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Racistas há muitos

por henrique pereira dos santos, em 31.12.24

"Pediu-nos para pensarmos num formato e imaginámos um festival gratuito, capaz de alcançar públicos que não têm como pagar os preços do CCB: imigrantes, afrodescendentes." (Francisca Carneiro Fernandes)

Li uma vez, li duas vezes, li três vezes, e a minha irritação com esta frase, manifestamente racista, foi aumentando.

Em primeiro lugar seria preciso saber se os reformados com pensões de algumas centenas de euros, se os que ganham o ordenado mínimo, se os 50% dos trabalhadores portugueses que ganham menos de mil euros não vão ao CCB porque não têm como pagar os preços do CCB.

Depois seria preciso saber se tendo o CCB dinheiro para fazer festivais gratuitos, não seria melhor aplicá-lo em pagar os bilhetes (sob a forma de descontos ou outra qualquer) de pessoas de comprovada carência económica, em vez de dar borlas a muita gente que tem como pagar os bilhetes do CCB.

Depois seria preciso saber como se distinguem os imigrantes dos outros à entrada e por que razão é preciso trazer os imigrantes aos CCB, independentemente da discussão sobre o estatuto sócio-económico dos imigrantes que existem em Portugal.

Bem sei que afrodescendentes não quer dizer afro-descendentes (afro-descendentes são os meus filhos e acho que todos ganham mais que eu), o que me irritou na frase não é esta linguagem cifrada, é mesmo a ideia implícita de que pretos e mulatos não têm como pagar os preços do CCB, uma ideia paternalista e, convenhamos, muito pouco razoável, visto que os pretos, mulatos, amarelos, do industão, da polinésia, caucasianos, seja qual for o grupo que se escolha em função do tom de pele, não têm todos os mesmos rendimentos, havendo os que podem e os que não podem pagar os preços do CCB, independentemente do tom da pele.

O que a frase que citei traduz é o sentimento de superioridade destas elites burguesas, para quem caixas de supermercado, auxiliares de acção educativo, operários fabris, senhoras da limpeza, ajudantes de cozinha, etc., etc., etc., são completamente invisíveis, razão pela qual se fazem uns festivais multiculturais para mostrar exotismos, como antigamente se mostravam mulheres barbudas, com a desculpa de que se está a alargar o acesso dos mais pobres à alta cultura.

E se fossem pentear macacos?

Na primeira frase do Anna Karenina, Tolstoi diz que "Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira." 

Pois bem, isso traduzido para ciência política será algo como "todas as ditaduras de direita se iniciaram da mesma forma, cada ditadura de esquerda iniciou-se à sua maneira".  

Vamos lá ver então como é que se iniciaram os regimes autoritários de direita. Segundo a narrativa que a esquerda pretende introduzir os regimes musculados à direita iniciam-se na medida em que as democracias, ao pretenderem assegurar a lei e a ordem, utilizam métodos inaceitáveis construindo progressivamente regimes autoritários de direita. De acordo com essa leitura, "o Governo está numa deriva de extrema direita", como diz Fabian Figueiredo ou "Montenegro lidera o Governo "mais extremista" das últimas décadas", como diz o seu alter ego Pedro Nuno Santos. Tirando o facto de que todos os governos não-socialistas terem alguma vez sido designados como extremistas, importa reflectir se, historicamente, são as políticas que asseguram a autoridade do Estado as que antecedem a criação de uma ditadura de direita. 

E, face a essa questão, a resposta é um rotundo não. As ditaduras de direita nunca se impuseram pelo facto de as democracias terem a capacidade de exercer a autoridade, as ditaduras de direita impuseram-se sempre que as democracias entraram num desvario sem sentido da ordem ou do senso comum. 

Ora vejamos alguns exemplos, comecemos em Portugal. Em Portugal a Ditadura Militar, e subsequentemente o Estado Novo, encontraram a sua legitimidade no facto de a Primeira República ter sido uma alienação, com imensa violência, que atingiu o seu ponto mais grotesco na infame, Noite Sangrenta, em que um conjunto de políticos, incluindo o primeiro-ministro foram mortos como porcos. 

Em Itália, antes de Mussolini chegar ao poder, o período, conhecido como a "crise do pós-guerra" foi marcado por tensões sociais e económicas intensas, além de uma evidente falta de autoridade central. Foi esse ambiente de anarquia política, polarização social e medo do colapso total do Estado abriu caminho para a ascensão de Mussolini. Mussolini prometeu disciplina, estabilidade e grandeza nacional, o que o tornou uma figura atraente para uma sociedade cansada do caos. 

Na Alemanha a ascensão de Hitler não ocorreu em termos muito diferentes. Foram aspectos como a instabilidade e falta de autoridade estatal que justificaram a sua chegada ao poder. 

Se formos para exemplos mais recentes, como o da instauração da ditadura de Pinochet no Chile, da ditadura dos Coronéis na Grécia tudo se passou, mais ou menos, da mesma forma. 

Transpondo o raciocínio para os dias de hoje, podemos dizer que políticas defendidas por alguma esquerda, como promover um ritmo de imigração superior ao que o país consegue acolher e integrar, adoptar um discurso anti-polícia, desenvolver greves contínuas nos transportes públicos é contribuir para a criação de um clima que mina as bases da democracia e que, num futuro, pode vir a proporcionar a emergência de soluções de direita autoritária. 

Pelo contrário, políticas de controle de emigração e que promovam a inserção e a aceitação social, discursos que valorizem a autoridade do Estado democrático e das suas polícias, bem como outras medidas promotoras da paz social são o tipo de políticas que levam a que soluções de direita radical sejam vistas como pouco interessantes. 

Ou seja, e simplificando, as políticas defendidas pelo Bloco e pela ala esquerdizante do PS são medidas que, em larga medida, minam a confiança das pessoas na instituição democrática e que contribuem para a popularidade de respostas musculadas à direita. Já o reforço da autoridade de Estado que, ao que parece, o PSD estará interessado em promover inibe a tentação de soluções musculadas e radicais. 

Historicamente sempre foi assim. E, assim de repente, não vejo nenhuma razão para que possa deixar de o ser. 

Manifesto anti-castas

por João-Afonso Machado, em 29.12.24

Todos conhecemos as recentes tristes notícias de Viseu: a morte de uma mulher e os dois feridos a tiro por um membro de uma «família» rival da deles. Uma «família»? Siciliana?

Não. Fosse ela "siciliana", a notícia vinha a público com todas as referências condizentes e sem piedade da localização de origem. Desta feita, a televisão (incluindo mesmo a tristemente célebre CMTV) referiu exaustivamente a dita guerra familiar, as desavenças vindas de muito atrás, a ameaça candente de desgraças possíveis... Mastigou-se, mastigou-se, mastigou-se e, no meio de tanta mastigação, lá saiu a nota de que as «famílias» eram de étnia cigana. Como, entretanto, já todos há muito tinham percebido. O início da reportagem é agora uma nota de rodapé, um dizer baixinho e timidamente.

