimento, ela é citada na tese de doutoramento do principal investigador do projecto), mesmo que fosse para demonstrar que está errada, claro.
A citação com que começo o post tem um erro frequente na discussão sobre o fogo em Portugal, a de que actualmente os fogos são mais frequentes do que eram.
É verdade que não se sabe, ou melhor, não está demonstrado de forma quantitativa, a quantidade de área ardida por ano no sistema tradicional, à escala da paisagem, mas tudo aponta para que a mudança do padrão de fogo que ocorreu seja de fogos mais frequentes, menos intensos e menos contínuos, para fogos menos frequentes, mais intensos e mais contínuos.
O que não é incompatível, pelo contrário, com a ideia, essa sim, verdadeira, de que os grandes incêndios são hoje mais frequentes do que eram, uma ideia frequente entre os investigadores de ecologia do fogo: uma das principais razões para ter fogos maiores, mais contínuos e mais intensos é o facto de nos encarniçarmos a impedir e combater os fogos pequenos e médios, obtendo como resultado uma maior acumulação de combustível.
Há uma velha tese de investigadores florestais que relaciona esta evolução com a ocupação dos baldios e as políticas florestais do Estado Novo (no fundo, validando a tese de "Quando os lobos uivam"), frequentemente ligados ao PC mas também de outras tendências políticas, que é uma tese que hipervaloriza as decisões do Estado, em detrimento das transformações económicas e sociais (incluindo tecnológicas) e da morte consequente da economia de sobrevivência que geria a paisagem.
Se era razoável admitir essa tese no tempo de Aquilino Ribeiro (e sem entrar na discussão sobre as razões pessoais que teria para escrever contra os serviços florestais e o Estado Novo), hoje seria uma tese completamente desacreditada, não fosse a vontade de demonstrar as malfeitorias do Estado Novo.
Repetindo-me, o Estado Novo era um regime ilegítimo por basear o governo na força e não na vontade das pessoas comuns, não é preciso manipular a história para tentar demonstrar que foi um regime parecido com o de Pol Pot, ou coisa do género, no que à repressão ou aos resultados económicos diz respeito.
25 de Abril sempre, incluindo na investigação histórica, não é preciso inventar, mesmo que sob a protecção da academia, que os grandes incêndios que temos são um legado do Estado Novo (que, já agora, durou menos tempo que o actual regime, em que as tendências anteriores, com a psicose de apagar fogos úteis, só tem conseguido agravar o problema).
Helena Matos escreveu, no Observador, um texto irónico, cheio de bom senso, sobre as pessoas que não querem abater jacarandás na 5 de Outubro.
Pedro Franco respondeu e as citações que vou fazer são da sua resposta, sobre a qual gostaria de dizer uma coisinha simples.
"o elevado número e da diversidade deste grupo de pessoas que compareceram nessa sessão pública e que foi uma amostra bastante representativa de quem vive em Lisboa"
"Isto é muito mais do que uma questão de mais árvore, menos árvore. É sobre a competência dos técnicos e representantes que administram a nossa cidade e é sobre a transparência com que eles operam. É também sobre visão de cidade e participação cidadã efectiva – dois objectos de desejo político que os autarcas terão de começar a compreender, sob pena de não conseguirem governar."
"O que nós queremos, no final do dia, são decisores que nos representem, que nos defendam e que saibam o que significa ouvir, dialogar e prestar contas."
Pedro Franco, não podia estar mais de acordo consigo, o que é preciso são decisores que nos representem, nos defendam e saibam ouvir e prestar contas.
Onde, aparentemente, discordamos é no significado destes "nos".
O Pedro acha que "nos" diz respeito aos que pensam como o Pedro.
Eu acho que o "nos" diz respeito às pessoas comuns cujas opções se aferem em eleições, e não em números de assinaturas em petições.
Se o Pedro, e todos os muitos que estão convencidos de que são muito melhores que os técnicos e decisores da câmara, e que jamais tomariam decisões tão incompetentes como as tomadas (embora o facto do projecto ser sobretudo escritórios, e não habitação, os incomode menos que substituir jacarandás em fim de vida, coisa que a mim me deixa estupefacto), há uma solução simples, até porque nas autarquias há a possibilidade de haver candidaturas independentes: candidate-se, apresente o seu programa de regeneração técnica e processual da câmara, ganhe as eleições e depois execute o seu projecto.
