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O Facebook hoje, por grande coincidência, lembra-me de que publiquei esta capa do Público, há nove anos (em 2015, portanto), dois anos depois de ela ter aparecido (em Setembro de 2013).
A tese de quase toda a esquerda, e parte da direita, era a de que o memorando de entendimento que permitiu manter os pagamentos do Estado nos anos de 2011, 2012, 2013 e, em parte, seguintes, se traduzia numa espiral recessiva bem espelhada naquele "já" desta manchete.
A questão de fundo era a demonstração que Sócrates tinha feito do velho aforismo de Warren Buffett: quando a maré vaza é que se vê quem anda a nadar sem calções.
Sócrates tinha gasto dinheiro dos contribuintes de uma forma pouco sensata (o grande problema de Sócrates não é eventualmente ter metido ao bolso uns milhões indevidamente, é ter promovido políticas erradas que resultaram numa pré-bancarrota, impondo a todo o país, mas em especial aos mais pobres, uma política de austeridade inevitável para evitar a bancarrota), uma crise financeira mais ou menos inesperada obrigou a uma contracção brusca do financiamento disponível e, de repente, o Estado português não se conseguia financiar nos mercados financeiros (por causa dos especuladores, dizia ele e os seus muitos apoiantes, mas os especuladores, a existirem, apenas aproveitavam as fragilidades que ele próprio tinha criado, irresponsavelmente).
Por causa dessas circunstâncias, Sócrates teve de pedir socorro a quem tinha sido mais prudente e tinha dinheiro disponível.
Os ricos não são ricos por gastarem dinheiro sem pensar, é exactamente o inverso, é por serem prudentes com o que fazem ao seu dinheiro que se mantêm ricos, de maneira que as instituições que estavam disponíveis para emprestar dinheiro que permitisse ao Estado português não entrar em incumprimento disseram que sim, que emprestavam dinheiro, mas com garantias de que o país mudava de vida.
Essas garantias estavam no memorando de entendimento que previa aumentar receitas e diminuir despesas, ou seja, um programa manifestamente recessivo, como era inevitável (vejo muita gente a dizer que se podem pagar dívidas gastando mais e melhor o dinheiro, para ter recursos para pagar a dívida, mas nunca vi nenhuma demonstração prática dessa teoria, os que pagam dívidas é sempre por reduzirem despesas e aumentarem receitas, quando podem).
A esquerda e o jornalismo (eu sei, eu sei, desculpem) depois da primeira desorientação, passaram a adoptar um ponto de vista claro: o efeito recessivo ia baixar os recursos disponíveis, isso ia diminuir a colecta de impostos, o que agravaria o défice e, consequentemente, aumentava o problema em vez de o resolver (o défice andava pelos 11%), ideia que foi condensada na expressão "espiral recessiva", que é o que está na base daquele "já" da manchete do Público.
Durante três anos (no quarto ano as evidências fizeram desaparecer a expressão, não porque houvesse alguma alteração das evidências, mas porque se tornaram tão esmagadoras que era impossível manter a teoria) esta conversa foi martelada, martelada e martelada, apesar de todos os anos, todos os meses, ser evidente que, paulatinamente, o défice estava a baixar, as necessidades de financiamento estavam a baixar e, progressivamente, o efeito recessivo inicial estava a dissipar-se: o PIB passou a aumentar e o desemprego, depois de um pico ainda em 2012, diminuía, ao fim de algum tempo, em paralelo com a melhoria das contas públicas.
Esquecer tudo isto, que a esquerda e o jornalismo, viram sempre mal o filme e foram derrotados no campo das ideias (e, já agora, no das eleições, obrigando à coligação de derrotados que apanhou a boleia dos bons ventos criados internamente, mas também a soprar externamente), pretendendo que o efeito recessivo das medidas de austeridade negociadas por Sócrates, e absolutamente necessárias, foi uma opção do governo de Passos e de uma União Europeia menos solidária é estúpido, mas eu acho que é muito pior, é pura desonestidade.
Fizeram-me notar que o que o Observador escreveu sobre Maria Luís Albuquerque não pode ser comparado com a estrumeira do Público, o que é verdade, tornando injusto o meu post de ontem, o que em parte também é verdade, mas o sentido geral da imprensa (não necessariamente do comentário, o relevante é o que as redacções escreveram e que é inqualificável, independentemente de haver alguma gradação entre a estrumeira do Público e o lixo reciclado e arrumado de outros) tem um tal viés que não consigo de deixar de ficar furioso com isto a que chamam jornalismo.
A saudosa Helena Vaz da Silva disse certa vez, quando alguém lhe perguntava qual a época do ano sua preferida, que gostava sempre daquela que estava a viver – por regra em alta intensidade. Sou capaz de aderir a essa ideia, reconheço que todas as estações e meses, com as suas nuances, têm o seu especial encanto, que depende principalmente do nosso olhar. No entanto, certamente por razões pouco originais, tenho uma especial simpatia pelo mês de Agosto.
Em primeiro lugar, porque tenho a sorte de ter nascido no dia de Nossa Senhora da Assunção, a quem todos os anos dou graças pela intercessão e pelo feriado que me permite a reunião com os bons amigos que a ela aderem, estando de chegada, de partida ou em trânsito para os seus destinos estivais. A Assunção de Nossa Senhora é uma das mais importantes devoções que, em quase todas as cidades vilas e aldeias por esse Portugal afora, o povo ainda celebra com festas e romarias. Este festejo é assim como que um antípoda do Natal, também de encontro entre as pessoas – “Entre a Conceição e a Assunção está toda a História da Salvação”.
Diz o povo que Agosto é mês de desgosto. Acho que tenho tido sorte. Gosto do mês de Agosto mesmo tendo de trabalhar, a meio gás é certo, com “um olho no burro e outro no cigano”. O ambiente à minha volta faz-me sentir como um veraneante. Apraz-me a cidade menos ansiosa, os supermercados, ruas e transportes vazios, lugares para estacionar o carro. Gosto de usufruir da lassidão dum final de tarde conquistado na praia, da ilusão de liberdade acrescida. Gosto daquela semana na quinta, das praias do Oeste, da mesa de jantar cheia de sobrinhos e da massada de peixe quase à meia-noite, servida depois dos intermináveis duches desorganizados. Gosto quando os miúdos partem para os seus programas e estadias, da casa vazia e das noites tropicais na varanda onde envelhecemos os dois. Gosto do silêncio que ressoa nas ruas semiabandonadas, dos jantares de amigos aqui e ali, da roupa leve e da pele radiante da praia, os livros finalmente lidos sem muitas interrupções… a gozar o ócio, qual direito decididamente inalienável.
Estas são razões para que, aqui chegado à véspera de Setembro, sinta uma certa nostalgia e indolência, preguiça de enfrentar as rotinas e trabalhos que se agigantam no horizonte, o recomeço dum novo ciclo de tarefas e trabalhos sempre exigentes.
O que me vale é que também gosto disso.
"Maria Luís Albuquerque não é de boa memória".
David Pontes, o director do Público, tem esta opinião e não tem dúvidas, eu, e por acaso a boa parte dos eleitores que deram a vitória a Passos Coelho em 2015 (a legitimidade da coligação de derrotados para formar governo é inquestionável, mas isso não altera o facto de Passos ter ganho as eleições e Costa as ter perdido), temos a opinião contrária.
Até aqui, são meras opiniões, eu não sei em que se baseia o director do Público para não ter dúvidas na afirmação que faz, eu baseio a minha opinião no resultado das eleições que julgaram o governo de que fazia parte Maria Luís Albuquerque.
Mais grave, muito mais grave, é a manchete do mesmo Público ("A "senhora swap" e a cara da troika a caminho de Bruxelas", uma manchete imensamente menos rigorosa que "O "senhor bancarrota" e a cara da troika vive na Ericeira"), a peça em que se baseia e a generalidade do li e ouvi na imprensa.
O rigor teórico do senhor director do Público é notável: "Alguém que fez parte do seu percurso profissional em gestoras de créditos, como a Arrow Global, ou num gigante de serviços financeiros como o Morgan Stanley personifica aquilo que muitos vêem como um governante "liberal" sem problemas em passar pelas portas giratórias".
Lê-se e não se acredita, é como eu agora escrever que alguém que é director de um jornal que vive da caridade de uma família que vive da grande distribuição e outros negócios cotados em bolsa é o que muitos vêem como um jornalista "liberal" sem problemas com conflitos de interesses, parágrafo que, evidentemente, não faz sentido nenhum.
"Hoje a União é bem mais solidária e bem mais respeitadora dos desníveis entre países do que no período da troika", escreve David Pontes, sugerindo que o período da troika só existiu porque a União era pouco solidária e isso resulta das opções de Maria Luís Albuquerque, não tem nenhuma relação com o facto da imprensa ter levado o "senhor bancarrota" ao colo, ao ponto de atrasar semanas a divulgação de informações confirmadas sobre as trafulhices do seu percurso académico para não o incomodar, tal como evitava incomodá-lo perante o evidente desvario da sua governação que o levou a chamar a troika.
Há dias o Provedor do Público fez duas peças a bramar contra uma notícia sobre um excelente livro, porque a notícia era bastante boa e factual, mas tinha passado entre os pingos da chuva do férreo controlo ideológico do jornal.
O argumento usado pelo provedor foi o de que não se poderia falar do desempenho económico dos principais grupos económicos do fim do Estado Novo, em especial do grupo CUF, sem referir o contexto social negativo do Estado Novo.