É, uma vez mais, a ditadura do "politicamente correcto". Do rigor do art. 13º da CRP levado ao trágicómico Mas porquê? Porque não se pode falar o que se pensa e encarrila na realidade?

Sejamos claros. Desde logo, não é uma questão ligada à migração. Os ciganos andam por cá há séculos, sem nunca quererem, genericamente, integrar-se. As excepções não valem o todo e não há quem não os queira na sociedade portuguesa, vivendo - com alívio! - de igual para igual com os restantes nacionais. Não há... - a não ser eles próprios, recusando cumprir as nossas normas, situação que vai desde os seus casamentos até às suas obrigações fiscais, passando por todos os aspectos relevantes do ponto de vista social.

Mas a Esquerda impôs e o mundo teme - criminosos serão, criminosos ciganos jamais. Entretanto, as forças de segurança estendem o perímetro de buscas pelo País todo, sabendo que Espanha será o objectivo de fuga do meliante. Os ciganos não têm fronteiras, essa uma outra característica que facilita o seu "poder de fogo".

Sobretudo quem vive na Província conhece o perigoso procedimento dos ciganos. A sua ancestral repulsa - sempre falando em termos genéricos, apontados à esmagadora maioria desta étnia - pelas pessoas com quem convivem e mesmo a sua aversão ao trabalho produtivo. Além das contrafacções vendidas nas feiras e da droga (um peso leve e rentável), muito pouco mais. As Marianas haviam de experimentar os sobressaltos dos que lhes são vizinhos... E observar (e intervir em nome da CRP...) as mulheres ciganas entrarem nos CTT com um cachopo de 7 anos pendurado nas ancas, reivindicando a primazia de atendimento... sem alguém com coragem para se opor e denunciar a golpada.

E sem coragem porquê?... Quem me lê diga, sinceramente, - porquê?

O novo Ano poderia começar com menos demagogia e mais igualdade. Mas não creio.

 

A manipulação da história

por henrique pereira dos santos, em 29.12.24

"A publicação em causa nem sequer foi uma coisa original. Vários outros ‘posts’, de figuras públicas ou de anónimos, fizeram o mesmo paralelismo, e com as mesmas imagens, ou muito semelhantes. A intenção, em todos os casos, pareceu-me óbvia: não se tratava de “comparar”, mas de “alertar”. Para aquilo em que podem transformar-se os excessos securitários que vemos aumentar um pouco por todo o mundo. Porque, como escreveu uma leitora (em comentário à minha publicação) “a História é uma infinita repetição de gestos”. E há gestos históricos que não queremos, nem devemos, repetir".

Este parágrafo pretende justificar a utilização de duas fotografias em simultâneo, a que se vê habitualmente da rusga da rua do Benformoso, com as pessoas de mãos encostadas à parede (como bem pergunta hoje Helena Matos, há algum sítio no mundo em que as revistas sejam feitas com as pessoas de mãos nos bolsos?) e uma outra de pessoas também com as mãos encostadas à parede, que se diz ser de Varsóvia nos anos 30.

A crítica das fontes e a discussão sobre se só em ditaduras se fazem rusgas assim (como argumentou recentemente João Miguel Tavares) não é o objecto deste post, queria focar-me num aspecto concreto da justificação que transcrevi e que corresponde a uma mais que grosseira manipulação da história para fundamentar uma opinião política sobre a rusga da rua do Benformoso.

Afirma-se (no que transcrevi e em muitos outros lados) que foram os excessos securitários que nos levaram ao nazismo (podem acrescentar o fascismo, o comunismo e qualquer outro regime totalitário).

Só que, historicamente, é exactamente o inverso, é quando os poderes legítimos, por opção ou incapacidade, não garantem a segurança e a ordem que os modelos totalitários de governo ganham apoio, incluindo os seus característicos excessos securitários.

É muito interessante a referência de Albert Speer, nas suas memórias, ao facto de ter descoberto bastante tarde que a sua mãe tinha aderido ao partido Nazi (como o próprio Albert Speer) sem que ele imaginasse, dada a tradição liberal da família.

Nessa parte das suas memórias, ele vai fazendo referências ao impacto que os comícios e as marchas do partido nazi, na sua fase de ascensão, militarmente organizadas e impecavelmente ordenadas (questão a que ele vai dar seguimento quando desenha os cenários dos grandes comícios posteriores do partido Nazi e quando desenha os planos nazis para as cidades alemãs, incluindo a renovação de Berlim), têm nas pessoas cansadas da balbúrdia em que condições económicas adversas e governos fracos (as duas coisas estão ligadas, naturalmente, sem que eu esteja a dizer que as condições económicas adversas resultavam da existência de governos fracos, estou apenas a referir a simultaneidade das duas coisas, sem estabelecer relações de causa/ efeito, matéria para a qual me falta conhecimento) que predominavam no período imediatamente anterior à ascensão do partido nazi.

Não são os excessos securitários que nos conduzem a regimes totalitários e repressivos, é exactamente o facto de democracias fracas não conseguirem assegurar a lei e a ordem, garantindo a segurança (incluindo a percepção de segurança) das pessoas que as leva a tolerar os excessos securitários, entendidos como meio necessário para assegurar tranquilidade.

Domingo

por João Távora, em 29.12.24

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. Quando Ele fez doze anos, subiram até lá, como era costume nessa festa. Quando eles regressavam, passados os dias festivos, o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem. Julgando que Ele vinha na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-l’O entre os parentes e conhecidos. Não O encontrando, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Passados três dias, encontraram-n’O no templo, sentado no meio dos doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos aqueles que O ouviam estavam surpreendidos com a sua inteligência e as suas respostas. Quando viram Jesus, seus pais ficaram admirados; e sua Mãe disse-Lhe: «Filho, porque procedeste assim connosco? Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura». Jesus respondeu-lhes: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?». Mas eles não entenderam as palavras que Jesus lhes disse. Jesus desceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Sua Mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração. E Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens.

Palavra da salvação.

Luzes e sombras sobre a paisagem

por henrique pereira dos santos, em 28.12.24

"o autor defende o regresso dos sobreiros e matos e eos serviços de ecossistema prestados pelo monte, onde é que isso está errado!!??"

Vinha esta enfática pergunta a propósito desta ideia:

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Mais, a pergunta era tanto mais enfática quanto eu teria dito que a transcrição acima era uma ideia muito comum entre as elites dos séculos XVIII, XIX e primeira metade do século XX, mas estava errada, o que o meu interlocutor achava estranho porque lhe parecia o mesmo que transcrevia da minha tese:

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Eu sei que esta discussão sobre o mundo rural interessará a muito pouca gente e, na verdade, é das coisas que mais dificilmente são aceites sobre gestão de paisagem em Portugal.

Vou tentar primeiro caracterizar a questão, e depois dar testemunho do que penso ser uma evolução do pensamento sobre as terras marginais que, infelizmente, tarda em ser aceite nas políticas públicas (lá teremos de esperar pela materialização do princípio de Planck que diz que a ciência progride a um enterro de cada vez).

