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Ando há uns tempos para escrever sobre estes dois livros (escritos respectivamente por um trotskista e um liberal) e tenho vindo a adiar porque não li as suas versões finais impressas.
Não li as suas versões finais impressas, mas li versões muito próximas das finais e achei que deveria recomendar estes dois livros a tempo de alguém se lembrar deles para o Natal.
O primeiro é de João Zilhão, que conheço desde o paleolítico e resume grande parte do conhecimento do João sobre o paleolítico em Portugal.
Como acontece a quem sabe muito (João Zilhão é um investigador de topo mundial no paleolítico e, por maioria de razão, provavelmente a pessoa que mais sabe sobre o paleolítico em Portugal) e sabe que está a escrever um livro de divulgação, o livro é muito claro, muito surpreendente em alguns aspectos e muito informativo sobre os processos de criação de conhecimento em épocas tão remotas.
Lê-se muitíssimo bem (e eu li-o sem os bonecos, em PDF e não em papel e antes dos acertos finais de redacção e mesmo assim li-o com muito prazer) e muitíssimo interessante.
É certo que tantos anos a ouvir o João (e muitos outros arqueólogos), talvez tenha tornado mais fácil para mim perceber o que está escrito e o que está implícito, até porque já muitas vezes tive oportunidade de fazer perguntas sobre mudanças de opinião do João sobre este ou aquele aspecto e as respostas sobre os caminhos que tinham levado a umas opiniões e a outras foram muito instrutivas para mim.
Ainda assim, insisto que é um livro fantástico para quem sabe que o mundo não foi criado ontem e tem curiosidade em saber como aqui chegámos.
O segundo livro, lido nas mesmas circunstâncias, é também interessante para sabermos como chegámos aqui, agora já não abrindo janelas sobre o paleolítico, mas sobre os últimos séculos que nos precederam.
Ao contrário de João Zilhão (já agora, que começou um curso de economia, de que desistiu cedo para se mudar para história), não conheço Nuno Palma assim há tanto tempo, nem tenho grande proximidade, encontrámo-nos fisicamente uma vez, se não me engano, mas vamos falando virtualmente, aqui e ali.
Começei a reparar no que escrevia no jornal ECO, essencialmente porque era mais um economista (Nuno Palma é economista de formação, mas é historiador de profissão, dedica-se à história económica) em quem me apoiar para reforçar o que me parecia ser a visão mais objectiva da evolução económica de Portugal ao longo do século XX, uma matéria naturalmente relacionada com a minha tese de doutoramento, sobre a evolução da paisagem rural ao longo do século XX.
E reparei que tinha uma grande virtude: escrevia desassombradamente, sem medo da patrulha ideológica que pretende policiar o que se pode dizer no espaço público.
Isso, naturalmente, reflecte-se agora na promoção do livro, que é evitada por alguns meios de comunicação social.
O trabalho de quantificação a que se dedica Nuno Palma é extraordinário (pode estar certo ou errado, isso eu não sei dizer, o que o torna extraordinário é ser feito e poder ser contestado por quem o queira fazer) e leva-o a visões muito interessantes sobre a evolução da economia portuguesa nos últimos séculos, sendo ridículo que boa parte dos que os que se lhe opõem não se concentrem em demonstrar os erros dos seus exercícios de quantificação, a partir dos quais se formam as suas conclusões, mas em críticas ideológicas sobre o branqueamento do Estado Novo e patetices semelhantes.
É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro (a piada não é minha, mas é tão boa que a uso sempre que posso) mas neste caso arriscaria dizer que a história económica de Portugal irá cumprir escrupulosamente o princípio de Planck e avançará a um funeral de cada vez: à medida que os bonzos tradicionais da historiografia contemporânea forem morrendo, mais gente irá concordando com as teses de Nuno Palma, apenas porque crescerão convivendo com as suas conclusões.