Pode ser que lhe aconteça como o Sá Fernandes, nunca ganhou nada, mas sempre representou o povo (na opinião dele, claro) e ganhou umas sinecuras que duraram anos, onde, aparentemente, não se distinguiu particularmente dos outros eleitos (não conheço Sá Fernandes, da única vez que tive um contacto com Sá Fernandes foi porque me ligou, tentando responder a um artigo em que eu tinha protestado com o facto do Fundo Ambiental estoirar o dinheiro disponível para a biodiversidade numa exposição em Lisboa e nuns passadiços em Serralves, decisão cujas virtudes me garantia que iriam ser visiveis nos anos seguintes, com o aumento estratosférico de visitantes das nossas áreas protegidas que resultariam da dita exposição, o que, evidententemente, nunca se verificou nem seria de esperar, para qualquer pessoa com um mínimo de bom senso).
No ano passado Mariana Mortágua arranjou uma aldrabada acerca da casa em que vivia a sua avó. Este ano Ventura fez o mesmo com a sua própria casa.
Note-se que foram Mariana e André que, de livre e espontânea vontade e sem terem sido inquiridos acerca do tema, decidiram jogar essa cartada.
O caso de Mariana é mais grave, pois notando-se que a jogada vinha planeada ela é toda alicerçada em falsidades. No caso de Ventura admito que se tenha sido um lapso. No entanto entre Mariana e Ventura há um traço comum, a necessidade de trazerem para si, quer directamente no caso de Ventura, quer por interposta pessoa, a avó, no caso de Mariana, uma certa beatitude.
Se formos olhar para a História todos os populistas, com traços messiânicos, têm essa necessidade. Se não todos, pelo menos quase todos.
Como não seria de esperar outra coisa, a morte do Papa Francisco suscitou reacções no mundo inteiro. Dos meandros da Igreja Católica Romana a muitos mais, de outros credos aos descrentes. Ainda bem!, sinal de um pontificado alargado às gentes todas.
O Papa, vindo de longe, fez a apologética da paz e - talvez sobretudo - da aceitação e compreensão entre os povos. Foi político sem ser partidário. Foi, num cavalgante repente, um apóstolo do entendimento do respeito de cada um por todos, e de todos por cada um.
Mas nunca deixou de ser e de falar em nome do Catolicismo. Para os crentes - é o meu caso - a crónica da Igreja pode medir-se, nos últimos 50 anos, mediante o pontifício de João Paulo II, interveniente cimeiro na Guerra Fria, Bento XVI, um teólogo marcante, e o abismo seguinte, o de Francisco, um Papa que, herdando esses antecedentes, caiu em cheio no quotidiano actual com o propósito de recolar a Igreja à vivência de todos nós.
Daí a sua popularidade entre os do nosso credo e os demais.
Não podia ser de outro jeito. Francisco, o Papa da vida de todos os dias, só poderia - como vai sucedendo - ser um homem incontroverso. Insisto - ainda bem!
O que não pode acontecer é o que está acontecendo. O universo laico laiciza o Papa. Ouve-se e lê-se: Francisco foi apenas um Chefe de Estado, um homem bom. Os comentaristas nada mais acrescentam, desdenham a Igreja que Ele conduziu aos dias de hoje. Apartam-nos - o Papa e o Papado. Situam-se num tempo de doze anos, o do seu Pontificado, mais rigorosamente, da sua Chefia de Estado.
Quando, em boa verdade, o Papa Francisco modelou a Igreja Católica Apostólica Romana. E esta foi a sua herança que, sem dúvida, a seu sucessor continuará. Mas muitos - maxime, os nossos politólogos - estão passando ao largo desta realidade. O Papa perdoa-lhes, Cristo também e nós, Igreja, havemos de continuar lutando e esclarecendo, na eternidade a que Cristo nos votou.
(N. - Prevêm-se comentários sobre pedofilia, etc e tal. A resposta está dada, sumariamente, nos parágrafos anteriores.)
São sempre comoventes as exéquias de um Papa e as imagens das cerimónias em directo do Vaticano para todo o mundo fazem-nos acreditar que de alguma forma a mensagem de Jesus Cristo com dois mil anos é intemporal e supranacional.
É por isso que faz pouco sentido o sectarismo dentro da Igreja Católica entre progressistas e conservadores. É na gestão cuidadosa da permanente tensão entre as inevitáveis facções que Roma vem sendo capaz de realizar que garante a universalidade da instituição. Também porque a Doutrina da Igreja Católica é Universal (desculpem-me o pleonasmo).
Se faz pouco sentido o sectarismo dentro da Igreja Católica, muito menos ele faz entre os não católicos, intrometidos na contenda a opinar nos Media a comoção dos eventos que se vão suceder nas próximas semanas, que culminarão na eleição de um novo Papa. Mas é isso que se verifica nas televisões, entre jornalistas e comentadores, poucos deles católicos, a cavarem trincheiras entre progressistas e conservadores, sendo que para eles os bons são os progressistas e os maus os conservadores. Habituados a comentar lutas partidárias e confrontos políticos não percebem que a lógica da Igreja é outra.