Entre muitas coisas boas que iluminismo trouxe, veio também algum entulho em que se inclui a ideia da inevitável superioridade intelectual do racionalismo científico face ao conhecimento tradicional, longamente sedimentado pelo tempo nas culturas populares.

No mundo rural, um mundo de iletrados, maioritariamente pobres e com conhecimento pouco formalizado em documentos validados pelas elites, isso teve como consequência uma permanente desvalorização das práticas tradicionais, substituídas por opções racionais de gestão, infelizmente baseadas em conhecimento parcial cujos limites se procuraram alargar através de investigação endógena, dentro das elites, desprezando a informação contida no conhecimento de analfabetos, sedimentado por séculos de dependência da produção de alimentos e fibras.

Se, na agricultura, os danos causados por esta opção acabam por ser limitados porque os falhanços resultam em fomes generalizadas (o melhor exemplo continua a ser, parece-me, o de Lysenko porque o modelo ferreamente centralizado de gestão, associado ao desprezo pela vida de cada pessoa em concreto característicos dos regimes marxistas, lhe permitiu atingir uma escala que só terá paralelo na campanha das quatro pragas inserida no Grande Salto em Frente da China maoista), na silvicultura e gestão das terras marginais, os danos provocados por esta ideia de superioridade absoluta do conhecimento racionalizado através das instituições das elites sobre o conhecimento tradicional, criado e difundido através das culturas populares (se quisermos, a superioridade absoluta do pensamento cartesiano sobre o pensamento mitológico), ainda hoje opera nas políticas públicas, com resultados catastróficos em algumas matérias, como a gestão do fogo.

Ora entre a primeira ideia que transcrevi - a ideia de que existe o mundo da produção agrícola apartado de "incultos" cuja gestão depende apenas de opções pouco limitadas pelo contexto, sendo racional florestar essas áreas marginais para ganhar controlo sobre o ciclo da água e a erosão do solo (daí a discussão entre os que defendem que isto seja feito com a florestação comercial ou com matas de protecção), marginalizando o pastoreio e o fogo - e a segunda ideia em que se fundamenta o que transcrevi da minha tese - a de que existe apenas um sistema de produção que integra os campos agrícolas e as terras envolventes, que são uma fonte de fertilidade gerida com as duas principais tecnologias disponíveis, o pastoreio e o fogo - há uma diferença abissal, com implicações muito relevantes na visão que se tem da gestão da paisagem.

Uma das principais implicações das diferenças entre estas duas visões diz respeito à interpretação do impacto da descoberta da síntese da amónia e consequente generalização dos adubos azotados, em que os primeiro vêem  um risco de poluição que, em sociedades quimiofóbicas, alimenta o medo generalizado, e os segundos vêem uma alteração tecnológica fundamental que corta o vínculo entre áreas agrícolas, cuja fertilidade passa a ser gerida a partir do fabrico industrial de adubos, e as áreas marginais que perdem utilidade social (aquilo que na transcrição da minha tese está caracterizado como "desvalorização das pastagens pobres").

Esta diferença de visão tem implicações, com os primeiros romanticamente a olhar para paisagens em que vêem oportunidades de criação de paraísos naturais, e os segundos a olhar para as mesmas paisagens e a tentar compreender as implicações sociais do abandono, nomeadamente na gestão do fogo, um processo natural que temos vindo a controlar progressivamente nos últimos milhares de anos, com recurso ao conhecimento tradicional sedimentado por milhares de anos de fomes e miséria, assente nas tecnologias do fogo e do pastoreio que, quase de um momento para outro, nos fugiu de controlo pela combinação da descoberta da síntese da amónia e do desprezo das elites pelo conhecimento tradicional, o que nos deixou despotegidos face ao apelo mágico de um mundo sem fogos, com o regresso da mãe natureza a uma posição preponderante.

Sem o saberem, os primeiros estão simplesmente a fazer uma leitura literal da paisagem que fascina milhões de pessoas há milhares de anos: "E o Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços. O nome do primeiro é Pisom; este é o que rodeia toda a terra de Havilá, onde há ouro. E o ouro dessa terra é bom; ali há o bdélio, e a pedra sardônica. E o nome do segundo rio é Giom; este é o que rodeia toda a terra de Cuxe. E o nome do terceiro rio é Tigre; este é o que vai para o lado oriental da Assíria; e o quarto rio é o Eufrates. E tomou o Senhor Deus o homem, e o pós no jardim do Éden para o lavrar e o guardar".

Os segundos, coitados, estão simplesmente a tentar perceber em que mundo estão metidos, uma situação bem menos confortável e bem mais difícil de vender ao vizinho do lado.

Houve mais um incidente, envolvendo disparos e facadas, na Cova da Moura. 

É claríssimo que na Cova da Moura há problemas de segurança. Como também é claríssimo que numa rua como a do Benformoso, onde se reportaram, em dois anos, 52 incidentes com armas brancas tendo um deles resultado numa morte, também há problemas de segurança. 

Quando a polícia intervém nesses territórios onde há problemas de segurança, há sempre um coro de críticas e um número apreciável de pessoas que faz a pergunta, quanto a mim sumamente cretina, porque é que a polícia não faz estas intervenções na Avenida de Roma ou na Quinta da Marinha. E a resposta à cretina pergunta é óbvia, a polícia não faz estas ações nesses bairros, não por uma questão de "selectividade étnica", mas porque não têm grandes problemas de criminalidade violenta. 

Estou convencido que a enorme maioria das pessoas que vivem nos ditos bairros ou zonas problemáticas são indivíduos decentes, trabalhadores, que apenas desejam uma vida melhor para si e para os seus. No entanto, parece-me que existe um real perigo que esses bairros sejam capturados por grupos criminosos que façam neles imperar a sua lei. Sim, a minoria criminosa pode, por métodos violentos, subjugar a maioria. Claro que se essa captura se der os principais prejudicados serão os membros da tal maioria "pacífica e trabalhadora", e nunca aqueles que comentam o mundo a partir do conforto de uma casa segura, ou de um sofá do Gambrinus. 

Neste debate que tem existido a propósito da intervenção da polícia em zonas ditas problemáticas, é curioso que o PCP tem sido relativamente prudente, não embarcando no coro histérico do Bloco e de um PS muito esquerdizado. É que, ao contrário do Bloco ou do PS das Isabéis Moreiras, o PCP tem uma visão a partir do terreno e não a partir de um qualquer "drink de fim de tarde" bebido num bar da moda, 

O PCP sabe que diabolizar a polícia irá, em última instância prejudicar sobretudo os mais fracos e desprotegidos, ou seja, aqueles de quem esquerda "bem-pensante" há muito já desistiu. 