O argumento, no caso, era muito pouco razoável, mas espero agora ver o Provedor do Público zurzir as senhoras Liliana Borges e Rafaela Burd Relvas (com David Santiago) por terem feito uma peça, em destaque, sobre Maria Luís Albuquerque, sem uma linha de contexto sobre o que motivou a entrada da troika e a forma como foi gerida a crise da dívida nacional, que deu origem a uma recuperação notável da economia e das finanças, depois do desastre governativo de José Sócrates (eleito secretário geral do PS, já depois da chamada da troica, como mais noventa por cento dos votos).
O Observador, e muitos outros, demonstra, nesta matéria, fazer parte da carneirada cujas redacções não se distinguem das do Público, balindo alegremente atrás das tretas que a esquerda insiste em repetir sobre as razões para a entrada da troica, o contexto do governo que teve de lidar com a troica e a surpresa de como, depois de todas as professias da esquerda (e do jornalismo, desculpem-me o pleonasmo) a garantir que o governo ia falhar, o país conseguiu mandar a troica de volta por causa dos bons resultados obtidos.
Ide pastar e irem à falência é mais que justo, a forma como reagiram à indicação de Maria Luís Albuquerque demonstra que a esquerda e o jornalismo (isto hoje está cheio de pleonasmos) são como os outros: não esqueceram nada, e não aprenderam nada.
A Iniciativa Liberal resolveu desenvolver politicamente a velha, velhíssima, ideia de que são todos iguais, menos eu.
Escrevi aqui bastantes vezes que sou liberal, que apoiei a Iniciativa Liberal (de que nunca fui membro), tendo colaborado com o grupo de estudos na elaboração dos primeiros programas eleitorais, nos assuntos em que quis, sobretudo naqueles em que tenho alguma competência específica.
A verdade é que desde a facção leninista tomou de assalto o poder no partido, tenho vindo a ter uma distância progressivamente maior, não do liberalismo, mas da Iniciativa Liberal.
Aproveito para esclarecer que a linha leninista não diz respeito ao substrato marxista da actuação e pensamento de Lenine, mas sim ao principal contributo que trouxe à prática política marxista que consistiu em substituir a ideia marxista original de que a libertação dos trabalhadores seria obra dos próprios trabalhadores, pela ideia leninista de que isso se faria com uma vanguarda partidária que representaria os trabalhadores.
Esta ideia de uma vanguarda partidária, que segue a linha justa e, pela sua profissionalização e centralismo (ele dizia que era democrático, mas enfim), seria imensamente mais eficaz na tomada do poder que esperar que todos os trabalhadores do mundo se unissem.
Por isso, porque os partidos são máquinas de tomada do poder, é uma ideia largamente praticada no mundo partidário, há mesmo quem diga que é da natureza dos partidos serem assim.
É neste sentido que chamo leninista à linha dominante da IL, cujos resultados, na minha opinião, foram especialmente luminosos em Lisboa, em que a linha partidária dominante achou mais seguro pôr quatro, cinco ou seis pessoas à frente de Carla Castro, para deixar claro que era mais importante a fidelidade à direcção que ter pensamento próprio.
Nesta lógica, o ideal é ter militantes e dirigentes sem densidade intelectual suficiente para ter pensamento próprio (pensar é uma actividade potencialmente subversiva) e o resultado é que em vez de ter um partido liberal que considera mais importante fazer crescer o liberalismo na sociedade, propondo ideias novas, temos hoje um partido a desenterrar velhas ideias populistas que, pensam eles, lhes vai trazer votos.
De maneira geral não faço muitos comentários sobre a Iniciativa Liberal porque na verdade não tenho interesse nenhum na mercearia do poder e a maioria dos seus militantes são manifestamente liberais e espero que sejam cada vez mais.
O que não entendo é a opção política de dizer que é indiferente ter Costa ou Montenegro como primeiro ministro, quer porque é uma evidente aldrabice, quer porque na prática é pôr a Iniciativa Liberal a apoiar o PS e o governo de António Costa (ou outro igual).
É aliás curioso que, tendo eu escrito uma coisa qualquer neste sentido, os argumentos dos que têm uma opinião diferente não foram no sentido de demonstrar que de facto os governos eram iguais, mas apenas que o governo da AD tem esta ou aquela deficiência, ou não faz o que essas pessoas acham adequado.
Dizer que não é indiferente mudar de governo não é o mesmo que dizer que o governo da AD é bom, é apenas reconhecer que, independentemente de tudo o que seja mal feito, não é indiferente que tenha mudado o pessoal político associado a um ou outro governo.
Uma das coisas interessantes (para mim e talvez mais outras três pessoas) dos comentários à volta do fogo na Madeira é a reacção de uma parte relevante da elite da botânica nacional.
Naturalmente, uma das linhas mestras é a ideia de que estamos à beira (ou para lá da beira) de uma tragédia do ponto de vista da conservação da flora e da vegetação (à boleia ainda temos uns outros a falar da extinção da freira da madeira, mas enfim, sobre isso nem vale a pena perder tempo, está ao nível do outro que veio falar da primeira extinção documentada que resultava das alterações climáticas, porque numa visita viu um troço de um ribeiro temporário seco e concluiu que uma espécie que vive nesse ribeiro há milhares de anos desta vez se tinha extinguido).
Por causa desta ideia, uma parte da comunidade dos botânicos partiu à desfilada para o ataque à ecologia do fogo, partindo, como é habitual nestas coisas, da deturpação do ponto de vista de que não gostam, o de que a ecologia do fogo se baseia na ideia ingénua de que tudo recupera depois do fogo.
Outra parte (pode haver sobreposição), resolveu defender uma ideia que demorou décadas a ser destruída no continente, mas que agora, com as décadas de atraso da discussão sobre a gestão do fogo na Madeira, é retomada como se fosse uma grande coisa: Portugal sem fogos depende de todos, que é como quem diz, somos um povo de pirómanos e o que temos é de reduzir ignições e extinguir todos os fogos no ataque inicial, que a gestão do fogo fica resolvida.
Que a laurissilva evoluiu sem o padrão de fogo do continente, estando por isso muito menos adaptada e sendo muito mais afectada por fogos, penso que é uma ideia que ninguém contesta (muito menos as pessoas que sabem alguma coisa de ecologia do fogo).
Que um fogo como o que houve na Madeira levanta problemas sérios de gestão à conservação da laurissilva, é também uma ideia que ninguém contesta (muito menos as pessoas que sabem alguma coisa da ecologia do fogo).
Que a forma como se olha para a herbivoria na Madeira, como instrumento de gestão do fogo, não pode ser igual à forma como se olha no continente, penso que é uma ideia que também ninguém contesta (muito menos as pessoas que sabem alguma coisa da ecologia do fogo).
O problema é que, somando isto tudo, a resposta genérica da elite da botânica tem sido claramente inconsistente e largamente anti-darwinista.
Na verdade, como é frequente na conservação, a comunidade da botânica pretende conservar um valor (a laurissilva) mas, não tendo soluções a propor para a gestão do fogo, adere ao pensamento mágico e propõe evitar que o fogo atinja a laurissilva, argumentando que as perdas são incalculáveis.
Para isso referem o facto da laurissilva não co-evoluiu com a herbivoria (o que é verdade), mas esquecem que o fogo (que é um processo natural, com um papel ecológico determinante) sempre terá estado presente.
Os que são mais sensatos, reconhecem a presença do fogo (como poderia ser de outra maneira e manter a credibilidade científica?), mas chamam a atenção para a extinção de numerosas espécies com a humanização da paisagem das ilhas, assente no fogo e na herbivoria.
Sim, isso é verdade, mas acontece que essa humanização tem 500 anos, tempo mais que suficiente para que tenham sido provocadas alterações profundas na paisagem, das quais resultaram extinções de muitas espécies, sem dúvida, mas a sobrevivência das mais aptas a essas novas condições.
Eu sei que se argumenta que as evoluções biológicas são processos lentos de milhares ou milhões de anos, mas acontece que essa ideia, bastante intuitiva, está demonstradamente errada (ler "o bico do tentilhão", por exemplo, para deixar de ter qualquer dúvida sobre como as adaptações podem ser rapidíssimas).
Argumentar com o que sucedeu há quinhentos anos para tirar conclusões sobre o que acontece com um fogo como o que existiu este ano na Madeira, não tem qualquer base científica.
Não sei o suficiente sobre a história da Madeira para saber se há alterações relevantes do padrão de fogo nas últimas décadas, mas sei o suficiente sobre evolução biológica para saber que nos últimos 500 anos o fogo e a herbivoria estiveram presentes na Madeira.
Parece-me lógico que o processo de abandono agrícola tenha chegado à Madeira, o que significa um aumento de disponibilidade de combustíveis (e, já agora, uma diminuição das ignições), portanto parece-me lógico que na Madeira se assista a um processo com semelhanças (e diferenças) com o do continente, com a progressiva diminuição da frequência dos fogos, mas com aumento de dimensão e intensidade dos fogos.
E chegamos à questão central, para a qual é útil contar com a ecologia do fogo em vez de utilizar episódios dramáticos para puxar pelas emoções que fazem com que um país inteiro ache normal mandar dois canadairs inúteis para resolver a gestão de uma situação complicada: se assim é, e se a laurissilva se dá mal com o fogo, o que fazer?, como perguntaria Lenine.