E se chamamos “conservadorismo” ao esforço de síntese entre as várias tensões, à conciliação entre as várias sensibilidades políticas sempre influenciadas pelas diferentes geografias, o mesmo é dizer “culturas”, em consequência o próximo Papa será inevitavelmente apelidado de “conservador”. Em primeiro lugar porque a Doutrina da Igreja Católica, ou seja, as “verdades de fé” que espelham os seus imutáveis valores universais não são negociáveis e não se submetem a modas – assim procedeu o Papa Francisco nas questões fracturantes em voga na decadente Europa. Em segundo lugar porque as mudanças possíveis na Igreja (de regras que não sejam Dogmas), precisamente porque ela é universal, deverá de obedecer sempre a profundos consensos, e por isso essas reformas, a existirem serão sempre muito lentas.
A prevalência da Tradição no lugar da Revolução tem sido o seguro de vida de Roma. A lentidão na mudança tem sido a inspiração divina que garante a sobrevivência desta Instituição por mais de dois mil anos. O próximo Papa, eleito por inspiração do Espírito Santo, será inevitavelmente um Papa para todos, todos, todos. Ironicamente isso irá desiludir a maioria dos jornalistas e comentadores, cujo sustento e quadro mental está formatado para o conflito e para a cisão.
Uma coisa magnifica e comovente da instituição que é a Igreja é saber que o grande aplauso na praça de S. Pedro surge às palavras 'habemus papa!", não à pessoa que vai cumprir esse papel. Essa é a garantia da sobrevivência da instituição.
Na imagem: o brasão da Santa Sé durante o período de Sede Vacante, o intervalo de tempo em que o Vaticano está temporariamente sem Papa
Uma gaja na Praça de São Pedro, talvez correspondente da Sic"Notícias", noticia, na morte do Papa Francisco, que o Papa Francisco viveu momentos difíceis, como o dos escândalos sexuais na Igreja. Donde, fica mais uma vez provado que havendo gente que parece que saíu de debaixo de umas pedras, afinal continua lá.
Ó meu caro vamos lá pôr os pontos nos iis
De quem são os campos deste país
De você que diz que são seus porque os herdou
Ou da gente que neles sempre trabalhou?
O disco "À queima roupa", de Sérgio Godinho, é dos meus discos preferidos dele, apesar de muita gente o desvalorizar por ser um disco à queima-roupa, malhando no ferro do 25 de Abril do PREC enquanto estava quente, sem a decantação necessária.
Acontece-me o mesmo com outros discos, como o meu gosto pelo Radio Ethiopia, da Patti Smith ou o Araçá azul, do Caetano Veloso, todos eles considerados discos com problemas de "acabamento" e relativamente falhados.
Talvez, nunca pensei muito no assunto nem me parece que interesse muito, sejam discos em que, por lhes faltar a decantação, eu sinta, para além da qualidade real, que são discos mais genuínos, não sei.
O que me interessa é fazer notar que a conversa do imposto sucessório, da herança social que agora ressurge, não é nenhuma novidade (é ouvir a música toda de que transcrevo apenas a primeira quadra), é a velha conversa da igualdade e da confusão entre igualdade e justiça (insisto, é ouvir a música toda em que é evidente a fraude da equivalência entre injustiça e desigualdade que sempre caracterizou a esquerda).
Depois de demonstrada a falência da ideia "de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades", a esquerda, sobretudo a esquerda radical (a outra, coitada, está como o tolo na ponte, sem saber para que lado ir), retomou a velha luta contra a desigualdade, actualizando os instrumentos de engenharia social.
Onde Lenine dizia que a ditadura do proletariado era o meio para liquidar o Estado e chegar ao comunismo, a esquerda bem pensante diz que os impostos sobre a riqueza e a desvalorização da propriedade privada como direito fundamental e condição sine qua non para a gerir a justiça de forma socialmente útil, isto é, o reforço do Estado contra os indivíduos e as comunidades, em especial a família, são os instrumentos para limitar a desigualdade.
A desigualdade é um facto e todas as tentativas para a eliminar têm conduzido a mais pobreza e uma desigualdade mais injusta.
O problema que temos de resolver para ter sociedades mais decentes, não é reduzir a desigualdade mas limitar a sua reprodução social, criando condições para que cada pessoa se consiga libertar da armadilha de pobreza em que nasceu.