Sem vergonha

por henrique pereira dos santos, em 27.12.24

Eu sei que não faz muito sentido fazer comentários ao que escreve Luísa Semedo, uma tripla vítima da sociedade (por ser mulher, mulata e bissexual), professora de filosofia e cuja clareza de ideias pode ser avaliada facilmente por isto: "Este tipo de dominação cobarde, violenta e criminosa sobre os corpos das mulheres é semelhante à dominação colonial. Um poder que domina mentes e corpos, enfraquecendo-os previamente através da criação de relações de dependência vital, maus tratos, aprisionamento, trabalho forçado, violações e outros actos de violência extrema, sempre num desequilíbrio absoluto de forças".

Por si só, esta confusão mental entre violações continuadas ao longo de anos sobre a mesma mulher drogada e a dominação colonial não me faria fazer um comentário, apesar do que isto significa de suavização da violência absurda a que foi sujeita Giséle Pelicot.

"ao acompanhar ... o caso de dezenas de homens que violaram uma mulher em França e a rusga que humilhou dezenas de emigrantes em Portugal, não pude deixar de reflectir sobre as semelhanças entre ambos".

Não, não se trata de um tontinha que não tem noção do que está a dizer, tanto tem noção que imediatamente ensaia um arremedo de justificação para a barbaridade do que se está a escrever "Apesar de serem situações consubstancialmente distintas, ambas revelam uma perturbante continuidade nas dinâmicas de poder e na domesticação dos corpos".

Por que razão uma pessoa que branqueia alarvemente a violação de uma mulher, repetida vezes sem fim ("violações e outros actos de violência extrema", escrever-se-á mais à frente, numa demonstração de que se tem perfeita noção de que a violação, repetida ao longo de anos, daquela mulher em concreto é de uma violência inacreditável e excepcional), pode escrever num jornal de esquerda caviar o que escreveu neste caso, sem que se oiça um murmúrio de indignação?

Aparentemente, porque na verdade o mais relevante para esta esquerda sem princípios nem vergonha, o essencial, é apresentar uma rusga policial, acompanhada pelo ministério público, em que as pessoas são encostadas a uma parede, revistadas e mandadas seguir, como sendo uma acção de violência inaudita "uma domesticação dos corpos" na formulação ridícula escolhida para garantir o efeito retórico pretendido, sem o menor pudor em usar uma situação como a de Giséle Pelicot como paralelismo.

Pedro Adão e Silva, por exemplo, tem mais juízo, mas não tem dúvidas em classificar o que se passou como uma "operação policial assente em violência gratuita", razão pela qual lhe dá jeito que haja maluquinhos que fazem paralelismos que ajudem a fixar a ideia de que uma operação policial da qual não resulta uma única escoriação, um único insulto reportado, uma única queixa por parte de qualquer vítima, é uma operação policial assente em violência gratuita.

Depois queixem-se de que os eleitores, percebendo que "todas as palavras estão gastas", concluam o mesmo que o Eugénio: "Adeus".

Diferente, porém, igual

por henrique pereira dos santos, em 26.12.24

Conheço uma mãe que dizia que o pior que lhe podia acontecer era ir comprar roupa com a filha adolescente porque o que a rapariga procurava, sistematicamente e com empenho, era roupa que fosse diferente, porém, igual.

Lembrei-me desta história a propósito da rusga do Martim Moniz e das declarações da esquerda Humanitária sobre o acesso ao Serviço Nacional de Saúde por parte de não residentes sem qualquer cobertura de seguros de saúde ou equivalente.

Estou de acordo com o João Távora, eu nem devia dizer nada sobre estas posições porque não deveria contribuir para interromper o erro estratosférico da esquerda nestas matérias.

Qualquer das duas situações têm muito que possa ser discutido, há muitas opções de política com zonas cinzentas e eu nem consigo ter opiniões completamente claras sobre qualquer dos dois assuntos porque não sei o suficiente de políticas de segurança nem de financiamento de sistemas de saúde para conseguir ver tudo o que está em causa, materializando a velha ideia de que quem não sabe é como quem não vê.

O que me parece claro é que o discurso de Miss Mundo da esquerda, andar a distribuir cravos a emigrantes (eu sei que há cravos todo o ano, mas de que sistemas de produção virão estes cravos em Dezembro?), fazer grandes proclamações de desobediência civil para tratar doentes sem a cobertura de qualquer sistema de saúde (dado que as situações urgentes e de perigo de vida são excepção à restrição, em que consiste uma desobediência civil que consiste em transferir custos de um utilizador para outra pessoa que não se pode defender?), está ao nível da exigência adolescente de comprar roupa diferente, porém, igual.

"Ninguém nega a necessidade de policiamento a começar pelos moradores. A questão principal desta acção foi meterem pessoas que andavam na sua vida normal tudo contra a parede de mãos no ar. Teatro puro com resultados ridículos. Aquele tipo de zona precisa de polícia de proximidade, mas isso é trabalho diário e em articulação com a Comunidade. Isto foi uma acção politica para papalvos aplaudirem. Não tem qq eficácia nem interesse: videovigilância, polícia de proximidade, controle nocturno de consumo de alcool, brigadas sociais especializadas em toxicodependência, isso são politicas com pés e cabeça. O resto, enfim.... O habitual. Circo", li eu da esquerda sensata e habitualmente ponderada, não daqueles ferozes defensores do Estado de Direito que, achando que a lei não está a ser cumprida, em vez de apresentarem queixa ou fazerem denúncias dentro do sistema judicial, preferem escrever cartas abertas nos jornais, tal é a confiança que têm no sistema de justiça para garantir a aplicação da lei.

A quantidade de especialistas em segurança que nunca repararam que ao pé da Mouraria há uma esquadra da polícia a menos de cem metros da rua do Benformoso, que evidentemente a zona é policiada frequentemente, que este tipo de operações não são em substituição do policiamento de proximidade, mas em seu reforço e, na pancada de dizer mal do abuso de revistas a pessoas que estão ali por acaso, acabam a propor videovigilância generalizada de ruas, é enternecedor, é mesmo um sinal de um país extraordinário com um especialista em segurança em cada esquina, razão pela qual o problema da criminalidade em zonas urbanas específicas está resolvido, ao contrário do que acontece em muitos outros países pouco evoluídos por esse mundo fora.

Por mim, a esquerda pode continuar a falar de amanhãs que cantam, a descrever cenários de contos de fadas, em que não há problemas difíceis, complexos, em que cada acção resulta numa reacção, desde que não tenha o poder na mão para fazer tudo diferente, porém, igual.

Natal, Natal!

por João Távora, em 25.12.24

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade. José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados».

Palavra da salvação.

Sandro Botticelli - 1500

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Tolerância zero nas estradas

por henrique pereira dos santos, em 22.12.24

Para além da falta de memória das redacções em relação a muitas rusgas anteriores, há também uma grande falta de memória no que diz respeito à relação dos governos com as polícias.

Há um conjunto de pessoas que acham inaceitável que as polícias estejam a mando dos governos.

Têm razão em relação ao facto de ser inadmissível que um governo dê ordens directas à polícia em relação à sua actividade diária.

Já quanto a dar instruções políticas gerais quanto à orientação das actuação das forças de segurança, não percebo o escândalo.