Com tantos livros já vendidos, parece-me que no futuro muita gente estará habituada à ideia de que a história contemporânea que foi vendida à minha geração era feita com muita ideologia e pouca objectividade.
A Montis é uma associação de conservação da natureza de que sou sócio.
Isso custa-me 25 euros por ano.
As pessoas que fundaram a Montis (em que me incluo) sabiam que a leninização das organizações é o destino natural das organizações burocráticas, isto é, aquelas em que os decisores não podem apropriar-se dos resultados económicos da sua gestão, como acontece com as administrações públicas, mas também com os partidos e muitas organizações sem fins lucrativos.
Por isso tentaram definir estatutos que defendessem a organização da natureza humana, isto é, são estatutos que impedem a eternização no poder (não se pode exercer mais de dois mandatos seguidos no mesmo orgão social), que tentam impedir a apropriação indirecta dos recursos da associação pelos seus dirigentes (há uma separação estatutária entre eleitos e funcionários, não podendo a associação ter negócio jurídico com os primeiros, salvo em condições muito estritas, transparentes e de pequena escala) e que procuram garantir que todos os sócios valem o mesmo numa assembleia geral.
Nada disto, evidentemente, impede que a associação seja usada para fins diferentes daqueles para que foi criada, apenas se dificulta que isso aconteça e, porque é uma associação de muito poucos recursos, até hoje não tem havido grandes tentativas de desvio da associação para o benefício de alguns (quando for rica e poderosa, será mais complicado, claro, daí a importância das regras, incluindo algumas que ainda não existem, por exemplo, do orçamento da associação ser proveniente das quotas dos sócios, em pelo menos um quinto).
Quer isto dizer que sou sócio porque estou sempre de acordo com tudo e me revejo totalmente nas opções das suas direcções?
De maneira nenhuma, nem quando eu era presidente da Montis me revia em todas as decisões tomadas, quer porque aqui e ali a minha opinião era minoritária, quer porque as circunstâncias me levavam a tomar ou apoiar decisões que não eram as que eu gostaria.
Por exemplo, este post que aqui está, relativamente recente, não me deixa totalmente satisfeito.
Por um lado, vejo um peso excessivo, sobretudo na comunicação da associação (mais até que na substância, como explicarei mais à frente sobre este post), das plantações em detrimento de outros instrumentos de gestão (sementeiras, fogo controlado, engenharia natural, condução da regeneração natural, etc.). Eu sei que parte resulta de acordos favoráveis para a associação com terceiros que insistem em usar os recursos que disponibilizam para a gestão do território em plantações. À associação não restam muitas alternativas, ou recusa o acordo, e não acede a recursos de gestão relevantes, ou aceita dedicar-se a mais plantações que as que acharia adequadas (por entender que com os mesmos recursos se poderiam fazer outras acções de gestão com maior potencial de conservação no longo prazo), procurando integrá-las, o melhor possível, nas suas estratégias de gestão. Aceitando o resultado final, desagrada-me, mas as coisas são o que são, e não o que eu acho que deveriam ser.
Também tenho as maiores dúvidas no uso de protectores nestas plantações com o objectivo de aumentar a taxa de sobrevivência das plantações. Mais uma vez, percebo que se queira apresentar aos parceiros taxas de sobrevivência maiores que os 5 a 10% que acho perfeitamente razoáveis, mas desagrada-me a desproporção entre o gasto no aumento dessa taxa de sobrevivência e o verdadeiro retorno em conservação da natureza (a mim interessar-ia-a muito mais investir na regeneração do solo que em maiores taxas de sobrevivência de plantações, que me parecem de interesse marginal, do ponto de vista da conservação).
Mas o próprio post fala de outras coisas que a mim me interessam muito mais, como o uso da engenharia natural para favorecer a retenção do solo e, neste caso concreto, o seu parágrafo final sobre a gestão da rebentação do eucaliptal que foi cortado.
Nesta propriedade, que a Montis comprou com recurso a crowdfunding, havia um eucaliptal sem interesse e que se decidiu reconverter noutra coisa com mais conteúdo de conservação.
