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A emigração para as colónias

por henrique pereira dos santos, em 30.07.24

O Público, num artigo que já referi num post anterior, titula na primeira página "A primeira vaga de emigração qualificada foi para as colónias".

No texto, lê-se: "Para as colónias não ia quem queria, a emigração era selectiva até aos anos 1960. Um pretendente a colono tinha de fazer um pedido ao Ministério das Colónias para se poder fixar; e não era aceite se não cumprisse determinados requisitos - como um nível de rendimentos e de escolaridade altos, além de fonte de rendimento garantida no destino. Havia a carta de chamada - que pressupunha que uma empresa, , um patrão , alguém que já lá estava, se responsabilizava por quem chegava. "A livre circulação no espaço do Império Português só foi decretada em 1962" contextualiza a historiadora especialista nesta área, Cláudia Castelo"".

Não sei o suficiente do assunto para dizer que isto é um enorme disparate, até porque não sei exactamente como interpretar este parágrafo exótico, entre outras razões, porque não sei o significado de "pretendente a colono", que em princípio diz respeito a quem queira ocupar terra, o que estava muito longe de ser a maioria dos que iam para as colónias viver.

Por outro lado também não sei se o parágrafo decorre mais da capacidade criativa da jornalista ou da investigação de Cláudia Castelo, que não conheço mas estou com muita vontade de conhecer.

O que sei é que, dissesse a lei o que dissesse, pretender que não ia para as colónias quem queria é não ter a mínima das mínimas noções do que era a África portuguesa na primeira metade do século XX.

O próprio governo da Ditadura Militar (escusam de me chatear com a interpretação do uso de maiúsculas aqui, é o nome da coisa) justificava as decisões administrativas que tomava com  a situação de “desorganização administrativa e financeira em que as colónias se encontram” (ver aqui).

De resto, o Estado Novo definiu "o princípio da livre circulação tendencial de bens, pessoas e capitais entre todos os territórios sob soberania portuguesa" (ver na mesma ligação anterior), muito antes de 1962, e realmente não sei de que instrumentos dispunha o Estado para impedir alguém de entrar num desses territórios ou de fazer quase o que bem entendesse, dada a incapacidade do Estado ter uma administração minimamente eficiente (ao ponto de Moçambique ter largas partes do seu território concessionado a companhias majestáticas que aplicam a justiça e definiam a lei com muito poucas restrições).

Sim, é verdade que a migração para as colónias (para muitos das pessoas envolvidas, ir para o Porto, Lisboa, Luanda ou Lourenço Marques era a mesma coisa, era sair da sua aldeia para ir trabalhar no país noutra cidade qualquer) a partir da segunda guerra mundial, terá, com toda a probabilidade, um perfil de qualificações escolares acima do que seriam as qualificações escolares do país e bastante acima do que seriam as qualificações escolares dos que emigraram para a Europa.

Mas isso não resulta de qualquer "emigração selectiva", interesse do Estado em promover isso, ou em impedir outro tipo de migração menos qualificada, resulta simplesmente do esforço da administração em expandir-se, ser mais eficaz e passar a ter serviços de saúde, educação, justiça, etc., o que implica pessoas minimamente qualificadas (como aliás diz Rui Pena Pires no artigo, num dos testemunhos mais equilibrados da peça).

De resto, o testemunho de Álvaro Vasconcelos, que tinha na altura nove anos de idade, mas seria com certeza um génio precoce da sociologia "Havia uma segregação social nos que saíam nas diferentes escalas. Os mais pobres saíam em Angola, aqueles que vinham de famílias mais ricas, mas arruinadas, que é o caso da minha família, iam para Moçambique", é bem exemplificativo de como se podem vender as histórias que se quiser, sem que seja preciso avaliar a sua razoabilidade, desde que seja no sentido que a jornalista quer.

Escolhas

por henrique pereira dos santos, em 29.07.24

Como não sou muito de ligar aos jogos olímpicos e coisas que tais, nesta discussão sobre a cerimónia de abertura só gastei meia dúzia de minutos num assunto que me interessa, mas pelos vistos interessa pouco à generalidade das pessoas: como foi escolhido o coordenador artístico (ou lá como se chama o cargo)?

Não foi imediato, mas meia dúzia de minutos depois percebi que tinha sido uma escolha discricionária de umas quantas pessoas que analisaram setenta hipóteses (nada contra o método quando não há dinheiro dos contribuintes envolvido, muitas dúvidas quando há dinheiro dos contribuintes envolvido).

Passei à frente e percebi que isto é uma mania minha, a de saber como se fazem escolhas em algumas coisas.

O Público está a publicar quatro artigos sobre florestas em Portugal, com o pretexto de haver um estudo qualquer da NASA que identifica três zonas da Europa em que a floresta não está a fixar carbono, sendo uma delas a zona centro de Portugal.

A explicação parece de lana caprina (grandes incêndios são grandes emissores do carbono antes capturado, portanto, dependendo de onde se começa e acaba a avaliação, assim se vai concluir que fixa ou liberta carbono), mas uma senhora Rita Cruz parece estar convencida de que é tudo por causa do eucalipto (até porque está convencida de que há uma relação entre fogos e eucaliptos).

Como o direito à asneira é sagrado, acho muito bem que a senhora escreva o que entende, mas lá aparece a minha mania: o que faz o Público escolher uma jornalista júnior, sem qualquer ligação relevante à matéria, que vive na Suécia, para escrever sobre isto?

Claro que a direcção do Público nunca responderá a esta questão, e a própria jornalista também nunca responderá a perguntas sobre as razões que a fazem ouvir Francisco Moreira (um biólogo com trabalho de alguma maneira relacionado com o assunto, mas longe de se um especialista em gestão florestal e evolução da paisagem), Miguel Viegas (um veterinário com um doutoramento em economia e um mestrado em treino físico que dá aulas de economia na Universidade de Aveiro, segundo percebi, mas que de estrutura fundiária não faço ideia o que sabe), José Sousa Uva compreende-se, é responsável pelo inventário florestal nacional e Paulo Pimenta de Castro, uma espécie de formiga que aparece em todos os pic-nics sem que ninguém perceba porquê nem como, mas que sobre a matéria sabe tanto como eu sei de lagares de azeite (é florestal, mas a sua actividade profissional sempre foi ser lobista, primeiro do lado dos eucaliptos, depois de ser despedido dessa função, do lado contrário aos eucaliptos).

Pessoas directamente envolvidas na gestão florestal e nas opções, bem como no estudo da matéria, nada ou quase nada.

Por exemplo, se quer falar de estrutura fundiária, por que raio não falou com Pedro Bingre do Amaral, só para dar um exemplo de uma pessoa com quem discordo quase totalmente sobre esta matéria, mas que de facto compreende-se que seja ouvido sobre um assunto que está no centro da sua actividade intelectual há décadas.

Os dois artigos que já foram publicados são uma bela porcaria, mas não é isso que estou a discutir, é mesmo o que se passa antes: como escolhe o Público o que publica e como escolhem os jornalistas as pessoas que ouvem a propósito de um assunto?