Que tal ler esta nota do Governo em 2018, em que Cabrita diz "que irá estabelecer uma «intervenção de tolerância zero» e o «acompanhamento político» nas áreas com maior risco de sinistralidade rodoviária"?

Ou ouvir esta reportagem de 1998 sobre a tolerância zero que o governo promoveu (a campanha foi reforçada pelo ministro da altura, Jorge Coelho, numa cerimónia no cruzamento do Infantado).

E poderia dar milhares de outros exemplos (mesmo esquecendo o tempo da Covid).

Só que, aparentemente, nas redacções dos jornais grassa uma enorme amnésia.

A propósito do rasgar de vestes e vozearia indignada por conta da rusga da passada quinta-feira no Martim Moniz, por parte de comentadores e políticos particularmente virtuosos - como o autarca Miguel Coelho, Ferro Rodrigues ou Pedro Nuno Santos -, a acusar Montenegro e Carlos Moedas da mais perversa iniquidade e outros defeitos de carácter piores, venho lembrar os meus amigos aquela velha máxima atribuída a Napoleão: “Nunca interrompa o seu inimigo enquanto ele estiver a cometer um erro”.

Os residentes e vizinhos das imediações da Rua do Benformoso, cansados do degradante espectáculo diário de marginalidade, estão por certo agradecidos e anseiam por mais.

Domingo

IV do Advento

por João Távora, em 22.12.24

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Visitação, por Rembrandt (1640)

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direcção a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio. Isabel ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio. Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor».

Palavra da salvação

Davam grandes passeios pelo jornal

por henrique pereira dos santos, em 21.12.24

“Os turistas gostam de Banglatown como nós, quando vamos a Manhattan, gostamos de ir a Chinatown e a Little Italy.”, escrevia Bárbara Reis num artigo em que descrevia um passeio que tinha ido dar à rua do Benformoso, no fim do Verão.

Não sei quem é o "nós" a que se refere Bárbara Reis, suponho que se esteja a referir à sua família ou, no máximo, à pequeníssima minoria de portugueses que vai a Manhattan dar passeios a Chinatown e Little Italy.

Nesse pequeno grupo estarão muitos dos que, entre ontem e hoje, resolveram indignar-se com uma operação policial exactamente nessa rua, operação policial em tudo semelhante a dezenas de outras, apesar de haver muito quem ache que foi uma coisa nunca vista (ouvir aqui o que me levou a fazer a pesquisa para que ligo acima).

O problema é que a sua opinião, como a minha, tem pouco interesse nesta discussão, a mim também me faz confusão o aparato policial (ali ou num jogo de futebol, há muitos anos que não vou a jogo nenhum de futebol, mas dizem-me que há revistas generalizadas sem que seja preciso haver qualquer suspeição sobre a pessoa em concreta), mas reconheço que há um conflito de direitos, o meu direito a não ser importunado pelos agentes do Estado sem razão concreta, e o direito de todos a estar em ambientes seguros, e percebidos como seguros, o que pode implicar situações como as que se verificam à entrada dos jogos de futebol.

Portanto, na discussão sobre a proporcionalidade dos meios usados pela polícia nas operações policiais, o que verdadeiramente interessa são as opiniões de dois grupos de pessoas: 1) os que são importunados pela polícia; 2) os que se queixam de que o ambiente em que vivem não é seguro.

A lei, aparentemente, tenta conciliar os dois direitos ao dar à polícia o direito de importunar pessoas sem suspeita concreta, mas apenas quando estejam reunidos um conjunto de pressuposto, por exemplo, o histórico de criminalidade da zona em que a polícia pretende actuar.

É por isso que o argumento de que actuar de uma determinada forma numa zona concreta é discriminatório porque a polícia não actua da mesma maneira em todo o lado (faz mais rusgas no bairro do Lagarteiro que na Foz ou na Avenida dos Aliados) é um argumento tonto, é a lei (e, já agora, o bom senso) que obriga a polícia a actuar de forma diferente em diferentes circunstâncias.

Do ponto de vista das elites que se horrorizam por haver pessoas revistadas de acordo com os protocolos de segurança que existem (e que existem porque o passado ensinou que há riscos que podem ser evitados aplicando estas e aquelas regras), o que inclui os jornalistas que quando vão a Manhattan gostam de ir passear a Chinatown e a Little Italy e, por isso, quando não têm assunto para o jornal e estão em Lisboa (córror, ter de passar tanto tempo na piolheira) vão dar passeios à Rua do Benformoso, o dia a dia das pessoas que todos os dias vivem na rua do Benformoso, e arredores, não existe.

Querem escrever sobre bairros problemáticos, sobre a sobrelotação das casas na Mouraria, sobre as condições de alojamento dos trabalhadores das estufas de Odemira, sobre o trabalho sazonal na agricultura?

Acho óptimo, e agradeço que escrevam.

Não se esqueçam é de ir lá muitas vezes, almoçar aqui e ali, tomar café com a frequência necessária para criar laços, passarem por lá às duas e três da manhã, dormirem uma noite ou outra por lá, saírem de casa à hora a que saem as mães e os pais dos miúdos que andam ao Deus dará todo o dia em muitos desses sítios e depois, mas só depois, escrevam sobre as pessoas com quem se cruzaram.

Dar grandes passeios à rua do Benformoso é suficiente para a literatura de viagens, mas não deveria ser suficiente para jornalistas e outros membros das elites que nos pastoreiam.

O Divórcio

por Miguel A. Baptista, em 20.12.24

Confesso que a minha primeira reacção à rusga do Martim Moniz foi de pouca simpatia e até de alguma repulsa. Tendencialmente tendo a não gostar muito de manifestações de força por parte do Estado, 

No entanto, pensando melhor sob o tema, esse meu sentimento tendeu a desvanecer-se. É relativamente fácil para nós, que estamos num bairro seguro, onde saímos à rua sem grandes receios tender a não simpatizar com acções policiais. 

Se eu vivesse na Rua do Benformoso, onde no nº150 até se situa a Casa da Covilhã, era normal que a minha percepção fosse diferente. Se eu vivesse numa rua onde havia esfaqueamentos (foram 52 em dois anos) , seringas no chão e outros problemas de segurança (este é o cenário descrito pelo autarca socialista que preside à Junta de Freguesia local) era normal que acolhesse com desejabilidade e simpatia a ação da polícia por lá. 

Uma das coisas interessantes é o contraste entre a opinião dominante dos comentadores da "bolha" e a das pessoas que vivem no terreno. As pessoas do terreno, em grande medida, apoiam a presença da polícia. 

Aquando dos recentes distúrbios em Lisboa foi interessante aferir a satisfação de muitos moradores nos bairros ditos problemáticos pela prisão dos responsáveis pelos desacatos. Muita da comunicação social, e dos comentadores, apresentavam os desordeiros como uma espécie de "heróis libertadores" e de como representantes legítimos do "pulsar do bairro". 

Este divórcio entre uma certa elite e o "povo real" não deixa antever nada de bom. 