Há várias maneiras de fazer essa reconversão, sendo a mais eficaz o corte seguido de aplicação de glifosato sobre a rebentação, na Primavera seguinte.
A Montis não queria usar glifosato porque a aplicação de fito-fármacos é uma operação técnica relativamente sofisticada, o que obriga a que fosse feita profissionalmente, e a Montis queria envolver qualquer pessoa nessa reconversão do eucaliptal e, ao mesmo tempo, demonstrar que qualquer pessoa, sem formação, pode reconverter um eucaliptal, sem grande dificuldade (exige tempo e persistência, sim, mas não envolve grandes custos nem capacidade técnica).
Por isso a opção foi fazer um corte e depois testar a hipótese de partir a rebentação das varolas.
Em princípio, este método seria simples (o corte é feito de forma profissional, bem entendido, partir as varolas na base, no sítio em que sai da toiça é que é fácil e eficiente), teria a vantagem de aumentar a mobilização de nutrientes em profundidade pelas raízes para os integrar na camada superficial do solo, com a deposição das varolas partidas, ao mesmo tempo que se exauriam as reservas da raiz, levando à sua morte e à criação de pontos bastante favoráveis de enraizamento de outras plantas.
Ora o que o post faz é descrever a primeira experiência nesse sentido e diz que foi fácil e eficaz (esqueçamos a insistência em falar de arranque, como se o que estivesse em causa fosse germinação por semente, em vez de se falar em retirada, ou em partir as varolas, ou a rebentação de toiça, que é o que está em causa).
E isso, meus caros, já paga os meus 25 euros por ano, fora tudo o resto que a Montis tem vindo a fazer, sem dar grandes saltos como as rãs, mas andando no passo lento, firme e pesado dos elefantes (a imagem é de Chicco Testa no "Elogio della crescita felice", e é uma boa imagem, mais bem usada por ele no livro a propósito da descarbonificação, mesmo sabendo eu que os elefantes também correm a velocidades bastante razoáveis, apesar do peso e do tamanho).
E era disto que eu queria falar, de uma organização que procura defender-se da natureza humana, que procura assentar o que faz em pessoas concretas e que lhes pede, em troca, 25 euros por ano para gerir terrenos com objectivos de conservação da natureza.
Eu acho muito em conta e com uma relação qualidade/ preço e investimento/ retorno, muito acima da média das organizações com que me relaciono.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
Foi este o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem: «Quem és tu?». Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: «Eu não sou o Messias». «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não». Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?». «Não sou», respondeu ele.
Disseram-lhe então: «Quem és tu? Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram, que dizes de ti mesmo?». Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías». Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: «Então, porque batizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?». João respondeu-lhes: «Eu baptizo na água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias».
Tudo isto se passou em Betânia, além do Jordão, onde João estava a batizar.
Da Bíblia Sagrada
Estou retido em casa adoentado com gripe. Com esta natural dificuldade de concentração prefiro mil vezes os canais ou rubricas de futebol que assistir à campanha generalizada pela manutenção do regime socialista. É o que impera nas televisões graças ao jornalismo de secretária mal pago e ao patrocínio da fidalguia estabelecida por tradição ou pureza de sangue. Sporting sempre!
Lenine desloca o centro da acção política da classe operária (onde Marx a tinha posto) para o partido, que é a vanguarda da classe operária.
Dessa opção resulta a necessidade de um partido de revolucionários profissionais, com um programa político muito bem definido, provocando uma alteração de prioridades relevante: o partido passa a ser mais importante que a classe operária.
O corolário é que o centralismo democrático, que garante a unidade e eficácia do partido, passa a ser mais importante que a federação dos diferentes pontos de vista que necessariamente existem dentro da classe operária, podendo o partido ser minoritário na classe operária durante muitos anos, desde o seu programa revolucionário seja eficaz na ocupação do espaço político.