Queridos Mamés, estamos quites?

por João-Afonso Machado, em 28.07.24

Prezados amigos e senhores:

Vimos por este meio dar provas de que não merecemos bombas, metralha, punhaladas e demais atentados. O nosso inteiro respeito por vós transuda na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris e não nos cansamos de enumerar como o enaltecemos. A saber, contra o malévolo Cristianismo:

- A pérfida Última Ceia, desenhámo-la com mulheres da vida, anteriormente homens, desse tipo de gentes pecadoras que em vossas metrópoles acabam enforcadas na ponta do guindaste. Pois tereis gostado decerto de como fomos capaz de transfigurar e ridicularizar a nossa civilização tão ao proveito da vossa. Num macabro empenho em desfigurar Cristo e a Cristandade.

- E para que dúvidas não ficassem, parodiámos a decapitação da rainha cristã Maria Antonieta. Assim vincámos o princípio do fim, todo engalanado em seres equívocos desta nossa Europa que vos rende mulheres na Capital da Moda, elegantes, boazonas e barbudas (rectius, as "barbudas" são para consumo caseiro, não para as vossas aloiradas predilecções).

Assim nos reconhecemos uma merda, amigos Mamés. Assim nos apresentámos diante vós. Sois vós os nossos senhores e, por favor, mais sangue é que não. Estais aqui em vossa casa.

(Imaginem o desaforo, um português escreveu sobre o evento: que nos (vos) mandava para a puta que nos (vos) pariu. É dar cabo dele e já.)

Com a maior deferência,

VIVRE LA RÉPUBLIQUE!!!

(ass.) A República Francesa

Outra vez arroz

por henrique pereira dos santos, em 28.07.24

"A professora Aurora Duarte exemplifica: "Um criado partia a louça, era mandado à administração para levar palmatoadas e havia a recomendação: "Não dê nas mãos que ele tem de trabalhar, dê-lhe nos pés"""

Outra vez esta história, no artigo a que o Público chama reportagem (ouvir umas pessoas escolhidas pelo que sabem o que vão dizer já é uma reportagem, pelos vistos), feito por Joana Gorjão Henriques, uma militante woke que escreve maioritariamente sobre o que ela chama racismo.

Sem surpresa, cita Cláudia Castelo (não conheço, parece mais sólida que os outros, do ponto de vista científico, mas já vi citações que revela uma excessiva confiança nos documentos, sem a necessária atenção à vida real, mas espero ter oportunidade de ler uns livros que escreveu, ou capítulos de livros, para perceber melhor o que diz), Fernando Rosas, Cristina Roldão, enfim, os expoentes do wokismo em matéria do racismo woke (o que Fernando Rosas escreve sobre a matéria está abaixo de qualquer critério de qualidade, é pura propaganda política).

A história acima tem vindo a ser repetida, sem que até hoje eu tenha encontrado qualquer fonte primária de informação que a confirme, não a nego, porque não sei, o que sei é que nunca tinha ouvido falar nisto até há pouco tempo começar a ser repetida exaustivamente nos meios woke.

Ou melhor, sei que é uma história muito pouco verosímil, partir do princípio de que as coisas se poderiam passar assim é admitir que a administração colonial tinha um controlo total sobre uma população largamente maioritária, frequentemente indocumentada, com redes sociais sólidas e longas e que as relações entre patrões e empregados precisavam do papel punitivo de uma administração que não chegava para as encomendas, mesmo para castigos directos como dar umas palmatoadas numa pessoa.

Não afirmo que nunca aconteceu uma coisa destas (embora alguém achar que um criado não consegue trabalhar porque levou palmatoadas nas mãos mas já consegue trabalhar se levar palmatoadas nos pés seja meio caminho andando para eu achar que está a delirar) o que digo é que aceitar assim, sem mais nada, uma história destas, me parece excessivo, no mínimo seria preciso ir investigar onde nasceu esta história para ter um mínimo de ideia sobre a sua potencial veracidade.

Sem surpresa, pelo menos para mim, logo que vi quem escrevia a "reportagem", jornalismo é que aquilo não é, trata-se de mais uma peça da narrativa woke sobre o colonialismo português, ou seja, lixo.

Domingo

por João Távora, em 28.07.24

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia, ou de Tiberíades. Seguia-O numerosa multidão, por ver os milagres que Ele realizava nos doentes. Jesus subiu a um monte e sentou-Se aí com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Erguendo os olhos e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?». Dizia isto para o experimentar, pois Ele bem sabia o que ia fazer. Respondeu-Lhe Filipe: «Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um». Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro: «Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?». Jesus respondeu: «Mandai-os sentar». Havia muita erva naquele lugar e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil. Então, Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, fazendo o mesmo com os peixes; e comeram quanto quiseram. Quando ficaram saciados, Jesus disse aos discípulos: «Recolhei os bocados que sobraram, para que nada se perca». Recolheram-nos e encheram doze cestos com os bocados dos cinco pães de cevada que sobraram aos que tinham comido. Quando viram o milagre que Jesus fizera, aqueles homens começaram a dizer: «Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo». Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l’O para O fazerem rei, retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.

Palavra da salvação.

O grotesco em alturas de Olimpo

por José Mendonça da Cruz, em 26.07.24

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Em 1995, Ken Keeler, guionista da série Os Simpson, chamou aos franceses «cheese-eating surrender monkeys». E aí estão eles rendidos ao wokismo e ao politicamente correcto -- ignoro mesmo se ainda comem queijo ou se o bem-estar do gado ovino tomou prioridade nos seus valores e práticas. E, rendidos, conceberam uma das mais grotescas aberturas de Jogos Olímpicos de que há memória.

Uma cerimónia com «tanto de inédito como de original», disse o comentador da RTP, antes de transformar Zizi Jeanmaire em Zizi Jeanmarie. Não querendo acompanhar essa mente sagaz em alguma outra tautologia, digo que a cerimónia variou entre o péssimo gosto e o grotesco engalanado.

Alguém achou oportuno um apontamento em que surge a cabeça de Maria Antonieta aos gritos depois de guilhotinada do corpo.

Alguém achou inclusivo o bailado de um negro de saias que em apontamento posterior se fecha num quarto com um menino asiático.

Alguém decidiu excluir Jeanne d`Arc da celebração de uma série de «mulheres de ouro», das quais duas abortistas, uma anticolonialista e outra da Comuna de Paris, e a quem não devemos nada. Seria a mais famosa mulher francesa ofensiva para ingleses ou infiéis?

Alguém decidiu celebrar a canção francesa com o desfile cantante de uma negra vestida de dourado armada em Beyoncé, seguida de um gajo de óculos à Abrunhosa a cantar rap com a gesticulação própria dessa cultura negra americana.

Além da guilhotina, celebraram, obviamente, a liberdade, a igualdade, a fraternidade. Omitiram, evidentemente, qualquer referência a Napoleão, o maior estadista e militar francês de sempre, não só porque achava que a liberdade é cum granum salis, que da igualdade deus nos livre, e que isso da fraternidade depende, mas sobretudo porque os pequenos franceses de agora temem que pudesse ofender ingleses, holandeses, dinamarqueses, alemães, portugueses, espanhóis, austríacos, russos, italianos ou egípcios.

Alguém aprovou e se orgulha deste circo de horrores e insignificância.