É nesse ponto que me parece estranho ver tantos botânicos que têm "um coração muito grande, cheio de fúria e de amor" a contribuir para agudizar as dificuldades de gestão do problema, excluindo da equação a ecologia do fogo e aderindo soluções que são filhas de pensamento mágico, quando bastaria voltar a Darwin para perceber que, sendo verdade que existem dificuldades grandes de gestão, não é possível pretender que o resultado final não seja a sobrevivência dos mais aptos.
Não, não estou a defender uma atitude passiva face ao gravíssimo problema das invasoras, o que estou a dizer é que soluções cujo objectivo seja a exclusão do fogo, são soluções que nunca serão soluções válidas (aqui aplica-se o princípio de que para qualquer problema complexo há sempre inúmeras soluções simples e evidentes, mas têm o problema de normalmente serem profundamente erradas).
Admitindo que todos concordamos que nem o fogo frequente, nem a herbivoria nos ajudam na gestão da laurissilva (não sei o suficiente para entrar nesta discussão e portanto tomo como boa a informação que vou coligindo), só resta concentrarmo-nos na gestão do interface entre a laurissilva e as áreas com 500 anos de humanização assente em fogo e herbivoria.
Rasgar as vestes e pintar como uma tragédia que nunca existiu, fruto da incompetência dos outros, garante tempo nos jornais e televisões, palmadinhas nas costas dos amigos, mas não resolve nada sobre a necessária discussão sobre a especificidade da gestão do fogo na Madeira.
Na verdade, o único resultado visível desta estratégia é liquidar qualquer racionalidade na discussão das soluções para a gestão da laurissilva e do fogo, e acabar tudo a discutir formas de combate e meios aéreos, sem qualquer efeito positivo real na conservação da laurissilva, embora com efeitos reais na sinalização de virtude de muitos conservacionistas.
Na minha opinião há opiniões a mais. Toda a gente sabe como a sacrossanta “opinião pessoal”, um direito há muito democratizado, por estes dias saiu dos salões, cafés e barbearias, para se banalizar nas redes sociais como arma de arremesso ou troféu de originalidade. O problema é quando é usada como uma bomba capaz de silenciar o mais salutar convívio, azedar relações familiares ou laborais, ou bloquear promissoras amizades virtuais. Já falei deste assunto aqui há tempos, tendo então defendido que o fenómeno actualmente exige cuidados redobrados: definitivamente uma contundente opinião expelida à mesa dum jantar de família ou entre colegas de trabalho não funciona como no Twitter, onde só por grande coincidência se encontrará algum dos seus fiéis e entusiásticos seguidores.
Se cada pessoa lesse um livro antes de emitir uma opinião ainda se aceitava. Mas não. O fenómeno é tanto mais fracturante quanto um autêntico catálogo de aprimoradas e perigosas opiniões, sobre tudo e sobre nada e com as mais inéditas matizes, é-nos generosamente disponibilizado em abundância pelos mais credíveis especialistas, políticos ou jornalistas, todos os dias e a todas as horas nos jornais, rádios e televisões – uma oferta que excede em muito a procura. Democraticamente, hoje, todos podemos chegar ao café com uma ou mais opiniões emprestadas e fazer um brilharete. De realçar que, se todos temos direito a expressar a nossa opinião, a tolerância ainda não é um dever de cidadania, que isto das opiniões, há cada uma…
Tudo isto para dizer, que nos encontros de amigos, familiares e colegas, não fazem falta opiniões, mas antes boas histórias. O que promove e prolonga uma boa conversa são boas histórias, bons contadores de histórias. Uma boa história, ao contrário duma opinião, convida, promove, bons ouvintes, algo essencial num bom convívio. Uma mesa ou um salão civilizado requer igual quantidade de bons ouvintes quanto de bons contadores de histórias. Uma boa história gera curiosidade e interesse por parte dos convivas. E numa boa história estão sempre implícitas opiniões, uma determinada estética, uma concepção do mundo, da existência que exprimida desta forma não causará grandes antipatias.
Todos temos o direito de rejeitar uma opinião: por total desacordo de princípios, por simples impaciência ou embirração com o interlocutor. Repitam todos comigo, por favor: só se devem dar opiniões a quem as pede – já dizia a sabedoria popular. Quem me vem ler aqui sabe ao que vem, é porque quer, e gabo-lhe a paciência por isso. Mas não restem dúvidas de que escutar uma boa história, uma peripécia, testemunhada ou experimentada, é o melhor que levamos duma confraternização num jantar de férias em Agosto. A boa conversa, uma arte preciosa que é necessário cultivar, é tão ou mais marcante que um sofisticado vinho ou as deliciosas iguarias que nos juntam a uma mesa.
Esta crónica é uma homenagem aos bons contadores de histórias, bons conversadores com quem tive a sorte de me cruzar. Boa gente cada vez mais rara, que no lugar de opiniões, partilha memórias e experiências fantásticas, simplesmente cativantes, ou somente bem contadas, amigos que temos de acarinhar para que não desapareçam de vez, oprimidos pela voragem das opiniões pessoais vertidas por temerários prosélitos. A esses, peço só que me contem boas histórias e guardem as suas opiniões.
Publicado originalmente aqui
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios Irmãos:
Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela. Ele quis santificá-la, purificando-a no batismo da água pela palavra da vida, para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória, sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante, mas santa e imaculada. Assim devem os maridos amar as suas mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo, antes o alimenta e lhe presta cuidados, como Cristo à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher, e serão dois numa só carne. É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja.
Palavra do Senhor.
"Sim, estou convencido que o fogo não gosta que molhem sua base de sustentação. Combustível molhado não arde ou arde muito mal. O fogo não gosta que molhem aquilo que ele irá comer/devorar nos próximos segundos".
Com base em raciocínios simples deste tipo, e na ideia de que o terreno era impossível para o combate a pé, o que implicava a imprescindibilidade de meios aéreos, a resposta técnica pode ser um bocadinho mais complexa.
"Que tempo permanecem no ar (e já agora em terra também) sem efetuar qualquer descarga por não haver condições mínimas de segurança ou tão somente de visibilidade? Onde é que os meios aéreos efetuam as descargas (provavelmente a densidade de descargas coincide com locais onde todos os outros recursos também chegam - o que até é relevante porque sem consolidação em terra as descargas de pouco valem, mas cai por terra o argumento da necessidade dos meios aéreos para os espaços inacessíveis por meios terrestres)? Qual a eficácia dessas descargas nestas condições? E mais, em territórios acidentados como aqueles, é muito improvável que os aviões tenham mais chances de sucesso que os helis. Servem para apaziguar almas atormentadas, mas com uma relação custo/ benefício excessivamente desfavorável. Em Portugal insiste-se num combate com a cabeça enfiada nas chamas, direto, com água. Nestas condições havia que ter sido estabelecido o perímetro máximo que o incêndio poderia alcançar com base na progressão potencial, nas oportunidades existentes para combate direto, nos locais onde pudessem ser criadas novas oportunidades (para combate direto e indireto) diferenciando os recursos a utilizar (mecânicos ou manuais, com e sem o apoio de pinga-lume), e nos valores em presença (humanos, materiais, ecológicos). O meio aéreo quanto muito procuraria retardar a progressão onde fosse possível e/ou onde fosse mais necessário ganhar tempo para que as equipas implementassem as estratégias de ataque indireto ou trabalhassem no sentido de criar essas condições para ataque direto. O resto é folclore".
E pode ainda aumentar-se a complexidade da resposta.
"Em Espanha, não há qualquer limitacao de utilizar água salgada, nem nas Baleares, nas Canarias ou Galiza! Porque é que ca fizeram essa limitações? Onde há esta evidência técnica ou cientifica? Usar água doce limita a operação, já de si pouco eficaz e nada eficiente, pois as largada de água, pela orografia da Madeira, têm que ser muiot altas. ... O Canadair não é o meio aéreo adequado para a complexa orografia da Madeira. Tivesse havido planeamento adequado e por protocolo com Governo das Canarias, podiam usar outros meios (helicópteros medios, por exemplo)".
Eu escrevo pouco sobre combate a fogos porque sei pouco do assunto.
Partindo do que vou ouvindo a terceiros, no entanto, gostaria de fazer um comentário sobre doutrina de combate ao fogo florestal, para o que o fogo da Madeira me é útil como ilustração.
A ideia com que começo o post é uma ideia de senso comum: a água é um bom instrumento de combate aos fogos florestais.
Sendo inegavelmente senso comum, não é necessariamente bom senso.
O fogo urbano, de maneira geral, ocorre num espaço relativamente curto, consome combustíveis disponíveis de forma concentrada e tem um tempo de residência muito elevado, progredindo com relativa lentidão em extensão.
Por outro lado, por causa dos inúmeros fogos urbanos ao longo da história, com consequências terríveis, as cidades passaram a ter bocas de incêndio por todo o lado.
Ou seja, há fogos concentrados e água disponível, quase sem limitação, no ponto em que o fogo ocorre.
Um fogo florestal não é nada disto, é uma chama em movimento rápido (os fogos florestais ocorrem mais complicados ocorrem com ventos fortes) num território em que a disponibilidade de água para o combate é quase inexistente.
Isto significa que combater um fogo florestal com água implica andar de um lado para o outro atrás do fogo com depósitos de água que serão sempre insuficientes.
Não admira, por isso, que bombeiros urbanos acabem a fazer o que fazem em Portugal: esperam pelo fogo junto a origens de água relativamente abundantes.
E confiam em meios aéreos para transportar rapidamente água para onde anda o fogo.