Estou convencido de que qualquer partido cujo financiamento e sobrevivência não dependa dos seus militantes, tende a aproximar-se desta visão partidária leninista, independentemente do conteúdo do seu programa político, passando os seus funcionários a ter um peso crescente face aos militantes e à sociedade.
Claro que em partidos e sociedades democráticas, esta deriva leninista tem limites no êxito eleitoral, mas em qualquer caso é o interesse dos funcionários e outros dependentes que tende a determinar a estratégia eleitoral, muito mais que o programa original do partido.
Quando a Iniciativa Liberal elegeu oito deputados, em vez do deputado original, falei com quem pude, na Iniciativa Liberal, sobre o esforço necessário para manter uma das suas características iniciais mais interessantes, a abertura à sociedade.
Mais que isso, nos grupos de produção de propostas em que participei, fui sempre reclamando com a deriva crescente de pedido de apoio à actividade parlamentar, como se as pessoas que livremente dispunham do seu tempo para formular políticas fossem assessores do grupo parlamentar, e não pessoas livres, politicamente disponíveis para apoiar ideias liberais, acabando no meu abandono desses grupos por desinteresse em desempenhar uma tarefa definida pelo partido que, na tal lógica leninista, achava prioritária.
O anúncio de João Cotrim como cabeça de lista para as europeias rompeu com a tradição da Iniciativa Liberal procurar, fora do partido, gente que acrescentava às ideias liberais, demonstrando como a leninização do partido tinha, definitivamente, ganho o braço de ferro aos que defendem maior abertura à sociedade, mesmo com prejuío da eficácia partidária, no curto prazo.
Agora é a decisão sobre a colocação de Carla Castro na lista de candidatos às próximas legislativas a demonstrar um grau de leninização que francamente me incomoda.
O mais natural é que eu vote na Iniciativa Liberal nestas eleições legislativas, ainda, tenho bastante mais dúvidas nas europeias, para além de achar natural que os incentivos que existem no nosso sistema partidária acabem por levar qualquer partido ao caminho teorizado por Lenine, como realmente acontece actualmente com todos eles (com a excepção, talvez, do Livre).
Mas não deixo de ficar muito decepcionado com a opção e com a força e rapidez com que esse processo está a ocorrer na Iniciativa Liberal.
Paciência, é o que há, se eu realmente quisesse as coisas feitas de forma diferente, fazia-me militante ou fazia outro partido, e não tenciono fazer nenhuma dessas duas coisas, pelo que irei votando no que me parecer menos mau e respondendo aos pedidos de opinião que, aqui e ali, diferentes partidos, me fazem em matérias sobre as quais acham que vale a pena ouvir-me.
Margarida Bentes Penedo tem prestado um inestimável serviço público com os artigos que vem escrevendo no Observador, como o desta quinta-feira, em que conta uma história inacreditável de miséria institucional na Assembleia Municipal de Lisboa.
O que os artigos de Margarida Bentes Penedo descrevem seria matéria jornalística em qualquer jornal ou televisão em que os editores de política não estivessem obcecados com o seu umbigo e com discussões sobre se António Costa está ou não em campanha para um cargo europeu.
Camaradas, qualquer pessoa com dois dedos de testa já percebeu perfeitamente que o melhor aproveitador de oportunidades do país aproveitou a oportunidade para se livrar do cargo de primeiro-ministro que o estava a tolher, inventou a história absurda de que é uma vítima de uma decisão tomada por si próprio, culpa o funcionamento da justiça de que ele próprio foi ministro, para ter as mãos livres para se focar no próximo passo da sua carreira política, até porque não tem outra carreira, nunca fez mais nada na vida que não seja isto. Se para isso tiver de contribuir mais um bocado no seu longo currículum que é uma chuva dissolvente constante sobre as instituições, claro que o fará sem o menor pudor.