Da história e da Grandeur de Luís XIV, de Napoleão e de de Gaulle, nada. Só sobrou o grotesco e o ridículo. Os franceses correm o risco de, um dia, como em Soumission, alguém os meter noutra ordem. Talvez se rendam e gostem.

E no fim da lamentável cerimónia, lá desfilámos nós no mesmo barco da Coreia do Norte, nós ou a nossa digna representação, que vai patrocinada pela Repsol.

PS. «Surrender monkeys» ou cobardes, pura e simplesmente. Em Inglaterra a manchete do Daily Mail chama-lhes «Les Miserables», entre outras coisas devido a esta «paródia» de travestis à Última Ceia:

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Neutro, dizem eles

por henrique pereira dos santos, em 26.07.24

Imaginemos que estava a escrever um artigo sobre Mussolini e usava uma terminologia neutra para descrever o seu posicionamento político: era chefe de um partido nacionalista radical.

Naturalmente, qualquer pessoa reconheceria que a procura de uma utilização neutra para designar o partido fascista não era, em si, neutra.

A procura incessante de uma linguagem neutra a que os wokes se dedicam, no seu afã de evitar os efeitos da indignação fácil e inconsequente que prolifera por aí, não tem nada de neutro, é uma opção ideologicamente legítima, claro, mas uma opção ideológica.

Não existem linguagens neutras.

A paixão pela ferrovia

por João Távora, em 25.07.24

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Sou, com o meu agregado familiar, um utilizador intensivo dos comboios da Linha do Estoril. Quer isto dizer que uma vez mais, na segunda-feira passada a minha vida ficou fortemente condicionada pela enésima greve da CP, uma experiência infernal a que não nos devíamos habituar, sequestrados que estamos todos por meia dúzia de sindicalistas que fazem o que querem desta empresa do Estado. E do socialismo.

Esta manhã quando me dirigia para o Cais do Sodré, qual a minha surpresa, o comboio estanca na Cruz Quebrada, com uma carruagem a deitar fumo como se fosse a carvão. Escusado será dizer que a viagem acabou ali, para frustração e fúria dos pobres passageiros impotentes que tiveram de se desenvencilhar para chegar, sabe Deus como, aos seus destinos. Escusado será dizer que os comboios, muitos deles com mais de sessenta anos, encontram-se num estado deplorável de degradação, dignos dum país de terceiro mundo como o nosso. Escusado será dizer que não se vislumbra o fim das obras nesta linha, que interrompe o percurso de Algés até Cascais e vice-versa todos os dias no período nocturno. Escusado será dizer que deste modo é impossível reduzir os engarrafamentos diários da A5 e Marginal que entopem e poluem a cidade de Lisboa. Escusado será dizer que eu, confrontado com este quadro de terror e frustração, lembro-me sempre de Pedro Nuno Santos e dos seus eufóricos anúncios e promessas de uma ferrovia idílica, “o tempo das autoestradas acabou”, comboios modernos e funcionais, uma paixão platónica como o são sempre as paixões socialistas.

Temos aquilo que merecemos, por cá os chicos-espertos incapazes nunca prestam contas dos seus fracassos.

Associar imigração com insegurança tem de deixar de ser uma discussão estigmatizada: a insegurança acontece por vários motivos, alguns circunstanciais. Não se pode é dizer que a imigração “não tem culpa nenhuma”. Tem alguma, sim. E a Junta descobriu de repente? Não: a Junta falou agora porque só agora as exigências recaem sobre governos, da Câmara e da República, liderados pelo PSD. A esquerda quer que a direita resolva o problema e fique com o odioso da pressão jurídica e policial, deixando ao PS as proclamações piedosas. No processo, ainda vai chamar à direita “fascista” e “populista” por tratar do assunto, como fez com Passos Coelho durante o governo do ajustamento. Em bom rigor, a imigração foi usada pelo PS para inventar tensões sociais e criar exércitos de descontentes. A esquerda foi quem fez o “aproveitamento político” da imigração. Agora não se trata de usar a imigração para fazer política, mas de usar a política para conter os danos da imigração descontrolada.

A ler a Margarida Bentes Penedo na integra aqui 

A fobia em relação às grandes empresas

por henrique pereira dos santos, em 25.07.24

"A paisagem empresarial portuguesa permaneceu essencialmente fragmentada e dual. É verdade que se tornou mais concentrada, mas não em favor das maiores empresas e sim das de dimensão média, correspondendo apenas a uma diminuição incompleta da fragmentação e da dualidade: as pequenas unidades continuaram a marcar a paisagem empresarial, mas em menor grau do que no início do período. Quanto às empresas grandes e muito grandes, continuaram a ter um peso diminuto".

A citação é de um livro de Luciano Amaral, “O impacto do grupo CUF na economia portuguesa em 1973”, 2024, que tem um excelente prefácio de Vítor Bento, de onde retiro a segunda citação (simplificada por mim para ficar mais clara a ideia central que me interessa destacar):

"a hostilidade aos lucros, ao capital e à sua acumulação, bem como às grandes empresas ou grupos empresariais ... continua a marcar a superestrutura ideológica da vida política que subjaz às políticas públicas. Do que resulta uma estrutura empresarial assente em microempresas – que captam 44% do emprego das sociedades não financeiras, contribuindo com 22% do VAB correspondente –, onde as grandes empresas ... absorvem apenas 22% do emprego ... e contribuem com 35% do VAB do sector não financeiro. Não admira, pois, que esta estrutura empresarial não deixe descolar a produtividade ... e seja uma pesada âncora para os baixos salários".

Quando Mariana Mortágua ou Paulo Raimundo falam de lucros milionários, e se insurgem com o impacto da redução no IRC no aumento dos juros que vão para os bolsos dos accionistas, não há jornalista nenhum que lhes pergunte qual é a rendibilidade do capital que acham razoável.

As empresas, quando apresentam as suas contas, contribuem para esta conversa ao falar sistematicamente nos valores absolutos dos seus lucros, sem os relacionar com os capitais investidos.

Dizer que o sector bancário aumentou os seus lucros (Lucros dos bancos subiram 33% para 1,2 mil milhões no arranque do ano) deixando referências para a rendibilidade dos capitais próprios  para o fim das notícias, sem relação com a sua evolução, não faz o menor sentido.

O habitual saco de pancada deste populismo de esquerda, o grupo de Jerónimo Martins, tem rendibilidades de capitais próprios interessantes, mas falar dessas rendibilidades em vez de falar do valores absolutos dos lucros não dá nenhum título de jornal, nem nenhum voto, porque não são extraordinários.

Tal como comparar os ordenados e apoio social dos trabalhadores dos caixas de supermercado da grande distribuição com o dos trabalhadores das pequenas mercearias de bairro não tem qualquer interesse para os jornalistas, apesar dessa comparação ser extraordinária na demonstração de como as grandes empresas tratam muito melhor os seus trabalhadores (e também os capitais dos donos) que as pequenas e micro-empresas (para já não falar dos seus clientes).

E, no entanto, continuamos a olhar para as grandes empresas com base no mito marxista de que o lucro é o roubo da mais valia criada pelo trabalhador, em grande parte porque a imprensa e a sociedade insistem em histórias da carochinha, como dizer que os grandes grupos económicos, as sete famílias, em 1973, dominavam totalmente a economia de Portugal, quando realmente representavam cerca de 10% da economia, e o que o 25 de Abril fez foi destruir capital, de que ainda não recuperámos totalmente.