O problema é que os meios aéreos, no combate a um fogo florestal, podem ser úteis, mas raramente isso acontece quando são usados como meios de transporte de volumes brutais de água que seriam necessários para ter um efeito real num fogo (um canadair pode transportar seis mil litros de água, dizia um jornalista entusiasmado, sem perceber bem, acho eu, que isso é um depósito de 3 metros de comprido, por dois de largo e um de altura, o que, evidentemente, não é suficiente para ter um efeito decisivo e duradouro numa frente de fogo, mesmo que seja possível despejar nas melhores condições, coisa que raramente acontece na Madeira).
Os meios aéreos são muito úteis para deslocar pessoas de um sítio para outro rapidamente, e podem ser úteis como apoio complementar a combate terrestre, mas não apagam fogos, por si só, isto é, sem ser em complementaridade com combate terrestre por sapadores.
Enquanto não for claro, em Portugal, que o trabalho de bombeiros urbanos e o de bombeiros florestais é radicalmente diferente, ao ponto da água ser um instrumento ineficientíssimo no combate a incêndios florestais e, consequentemente, estas funções não derem origem a uma separação institucional, com profissionalização dos bombeiros sapadores florestais, a doutrina de combate ao fogo florestal continuará a ser paupérrima, assente em pensamento mágico sobre a eficácia dos meios aéreos, como exemplarmente ilustrado pelo fogo da Madeira.
E os meios aéreos continuarão a ter o papel que hoje têm no combate ao fogo florestal em Portugal: tranquilizar as pessoas e desresponsabilizar os responsáveis pelo combate, sem que tenham grande efeito real no combate aos fogos florestais.
Os chamados “Americanos” eram carruagens de tracção animal para transporte público colectivo que começaram a circular em Lisboa sobre carris, tendo os primeiros sido instalados num trajecto, entre Santa Apolónia e Santos o Velho, inaugurado em Novembro de 1873.
Foi no dia 31 de Agosto de 1901 que saiu do Cais do Sodré utilizando a mesma estrutura de carris, o primeiro carro movido a electricidade com destino a Algés. As obras de electrificação das vias, tendo decorrido ao longo do ano de 1900 causaram grande polémica nos salões, cafés e imprensa da época. Anteviam-se grandes desastres e electrocuções na via pública, já para não falar do protesto que gerava a proliferação de uma teia infindável de cabos eléctricos aéreos que poluíam a paisagem. O povo habituou-se à paisagem e em 1907 a Carris contava já com 240 carruagens que, de forma económica e alucinantemente rápida, interligavam toda a cidade. Com o advento do motor de explosão, o automóvel, vir-se-iam definitivamente a extinguir os mal-cheirosos detritos animais que por décadas se espalhavam por toda cidade. Foi uma profunda revolução nos hábitos e costumes da cidade.
Pela minha parte, confesso que caso tivesse onde o guardar e recarregar, gostava muito de ter um Tesla ou veículo similar.
Pediram-me, duas vezes e com alguma insistência, que fosse comentar o fogo na Madeira mas eu recusei terminantemente (o que me custa, eu percebo que quem tem de preencher os notíciários intermináveis das televisões tem um problema sério e não é justo eu criticar asperamente a qualidade da informação, ao mesmo tempo que me recuso a expor-me tentando fazer melhor, quando me pedem).
As minhas razões são fáceis de explicar: não conheço praticamente nada da Madeira (objectivamente, sou um saloio pouco viajado), não sei o suficiente do contexto para sequer interpretar a informação que vai sendo produzida e o fogo é um filho do seu contexto, logo, o que eu disser sobre o assunto, incluindo neste post, tem fortes probabilidades de não ter grande utilidade.
Dito isto, ao fim de uma semana, em que fui acompanhando o assunto com alguma distância mas lendo algumas coisas escritas por pessoas que sabem mais do assunto (Paulo Fernandes e Jorge Capelo, por exemplo), acabei por decidir fazer este post.
A motivação mais imediata foi um pequeno comentário de Paulo Fernandes, qualquer coisa como, cinco mil hectares ardidos numa semana de 2024 na Madeira, cinco mil hectares ardidos no pinhal de Leiria em três horas e meia de 2017.
A motivação menos imediata é a novela dos meios aéreos, quando confrontada com os vídeos que fui vendo do fogo e que me parecem ilustrar bem o erro de doutrina que persiste em Portugal no que diz respeito ao combate aos fogos.
Não pretendo desvalorizar a preocupação manifestada por Jorge Capelo no que diz respeito à conservação da laurissilva e concordo com ele no que me parece ser uma linha de raciocínio fundamental: a conservação da laurissilva deveria estar no processo de decisão de combate ao fogo praticamente ao mesmo nível que as outras preocupações fundamentais: não perder vidas, não perder casas, não perder infraestruturas essenciais.
Nesse ponto, não podia estar mais de acordo com Jorge Capelo: é inaceitável a desvalorização que é feita da conservação da laurissilva.
Onde tenho dúvidas é na visão mais catastrofista que a minha que tem Jorge Capelo, a laurissilva é uma menina dos olhos do Jorge, é dos maiores conhecedores do assunto, mas conheço-o o suficiente para saber que tem uma visão pessimista e catastrofista sobre a conservação da flora e a sua relação com o fogo.
É verdade que a laurissilva, ao contrário da generalidade das formações vegetais do continente (com raras excepções, como os zimbrais), não tem a longa relação com o fogo que nos permite ter alguma tranquilidade em relação à recuperação da esmagadora maioria das formações vegetais com interesse de conservação que existem no continente.
Mas também não faz o menor sentido pensar que nas últimas centenas de anos o fogo não esteve presente na Madeira, sendo muito pouco provável que não haja capacidade de recuperação da vegetação autóctone no pós fogo.
Também é verdade que hoje existem um conjunto de invasoras (algumas autóctones no continente) que podem estar mais bem adaptadas a um padrão de fogo que entretanto poderá ter mudado (como disse acima, não conheço o suficiente da Madeira para ter alguma ideia de como tem evoluído o padrão de fogo nas últimas centenas de anos), é verdade que há alterações de uso que podem ter tornado mais complicada essa recuperação, é verdade que os tempos de recuperação podem ser demasiado lentos para o padrão de fogo que hoje existe, tudo isso são riscos reais (que não sei avaliar) que talvez pudessem ter sido diminuídos com um combate mais inteligente, mas o que não me parece razoável é pensar que a Madeira não teve episódios de fogo anteriores bem mais complicados que este.
O que consigo perceber (dentro dos limites da minha ignorância, insisto) é que o fogo tem andado por ali com alguma lentidão (compare-se o tempo de uma semana com o tempo de três horas e meia para atingir os mesmos cinco mil hectares de área ardida), com elevada piro-diversidade, ardendo em mosaicos com bastante variação de intensidade de fogo (isto é, de energia libertada) e, provavelmente, severidade (isto é, efeito na vegetação, é preciso mais uns dias para saber).
Parece também ser claro que a doutrina dominante de combate aos fogos em Portugal - concentração dos meios à volta das casas e pessoas, combate baseado em água e utilização de meios aéreos em substituição do trabalho de sapadores, em vez da sua utilização como mero suporte ao trabalho dos sapadores - poderá ser responsável por se ter deixado o fogo andar por áreas que teria sido desejável evitar, se a conservação da laurissilva fosse uma prioridade e se a visão estratégica do combate incluísse a identificação das oportunidades de êxito do trabalho de sapadores (com os pés no chão, ferramentas de cabo de madeira nas mãos e o uso do pinga-lume bem treinado).
Agora discutem aviões e números de helicópteros, como se fosse possível andar a regar fogos à espera que a água seja suficiente para abafar as chamas.
Francamente não tenho nenhuma certeza de que o que escrevi tenha alguma base sólida, o que me impressiona mesmo é que o conjunto de questões que me coloco a mim mesmo, ao olhar para a situação, esteja quase completamente ausente do debate sobre o que fazer quando tudo arde.
"Diga amigo Miguel
Como está você?
Em todo o Xipamanine
Já ninguém o vê
Vou dar-lhe a minha viola
Para tocar outra vez
O seu valor um dia
Você mostrou
Todo o mainato o ouvia
E até dançou
Miguel só você sabia
Tocar como já tocou
Vinha maningue gente
Para aprender
Moda lá da sua terra
Bonita a valer
O Jaime e o Etekinse
Amigos não volt´haver
Quando a noite se ouvia
Miguel tocar
Também havia a marimba
Para acompanhar
A noite
Na Ponta Geia
Amigos hei-de recordar
O barco foi andando
E a Nanga vi
Foi a saudade aumentando
Longe daí
A gente
Na minha terra
Não canta assim
Como eu ouvi"
O colono José Afonso - de acordo com as especulações de Cláudia Castelo, "As oportunidades acrescidas de promoção social, a abundância de mão-de-obra barata e subjugada, a certeza de um estatuto inquestionável perante o conjunto da população africana – largamente maioritária – terão influenciado na decisão de migrar" - viveu várias vezes nas colónias portuguesas, tendo dois irmãos a viver em Moçambique até depois da independência, um na Beira, e outra em Lourenço Marques.