Voltando à Assembleia Municipal de Lisboa, o que escreve Margarida Bentes Penedo seria sempre notícia num país que prezasse o regular funcionamento das instituições, ou porque seria uma notícia uma deputada municipal que inventa regularmente mentiras sobre o funcionamento do orgão a que pertence, ou porque o que escreve é verdade e é inacreditável a falta de respeito pelas regras formais de funcionamento desse orgão, assente numa maioria de acéfalos que preferem as instruções do partido às regras das instituições (já agora, não esquecer a responsabilidade da responsável pelo PS de Lisboa, Marta Temido, que evidentemente convive com o que ali se passa sem o menor constrangimento).
Por coincidência, também ontem recebi a informação final sobre um concurso a que concorri ali por fins de Maio, princípios de Junho, o de Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
Por essa altura, tinha ganho um concurso para chefe do departamento de conservação, tendo recusado o lugar por razões pessoais, portanto facilmente se poderá perceber que o meu interesse real no preenchimento do lugar seria matéria a ver no futuro, se por acaso ganhasse o concurso e alguém se lembrasse de me nomear.
O que acontece é que sempre defendi o uso de concursos para cargos dirigentes na administração pública, por isso há alguns concursos mais relevantes a que concorro por uma questão de princípio, ao contrário dos meus colegas que se recusam a concorrer, quer porque não estão para se chatear com o estado miserável da administração pública, quer porque entendem, com razão, que todos estes processos estão completamente viciados.
Ali, por Agosto, fazem com urgência a entrevista do concurso e depois nunca mais tive informação sobre o assunto, até ontem.
Ontem fico então a saber que a 7 de Novembro António Costa se demite e o Presidente da República anuncia que vai aceitar essa demissão e dissolver o parlamento, com a inovação constitucional e institucional de não o fazer nesse momento mas algures lá à frente, a 11 de Novembro a CRESAP manda para o ministro uma lista com três nomes das pessoas entre as quais o Ministro poderia escolher o presidente do ICNF (a saber, Nuno Banza, que ocupa o cargo em regime de substituição há cinco anos, apesar da lei dizer que as substituições não podem ser por mais de seis meses, Rui Barreiro, um quadro florestal do PS, antigo presidente da Câmara de Santarém e antigo secretário de estado das florestas, se não me engano, e este vosso criado) e a 4 de Dezembro, três dias antes do Presidente da República concretizar a demissão do governo que passaria a impedir nomeações para cargos públicos, o Senhor Ministro nomeia Nuno Banza como presidente do ICNF para os próximos cinco anos.
Não tenho nada contra esta nomeação, sou amigo pessoal de Nuno Banza, ele sabe exactamente o que penso do seu desempenho nos últimos cinco anos do cargo que ocupou em substituições por seis meses e não é essa a questão (já agora, não é um boy do PS, é do PSD, candidato autárquico no Barreiro por esse partido, vereador pelo PSD nesse concelho, e etc.), a questão é mesmo o respeito pelas regras e, sobretudo, pelas instituições, bem evidente neste caso.
Isto seria perfeitamente possível com os outros partidos (para o mesmo lugar já eu tinha concorrido há anos, no tempo da PAF, e fui excluído dessa tal lista pequena porque uma senhora com dois anos na parte administrativa das instituições de conservação tinha, na opinião do júri, mais experiência profissional em conservação que eu, que sempre trabalhei no sector e, nessa altura, já tinha trinta anos de experiência nessa área, incluindo como vice-presidente do ICN, e isso não demoveu Assunção Cristas de nomear uma nulidade qualquer próxima do PS para o cargo, de que já nem me lembro o nome).
A questão não é partidária, como os jornalistas acham que é, a questão é institucional e somos nós, globalmente, que achamos que os dirigentes da função pública são extensões do governo, porque achamos que a função pública é uma coutada do governo e não um instrumento de aplicação da lei, independentemente do governo.