Claro que as heranças são um poderoso instrumento de reprodução social e, nesse sentido, fonte de injustiças evidentes.
Mas quando comparadas com o acesso à educação e à liberdade de opção dos indivíduos, as heranças são um pequeno problema na limitação da reprodução social que leva os filhos dos pobres a terem uma elevada probabilidade de também serem pobres.
É verdade que na liberdade de opção dos indivíduos pesa muito o capital com que nascem, não apenas o capital material (que é o que diz respeito às heranças), mas sobretudo o capital imaterial da rede social em que se apoiam, incluindo o acesso bens públicos como a educação, a saúde, a segurança e a justiça.
Voltar agora à conversa de que a terra (ou o capital) é de quem precisa dele, e não de quem o herda, é voltar a ideias políticas velhas e relhas, cujos resultados são, comprovadamente, uma tragédia social.
A propriedade privada e, consequentemente, a liberdade de dispôr dos bens que se legam no momento da morte, não é apenas um direito humano fundamental, é uma condição económica básica para a criação de sociedades prósperas e decentes.
Se querem mexer no direito sucessório, ao menos que seja no sentido certo: reduzir as limitações que a lei portuguesa impõe à livre disponibilidade testamentária dos bens que se acumularam em vida, em vez defender como novidades ideias que tresandam a mofo.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo S. João
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo que Jesus amava e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro¬. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: - viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.
Palavra da Sailvação
Imagem Ressurreição (Pietro Perugino 1499) Vaticano
Entre as classes dominantes, há um discurso frequente, mas errado, o de que o país não é objecto de reformas estruturais. Parte desse discurso tem, aliás, um pressuposto errado ou, pelo menos, muito pouco rigoroso, o de que são os governos que determinam as alterações estruturais da sociedade.
Que os governos têm muito potencial para fazer asneiras, mas podem muito pouco para alterar o mundo, parece-me um pressuposto bem mais sólido.
Luís Aguiar-Conraria, por causa de quem me lembrei dos dois parágrafos anteriores (são da minha responsabilidade, mas repetem ideias que leio frequentemente nele, isto é, ideias que eu acho que estão no que escreve, ele pode ter uma opinião diferente do que escreveu), dá frequentemente um exemplo claro de uma alteração estrutural com fortíssimas implicações económicas, a grande alteração da qualificação dos portugueses ao longos das últimas décadas (a tendência começa a ser muito marcada nos anos 50 do século XX, mas acelera com o investimento em educação que a sociedade, isto é, o Estado, mas também as famílias, fizeram na educação, a partir do 25 de Abril).
Devo dizer que não sei qual é a tendência actual, é verdade que a qualificação dos portugueses continua a aumentar, mas também me parece razoável admitir que com a emigração de alguns quadros (o grosso da emigração continua a ser o que sempre foi, não é verdade que emigrem sobretudo os mais qualificados, o aumento da qualificação da emigração reflecte o aumento da qualificação geral da população) e com a imigração de muita mão de obra pouco qualificada, talvez a progressiva qualificação da população activa tenha mudado da tendência positiva para alguma estabilização, ou mesmo decréscimo, não sei.
Se a sociedade se reforma mais lentamente do que gostaríamos, em grande medida, é porque somos uma sociedade descapitalizada, não é sobretudo por falta de coragem dos governos que têm medo das consequências eleitorais negativas de medidas necessárias, mas impopulares.
Quando um político manifestamente reformista, como José Sócrates, decide investir voluntariosamente na alteração estrutural da sociedade, acreditando numa economia voodoo em que o investimento do Estado dá sempre retorno positivo, e não implica retirar capital à economia que o poderia usar de forma mais eficiente, o resultado é natural que seja o que foi, uma quase ruptura financeira do Estado e da sociedade.
O que nos tramou no governo de Sócrates não foi o nível de corrupção (isso tramou-o a ele), o que nos tramou foi a desconsideração política pela nossa escassez de capital.
Para o futuro interessa-nos mais o que se passou depois, quando ficou a nú a nossa escassez de capital, com a consequente pré-ruptura financeira do Estado, empresas e famílias (a ordem não é arbitrária).
A troica (em quem, infelizmente, nunca pude votar, como gostaria), emprestou-nos dinheiro, mas exigiu que se reduzisse o défice do Estado e o défice comercial do país, como forma de recapitalizar minimamente o país.
Os EUA têm um défice comercial gigantesco, mas têm um fluxo de capital em sentido inverso que tem permitido aguentar a situação, mas num país como o nosso, ao défice comercial juntam-se fluxos de capital que agravam (ou, pelo menos, não resolvem) o problema (não, o nosso problema estrutural não é a pobreza e os baixos salários, esses são problemas conjunturais que reflectem o problema estrutural de falta de capital).