Esta letra de uma das suas músicas está longe de ser a única sobre a sua experiência colonial, escolhi-a por ser, de acordo com a grelha de análise woke, uma visão paternalista tipicamente colonial do seu criado Miguel Djedje (já agora, a letra é tirada da Associação José Afonso, mas tenho as maiores dúvidas de que a transcrição "o barco foi andando e a Nanga vi" esteja certa. Para mim, faz muito mais sentido "o barco foi andando e a Manga vi", quer porque a Nanga parece ser uma pessoa e do barco não se vêem pessoas, quer porque a letra mistura referências de Lourenço Marques (Xipamanine e o uso de vocábulos de uma das línguas moçambicanas dessa região) e da Beira (como seria o caso da Manga, essa sim, visível do barco), os dois sítios onde o colono José Afonso viveu.
É também, mantendo a mesma grelha de análise, uma visão luso-tropicalista das sociedades coloniais, em que se descreve um ambiente de miscigenação que não passa da lenga-lenga habitual dos retornados que são incapazes de ler o mundo que os rodeia, nomeadamente a injustiça em que assenta o seu privilégio, incapacidade que parece evidente no colono José Afonso.
Já agora, para quem tenha interesse, deixo aqui quatro ligações para mais testemunhos que pretendem dulcificar os aspectos pesados do regime colonial, que se relacionam com este discurso luso-tropicalista do colono José Afonso.
Podem ver-se, em três partes, um vídeo de mais dois colonos imersos numa visão cor de rosa do colonialismo e das sociedades coloniais, e uma referência a um livro de memórias de outro colono que afirma, sem rebuço: "O debate anti-colonial é uma coisa que remonta quase ao início dos descobrimentos. A circunstância de eu ter estado em Moçambique não altera a minha posição anticolonial, anti-exploração colonial. Não tenho grandes complexos em relação ao meu passado, a não ser a circunstância de ser uma pessoa que pertenceu ao setor colonizador, à administração colonial, à soberania exercida por um país sobre os outros. Foi uma coisa que teve o seu tempo e que demorou a acabar entre nós. Mas a questão da anticolonização não surgiu só agora, existe há muito tempo. Mesmo entre os que viveram em África, havia alguns anticolonialistas, que se puseram ao lado da possibilidade de um regime negro. Havia colonos — poucos, é certo — que percebiam perfeitamente que o regime colonial, que se baseava na exploração do negro, nunca levaria África a um desenvolvimento minimamente aceitável para a população".
Ou então, não, não é nada disso, é só a demonstração de que o mundo a preto e branco que nos pretendem vender nunca existiu e as sociedades humanas são bem mais variadas e complexas do que nos querem fazer crer.
Joana Gorjão Henriques lá prossegue o seu objectivo de vida, o de ser uma espécie de Simon Wiesenthal dos racistas.
Não vou perder tempo com pormenores sobre se havia Coca-cola em Angola antes do 25 de Abril (acho que não, que era só em Moçambique), nem sobre a opção de ter mais testemunhos de pessoas que explicam que testemunhos deveriam os retornados dar, que testemunhos directos dos próprios.
O que verdadeiramente me interessa neste post é um aspecto muito curioso que consiste na sistemática desvalorização, ao ponto do silenciamento (silenciamento relativo, nestas coisas mais institucionais, o que não falta é literatura memorialista com esse tipo de testemunhos), dos testemunhos de quem viveu nos anos sessenta e setenta nessas colónias, sem ser originário.
Não vou perder tempo com a distinção entre colono e originário, mas gostaria de fazer uma breve referência à natureza evidentemente racista com que essa distinção é usada, frequentemente, em textos institucionais e académicos. A peça de Joana Gorjão Henriques tem um exemplo magnífico na expressão, usada por Dulce Maria Cardoso "eu, pequena colona". O que distingue um pequeno colono de um originário, se não a cor da pele? A que propósito se atribui a qualificação de colono a um filho de um colono, haverá um ferrete hereditário que será preciso carregar, faça cada um o que faça da sua vida? Quem usa esta expressão é uma romancista, uma pessoa que trabalha com palavras e a expressão é magnífica "eu, pequena colona", mas tem um problema: socialmente não quer dizer nada e remete para um vazio, porque não existem pequenos colonos, quando cada pessoa é olhada por si mesma.
A resposta a estas perguntas procurarei enquadrá-la mais à frente, em torno do meu argumento central: quando se olha para pessoas, em vez de se olhar para estruturas sociais, o mundo parece diferente, por mais que se reconheça que as pessoas existem em contextos sociais e são as pessoas que fazem os contextos sociais.
Talvez consiga explicar melhor o que pretendo dizer fazendo uma citação cuja origem não identifico por ser irrelevante, o que me interessa é a ideia base que explica a mais que estafada opção de não ouvir uma parte da sociedade porque já "ouvi centenas de vezes a ladaínha da mundivivência colona (ou retornada) que insistentemente remete para experiências pessoais que dulcificam os traços "pesados" no regime colonial".
"O regime europeu em África foi bastante diversificado.... Ainda assim tinha duas características básicas:
a) racismo: a crença na legitimidade da tutela exercida sobre os locais, pretos. ... na década de 60 ... as barreiras raciais administrativas foram muito aliviadas, as sociais algo matizadas, nesgas de assimilacionismo urbano medraram. São essas nesgas que sempre surgem convocadas no memorialismo dos ex-colonos....
b) opressão e sobreexploração".
Que isto é assim, não me parece que haja dúvidas, pelo menos a mim, o que está escrito apenas suscita dúvidas sobre a dimensão dessas nesgas na primeira metade dos anos 70 do século XX, dúvidas que só podem dar origem a discussões produtivas se forem assentes em investigação assente em números e factos (o que é muito raro, nestas matérias, se é raro na história económica, ainda mais é nas dimensões sociais da história, tanto quanto me parece).
O que me interessa aqui é tentar perceber como havendo um grupo social enorme (a tal mundivivência retornada), cujo discurso sobre a realidade é bastante consistente, apesar da sua diversidade (a tal ladaínha), pessoas experimentadas na investigação do discurso de terceiros achem aceitável ignorá-lo porque não bate certo com o modelo, com o tal "regime colonial".
Não me interessam nada cabotinos como Álvaro Vasconcelos que entendem que cada pessoa branca era uma peça do sistema colonial e deveria fazer uma espécie auto-crítica à maneira da revolução cultural maoista, como forma de se purificar desse pecado.
Também não me interessam académicos que produzem trabalho científico onde escrevem isto " Em meados da década de 1940, em Moçambique havia 15.641 mestiços registados, representando 57 por cada 100 brancos; já em Angola havia 61 mestiços por cada 100 brancos, num total de 31.564 mestiços (Lemos, 1947: 17). Estes dados adquirem particular interesse quando comparados com a realidade de regiões vizinhas: nessa altura havia mais de dois milhões de brancos na África do Sul, quando em Moçambique, com 5,7 milhões de habitantes, havia 48.000 brancos (Anderson, 1962: 100). De facto, apesar de o carácter supostamente aberto à mestiçagem por parte dos portugueses ter sido a principal bandeira do luso-tropicalismo em contextos africanos, estes números falam por si. O suposto humanismo e a natureza mestiça da colonização portuguesa eram desmascarados por estes números", sem que percam um minuto do seu tempo a explicar o que é os números dizem sobre mestiçagem ou o que quer que seja que desmascare qualquer humanismo, nem sequer expliquem o interesse da comparação feita com o África do Sul nessa matéria.
Mas há outros, bem melhores, com quem nascem conflitos de ideias que eu não esperaria e que não compreendo facilmente.
A hipótese que tenho, que ajuda a explicar as razões para descartar os testemunhos de uma parte substancial da sociedade, substituídos por prédicas de terceiros sobre as razões pelas quais se pode dizer que o que os outros viram, não era o que viram, tem uma raíz ideológica funda: uns olham para regimes e organizações sociais, determinadas pelas estruturas de poder, outros, como eu, olham para pessoas e para uma mão invisível que "que ergue e destroi coisas belas", para citar o Caetano Veloso.
Daí a resistência dos primeiros em aceitar que o colonialismo da primeira metade dos anos setenta do século XX estava muito longe do "regime colonial" da primeira metade do século XX, e a resistência dos segundos em aceitar que mesmo estando muito longe, subsistiam nele muitos aspectos que se vêem melhor à luz das suas raízes racistas e opressivas.
Joana Gorjão Henriques, noutro contexto que não o dos artigos que fez agora, diz que questiona a “perspectiva de brandura de olhar sobre nós próprios, portugueses”.
O que me distingue dela é que só estou de acordo com a frase até à vírgula, a perspectiva de brandura de olhar sobre nós próprios é da natureza humana e atinge-nos todos por igual, é um assunto com o qual o racismo tem muito pouca relação.
E é por isso que, para mim, todos os testemunhos são iguais no sentido em que todos precisam de ser verificados com informação tão objectiva quanto possível, porque ninguém é bom juiz em causa própria.
O que, infelizmente, tem sido difícil aceitar em matérias controversas, como a relação entre colonialismo e racismo (que está longe de ser uma relação linear).
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo». Os judeus discutiam entre si: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?». E Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram: quem comer deste pão viverá eternamente».
Palavra da salvação.
"Rien ne ressemble plus à la pensée mythique que l'idéologie politique". (Lévi-Strauss)
Fizeram-me notar que eu faria uma "vasculha constante sobre a temática colonial para dulcificar a questão".
É o tipo de processos de intenções a que estou habituado, quer quando discuto fogos, eucaliptos, gestão florestal, epidemias, gestão de paisagem, conservação da natureza, enfim, assuntos sobre os quais me interesso em determinado momento e sobre os quais resolvo ler, tanto quanto possível, fontes relativamente primárias (ou melhor, literatura académica cujas fontes primárias eu consigo escrutinar minimamente).