Meus caros, do que precisamos é mesmo de grandes empresas e da possibilidade de uma micro-empresa poder passar a uma pequena empresa, depois para média empresa, depois grande empresa e, se tiver unhas, vir a ser uma multinacional de sucesso.

Continuar a alimentar o mito de que o lucro é o roubo da mais valia do trabalhador, sistematicamente atacado com base no populismo de esquerda que consiste em falar de "lucros milionários", "economia de casino" e outras patetices só tem o resultado que conhecemos: baixos salários e uma economia pouco interessante, pouco criativa e pouco remuneradora de trabalho e capital.

Coisas banais

por henrique pereira dos santos, em 23.07.24

O título deste post é o título do último artigo que escrevi para o ECO (um jornal bem catita e que foi sempre muito decente comigo).

Não tenho a menor ideia de dezenas que coisas que escrevi por aí, este artigo por acaso encontrei-o ontem, tal como hoje encontrei este boneco.

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Este artigo é do jornal Acção Socialista, está na página 7 da sua edição de 7 de Abril de 2004 e apareceu-me nas memórias do facebook porque terei feito um post com ele em 2019, a propósito das queixas do PS de que o governo do PS estaria a ser injustamente acusado de responsabilidade nos fogos, coisa que nunca tinha acontecido antes, dizia o PS que tradicionalmente se evitava o aproveitamente político da tragédia dos fogos (o mais divertido do artigo é que é ilustrado com um fogo controlado feito pela UTAD no Marão, e não com uma fotografia de um incêndio).

Também prever que nos dias seguintes será natural começarem a aparecer algumas notícias sobre fogos, mesmo não sendo fogos nada de especial - apesar de haver avisos para risco máximo de incêndio em 50 concelhos, ou lá quantos são, nem imagino que avisos vão inventar quando a previsão meteorológica for de vento forte e humidade relativa baixa, sem recuperação nocturna, durante vários dias - e acabar por se verificar que essa previsão até foi confirmada nos dias seguintes, é outra coisa banal que faço de vez em quando, mesmo sendo eu um leigo que se limita a interessar-se pelo assunto.

Igualmente certo como a morte e os impostos, é aparecem os manda-chuva dos bombeiros a aproveitar a oportunidade para defender o indefensável, com a lógica sui generis de dizer que o sistema tem de se apoiar no voluntariado, o que só se consegue tendo mais profissionais, porque a mobilização imediata de bombeiros, em curto espaço de tempo, só se consegue com voluntários, que devem ser profissionalizados porque a primeira intervenção deve ser profissional (não, não estou a inventar, é ouvir António Nunes aqui e é exactamente isto que ele diz, para acabar, como sempre, a pedir mais dinheiro para as associações humanitárias de bombeiros e menos controlo sobre a forma como é gasto).

Resumindo, a conversa sobre fogos é uma conversa razoavelmente inútil e a vontade de verdadeiramente discutir o assunto e o gerir sensatamente faz-me sempre lembrar a minha passagem meteórica pelo departamento que geria os fogos rurais do ICNF, uma história que se conta num parágrafo e que é uma boa metáfora sobre a vontade do país levar a sério a discussão sobre a gestão do fogo.

O presidente do ICNF achou que talvez não fosse mau pôr-me a trabalhar no departamento dos fogos rurais (eu vinha da conservação e essa matéria sempre tinha sido uma coutada dos florestais e dos serviços florestais, com os resultados que conhecemos) e mandou-me para esse departamento, o que naturalmente fez com que eu perguntasse ao então director do departamento em que é que ele achava que eu podia ser útil, o que o levou a responder-me que poderia ir ver o site do ICNF para ver o que é que se podia melhorar.

É este o retrato do país no que diz respeito à discussão sobre a gestão do fogo, ano após ano.

Domingo

por João Távora, em 21.07.24

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo, os Apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado. Então Jesus disse-lhes: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». De fato, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém. Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam; e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar e chegaram lá primeiro que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

Palavra da salvação.

Talvez repensar

por henrique pereira dos santos, em 20.07.24

Jaime Nogueira Pinto tem hoje, no Observador, um artigo muito interessante, também sobre a revolução que estará a ocorrer no Partido Republicano, nos Estados Unidos.

"O processo é tão velho como o mundo: para se criar um clima de ódio em relação a um inimigo a eliminar é necessário retirar-lhe a humanidade, despojá-lo de afectos, pintá-lo como infra-humano ou supra-humano, como animal inferior ou demónio todo-poderoso, como alguém que não é “nós”. Isto pode fazer-se em relação a um indivíduo ou a um colectivo – os judeus, os cristãos, os muçulmanos, os asiáticos, os negros, os brancos; ou a outras categorias nacionais, tribais ou mesmo político-sociais, como os comunistas, os fascistas, os revolucionários, os reaccionários, os burgueses. ... “La Vertu, sans laquelle la Terreur est funeste; La Terreur, sans laquelle la Vertu est impuissante.”"

Li o artigo quando já estava a pensar escrever um post sobre a quase única coisa de que discordo a sério de Carlos Guimarães Pinto, o peso que atribui à corrupção no seu discurso.

Eu compreendo que, politicamente, é muito mais eficaz falar de corrupção que falar da simplificação de processos de decisão, que é onde acaba a desaguar o discurso racional sobre corrupção (a versão abrutalhada do discurso sobre corrupção acaba em discussões sobre penas, perseguições, justiça e essas coisas todas que, essencialmente, podem servir para assinalar a virtude superior de quem fala, mas são largamente inúteis para limitar a corrupção).

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Este boneco produzido pelo Instituto + Liberdade é bem ilustrativo das dificuldades associadas ao combate à corrupção por via judicial (e mais dificuldades ainda existiriam se alguém resolvesse dar ouvidos aos fantasmas de António Barreto que, do alto da sua torre de marfim envolta em nevoeiro, acha que as escutas deveriam simplesmente ser proibidas para evitar eventuais abusos no seu uso).

Pretender acabar com a corrupção é o mesmo que pretender acabar com a pobreza, com a maldade, com o oportunismo, com o abuso, em resumo, está na linha da substituição dos maus pelos bons que historicamente justificam todas as arbitrariedades e perseguições de grandes grupos sociais.

A corrupção é uma resposta social a regras dominantes, tal como o roubo, o assassinato, e todos os outros crimes e, tal como o resto da criminalidade deve ser limitada por via judicial, com certeza, mas sobretudo por melhores regras, isto é, regras que são feitas para as pessoas concretas que existem, e não para criar melhores pessoas.

Criar pessoas melhores é uma tarefa das famílias e dos pequenos grupos sociais de proximidade, não é uma tarefa que caiba ao Estado, a esse já lhe chegam as tarefas de manter a violência em níveis aceitáveis, reequilibrando o poder discricionário dos mais fortes sobre os mais fracos, de tal forma que a generalidade das pessoas consiga considerar minimamente justa.

O que Jaime Nogueira Pinto sugere, neste artigo, é que as coisas estão a mudar em muito lado porque há demasiada gente a achar que a forma como o bem nos está a ser imposto está para lá do que é justo.