O governo de Passos Coelho começou por cortar todas as despesas que podia, privatizar o que foi possível (uma excelente maneira de captar capital) e, depois da recusa do Tribunal Constitucional em baixar ordenados na administração pública, aumentar os impostos (isto é, retirar dinheiro da economia para resolver o problema financeiro do Estado).
Depois de resolvida a situação aguda, entre o fim de 2012 meados de 2013, começou a desapertar o garrote que teve de aplicar para estancar a hemorragia.
Como acontece a quem não tem recursos, não havia, até 2014/ 2015, grandes opções: podem-se fazer garrotes melhores ou piores, pode-se até fazer um garrote excessivo que provoca a morte de tecidos por falta de sangue, mas primeiro estanca-se a hemorragia, só depois passa a haver opções nos passos seguintes.
Foi isso que esteve em discussão nas eleições de 2015, e a opção dos governos de António Costa foi a de um ilusionista.
Por um lado, aumentou os impostos indirectos, que se sentem menos (resumindo, retirou mais dinheiro da economia para o Estado) e, por outro, empurrou o buraco para o futuro, descapitalizando o Estado, inscrevendo verbas de investimento nos Orçamentos, mas não as executando.
Esta opção tem grandes virtudes, por um lado do ponto de vista da pacificação social, por outro porque é uma opção que permite comprar tempo para ir acumulando o capital que nos faz falta, tanto mais que as empresas, reconhecendo perfeitamente a ilusão, trataram de se precaver, capitalizando-se tanto quanto possível, para os choques futuros.
O resultado não foi mau de todo, as empresas e as famílias foram-se capitalizando, por exemplo, o aumento do preço das casas, num país em que 70% das famílias são proprietárias das casas em que vivem, é uma capitalização, embora pouco líquida, mas o Estado foi-se descapitalizando (o investimento do Estado não tem sido suficiente para compensar a erosão do capital), com as consequências com que hoje nos confrontamos, e que são o essencial do que está em discussão nestas eleições.
Deste ponto de vista, não é nada igual optar pela continuação da política de António Costa, reduzindo o IVA (um imposto sobre o consumo) para deixar dinheiro no bolso das famílias, ou optar por reduzir o IRC, para deixar capital nas empresas (e seus accionistas).
Por mim, que ainda não decidi definitivamente em quem vou votar, tenho uma ideia perfeitamente definida: eu voto naquilo que me parecer mais eficaz para assegurar a capitalização do país, quer por via da poupança, quer por via da captação de capital externo, quer por via do aumento dos lucros das empresas.
"Eu, por exemplo, sou a favor do imposto sobre heranças e doações, eu acho mal que Pedro Nuno Santos e Catarina tenham uma vida tão confortável e um monte no Alentejo só porque são filhos de pais aparentemente ricos, e depois muito ricos, no caso de Pedro Nuno Santos".
Susana Peralta, falando sobre as casas de Pedro Nuno Santos e Montenegro (neste último caso, sem o menor problema em propalar boatos sem qualquer fundamento, apenas porque servem o seu ponto de vista político, cada vez mais indisfarçavelmente alinhado com o LIVRE), tem esta tirada cristalina que me ajuda a falar sobre a famosa herança social que o LIVRE acha uma grande ideia e que o PS copiou, embora envergonhadamente porque tem medo de ser considerado despesista e contabilisticamente irresponsável.
Estranhamente, uma ideia completamente errada e sem qualquer utilidade prática, circula calmamente pelo debate público quase sem contraditório (para além dos seu custo eventual), mas Susana Peralta não nos deixa adormecer sobre o assunto: o que está em causa é a censura moral à riqueza e à família, e não o combate à probreza.
A ideia é vendida como sendo uma herança (há um certo pudor em reconhecer que o capital é um bem, e não um mal, por isso lhe chamam herança e não capital) de que toda a gente deve dispor, de forma igualitária, ao fazer 18 anos.
Eu não vejo nenhuma utilidade social em entregar capital a Pedro Nuno Santos, por fazer 18 anos, retirado a toda a sociedade e sem qualquer condição.
Pedro Nuno Santos, se a família achasse fundamental, como achou quando o ajudou a comprar uma casa, entregar-lhe-ia capital, não por fazer 18 anos, mas por precisar de uma casa em Lisboa para a sua vida, quando achou que o futuro que Pedro Nuno Santos estava a desenhar para si justificava resolver essa falta de capital inicial.