Note-se que desses assuntos, apenas sei um bocado mais de gestão da paisagem (que inclui a conservação da natureza), nos outros sou um leigo, um leigo interessado em determinado momento, mas um leigo.
O que acontece é que perante textos, posições, ideologias, investigação em que estranho as conclusões, por não baterem certo com o que é a minha sensibilidade e bom senso (as duas são evidentemente limitadas e informadas pelo conhecimento que tenha dos assuntos), faço a mim, e a terceiros, perguntas que têm como objectivo avaliar até que ponto a minha subjectividade tem, ou não, fundamento.
Não tenho, de maneira geral, uma agenda ideológica prévia muito definida (alguma ideologia terei, claro), o que tenho é, de forma muito clara, a ideia de que o mundo objectivo que existe é formado por muitos mundos subjectivos, portanto a procura de objectividade não se pode basear apenas no que uma pessoa qualquer pensa (eu, ou outra pessoa), mas num esforço de conciliação de diferentes mundos subjectivos (diria que sem Lévi-Strauss eu não escreveria este parágrafo, mas ele não tem responsabilidade nenhuma nas asneiras que eu possa ecrever, são minhas, mesmo que eu ache que as fui buscar, pelo menos parcialmente, a outros).
Cito em francês (e faço uma tradução google) por causa da beleza da última frase que se perde na tradução pelo facto de em francês pensamento ser feminino e mundo masculino, e em português os dois serem masculinos "La connaissance ... consiste dans une sélection des aspects vrais, c’est-à-dire ceux qui coïncident avec les propriétés de ma pensée. Non point comme le prétendaient les néo-kantiens, parce que celle-ci exerce sur les choses une inévitable contrainte, mais bien plutôt parce que ma pensée est elle-même un objet. Etant « de ce monde », elle participe de la même nature que lui" ("O conhecimento...consiste numa selecção de aspectos verdadeiros, isto é, daqueles que coincidem com as propriedades do meu pensamento. Não como afirmavam os neokantianos, porque exerce uma restrição inevitável sobre as coisas, mas antes porque o meu pensamento é em si mesmo um objeto. Sendo “deste mundo”, ele (o pensamento) participa da mesma natureza que ele (o mundo)").
Quando me irrito com uma citação deturpada de uma publicação e se refere que o comércio de escravos representou 20% das receitas da coroa portuguesa num determinado momento, não é porque queira dulcificar nada, é porque é uma aldrabice que dificulta a delimitação das tais visões subjectivas que nos ajudam a aproximar-nos do mundo objectivo que existe (ou existiu).
A citação está errada: não diz respeito a todo o período de dois ou três séculos do comércio colonial, mas a um curto período no século XVIII, não diz respeito ao comércio de escravos, mas a todos o comércio colonial, incluindo o asiático, o período em causa é excepcional porque ao longo desses dois ou três séculos as receitas da coroa provenientes da opção colonial andaram bem abaixo dos 5% e a explicação para esse curto período excepcional está perfeitamente identificada e prende-se com o quinto do ouro do Brasil.
E por estar errada não contribui para conhecermos melhor o mundo objectivo que existe ou existiu, mas para obscurecer a nossa compreensão do mundo.
É legítimo que se questione o que interessa isso a quem não é historiador.
A mim interessa-me bastante por razões puramente intelectuais (não gosto de ser aldrabado, é uma coisa que me chateia) mas interessa-me mais ainda porque me ajuda a compreender melhor outros fenómenos coloniais, como o imposto de palhota e suas consequências.
A questão é relevante apenas a partir do fim do século XIX, princípios do século XX e tem efeitos ainda hoje no mundo real, mas também nos mundos subjectivos de cada um de nós, que influenciam as decisões quotidianas que vamos tomando.
Se, como me parece claro, a política colonial, longe de ser um maná para as finanças públicas era um sorvedouro de recursos, compreende-se melhor as razões para se procurar criar uma fiscalidade colonial que fizesse coincidir o custo de gestão e do Estado com os beneficiários da actuação do Estado.
Se, como parece claro a quem deturpa grosseiramente a citação, a política colonial era um maná para as finanças públicas, o esforço fiscal tentado sobre as populações originárias (andei às voltas para arranjar um termo que evitasse discussões sobre linguagem colonial e decolonial) das colónias tem de ter uma explicação diferente da procura de evitar a contestação em Portugal com os recursos gastos em colónias sem grande utilidade geral (embora com utilidade para alguns que viviam do comércio colonial, incluindo de escravos e estatutos de trabalho forçado subsequentes).
Em economias de baixa monetarização, a colecta de impostos é um problema e um problema gigantesco em zonas que, para além de pouco monetarizadas, têm uma presença reduzidíssima da administração e do Estado (relatório da administração no Norte de Moçambique, em 1936, portanto, uns sete anos depois do fim da concessão a uma companhia majestática "No tocante a agricultura, não há actualmente, um unico europeu que a ela se dedique em todo o antigo distrito do Niassa. Por si só este facto é bem elucidativo para mostrar o atrazo em que vegeta uma área que tem vez e meia o tamanho de Portugal metropolitano. Outrora, no tempo da Companhia, registava-se uns punhados de agricultores brancos em Metangula e na Amaramba, mas temos de confesssar que, nesse capitulo, apenas retrocedemos. (..) O comercio não dá sinais de progredir. Em 1929, havia duas lojas em Mandimba e outra em Metónia. Actualmente, desapareceu uma em Mandimba e existem duas em Vila Cabral.”).
A solução encontrada foi substituir o pagamento em dinheiro por trabalho forçado. Para mim, porque a economia era muito pouco monetarizada e o impostos era excessivo, para quem deturpa a citação, porque esse era o mecanismo para criar legalmente "novos escravos".
O facto de haver indícios seguros de, em determinada altura, haver excesso desses trabalhadores forçados ao ponto da administração (ao arrepio das regras) ter começado a fazer produção agrícola própria (com provável interesse próprio dos administradores, com certeza) não levanta dúvidas a quem olha para esta realidade sempre partindo do princípio de que o objectivo da administração era criar mão de obra forçada, a mim levanta, não por querer dulcificar estas práticas coloniais coercivas, mas porque gosto de tentar perceber o mundo tal como ele é (ou foi).
Em Moçambique (que conheço melhor, Angola é outro mundo), este tipo de actuação deu resultados muito diferentes a Sul do Save (a monetarização da sociedade e consequente pagamento do imposto foi resolvida com a emigração temporária para as minas sul africanas), a Norte (em que uma agricultura camponesa foi largamente desestruturada pela inadequação do imposto à realidade existente) ou ao Centro, em que até 1941 subsistiu uma companhia majestática extractivista que substituía o Estado.
A guerra civil pós independência pode ser muito mais bem compreendida percebendo as diferentes evoluções dentro do país ao longo do século XX que mantendo o mito de uma unidade nacional anti-colonialista, que nunca existiu.
Também a compreensão da rápida mudança que se foi operando no país ao longo do século XX, nos seus primeiros 75 anos antes da independência, ajudam a perceber melhor o dano que os mitos fundadores da república de Moçambique causaram ao país, em especial a sistemática destruição de capital humano que foi justificada com base nesses mitos.
Para não sair do campo das pessoas frequentemente citadas pelo seu humanismo, note-se que quando o famoso Bispo da Beira chega (imediatamente após o fim da companhia majestática que governava no centro do país), a área sob sua jurisdição, que era quatro vezes o tamanho de Portugal, contava com 34 padres, 9 seculares e 25 religiosos (franciscanos e jesuítas) 18 irmãos auxiliares e 22 irmãs franciscanas missionárias, havendo 14 paróquias e sendo os católicos cerca de 1,9% da população (concentrados, católicos, padres e religiosos nas zonas mais urbanas). Pouco mais de vinte anos depois, quando morre, havia 74 padres, 163 missionários, 34 paróquias e missões, os católicos eram pouco mais de 15% da população em praticamente um terço do território inicial, porque entretanto tinham sido criadas as dioceses de Quelimane e Tete.
E nos dez anos seguintes, até à indepedência, a evolução do território acelera muitíssimo, razão pela qual eu não consigo perceber como se continuam a apresentar as características coloniais dos anos 30, 40 ou mesmo 50, como permanecendo quase inalteradas, apenas com outros nomes, em meados dos anos 70 (outro exemplo, a partir de 1961, quer Angola, quer Moçambique, passam a ter estruturas universitárias, incipientes, inicialmente, com certeza, insuficientes em 1974, com certeza, mas muito longe do que era o panorama que acima citei em 1936, mesmo nos territórios mais recônditos).
Resumindo, o que me motiva não é dulcificar coisa nenhuma, ou ter algum ganho argumentativo, numa citação que um dos meus orientadores do doutoramento atribuía a Lévi-Strauss, mas cuja confirmação nunca cheguei a fazer, "Lóbjectif reste le meme: detruire le préjugé", é isso que me faz escrever aqui e ali.
"Invocando que quer concorrência de privados, o Ministro das Infraestruturas recusa comprar os comboios de alta velocidade que a CP entende necessários. Descapitalizar o setor público para defender os privados é a noção de interesse público do Governo da AD".
Não percebi bem como impedir uma compra é descapitalizar o que quer que seja (podemos discutir a alocação do capital, mas quer comprando carruagens, quer ficando com o dinheiro na mão, o capital da CP é o mesmo com ou sem compra de carruagens), mas o que interessa aqui é a afirmação de que esta opção na alocação do capital é para defender os privados.