Talvez valha a pena olhar para este ponto de vista com alguma atenção.

Fogachada

por henrique pereira dos santos, em 19.07.24

Depois do meu post de ontem, Paulo Fernandes, com o seu habitual rigor nestas matérias, disse-me que desta vez talvez eu fosse dar com os burrinhos na água porque a fogachada era mesmo improvável, de acordo com os resultados dos modelos fire-engine:

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Não me incomodem com o facto de haver valores iguais que estão em classes diferentes, naturalmente há aproximações e ter 0,009 é aproximado para 0,01 e 0,011 também é aproximado para 0,01, mas acabam em classes diferentes.

O relevante é que estas previsões existem, são bastante rigorosas (estamos a falar de probabilidades, mas lembro-me de ter escrito qualquer coisa sobre previsões sobre os locais mais prováveis para haver fogos num determinado dia, feitas por Carlos Camara, que batiam certinho, certinho, para já não falar das intervenções públicas de José Miguel Cardoso Pereira ou Paulo Fernandes a chamar a atenção para Monchique, antes do último grande incêndio) o que significa que haver ou não haver fogos decorre, esmagadoramente, de haver disponibilidade de combustíveis (isto é, existem combustíveis finos cuja secura faz com que seja precisa muito pouca energia para os incendiar, portanto a disponibilidade desses combustíveis depende largamente da meteorologia) e condições meteorológicas favoráveis à progressão do fogo (à cabeça, humidades muito baixas, pela razão que expliquei acima, e vento forte).

O resto, bombeiros, aviões, meios de supressão do fogo, técnicas de combate, doutrina de intervenção, organização, ignições, sensibilização do público, etc., é mesmo só o resto.

Revisão da matéria dada

por henrique pereira dos santos, em 18.07.24

Há uns anos, quando havia uma discussão acesa sobre causas de incêndios e maneiras de lidar com isso, comecei a fazer (não inventei, há muita gente que faz isso) regularmente previsões e a pedir a quem tinha opiniões diferentes que fizesse o mesmo, prever o que ia acontecer nos dias seguintes em matéria de fogos.

Na altura eu sabia ainda menos do que sei hoje, de maneira que fui dizendo algumas asneiras, como aliás continuarei a dizer, evidentemente, mas procurando diminuir a quantidade de asneiras recorrendo a quem sabe mais que eu.

Todos os dias dou uma vista de olhos pelas previsões de chuva e vento para a semana seguinte, mesmo sabendo que previsões meteorológicas a mais de três dias são o que são, e, quando me interessa qualquer coisa, dou uma vista de olhos noutras coisas, como fiz ontem, com a humidade atmosférica.

A questão é que olhando para os ventos, sem grande precisão e num site que tem bons bonecos mas nem acho especialmente confiável, pareceu-me que ali por Segunda-feira iríamos ter condições para desenferrujar o dispositivo de combate, nada de especialmente relevante, mas alguma animação em matéria de fogos.

Como me pareceu uma coisa pouco sólida, perguntei ao Paulo Fernandes, que me disse que realmente a probabilidade de grandes fogos era menor que 10% em todos os distritos e o dia que parecia mais complicado era Sábado, e não Segunda.

Em relação ao que tem sido este ano, eram uns dias que motivariam mais saídas dos bombeiros dos quartéis (eu sei que a protecção civil tem um sistema de avisos mas, francamente, não ligo nenhuma aos avisos da protecção civil que tem uma escala esquisita qualquer que rapidamente dá avisos de risco máximo, o que torna os avisos pouco relevantes porque não lhes dá elasticidade para distinguir o que é realmente risco extremo).

Resolvi fazer este post hoje, na Quinta de manhã, porque continuo convencido de que fazer estas previsões é a forma mais pedagógica que conheço para chamar a atenção para o facto dos incêndios serem essencialmente controlados pela meteorologia e a disponibilidade de combustíveis (daí que o tempo decorrido desde o último incêndio acabe por ter alguma relavância, é a forma mais eficiente de reduzir a disponibilidade de combustíveis).

Como na meteorologia mandamos pouco, restam as opções de gestão de combustíveis.

Por favor, não me incomodem com as ignições (já bem me chega o Pingo Doce a moer-me os juízos com conversa de treta sobre a redução de fogos que eu consegui por não fazer churrascos) porque Portugal reduziu para um terço o número de ignições, com um efeito irrelevante na área ardida.

De resto, quanto mais eficiente formos a reduzir as ignições, sem gestão de combustíveis, mais contribuímos para a dimensão da tragédia para que caminhamos tranquilamente, a ocorrer ali por 2030, mais ano, menos ano.

O essencial é isto: corro o risco de prever o futuro, uma actividade bastante insensata, para dizer que nos próximos dias, com a falta de notícias e a meteorologia, é provável começarmos a ver aparecer notícias de fogos, que este ano têm sido poucas.

A ideia não é ilustrar as minhas capacidades de Zandinga, a ideia é apenas demonstrar que o que precisamos é de rapidamente levar gestão de combustíveis finos ao terreno, ou seja, de pagar essa gestão a quem tenha menos de 50cm de altura de combustíveis finos no seu terreno.

Quase tudo o resto, em matéria de gestão do fogo, são jogos florais "um esforço inútil, um vôo cego a nada".

"Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas".

Hoje é dia de novela mexicana

por João-Afonso Machado, em 17.07.24

Esta denominação - o "estado da Nação" - identificando uns debates longos, maçadores e inócuos que regularmente se realizam na AR é sobretudo hilariante. Como se aqueles 230 deputados (esquivemo-nos a adjectivos) fossem capazes de alcançar o que é a Nação - de Portugal - e sobre ela soubessem dizer qualquer coisinha!

(A Nação é, essencialmente a nossa milenar Cultura. A nossa língua - bombardeada por AO's e outras tropelias; a nossa História, destruída até nos canteiros de Belém, desenhados com as armas de Portugal; a nossa civilização levada aos tubos de proveta do experimentalismo urbano-esquerdista; a nossa economia, os nossos costumes, comidos na voragem modernaça; e as nossas tradições que já só servem para vender aos turistas.)

Os debates sobre o estado da Nação são um eufemismo das ameaças mais ou menos veladas da Oposição contra a Maioria. Ou nem isso, agora que há três forças maiores no Parlamento: por ordem decrescente, a Esquerda, a Direita e uns tontinhos sem ideias mas cheios de ambição. Ah!!! - e com a insólita circunstância de dois partidos que se reivindicam de sociais-democratas, sendo que o do Governo poderá gozar de uma presunção abonatória  e o da Oposição, há muito se sabe, mais não é do que o braço mercantil da maçonaria portuguesa.

São os debates do estado desta República pró mexicana e afins.

É de quem manda na gente. De quem esgota e afugenta a gente na maré cheia de tanto palavreado. Passa pouco das 17 horas e eu vou à televisão molhar os pés, sorver (masoquistamente) um pouco dessa sonolenta, fedorenta, maresia.