Repito, não vejo nenhuma utilidade social em meter o Estado ao barulho, entregando-lhe um capital definido, aos 18 anos, sem qualquer avaliação do que pretendia Pedro Nuno Santos fazer com esse capital.
Resumindo o primeiro ponto, não faz o menor sentido que os filhos de famílias que têm capital beneficiem de uma entrega de capital, feita pelo Estado, aos 18 anos.
E não faz sentido, por questões de justiça social (esta entrega de capital inicial será sempre financiada com impostos, e os impostos terão sempre uma parte que provém de gente que precisa muito mais desse capital que o beneficiário), e por razões práticas (enquanto as famílias e a sociedade avaliam o momento e a utilidade desse capital para o futuro, a ausência de condições para o receber torna muito pouco eficiente a sua aplicação).
O primeiro ponto pode ser resolvido com uma condição de recursos, isto é, esta herança só seria entregue às pessoas provenientes de famílias com rendimentos inferiores a X, num determinado tempo Y, o que obrigaria à criação de um sistema de gestão e fiscalização da medida que, com toda a probabilidade, seria mais caro que a utilidade social da medida.
Admitamos, no entanto, que as questões práticas não eram relevantes e que em vez da fonte de financiamento da medida serem impostos indiferenciados, eram os tais impostos sucessórios que defende Susana Peralta e o LIVRE.
Para que a medida tivesse relevância, como diz o LIVRE, introduzindo uma condição de recursos que retirasse os filhos dos ricos da lista de beneficiários e ainda se mantivesse o equilíbrio financeiro, a colecta de imposto sucessório deveria ser desenhada em função da despesa esperada com a aplicação da medida.
Como ricos são poucos e pobres são muitos, para que o capital inicial tivesse algum significado para esses muitos pobres, o imposto sucessório colectado, sendo poucos os ricos, teria de ter uma dimensão muito relevante, isto é, num país em que um dos principais problemas é a escassez de capital (romper com o modelo de baixos salários que caracteriza a nossa economia exige capital), Susana Peralta e o LIVRE acham boa ideia taxar fortemente a transmissão de capital entre gerações, desviando recursos da economia para o Estado.
A mera simulação da dimensão da descapitalização da família Soares dos Santos que resultaria desta medida, permitiria perceber por que razão, rapidamente, a família passaria a sede de todas as suas operações para outro país qualquer onde o ódio aos ricos tivesse menos consequências práticas (é ver a quantidade de franceses ou reformados nórdicos que optaram por vir para Portugal, reforçando a economia portuguesa, à conta da loucura dos impostos nesses países).
Note-se que na citação inicial que fiz, o que é mais luminoso é a justificação dada por Susana Peralta para defender este absurdo económico: acha mal que alguém tenha uma vida tão boa por nascer numa família rica.
O que preocupa Susana Peralta, quando se distrai da cartilha moral sobre desigualdade que repete incessantemente, não é o facto de haver muita gente que tem uma vida tão dura por ser filha de quem é, mas sim que haja gente que tem uma vida tão boa por ser filha de quem é.
Independentemente da definição do que é uma vida excessivamente boa (a de filhos de professores universitários que estão seguramente nos cinco por cento dos mais bens remunerados do país já é suficientemente boa para ser moralmente condenável?), a verdade é que o problema é a vida excessivamente dura dos que são filhos da pobreza e a que nós, como sociedade, não temos conseguido dar oportunidades suficientes que lhes permitam sair da armadilha de pobreza em que nasceram.
Seguramente não são 10 mil euros aos 18 anos que permitem alterar o seu futuro.
Do que precisamos é de não ter a educação dual que temos (uma educação de ricos e outra de pobres), de não ter um sistema de saúde dual (uma saúde de ricos e outra de pobres), um sistema de justiça dual (uma justiça de ricos e outra de pobres), um sistema de protecção social focado em sintomas e não orientado para alterar o futuro de cada pessoa concreta que a ele recorre em alturas de maior vulnerabilidade, um sistema de reabilitação prisional que funcione, um sistema de acolhimento de imigrantes que os integre, etc., etc., etc..
A treta da herança social financiada pela taxação das heranças reais resulta da desvalorização da família como o grupo social mais capaz de formatar o futuro de cada um de nós, substituindo-a pelo Estado, e de um preconceito contra a riqueza e a acumulação de capital cujos resultados são os que conhecemos: um modelo económico de baixos salários, sem acumulação e capacidade de atracção de capital que permita o investimento que altere o nosso futuro.