É uma ideia interessante, esta, de Alexandra Leitão, o aumento da concorrência não é interesse público, é defesa dos privados.
"tendo em conta que muito recentemente o Senhor Ministro das Infraestruturas disse que não ia comprar os comboios que a CP pedia, porque tinham de favorecer a concorrência privada, pergunto-me em que comboios o passe ferroviário vai servir para andar, provavelmente em nenhuns ou em comboios privados".
Ora aqui está o desenvolvimento das ideias de Alexandra Leitão (poderia usar muitos outros exemplos, como o de João Paulo Correia que admite discutir com o PSD a questão da saúde, desde que não haja desvio de recursos para os privados, Alexandra Leitão é só uma das mais histriónicas vozes dos estatistas, largamente preponderantes no actual PS e no resto da esquerda).
O governo anuncia um passe ferroviário (não tenho opinião sobre isso a não ser a opinião genérica de que sou a favor do princípio do utilizador pagador, portanto este tipo de medidas, em tese (na minha tese), deveriam ser sempre com condição de recursos) e qual é o problema de Alexandra Leitão e dos estatistas em geral?
Que o serviço ferroviário tem problemas do lado da oferta e portanto o efeito de baixar preços de utilização arrisca-se a não resolver problema nenhum e a degradar o serviço (quer por aumento da procura, quer por diminuição das fontes de recursos para a sua gestão e melhoria)?
Que os principais problemas dos utilizadores se prendem com a fiabilidade do serviço e não com o seu preço, portanto o impacto é relativamente reduzido na melhoria da vida das pessoas?
Que alocar recursos para mitigar os problemas para as pessoas que resultam da macrocefalia do país tende a potenciar essa macrocefalia e não a resolver esses problemas (como é exemplo a concentração dos recursos do PRR na habitação das grandes cidades em detrimento da sua concentração na criação de emprego nas pequenas e médias cidades)?
Não, nada disso, o problema de Alexandra Leitão é que o Estado deve usar os seus recursos para fortalecer o Estado, independentemente do facto de poder não estar no Estado a forma mais eficiente de resolver os problemas concretos das pessoas.
Não, não se pense que isto é mera demagogia de Alexandra Leitão para malhar nos adversários, isto é mesmo a convicção profunda de Alexandra Leitão, como se demonstra pela energia e desonestidade que colocou na destruição de contratos de associação que poupavam dinheiro ao Estado e garantiam maior satisfação aos utilizadores dos serviços de educação.
Alexandra Leitão sabe perfeitamente que o Estado é um instrumento de repressão nas mãos das classes dominantes e, tendo os filhos na escola alemã, acha que esse privilégio deve ser exclusivo das classes dominantes, para o povo o ensino estatal é perfeitamente razoável, independentemente da sua qualidade e do seu custo para os contribuintes.
Os elitistas defendem que bens e serviços sofisticados são naturalmente elitistas, portanto acham que não vale a pena fazer um esforço para democratizar o acesso à ópera, o que vale a pena é garantir que os que merecem integram as elites capazes de apreciar espetáculos elitistas.
Os marxistas da primeira geração, os que diziam que a libertação dos trabalhadores só podia ser obra dos próprios trabalhadores e que tinham como objectivo a destruição do Estado, por saberem da capacidade das classes dominantes usarem o Estado a seu favor, pretendiam que a ópera deixasse de ser elitista e que o povo tivesse acesso aos espectáculos de ópera.
Alexandra Leitão, e os modernos estatistas pretendem que o Estado garanta o acesso do povo a umas óperas quaisquer, sendo irrelevante a sua qualidade, desde que sejam do Estado, como a melhor forma das classes dominantes, a que sempre pertenceu, poderem frequentar as óperas que podem pagar, sem a maçada de aturar o povo.
Alexandra Leitão é um bom exemplo de política sempre, sempre ao lado do povo, mas nunca no meio dele.
O regime moçambicano desde a independência - com algumas nuances, em especial ainda durante a chamada primeira república - é, essencialmente, uma plutocracia dominada por assimilados.
Como é normal em todos os regimes, o regime moçambicano assenta num mito fundador - o da luta anti-colonialista - e, para justificar a preponderância dos plutocratas, é-lhe útil apresentar uma moral aceitável.
Essa é a razão essencial pela qual os beneficiários do sistema, que inclui a academia pós-colonial e os seus "compagnon de route", insiste em torcer a realidade do último período colonial (entre 1961 e 1974), insistindo em caracterizá-lo a partir de realidades dos anos 30, 40 e 50, como se o colonialismo não fosse uma realidade em perpétuo movimento, empurrada pelos ventos da história.
Não é que não haja elementos de realidade nas histórias da carochinha que a academia vende como descrevendo a realidade, ou, no caso dos melhores, não é que não haja alguma razão para a cautela sobre testemunhos discordantes, mesmo que com preguiçosos argumentos desvalorizadores que insistem a caracterizar quem tem dúvidas como pobres de espírito incapazes de ver a luz, "por não saírem do seu anacrónico saudosismo, continuam a remoer espúrias negações".
A questão de fundo é que é apenas uma parte da realidade, sendo sobretudo a realidade dos documentos normativos, muitos deles de aplicação mais que limitada (a mim faz-me lembrar as loas tecidas às reformas da educação do Marquês de Pombal, tecidas a partir dos diplomas com que justificou as suas decisões que, essencialmente, se traduziram em diminuir a população escolar em 90%).
Aparentemente desconhecem a sábia observação de um administrador (ou inspector?) colonial das primeiras décadas do século XX: "Eu, Ex.mo Sr., se fosse indigena, não hesitava um momento sobre o caminho a seguir, e V. Exª certamente faria o mesmo. Acima de todas as hegemonias, há uma que domina em absoluto todas as outras e todos os sentimentalismos, é a hegemonia económica que, em termos vulgares e correntes, se chama a defesa da barriga".
Escrever, podemos escrever o que quisermos, incluindo não escrever nada, mas quanto a comer, ao fim de umas horas a coisa começa a complicar-se, é um pormenor que os plutocratas que governam Moçambique esqueceram há muito, razão pela qual se esforçam em manter vivos os mitos que justificam moralmente governos tão maus.
Constou que a boxer argelina já tinha sido homem. Eu não sei. Mas a italiana mediu a olho os seus níveis de testosterona e logo declarou - não!, não queria levar uma tareia.
Seja como for, oriunda das areias do deserto a atleta, lá caiu o mito da mulher sensual, o encanto da dança do ventre e outros segredos tapados apenas por um véu. Aquilo era realmente uma virago, e dos rugidores.
Ora perante este estado de dúvida reinante - esta dúvida imposta por uma longa e imbricada teia e teoria do "género" - este estado que se espalha e baralha todas as facetas do quotidiano, os Jogos Olimpicos não poderiam ficar imunes. Quem é o quê? E foi sempre ou é de agora? E passou a ser equilibradamente ou guardou (para o que der e vier) algumas faculdades de antigamente? Peludo(a) ou depilada(o)?
O pobre Coubertin, se fosse vivo, deitaria as mãos à cabeça. Nós não, somos modernos e levamos as coisas com humor. Cresceu, notoriamente, o número de provas (estafetas) mistas. Nos próximos jogos é de prever elas sejam ainda mais mistas, envolvendo os "trans" e o resto que a incógnita LGTBI+ ditar da sua prolífera imaginação. Talvez ainda assistamos à modalidade olímpica das drag queens voando sobre o tartan ou cabriolando nos skates...
O mês de Agosto é o tempo ideal para que na Comunicação Social e os veraneantes à roda da mesa de café discutam o premente problema do “idadismo” dentro das empresas, ou seja, o preconceito e as consequentes manigâncias e malfeitorias de que os mais velhos são capazes de perpetrar contra os jovens, vítimas de discriminação em função da idade, impedidos duma salutar progressão na carreira. Segundo a investigadora da FFMS Susana Schmitz, “o idadismo pode constituir um obstáculo à retenção de talento, levar a que os trabalhadores mais jovens não se sintam valorizados” que alerta para a necessidade das empresas criarem mecanismos para quebrar estereótipos, tão funestos quanto o racismo ou o sexismo. Ouvi esta manhã na Rádio Observador, palavra d’ honra...
Assim como assim, neste mês de batizados nas aldeias eu prefiro trazer à colação deste blog a decadência sinalizada pela multiplicação de nomes próprios absolutamente inéditos como Bekoloya, Karen, Priscilla, Jéssica, Ticiane, Vivienne, Heltrício, Kévim, Jovânio, Kellys, Suellen, Aarica, Abimaela, Basiru, Daizara, Elisângela, Silivondela, Deocliciano, uma criatividade capaz de pasmar o mais experimentado padre ou notário. Por mim, evito adjectivar tanta imaginação. A minha teoria, partilhada à mesa do café em gozo de férias, é a de que os abençoados progenitores dessas crianças, intuindo a raridade estatística que é por estes dias trazer uma nova vida ao mundo, o afirmam pela originalidade do nome. Talvez se pretenda deste modo declarar os filhos como únicos, tesouros absolutamente singulares como se fossem de geração espontânea. Ou um fenómeno do hiperindividualismo a que a História no Ocidente hedonista nos conduziu e produz.
Quanto à originalidade de cada criatura, oriundo duma família cristã, cedo compreendi como cada um acontece único na história, que “até os fios de cabelo da vossa cabeça estão todos contados. Não temais!“ (Lucas 12 – 7), mas que, sendo filhos únicos de Deus só nos realizamos em face dos outros e da história comum que nos cabe fazer parte e construir com os dons de cada um. Somos todos herdeiros e deixamos legado. Talvez por isso os meus nomes próprios tenham sido várias vezes repetidos por várias gerações atrás.