  

Imagem 1.jpg

O primeiro aparelho de gravação e reprodução sonora mecânico foi o fonógrafo de cilindro, inventado por Thomas Edison em 1877 – lembro-me bem na minha juventude, dos selos nos discos a assinalar o centenário. A sua comercialização generalizou-se no final do séc. XIX quando se tornaram funcionais. Além de muito competentes na reprodução, eram vendidos com um kit para gravação, coisa que tornava o objecto muito mais completo e interessante do que os gramofones (reprodutores dos primeiros discos), ainda algo toscos. Concebidos numa cera castanha bastante frágil em que o registo se degradava em pouco mais de dez audições, originalmente os cilindros tinham de ser gravados, cada um deles, ao vivo. Posteriormente desenvolveu-se uma solução interligando os fonógrafos com tubos de borracha, um sistema não satisfatório mas suficientemente eficaz para a comercialização e venda de cilindros gravados em série. Tal obrigava os artistas, músicos e cantores a desgastantes sessões em que repetiam incessantemente o tema até produzirem um lote suficiente para satisfazer a procura. Dava-se o caso curioso de uma mesma edição inevitavelmente exibir ligeiras diferenças nas interpretações. Deste modo não se seduziam os artistas de proa a submeterem-se à experiência.

Ao longo dos anos, o tipo de cera utilizada nos cilindros foi melhorado e endurecido de modo que pudessem ser tocados mais vezes sem se degradarem tanto. Em 1902, a Edison Records lançou uma nova gama de cilindros de cera prensada, os Edison Gold Moulded. Muito aperfeiçoado, o progresso consistia na criação de um cilindro principal revestido com ouro que permitia a impressão de várias centenas de cópias.

O Disco, da empresa Gramophone de Emile Berliner então emergente, ainda demoraria uns anos para se impor definitivamente. Este suporte de gravação sonora, ainda hoje em aperfeiçoamento e preferido pelos mais criteriosos audiófilos, nasceu a 18 de Maio de 1888 para concorrer com o cilindro de cera. Apesar de possuírem mais capacidade de armazenamento (dois lados) e serem mais fáceis de guardar, os discos não se impuseram logo no mercado devido à sua extrema fragilidade. Só a partir de 1910, com a aplicação de goma-laca que facilitava a sua prensagem a partir de uma matriz, as suas vendas ultrapassaram os célebres cilindros de Thomas Edison. Foi já tarde e diante da iminente falência que Thomas Edison converteu a sua produção para o disco, no formato de 10 polegadas, que perdurou até ao início dos anos 1950, quando surgiram os Long Playing de 33 rpm (rotações por minuto) e os Singles de 45 rpm, gravados em vinil e impulsionados por motores de grande precisão, que permitiam a redução do número de rotações e por isso a capacidade de “armazenamento”.

Inicialmente apenas com um dos lados gravados, os primeiros discos, pesados e rígidos, feitos para rodar entre 75 e 78 rpm, tocavam, como os cilindros, gravações de 3 a 4 minutos realizadas por métodos integralmente mecânicos e acústicos, de sensibilidade a frequências extremamente limitada: as muito baixas (sons graves) e as muito altas (sons agudos) não eram registadas. Os metais e a percussão eram, por isso, os instrumentos musicais mais adequados a acompanhar cançonetas, marchas e polcas ou até curtas árias de Ópera devidamente adaptadas. Estas limitações só foram ultrapassadas pela gravação eléctrica com microfones e amplificadores, o que se generalizou a partir do final da década de 1920.

No início era só nas casas burguesas mais abastadas ou em bailaricos de paróquia que os discos eram tocados em gramofones mais ou menos sofisticados, cuja potência sonora dependia do formato e tamanho da campânula que projectava o som. Estes aparelhos, como os fonógrafos, funcionavam com fabulosos motores de corda, cuja precisão e força chegava a garantir a audição afinada de três discos sem novo impulso de manivela. Outra curiosidade era o consumo frequente de pontiagudas agulhas de metal (as marcas fonográficas aconselhavam a sua troca a cada audição!) e que eram vendidas às centenas em coloridas caixinhas de folha-de-flandres que hoje fazem as delícias dos coleccionadores. Foi a partir dos anos 1920 que se popularizaram as grafonolas, máquinas portáteis em forma de mala, contendo uma pequena campânula escondida no interior. Estas eram bem menos elegantes e potentes que os gramofones, mas muito mais económicas, o que potenciou a sua popularização e a consequente expansão da indústria fonográfica.

É nos anos 1940 que surge na revista norte-americana Bilboard a primeira lista dos discos mais vendidos. O mundo jamais foi o mesmo. A democratização do consumo da música gravada teve definitivamente origem no disco de Berliner, que trouxe consigo, entre tantas virtualidades, um dos mais marcantes fenómenos do século XX: a música Pop. Quem nasceu nos anos 1960, em pleno boom da indústria fonográfica — quando a importância dos seus actores, principalmente os artistas, foi reconhecida política e socialmente, alguns quase idolatrados, dificilmente entende que no início os artistas fossem quase anónimos, a quem as capas em papel pardo que envolviam os discos não davam qualquer protagonismo.

A estereofonia foi de facto um passo decisivo na história da indústria fonográfica e do áudio no caminho para a “Alta-fidelidade” - o nome que se dava à reprodução sonora tão próxima da realidade quanto possível. Entre os anos sessenta e os anos oitenta era relativamente comum encontrar numa casa de classe média/alta em lugar de destaque um bom sistema de som. Pelo contrário, actualmente esse culto de perfeição atingiu o ponto mais baixo das últimas décadas: é pouco menos que lamentável a qualidade dos registos sonoros em ficheiros de compressão de áudio usados nos computadores, telemóveis e outras engenhocas tão populares entre as novas gerações. Refiro-me à desmaterialização do consumo da música, e ao fenómeno das “estantes vazias”. O advento do streaming foi um salto, não tanto em qualidade sonora mas em comodidade.

Privilegiado possuidor de um fonógrafo de Edisson e de um Gramofone, ambos aparelhos do início do século XX (vale a pena uma visita ao Museu da Música Mecânica, situado no Pinhal Novo, no município de Palmela, dedicado ao fabuloso acervo de fonógrafos, gramofones e Caixas de Música de Luís Cangueiro) o fascínio pela música e pelo som conduziram-me à colecção dos primeiros registos sonoros feitos em Portugal, com especial foco nas duas primeiras décadas do século XX. Quem sabe nos nossos dias quem eram esses cantores/actores pioneiros, com dezenas de peças comercializadas, como Isabel Costa, Duarte Silva, Medina de Sousa, Manassés Lacerda, ou Reinaldo Varella (que terá sido professor de música do Rei D. Carlos)? Talvez por isso me pareça tão estranho o desinteresse generalizado pela história da música gravada no nosso país, em claro contraste com o interesse pela actividade fotográfica da mesma época e os seus actores. Afinal estamos a falar dos dois principais sentidos, a visão e a audição, ou não?

De facto, há em Portugal várias décadas de história da música gravada, dos seus produtores e intérpretes anteriores ao cinema sonoro (à gravação eléctrica) que valem bem o seu estudo e divulgação.