Preparados para um milagre?

por João Távora, em 20.12.24

Supper_at_Emmaus_by_Caravaggio.jpg

Curiosa é a passagem do Evangelho (Lc 24) quando dois discípulos, após a crucificação, seguiam desolados para Emaús, e Jesus, sem que eles O reconhecessem se acercou indagando sobre o que conversavam. Estranhamente cegos, retorquiram-Lhe: «Serás Tu o único forasteiro em Jerusalém a não saber o que lá aconteceu nestes dias?» Contaram-Lhe então eles o que houvera acontecido três dias antes em Jerusalém, como estavam desiludidos com o desenrolar dos acontecimentos: “Nós esperávamos que fosse Ele quem estava prestes a resgatar Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que estas coisas aconteceram”. O facto é que só no fim do estranho encontro, acabam depois da ceia partilhada, por reconhecer um ao outro: «Não nos ardia o nosso coração quando Ele no caminho nos falava, quando nos abria as Escrituras?». Quando se reuniram com os restantes apóstolos logo relataram o espantoso encontro com o Salvador.

Vem isto a propósito do Natal que se aproxima, e que nos desafia a sairmos do “capacete”. Mais que as ingratas e inevitáveis rotinas mundanas, são as nossas limitações humanas que se impõe na percepção do Mundo, reduzindo-o à nossa (de cada um) precária inteligência. A história do Natal, do filho de Deus omnipotente que escolhe uma manjedoura para vir ao mundo é um alerta para a armadilha fatal do cinismo, que resulta dessa visão míope, para mais limitada a um minúsculo ponto de vista, da realidade.

Daí que nos seja tão difícil detectar os milagres que acontecem na nossa vida, dispormo-nos a uma perspetiva que se eleve das contingências e subjectivas sensações de cada momento. Foi essa disposição que os peregrinos de Emaús encontraram, e dessa forma lhes permitiu ser testemunhas do milagre anunciado pelas escrituras. A chegada do Messias para nos salvar, sofrendo e tomando a forma humana, para alcançar a Glória para nós, sua criação.

Paz na terra aos homens de Boa Vontade, que não deixem escapar o milagre do Natal que se aproxima. A alternativa não faz qualquer sentido.

Imagem: Caravaggio, 1601 - Óleo sobre tela, Galeria Nacional de Londres

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Jorge Paiva

por henrique pereira dos santos, em 20.12.24

jorge paiva.jpg

Como qualquer pessoa que tenha alguma vez tido qualquer relação com o sector da conservação da natureza, sei quem é Jorge Paiva.

Para os outros, faço uma apresentação.

Jorge Paiva é uma referência incontornável do movimento ambientalista em Portugal, reverenciado por quase toda a gente ligada ao meio, um excelente comunicador, com uma energia inesgotável e uma pessoa encantadora no trato pessoal.

Cientificamente é um botânico, um sistemata, especializado em taxonomia, em especial na taxonomia da vegetação tropical, campo em que o seu trabalho é reconhecido por toda a gente (tanto quanto sei, não é o meu campo de trabalho, portanto não tenho opinião própria sobre isso, mas nunca ouvi críticas, quer públicas, quer privadas, ao seu trabalho científico no domínio da taxonomia).

Em grande parte por via da sua ligação à Universidade de Coimbra, bem como à sua militância ambiental radical paralela a um encanto pessoal que se traduz numa capacidade de comunicação inexcedível, exerceu um grande influência nas gerações de ambientalistas mais novos, em especial nas que tinham qualquer ligação à vegetação, grandemente potenciada no caso dos seus alunos.

O postal acima, com que começo este post, é a 35ª materialização de um mais que público cartão de Boas Festas que, todos os anos desde os seus cinquenta e tal anos (Jorge Paiva chega relativamente tarde à exposição pública como militante da conservação da natureza), Jorge Paiva mandava a quem queria e tornava público, sempre centrado no património natural.

Sempre me fez confusão a quantidade de coisas pouco rigorosas que Jorge Paiva dizia sobre ecologia, evolução da paisagem, gestão florestal, incêndios e coisas que tais, de que é exemplo a frase absurda com que termina este postal: "para acabarmos com os piroverões, com o consequente aumento da área coberta do deserto rochoso nas nossas montanhas".

Só muito tarde percebi o que me fazia mais confusão: uma pessoa nascida em 1933, portanto com vinte anos em 1953, teria conhecido o Portugal dessa época e, portanto, saberia de experiência directa que o mundo rural em Portugal não era constituído por frondosa vegetação e que, daí para cá, Portugal tem aumentado extraordinariamente a cobertura vegetal do seu território, sendo completamente absurda a afirmação de que caminhamos para um "deserto rochoso" nas nossas montanhas.

A minha estranheza era tanta que, durante uns meses em que os dois apanhávamos o alfa das seis da manhã, ele para Coimbra, eu para o Porto, várias vezes fui conversar com Jorge Paiva, tendo até tido a ilusão de que seria útil dar-lhe um livro que eu tinha escrito sobre paisagem (ou seria a minha tese? não me lembro) para aumentar a sua informação sobre matérias que manifestamente estavam fora da sua área de conhecimento, mas sobre as quais tinha opiniões fortes e definitivas (infelizmente, erradas).

Só muito recentemente percebi que Jorge Paiva tinha nascido e sido criado numa fazenda de café em Angola, só tendo conhecido Portugal já em idade universitária, quando veio estudar para Coimbra, e durante anos concentrou-se na sua área de especialidade, a taxonomia das plantas, sendo por isso natural que a sua percepção da paisagem e da evolução da paisagem não incorporasse o conhecimento geral que qualquer agricultor ou pastor teria por essa altura, tanto mais que a ecologia, e outras disciplinas que vieram a ter peso muito mais tarde, não era ainda matéria de investigação académica generalizada, no início da sua carreira.

Infelizmente, em Portugal o debate público é muito paroquial, toda a gente se conhece, não havendo tradição de discordância clara com manutenção do respeito pessoal e intelectual entre os diferentes intervenientes de uma discussão, por isso a excelência científica de Jorge Paiva no campo da sistemática de plantas, o reconhecimento do seu perfil combativo e orientado pela sua ideia de bem comum, o seu evidente encanto pessoal, tornam impossível a crítica a tudo o resto que diz em matéria ambiental, em que a sua opinião, para todos efeitos, é a de um leigo.

E, como se vê pela última frase, um leigo muito mal informado que, aos 91 anos, verificando como as suas 2500 palestras não tiveram o efeito desejado, se afunda na desilusão da inutilidade do seu esforço porque, à sua volta, ninguém lhe diz que não, o problema não é a inutilidade do esforço, o problema é que sendo esse esforço meritório e tendo desencadeado imensos efeitos positivos em terceiros e na sociedade, foi seriamente limitado no seus efeitos porque se baseou numa visão do mundo que está longe de ter aderência à realidade.

Por mim, Professor, não vejo razão para essa desilusão, do fundo das nossas profundas divergências, tomara eu ser capaz de, nessa idade, poder apresentar o saldo de vida que o Professor apresenta.