Eu também posso fazer declarações de Miss Mundo a dizer que acho mal a guerra, mas isso não altera rigorosamente nada a realidade da guerra, tal como este discurso da esquerda caviar condenando moralmente a desigualdade não altera nada da vida dos mais pobres.
O mais grave, no entanto, é quando esse tipo de discursos que sinalizam os bons sentimentos são transformados em políticas públicas que são, elas próprias, muito boas para os sinalizadores de virtude, mas o desastre que conhecemos do ponto de vista do combate à pobreza e ao modelo de baixos salários que caracteriza a nossa economia.
Imagine-se como seria a nossa existência se o tempo não se dividisse em ciclos, não tivéssemos dias, semanas ou meses, se fosse tudo um continuo sem estações dum infindável ano. Como orientaria a humanidade a sua existência? É verdade que o tempo passa e envelhecemos independentemente do calendário que criámos baseado na mecânica dos astros e das estações do ano. Provavelmente não deixaríamos de procriar mesmo sem a primavera ou a obscuridade esquiva da noite. Naturalmente que no decorrer do interminável "dia", chamemos-lhe assim, em que decorresse a nossa vida, o nosso organismo nos impeliria a procurar alimento, e imporia alguma ordem e medida temporal. Assim como o cansaço e o sono nos impeliria a procurar alguma penumbra para dormir em sossego. E não estou certo que não procurássemos na natureza algumas referências, por débeis que fossem, que nos situassem em face ao passar do tempo. Tudo uma hipótese completamente absurda, claro está!
Vem isto a propósito do tempo do calendário que os cristãos se preparam para viver. A propósito da importância dos rituais que nos orientam durante a vida, na devolução de um sentido mais profundo para as rotinas, ou que nos libertem delas, para uma experiência existencial mais rica. É nesse sentido que os cristãos são convidados a viver a Páscoa, a cortar com os hábitos de sempre, no esforço de parar para viver a Paixão e Ressurreição de Jesus Cristo. Isto acontece todos os anos, há cerca de dois mil anos que o calendário nos aponta ao cumprimento de rituais concretos que unem os cristãos na vivencia deste mistério. O mesmo que somos convidados a participar na Eucaristia ao Domingo ou noutro dia da Semana que nos sintamos atraídos a vivê-lo. Foi esta esperança de salvação que Jesus nos outorgou naquela sexta-feira no Calvário em que o próprio véu do tempo se rasgou. Em que o calendário universal para sempre se alterou.
A Vida Eterna começa com a continuidade geracional dos rituais. Ontem uns, outros hoje, os nossos avós antigamente, os nossos netos no futuro, perpetuarão estes rituais. Com uns ou com outros a procura da esperança está-nos nos genes, e foi-nos incutida pela Salvação da Páscoa. É no calendário, nos rituais repetidos, ano após ano, século após século, que intuímos a eternidade. E os descrentes nem sonham a liberdade que esta descoberta nos concede.
Até Domingo!
É frequente, sobretudo por parte dos comentadores mais sonsos, como Pedro Adão e Silva (e, infelizmente, embora de forma menos ostensiva, em resultado do oportunismo político da IL), a afirmação de que Montenegro poderia ter matado o assunto da Spinumviva quando quisesse e escolheu nunca aproveitar as várias oportunidades que teve para o fazer.
Independentemente da falta de consistência do argumento (qual seria o interesse de Montenegro em não matar o assunto?), e deixando de lado o argumento de que as eleições resultam da apresentação da moção de confiança, não havendo qualquer responsabilidade dos partidos pela forma como a votaram (nem se apercebem de que estão a usar o argumento de que a senhora que insiste em usar roupa provocante é responsável pela sua própria violação porque toda a gente sabe que roupas provocantes provocam violadores), há um outro aspecto que acho verdadeiramente espantoso neste argumento.
Montenegro não tem qualquer hipótese de matar o assunto spinumviva pela simples razão de que o assunto é artificialmente alimentado por uma imprensa que passa o tempo a inventar peças jornalísticas sem qualquer utilidade pública (como saber se os donos de uma empresa contribuem com 30 mil euros, no acumulado de vários anos, para o PSD, como se isso tivesse alguma relevância num partido que recebe seis milhões de subvenção estatal por ano) e por políticos demagogos que acham que têm ganhos políticos cavalgando essas notícias.
Uns políticos, como Ventura, escolhem falar da construção de palácios em Espinho, como se alguma vez se tivessem levantados suspeitas relevantes sobre a discrepância dos rendimentos de Montenegro e o seu estilo de vida (e Montenegro não tivesse apresentado as suas declarações de rendimentos dos últimos quinze anos que, evidentemente, Ventura ignora porque jamais deixará que os factos influenciem as suas ideias), outros políticos, como Pedro Nuno Santos, escolhem ir fazendo umas insinuações falando da gravidade das notícias publicadas, sem que ninguém que lhe pergunte qual é a gravidade de meia dúzia de pessoas da mesma família doarem, ao longo de vários anos, 30 mil euros a um partido que recebe, do Estado, seis milhões anualmente.