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 A embalagem dum cilindro (colecção particular)

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Anúncio de Gramofone da Sociedade Phonográphica Portugueza (colecção particular)

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Anúncio Discos Simplex (colecção particular)

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Rótulos de discos portugueses da primeira década do século XX (colecção particular)

Leitura aconselhada:

Legenda imagem de topo:

 A Banda da Guarda Municipal de Lisboa (mais tarde republicana) dirigida pelo Chefe António Taborda, gravou no Quartel do Carmo para a companhia “The Gramophone and Typewriter” o primeiro disco de pompa militar intitulado “Surpresa do Inimigo” de Martins júnior, a 24 de Julho de 1904. (colecção particular)



Sectários

por henrique pereira dos santos, em 17.07.24

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O boneco acima, e poderia ser outro porque vários outros dirigentes do PS escreveram e escrevem coisas semelhantes, é de valor.

Na opinião de vários militantes, simpatizantes, votantes e pessoas que direita que defendem sempre coisas de esquerda, Alexandra Leitão (e outros, incluindo Pedro Nuno Santos) escrever coisas destas é perfeitamente razoável, "o que o PS está a fazer é clarificar os factos".

Eu compreendo o ponto de vista, é uma questão de cultura partidária longamente enraizada no PS, toda a gente se lembra do cuidado do PS em clarificar os factos sobre o papel do governo de Passos Coelho na melhoria das contas públicas e na recuperação do financiamento do país através dos mercados, que permitiu afastar a intervenção da troica, jamais um governo do PS pretenderia ficar com os louros do trabalho de governos anteriores sem o reconhecer da forma enfática que Alexandra Leitão usa no boneco para nos lembrar o trabalho feito e o planeamento do governo do PS.

De resto, toda a gente sabe muito bem como o PS tem insistido em reconhecer o trabalho e planeamento feito pelos governos de José Sócrates, bem como o seu papel na entrada da troica em Portugal.

Só gente de má língua e sectária é que pode classificar esta linha de argumentação no combate político do PS como sendo um bocadinho ridícula.

Wokes de todo o mundo, uni-vos

por henrique pereira dos santos, em 16.07.24

Ontem o Público tinha uma entrevista com Raquel Machaqueiro, a senhora que organizou uma formação "histórias difíceis, legados difíceis", na Fundação Gulbenkian, que pretenderia ensinar os professores de história a ensinar melhor os alunos em matérias relacionadas com a escravidão.

Como logo o título que o Público escolheu para a entrevista (que chamou à primeira página do jornal) me parecia uma tolice "A escravização de pessoas financiou toda a empresa dos Descobrimentos", fui ler a entrevista para perceber se eram os jornalistas do Público que eram tolos, ou se era Raquel Machaqueiro que marchava disciplinadamente no exército woke que tenta contrabandear coisas destas como ciência.

Sem descartar a hipótese da jornalista Ana Dias Cordeiro ganhar em estudar um bocadinho os assuntos sobre os quais entrevista pessoas, a conclusão da leitura da entrevista é mesmo que Raquel Machaqueiro parece alinhar, disciplinadamente, no discurso woke que é esmagadoramente dominante no meio académico onde trabalha (nos Estados Unidos, os comunistas mais ferrenhos procuravam ir conhecer e experimentar o sistema socialista, estes modernos wokes, que são vagamente anti-capitalistas, preferem ser anti-capitalistas nas universidades dos EUA, para conhecer a fundo os malefícios do sistema capitalista).

"Há muita gente a dizer que os africanos já tinham escravatura e que nós só usámos aquilo que já existia. É verdade e não é. ... A escravatura que se exercia no continente africano não era baseada em critérios raciais e passou a sê-lo. ... Essa coisa das raças é uma invenção nossa, do Ocidente, que serve precisamente para criar categorias e uma hierarquização. Os negros são postos na base dessa hierarquia para justificar a sua escravização".

A quantidade de afirmações pouco rigorosas (para ser caridoso) nesta pequena citação é assombrosa.

Passemos por cima da evidente contradição entre dizer que a escravidão já existia e era praticada em África e dizer que as raças são uma invenção para hierarquizar grupos sociais e justificar essa escravização, feita por pessoas da mesma raça.

Por uma grande coincidência li isto: "Somos (um dos das Ilhas lhe tornou)/ estrangeiros na terra, Lei e nação;/ que os próprios são aqueles que criou/ a Natura, sem Lei e sem Razão."

Sou completamente ignorante em tudo o que diga respeito a Camões, mas resolvi ver se aprendo alguma coisa, de maneira que enquanto não me chega à mão o livro do meu sobrinho (cuja segunda edição, para espanto meu, tenho ideia de que poderá estar em preparação, não confirmei), comprei na feira do livro, e estou a ler, uma antologia organizada e anotada por Frederico Lourenço que, sobre a passagem que citei acima, esclarece: "Nesta estrofe, os interlocutores de Vasco da Gama assumem-se como não autóctones naquela região de África e, ao descreverem aqueles a quem cabe essa identidade, parecem querer justificar a sua escravização: "Que os próprios são aqueles que criou/ a Natura, sem Lei, nem Razão.".

Camões está a escrever na segunda metade do século XVI sobre acontecimentos passados uns cinquenta anos antes, mais coisa, menos coisa, não tenho a certeza de que a interpretação de Frederico Lourenço seja a mais adequada mas, ainda assim, é claro que Camões fala do comércio de escravos longamente estabelecido em África pelos árabes, com base no Índico e assente, parcialmente, na raça (embora a justificação seja "sem lei nem razão"), quando o comércio transatlântico ainda estava na sua fase inicial, a do ciclo da Guiné.

Para se perceber bem a dimensão da distorção feita por Raquel Machaqueiro (e a tolice do título da entrevista), Camões está a escrever os Lusíadas uns vinte ou trinta anos depois da chegada dos primeiros escravos ao Brasil, que acontece uns quarenta anos depois de Vasco da Gama chegar à Índia, ou seja, a ser verdade que é o comércio de escravos que financia todos os descobrimentos, deve ser o único exemplo na história em que o financiamento aparece depois do investimento.

Como disse alguém, ajuizadamente, puro terraplanismo.

De resto, até cem anos depois de Camões morrer, o comércio transatlântico de escravos é relativamente contido, é partir de meados do século XVII que esse comércio cresce enormemente, tornando completamente absurda a tese de que é o comércio de escravos que financia os descobrimentos, ocorridos pelo menos cento e cinquenta anos antes.

Poder-se-ia pensar que é apenas ignorância, afinal Raquel Machaqueiro é uma antropóloga com um doutoramento em mercados de carbono (fui tentar perceber quem era, ouvi partes de uma conferência de há dez anos, no Brasil, e os comentários sobre micro-crédito são suficientes para saber que é uma pessoa que fala sem medo de assuntos que desconhece em absoluto), não seria de esperar que fosse especialmente rigorosa em história.

A única questão relevante está em saber como raio a Fundação Gulbenkian se envolve nisto, sem garantir o mínimo dos mínimos de segurança académica no que promove.

Mas esta parte da entrevista demonstra bem que não é apenas ignorância, é mesmo um modo de vida.

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Ignorância é desconhecer este referência bibliográfica, ou mesmo a tese de Nuno Palma de que é este facto que dá origem a uma maldição de recursos que afecta Portugal, atirando-o de um dos países mais ricos do mundo para um dos mais pobres da Europa em cinquenta anos.