Os crimes pós-coloniais

por henrique pereira dos santos, em 19.12.24

O ex-jornalista e doutorando em Cambridge, João Moreira da Silva, escreveu hoje uma resposta a João Pedro Marques sobre "as reparações históricas pelos crimes do colonialismo português".

O artigo em si é descartável e sem argumentos perceptíveis, com excepção do argumento clássico da wokaria de que o presente resulta do passado, portanto é legítimo e razoável exigir hoje, aos herdeiros do passado, que acertem as contas.

A mim faz-me confusão que um historiador parta do princípio de que o passado está estabelecido ao ponto de ser possível atribuir responsabilidades, com reflexos definidos no presente, porque isso é a negação da profissão de historiador que, por definição, é alguém cuja actividade consiste em reescrever permanentemente o passado.

Passando por cima dessa perplexidade, o artigo reflecte a grande omissão desta discussão sobre as reparações: os crimes pós-coloniais.

As elites negras que governam as antigas colónias com mão de ferro são dos principais beneficiários actuais dos regimes coloniais, visto que o seu acesso ao poder, com exclusão de todos os outros, se deve, inteiramente, à legitimidade que lhes foi reconhecida por se terem oposto, de armas na mão, ao poder colonial.

Sem colonialismo não haveria movimentos armados anti-coloniais e sem movimentos armados anti-coloniais não haveria fundamento moral para a entrega do poder absoluto a grupos armados, sem qualquer consulta aos povos desses territórios, criando as condições objectivas (como, acertadamente, diriam os marxistas) para a exploração dos povos e da terra em benefício da pequena minoria que governa esses povos há 50 anos.

A partir desse facto - que é um dos crimes do colonialismo, a entrega do poder absoluto a uma minoria armada, sem qualquer consulta aos povos - as elites que governam há cinquenta anos enriqueceram, o que é o menos, e mantiveram os seus povos em condições materialmente miseráveis e sem liberdade e autonomia de decisão.

A wokaria tem por hábito ter uma posição racista, marcando a distinção entre beneficiados e prejudicados com base no teor de melanina da pele de cada um, omitindo, de forma sistemática, a responsabilidade quer dos que venderam escravos (com base no argumento paternalista de que as sociedades africanas tradicionais eram manifestamente infantis e incapazes de se opôr aos poderes coloniais durante três ou quatro séculos), quer das elites negras que usaram o sentimento anti-colonial ocidental para aceder ao poder e o usar de forma discricionária durante as últimas décadas.

Já seria tempo de aplicarem os seus quadros teóricos de análise - "de onde nascem, para João Pedro Marques, as desigualdades do presente, senão do passado? Será possível “isolar” o passado e simular um presente que começa do zero, como se nada para trás de nós moldasse as nossas vivências atuais? Quando é que o presente começa, e quem decide o fim do passado?" - às sociedades pós-coloniais e começarem a exigir reparações ao MPLA e à Frelimo, só para citar dois exemplos evidentes.

Goodhart e o jornalismo ambiental

por henrique pereira dos santos, em 18.12.24

Foi publicado o relatório "Situação populacional do lobo em Portugal/ resultados do Censo Nacional 2019 - 2021".

A ligação acima é para um resumo de resultados, mas no fim da página está a ligação para a totalidade do relatório.

Há já uns tempos escrevi, longamente, sobre o cuidado na análise deste tipo de relatórios, neste caso, sobre o livro vermelho dos mamíferos, que é citado no relatório recente e que me serviu também de exemplo no que escrevi.

Conheço muito bem as duas coordenadoras do relatório, são minhas colegas do ICNF, trabalhei directamente e muitas vezes com as duas e gosto pessoal e profissionalmente das duas, o que não me impede de ter divergências profundas, e zero conflitos, sobre a abordagem de conservação do lobo (e, genericamente, dos valores naturais), sem que isso afecte as nossas relações pessoais (tanto mais que, uma delas, mais tarde, passou a cunhada de uma das minhas filhas).

Dou um exemplo para explicar: "De acordo com estudos que têm sido realizados nos últimos anos, a zona do Planalto Mirandês apresenta disponibilidade de habitat adequado para o lobo e para as suas presas selvagens, nomeadamente ao longo da margem esquerda do rio Sabor, entre Vimioso/Miranda do Douro até Torre de Moncorvo, tendo inclusive esta zona sido identificada como um dos potenciais corredores de ligação com a subpopulação que ocorre a sul do rio Douro (Procels 2011, Grilo et al. 2018, Nakamura et al. 2023). Assim, embora a expansão ou intensificação de áreas agrícolas, nomeadamente de culturas permanentes que se verificou na região de Trás-os-Montes na última década (INE 2021), possa ter diminuído a área de matos e/ou florestas nesta zona, esta não deverá ser a principal causa do aparente desaparecimento de várias das alcateias detetadas nesta área no censo anterior. No âmbito do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos têm sido registados, ao longo dos anos, vários casos de mortalidade ilegal nesta área, nomeadamente por tiro (Barroso et al. 2016, Pimenta et al. 2020), o que poderá constituir uma das principais condicionantes à presença do lobo na mesma".

Este parágrafo que cito directamente do relatório não faz qualquer sentido para mim, porque interpreto os factos descritos exactamente ao contrário: o registo de lobos mortos, ainda por cima maioritariamente por atropelamento (isto não está no parágrafo é uma inferência que faço de outro dado do relatório) é um fortíssimo indício de expansão e crescimento populacional do lobo, e não me parece um factor relevante de contenção da sua expansão.

As razões para esta diferença de pontos de vista são muito profundas, mas radicam, tanto quanto consigo entender, numa visão limitada à bolha social em que se discute o problema, que caracteriza a investigação científica na biologia da conservação, aspecto transversal ao feudo da biologia de conservação, mas especialmente marcado na faculdade de ciências de Lisboa.

Por mera coincidência, hoje de manhã fizeram-me chegar uma tese de mestrado, que me parece bem interessante "Nature might need some nurture: slow passive vegetation recovery in Mediterranean abandoned farmland/ The Baixo Sabor case study" que é sobre restauro passivo de ecossistemas por abandono rural, e nem as referências de evolução da paisagem usadas são de fora da bolha social dos investigadores (por exemplo, a única tese que conheço sobre a evolução da paisagem em Portugal durante todo o século XX, que é a minha, é ignorada, como a generalidade da investigação sobre o assunto que não seja estritamente proveniente dos meios da biologia da conservação) nem, o que é mais grave, sendo o fogo uma questão central na discussão do assunto, Paulo Fernandes ou José Miguel Cardoso Pereira são considerados, ao mesmo tempo que se citam, abundantemente, autores da área da biologia da conservação que palpitam sobre essas áreas que não investigam.