Curiosamente, na minha ascendência tanto materna quanto paterna, as criancinhas eram baptizadas com nomes herdados dos avós ou dos padrinhos, sinalizando a continuidade do sangue, como se quisessem atribuir a cada novo Ser um lugar numa corrente construtora de uma história feita de pertenças e dependências. Como antigamente se tinham muitos filhos, havia sempre lugar a alguma improvisação nos nomes dum ou doutro, mas quase sempre em homenagem a um determinado santo, ou personagem histórica, quase sempre bíblica, que fosse inspiradora de heroicidade e erudição. Nessas famílias seguiam-se regras bastante claras de atribuição do nome ao primogénito em que se incluía o nome da devoção familiar e dos seus santos patronos. Por exemplo, no caso da família da minha mãe, o nome do filho mais velho, em seis gerações, variou exclusiva e intercaladamente entre José Joaquim e João António, facto que reflecte uma circular geometria harmónica, que subsiste até aos dias de hoje, com o significado da continuidade de uma história cujo simbolismo ultrapassa a contingência do individuo circunstancial no tempo.
Se os novos e estrambólicos nomes próprios forem apenas isso, inéditos, espera-se que deixem pegadas de memória. Só aprendemos a construir o futuro com memória, dos erros e sucessos. É disso que é feita uma Família, uma Comunidade, uma Nação. Daí que espera-se que cada nome conte uma história e que conte para a História.
Na fotografia: o meu filho e sobrinhos em férias numa terriola do interior de Portugal. Todos vamos para velhos...
A pergunta do título do post está incluída no título desta peça sobre roubo de cortiça.
Já várias vezes tenho escrito sobre os roubos no mundo rural, seja cortiça, seja gado, seja pinha, seja azeitona, sejam metais de fios eléctricos ou equipamentos de rega, o que se quiser imaginar.
O mais interessante na peça é ver a GNR a responder sobre o que devem fazer os proprietários, como quem diz que o melhor é não ir de mini-saia para uma zona onde têm ocorrido violações ou deixar os ouros em casa se se vai para uma zona de assaltos.
Sim, são conselhos de bom senso, mas são conselhos de bom senso para lidar com o falhanço do Estado numa das suas funções essenciais: garantir a segurança de pessoas e bens.
Eu sei que é impossível evitar todos os crimes e há uma parte da defesa que é individual (os bancos passam o tempo a inventar sistemas para se defenderem de ladões de bancos) e outra que é comunitária (as comunidades em que as relações das pessoas são mais estáveis, começando pela estabilidade das pessoas que compõem a comunidade, tendem a ter mecanismos de controlo social mais eficientes, incluindo o que diz respeito à criminalidade).
Mas a função essencial do Estado de garantir o primado da lei está, com certeza, a falhar, quando são as pessoas comuns que são aconselhadas pelo Estado sobre a melhor forma de se defenderem dos que não cumprem a lei.
Quando os meus filhos nos ofereceram uma viagem que me levou a Moçambique em 2017, mais de quarenta anos depois de lá ter estado pela última vez, uma das coisas que mais me impressionaram foi ver um pessoa sentada à frente de cada entrada para uma casa ou prédio, cuja única função era assegurar-se de uma coisa que por aqui damos por adquirida, a quase inviolabilidade das nossas casas (mesmo a polícia só pode entrar sem consentimento nas nossas casas em algumas circunstâncias que a lei define, atribuindo a decisão de autorizar essa entrada a pessoas diferentes daquelas que querem entrar).
Para mim era a demonstração mais que evidente de um Estado falhado que não é capaz de garantir a segurança de pessoas e bens, levando as pessoas comuns a privatizar o serviço de segurança das suas casas, com duas consequências: 1) os mais pobres, que não podem pagar a quem fique sentado em frente de sua casa, estão ao Deus dará; 2) a eficiência na utilização de recursos é baixíssima, correspondendo a um gasto estratosférico de recursos para um retorno miserável (quer do ponto de vista de segurança, quer do ponto de vista da remuneração miserável do trabalho dessas pessoas).
Ver a GNR a dar conselhos de como se devem as pessoas defender dos roubos no mundo rural faz-me logo pensar num Estado que se demite das suas funções essenciais para ter dinheiro para gastar em coisas que não são essenciais ou, o que é pior, que correspondem melhor aos interesses das minorias com capacidade para capturar o Estado.
Mas quantas notícias de jornais nacionais, rádios de referência e televisões generalistas vemos nós sobre os roubos constantes no mundo rural?
No que se vai escrevendo sobre o colonialismo português há coisas a que nem vale a pena dar importância, como a tolice de que haveria poucos negros nos transportes públicos porque era proibido andar sem sapatos (é espantoso como afirmações completamente mirabolantes são usadas como testemunhos relevantes, sem qualquer validação minimamente credível).
Há outras que me parecem histórias mal contadas (a experiência ensinou-me que, de maneira geral, quando uma história parece mal contada, é porque está mesmo mal contada) mas sobre as quais não tenho informação suficiente para ter opiniões definidas.
É o caso das famosas restrições à circulação que, de acordo com umas coisas que vou vendo escritas, faziam com que só com autorização os negros pudessem circular nas zonas brancas das cidades coloniais.
Quando este argumento foi usado por uma pessoa ponderada e por quem tenho consideração, pedi referências concretas sobre o assunto porque nunca as encontrei em lado nenhum (há sim, no estatuto do indigenato, umas referências a autorizações para mudança de residência, em algumas circunstâncias mas, em qualquer caso, aplicável apenas aos indígenas, em algumas circunstâncias num diploma que foi revogado em 1961 e cuja a aplicação sempre foi problemática (como é inevitável em diplomas legais aplicáveis a populações que, por definição, são indocumentadas)).
A referência tinha sido numa conversa ligeira, mas como dei importância à referência, o meu interlocutor foi mais preciso: não existiam propriamente passes para circular entre diversas zonas da cidades definidas pelo tom de pele dos seus habitantes, o que havia era umas declarações das entidades empregadoras para o caso de haver algum cruzamento com o policiamento e haver dúvidas sobre o que andaria fulano ou cicrano a fazer nesta ou naquela zona da cidade.
Na verdade, são coisas substancialmente diferentes, num caso seria uma política oficial, codificada administrativamente, de separação de diferentes comunidades, no outro é uma prática policial que existia, sim, que frequentemente tinha uma base racista (como ainda hoje acontece em muitas partes do mundo), tanto mais que havia uma forte correlação entre o tom de pele e a estratificação social (havia muito mais gente clara nas classes dominantes e havia muito mais gente escura entre os pobres e deserdados e a permeabilidade social dentro dos estratos sociais era prejudicada também por considerações racistas).
Se é verdade que não tenho ideia nenhuma desses "passaportes" internos, não é menos verdade que tendo saído de Moçambique com 14 anos, poderiam existir sem eu ter qualquer consciência disso.
Mas não só nunca ouvi falar do assunto, como me parece pouco consistente com a propaganda assimilacionista do regime e pouco consistente com a capacidade das autoridades controlarem os movimentos diários de milhares de pessoas (que não existia).
Já controlos policiais das zonas mais burguesas que poderiam causar mais problemas a negros que a outros, a partir de algumas horas do dia, isso sim, parece-me dentro do quadro normal da sociedade que conheci e é uma manifestação do racismo real que existia.
Um texto de uma pessoa que manifestamente escreve de forma íntegra (quando protesto com o excesso de contrabando ideológico é sobretudo por ser contrabando, que ideológicos são todos os textos) chamou-me a atenção para uma coisa curiosa.
O texto aludia, com base numa fonte indirecta, a declarações racistas de Salazar.
Estranhei, não porque saiba se Salazar era racista ou não, mas porque era um político muito cauteloso e consistente, parecendo-me pouco credível que fizesse declarações racistas quando toda a propaganda do regime assenta numa ideia assimilacionista de império pluri-racial.
Fui verificar a referência, o autor realmente classifica umas declarações como racistas, mas eu não vejo nessas declarações racismo nenhum, ou seja, há uma interpretação que não me parece descabida, mas eu não faria essa interpretação.
E isso chamou-me a atenção para a tal curiosidade: embora em dezenas de textos haja transcrições de textos ou discursos racistas de pessoas de primeira linha do regime, não me lembro (não estou a dizer que não haja, não me lembro de ter lido) de transcrições de textos ou discursos de Salazar em que os autores se baseiem para falar no racismo e no segregacionismo como base ideológica da colonização feita por Portugal.
E isso dever-nos-ia pôr a pensar na argumentação que frequentemente é usada para tentar demonstrar que o racismo era uma opção do regime.
Uma coisa é qualificar como racistas as sociedades coloniais (que o eram), outra coisa é dizer que havia gente e práticas violentamente racistas (que havia), outra coisa ainda é dizer que frequentemente as autoridades fechavam os olhos a abusos de base racista (e fechavam), e tudo isso é diferente de dizer que o regime era legal e administrativamente racista, quando na verdade há uma clara evolução ao longo do século XX, bem documentada, nomeadamente em relatórios de inspectores coloniais, que vai no sentido de se ir combatendo o racismo e impondo uma prática mais assimilacionista, que é verdade que era contestada por franjas sociais com algum relevo, longe, no entanto, de serem dominantes.
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