Montenegro pode dizer ou fazer o que quiser, que nunca conseguirá encerrar este assunto pela simples razão de que não há machado que corte a raíz ao pensamento: enquanto a imprensa quiser inventar delírios e os agentes políticos quiserem elaborar sobre esses delírios como se tivessem alguma relevância real, não há maneira de encerrar nenhum assunto (como sabem Santana Lopes ou Passos Coelho, só para falar de duas vítimas habituais destes esquemas de flagelação intelectual que predominam na imprensa).
A imprensa que existe é a imprensa que me manda um mail, hoje, em que o Pedro (que não sei quem é, mas assina o texto que o Expresso me manda) me informa de que "Movido por ideologia, ganância e também vingança, Trump foi frenético e implacável, e o Expresso contou como foi:", achando que está a ser um jornalista objectivo.
Com este jornalismo ninguém encerra assunto nenhum que a imprensa não queira encerrar (já sei que dizem que Montenegro devia ter fechado a empresa há muito tempo, mas isso não mataria o assunto, hoje estaria a imprensa toda a perguntar o que quereria Montenegro esconder para encerrar uma empresa cuja actividade queria tanto esconder que não se importou de a encerrar, apesar do prejuízo que isso representou para a família).
Já houve tempo em que perdia algum tempo a avaliar as propostas políticas do PAN.
Agora ligo pouco ao que PAN diz, até porque a tomada de poder dentro do partido pela picareta falante que o dirige diminuiu muito o interesse do partido enquanto representante de uma sensibilidade social ligada à agenda animalista.
Mas um dia destes lá veio a senhora com argumentos primários em relação à caça e como isso se relacionava com este post que fiz recentemente, estava aqui a hesitar se escrevia ou não um post sobre caça (em especial, a partir do comentário do Gonçalo Elias, que é bastante interessante, como é seu hábito).
Por coincidência, o Observador publica hoje uma peça sobre o novo livro do meu sobrinho Carlos (um dos últimos livros que li foi o livro anterior dele sobre Camões, que aconselho, mas esqueçam o título, o livro não é sobre a vida e a obra de Camões, é sobre o mundo em que Camões viveu e escreveu) e foi lá que encontrei o que me permite contrapor a simplicidade populista de Inês Sousa Real a imensa complexidade da natureza humana.
O livro é sobre futebol, em teoria, ainda não o li mas suspeito que essa será uma caracterização simples que a citação que faço permite admitir que será excessivamente curta, o que aumenta as minhas probabilidades de o comprar e ler.
"Matar animais pode ser cruel, mas talvez a caça, a transformação dessa morte num prazer, nos civilize. Não precisamos de matar assim, de espingarda em punho, à espera de uma perdiz. O matadouro é mais eficaz, mas a caça foge da necessidade, civiliza-nos, no sentido em que civilização é tudo aquilo que o homem inventa para escapar à prisão da natureza.
É claro que esta ideia choca com um certo pudor mais do que legítimo; não devíamos gostar da morte, é bárbaro retirar prazer da luta com uma fera, como na tourada, ou da morte, num teatro de prisioneiros, como entre gladiadores. O uso do mal como desporto é chocante, banaliza-o. Ainda assim, é dos males mais óbvios que surgem, ao longo da história, os desportos mais populares, como se a genealogia do homem mostrasse que há mais do que isso: que há uma necessidade congénita de nos aliviarmos deste mal, de não suportarmos toda a carga negativa associada a um crime que estamos obrigados a cometer, e que o jogo, o desporto, cumprem esse papel. As caçadas, os torneios que simulam a guerra, até o xadrez, os grandes divertimentos nascem como um alívio das tarefas mais aviltantes".
Não pretendo discutir aqui cada palavra, cada linha do que está escrito, só me interessa sublinhar a distância que vai da discussão complexa sobre actividades milenares em que nos ocupamos e em que gastamos os nossos recursos, com os comentários primários de Inês Sousa Real sobre caça ou touradas, que não conseguem passar da sinalização de virtude que se pretende transformar em lei para perseguir quem pensar e agir de forma diferente.
Por mim, que nunca fui caçador nem aficionado de touradas, prefiro tentar perceber o que não percebo a tentar impor aos outros as minhas certezas.
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