Sem supresa, o mesmo se passa no relatório que cito, em que todas (ou a generalidade, posso estar a ser injusto, por falta de leitura mais cuidadosa do relatório) as referências relacionadas com evolução de habitat são de artigos de investigadores relacionados com a biologia da conservação, ignorando-se a investigação sobre evolução da paisagem que poderia dar rigor ao relatório (e isto é independente do facto das próprias citações nem sempre confirmarem o que é dito no relatório, por exemplo, no que diz respeito à relação entre a conservação do lobo e os incêndios).

"outras causas estarão a condicionar a recuperação da subpopulação de lobos que ocorre a sul do rio Douro. Entre estas deverão estar as alterações do habitat decorrentes da ocorrência de grandes incêndios florestais, de cortes rasos de vegetação e da instalação de vários empreendimentos eólicos, que se têm verificado na área de distribuição do lobo a sul do rio Douro, nas últimas duas décadas", por exemplo, é uma afirmação que, no mínimo, é discutível (as referências bibliográficas que a suportam, mais uma vez, são de investigadores que investigam o lobo e depois levantam hipótese não fundamentadas sobre a evolução do habitat para explicar os resultados a que chegam) já que a tendência global é a recuperação dos ecossistemas em consequência do abandono rural, e os grandes incêndios florestais são uma consequência dessa recuperação, para além dos cortes rasos terem uma expressão marginal na evolução do coberto vegetal que, na melhor das hipóteses, provocam deslocações pontuais de alcateias, mas não afectam disponibilidades de habitats ou presas.

De resto, a disponibilidade de habitat para o lobo, em meados do século XX, numa altura em que a população de lobo se considera em estado mais favorável de conservação, com uma distribuição muito mais extensa e um número de alcateias muito maior, era incomparavelmente menor, o que torna as explicações de alteração de habitat para eventuais limitações na expansão do lobo pouco credíveis.

Do mesmo modo, é estranhíssimo que haja aumentos de 50% das alcateias numas zonas do país e, na zona adjacente, haja diminuições de 50%, pelo que o investimento em explicações sólidas para estes resultados deveria ser proporcional à estranheza da situação, não podendo ser factores que o próprio relatório considera transversais (embora admita que possa haver diferenças de escala no peso desses factores em cada localização) a explicar estas circunstâncias.

O relatório oferece boas pistas para explicações alternativas, ao explicitamente referir que o número de alcateias confirmadas aumentou, o que diminuiu foi o número de alcateias prováveis, isto é, há uma zona cinzenta da produção de informação, relacionada com o esforço de amostragem e com a interpretação dos indícios, que pode explicar os resultados, que o relatório não discute.

Esta opção é tanto mais incompreensível quanto é evidente que é nas zonas de maior esforço de investigação que há maiores aumentos (no lote chamado Peneda-Gerês, mas também, dentro do lote do Nordeste, a diferença entre o que se passa no Parque Natural de Montezinho e no resto da área do mesmo lote).

Quando se olha para o boneco em que se mostram as áreas de aumento e diminuição em relação ao censo anterior, não existe qualquer lógica geográfica que possa explicar esta dinâmica populacional do lobo (há explicações com base em factores que não são específicos de nenhuma das áreas, são transversais).

lobo.jpg

Fora da substância, o relatório apresenta informação que permite admitir outra explicação para as diferenças: a informação é produzida por diferentes equipas de investigação a quem são atribuídas áreas geográficas de avaliação da situação do lobo.

Tudo isto permite uma discussão substancial e rica da situação do lobo em Portugal, da evolução da paisagem e, consequentemente, dos habitats e da disponibilidade de presas, das políticas de conservação, etc..

O que faz a imprensa mais especializada e atenta às questões de conservação?

Limita-se a empolar conclusões gerais discutíveis, como a diminuição do número de alcateias e da área de distribuição (contra toda a evidência da produção de informação cinzenta, quer de avistamentos, quer de prejuízos, quer de mortes acidentais ou por abate ilegal), num contexto em que a espécie está em franca expansão em toda a Europa.

Mesmo em Espanha, que o relatório discute brevemente, o recentíssimo, com dias, relatório do censo de Castilha/ Léon identifica um aumento populacional a Sul do Douro de 30%, dado que evidentemente não pode estar no relatório que lhe é anterior, mas poderia estar na imprensa, se os senhores jornalistas se dedicassem a ir à procura de informação primária, como eu fiz, em vez de repetirem as enésimas declarações de dirigentes de organizações de conservação, sempre iguais, e sempre dramáticas.

Aceitar passivamente a tese do oásis português na dinâmica da população de Lobo (o relatório diz que o oásis é ibérico, sempre é melhor, embora igualmente discutível) sem questionar e avaliar a informação disponível, é um bom retrato da imprensa ambiental, sempre, sempre mais interessada no milenarismo que na discussão cartesiana de assuntos complexos.

A liberdade de matar

por henrique pereira dos santos, em 16.12.24

Apesar de ter conseguido ter o vídeo no meu computador, e não apenas a sua ligação do Facebook, o que facto é que não consigo pôr aqui o vídeo de Mano Shotas, a ser atingido por um tiro, mas a verdade é que o Observador já tinha uma peça em que pode ser visto.

Não é todos os dias que a realidade nos entra pelos olhos dentro através do vídeo em que alguém documenta a sua própria morte em consequência de tiros da polícia.

Não vale a pena dizer que esta liberdade de matar do regime moçambicano, ou da Frelimo, porque os dois são uma coisa só, é o resultado do beco sem saída para que o regime foi sendo conduzido pela ditadura, logo nos primórdios do regime, e mesmo antes durante a luta armada, a divergência sempre foi tratada assim por quem foi conseguindo ter o poder na Frelimo.

A questão é que temos tendência para desvalorizar estes processos, com base em tangas justificativas da violência arbitrária quando temos simpatia pelos fins proclamados e, com isso, damos de facto liberdade de matar aos "libertadores".

De forma mais ou menos mitigada, frequentemente pelo silêncio, continuamos a não combater essa liberdade de matar que alguns poderes têm (e não deixa de ser triste como não se vê qualquer movimentação na sociedade portuguesa que, sequer, se aproxime da que se conseguiu por Timor).

O título deste post, por coincidência, chega a partir de um comentário em que se falava da liberdade de matar palestinianos, no que a mim me parece um grande equívoco.

Quem, durante anos, perante o generalizado silêncio (com excepções, bem entendido) das elites ocidentais, teve liberdade para matar palestinianos, foi seguramente o Hamas.

A liberdade para matar discricionária e directamente todos aqueles a quem o Hamas chamava de traidores, colaboracionistas ou, simplesmente, homossexuais.

A liberdade de matar pela miséria e pela doença, desviando os recursos disponíveis e necessários para desenvolver a sociedade palestiniana para um imenso poderio militar, com túneis, armamento e de muitas outras maneiras.

E a liberdade de matar pelo profundo entrosamento dessa teia militar no meio de civis inocentes, usados como escudos humanos.

A liberdade para matar é uma das consequências dos regimes iníquos como o moçambicano ou o do Hamas, desvalorizar os processos com a bondade dos fins dificilmente dá outro resultados que não este.

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