O que é feito nesta referência é pura desonestidade, é impossível que alguém que faz referência a este estudo, ao ponto de saber exactamente quem são os seus autores, não saiba que grande parte do que está em causa é o ouro do Brasil e de que isto se verifica num tempo relativamente curto, tendo uma relação marginal com o comércio de escravos.

Nuno Palma até tem artigos que avaliam o efeito económico da escravidão nos países que receberam mais escravos, usando dados do Brasil e dos estados do Sul dos EUA, que Raquel Machaqueiro nunca usará, evidentemente, porque as suas conclusões contrariam as ideias de Raquel Machaqueiro, não havendo qualquer evidência de que ter recebido esses milhões de escravos se traduziu numa vantagem económica que persiste até hoje.

É assim o mundo woke, tanto se escreve sobre os mecanismos económicos de sustentabilidade, nomeadamente o mercado de carbono, como dez anos depois se escreve sobre escravidão, é o que estiver a dar em cada momento, sempre, sempre com o mesmo princípio: impedir, por todos os meios o catastrófico resultado que se pode definir pelo título do artigo "A beautiful theory, killed by a nasty, ugly little fact”.

O Estado e as pessoas

por henrique pereira dos santos, em 15.07.24

Há, na cultura da tecnoestrutura florestal do Estado e da academia (a das empresas é ligeiramente diferente), uma predominância muito grande da importância do Estado na transição florestal que o país sofreu desde meados do século XIX até hoje.

Até meados do século XIX o país era basicamente agricultura e pastorícia, com a produção florestal muitíssimo reduzida, havendo ainda uns pequenos retalhos de matas velhas, de maneira geral em posições fisiográficas desfavoráveis ao desenvolvimento do fogo (fundos de vale, encostas protegidas e mais húmidas, coisas deste tipo).

A dominância era claramente das áreas abertas, ou áreas agrícolas, ou áreas de matos e afloramentos rochosos.

A descrição mais sintética e expressiva desta realidade que conheço, está no "Relatório àcerca da arborisação do paiz", de 1868.

"O engenheiro Francisco da Silva Ribeiro expressa-se da seguinte forma: «... Pede-se a área a arborisar em terrenos que não tenham cultura alguma? Se é, nada dou, porque todo este terreno tem alguma cultura, todo elle produz centeio, o que aqui chamam pão: é verdade que é um pão de sangue, por que estes terrenos, na maior parte, por causa de sua magreza, só produzem de tres em tres annos, havendo muitas colheitas que mal dão a semente, quando a dão. Se é pedida a área a arborisar em terreno que tenha alguma cultura, então digo que, com pequenas excepções, a área é quasi a que tem o districto (da Guarda).»"

Há um livro de filosofia, muito interessante, que li há já alguns anos, chamado "Tratado da árvore", de Roger Dumas, que me chamou a atenção para o papel simbólico da árvore a partir do iluminismo e da revolução francesa, que estaria na base da reavaliação do papel da produção florestal entre as elites do século XIX e XX, reavaliação essa que influenciou, de forma determinante, a política florestal do Estado em Portugal.

O relatório que citei acima, bem como a pequena transcrição que fiz, são filhas da ideia de que florestar é um bem em si, que as matas são um bem público que justificam restrições aos direitos de propriedade e outras ideias comuns ainda hoje.

Essas ideias, no Mediterrâneo, chocam de frente com as necessidades económicas de gestão da fertilidade das terras de produção, que têm no gado e no fogo aliados naturais, levando à clivagem entre as ideias das elites urbanas e das comunidades camponesas cuja expressão literária mais conhecida é o "Quando os lobos uivam" do Aquilino Ribeiro, ele próprio oriundo de um dos epicentros dessa clivagem.

O certo é que há uma cristalização da ideia de que o Estado desempenhou um papel fundamental na florestação do país, que na verdade é um mito propagado pelos serviços florestais e pelo Estado Novo, tão profundamente enraizado na tecnoestrutura florestal do Estado que nem as evidências acumuladas destroem facilmente.

Olhemos para estes dois bonecos, o primeiro, que fui buscar à minha tese, mas que tem origem nos trabalhos de Américo Mendes e o segundo de Nuno Guiomar, que colige toda a informação sobre área florestal de pinheiro bravo (sim, é preciso ter cuidado com as leituras demasiado literais dos dados antes da estabilização das modernas técnicas de inventário florestal, a meio do século XX).

mendes.jpg

guiomar.jpg

No primeiro boneco podemos ver o que terá sido a florestação feita pelo Estado ao longo dos anos, no segundo a área do país ocupada por pinhal bravo (a principal espécie usada pelo Estado nos seus projectos de florestação).

Independentemente das discussões que possam existir sobre cada valor concreto no segundo gráfico, o que é evidente é um enorme desfasamento entre o ritmo de florestação promovido pelo Estado (raramente ultrapassando os dez mil hectares/ ano, com excepção de um pequeno período nos anos 50), que terá dado origem, na melhor das hipóteses, a 300 mil hectares florestados (cerca de 3% do país) e a florestação promovida pelos privados que, no caso do pinheiro bravo (a expansão do montado de sobro é praticamente toda feita por privados), parte de cerca de meio milhão de hectares no fim do século XIX até uns cerca de milhão e trezentos mil hectares no fim do século XX (a partir daí há uma brusca queda do pinhal, para metade, em grande parte substituída por eucaliptal).

Ou seja, aos trezentos mil hectares florestados pelo Estado, contrapõem-se mais de um milhão (seguramente mais de um milhão e meio, se juntarmos a expansão do montado) de hectares florestados pelos privados e, ainda assim, a tecnoestrutura do Estado (e grande parte da academia) ligada ao sector insiste na ideia de que a florestação do país decorreu das opções do Estado e não das circunstâncias económicas que levaram milhões de agricultores a florestar partes das suas propriedades.

É uma metáfora do país, em que se acredita que a sociedade não existe sem a acção do Estado.

Não teria grande importância se não se desse o caso de continuarmos a repetir o erro de gastar os recursos do Estado a "domesticar" os mercados, como solução ideal para gerir paisagens, nomeadamente na questão do fogo, em que agora se insiste em derreter o dinheiro dos contribuintes em soluções economicamente inviáveis com oliveiras, medronhos e outras fantasias, para proteger as aldeias.

É público que eu defendo que há um défice de gestão das terras marginais, que esse défice resulta de um problema quase geral de competitividade das actividades que poderiam justificar essa gestão e que só com dinheiro dos contribuintes de pode reequilibrar um bocadinho a coisa, pagando directamente a gestão que resulta num bem colectivo (o controlo sobre o fogo).

O que me diferencia do modelo dominante não é o papel do dinheiro dos contribuintes nesta história (essa é a posição dominante nos meios ligados à produção de eucalipto, que insistem que o seu modelo de produção pode resolver esses problemas de gestão, esquecendo que esse modelo é inviável na maioria do território do país), o que me diferencia é a definição do destino do dinheiro dos contribuintes: a posição dominante consiste em pretender que o Estado force os privados a fazer aquilo em que os técnicos acreditam, a minha posição consiste em pretender que o dinheiro dos contribuintes aumente a liberdade dos privados tomaram as decisões de gestão que entenderem, pagando a parte dos resultados que tem interesse comum, mas não tem mercado e, por isso, não interessa ao dono do terreno.

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