E é por isso que um serviço qualquer num hospital escreve, preto no branco, que uma criança é referenciada pela secretaria de estado (sendo impossível saber se por diligência própria de algum membro do gabinete, ou por instrução do membro do governo, porque a informalidade do funcionamento dos gabinetes dos membros do governo é estratosférica, com claras violações do código do procedimento administrativo, a que ninguém liga nenhuma) para um tratamento médico e tudo se passa sem ondas, até ao momento em que é preciso socorrer o governo com uma história bem cabeluda, como dizem os brasileiros.
Somos nós que escolhemos isto nas eleições e mais, somos nós que achamos isto que deve ser assim porque já se sabe que se hoje isto te beneficia a ti, amanhã posso eu precisar.
Marcelo disse hoje duas coisas duras e claras:
1. que além de passar o assunto das gémeas ao Governo, como passa todas as petições, a sua Casa Civil deu um parecer negativo a que o caso fosse privilegiado, e
2. que, tal como não fora ele a querer ouvir a PGR, tabém não fora ele a desencadear a crise, mas sim António Costa que lhe apresentou a demissão irremediável, que ele, Marcelo, não queria.
As duas afirmações contrariam frontalmente as narrativas socialistas:
1. a de uma cunha do presidente, que, ao contrário, foi um parecer negativo. E isto estragaria o «escândalo» inflacionado até ao vómito pela malta da propaganda socialista, para distrair de todos os males e trapalhadas que o governo Costa deixa para trás, e
2. a da vitimação de um governo impoluto, que, ao contrário do que dizem as redações socialistas, toda a gente sabe que o não é.
Ora, a seguir a isto, na Sic Notícias, tivemos um espectáculo de pantomina a cargo de Ricardo Costa, e Ângela Silva, com Bernardo Ferrão como espetador algo perplexo.
Ângela Silva ocupou-se do tema das gémeas, e, como o que Marcelo acabara de afirmar contrariava tudo aquilo que ela vinha dizendo, limitou-se a ignorar as declarações, insistindo que havia cunha, «e prontos!» Teresa Gilherme utilizava com graça a frase «Isso agora não interessa nada!», para ignorar parvoíces e passar a temas mais úteis; Ângela Silva usa o mesmo utensílio para fingir que não ouviu aquilo que a desmente inteiramente.
Depois veio Costa, o menor, defender o maior Costa. E que fez ele com as afirmações de Marcelo? Ora, o velho truque do jornalismo manhoso, pronunciar-se sobre a forma, nunca o conteúdo. E, portanto, das afirmações de Marcelo o que Costa, o irmão, retira é tão-só que o Presidente não devia falar com tanta ligeireza. «Ligeireza» nas duas afirmações contundentes de Marcelo?! Não, evidentemente, mas ao inventá-la, Ricardo Costa evita tratar o tema incómodo para o irmão António.
Rui Rio é um inimputável. Não sabe o que diz.
Se Rui Rio não é inimputável tout court ao dizer que a Procuradora-Geral da República deveria ser demitida, então Rui Rio é um inimputável político que ignora a oportunidade e as consequências políticas do que diz.
Se Rui Rio, ainda assim, considera que intervém razoavelmente ao dizer que a crise foi provocada pela PGR, não pelo PM nem por seus próximos, então, em vez de inimputável, é burro.
E, não sendo burro, nem inimputável, mais valia que o fosse, porque as suas proclamações mais recentes (abaixo a PGR que derrubou um governo tão bom) têm uma consequência mais evidente, a de fazer que os eleitores se perguntem: para quê votar num partido que elegeu esta criatura para seu presidente?
(...) "Não sou em geral a favor do derrube de estátuas, mas não deixa de ser curioso que Pombal tenha a proeminência que tem na mais conhecida rotunda do nosso país. Essa estátua representa hoje o triunfo da propaganda sobre a verdade, mais de dois séculos depois. Não há dúvida de que as mentiras promovidas por Pombal foram eficazes, também por terem sido evidentemente úteis a regimes e narrativas que surgiram mais tarde.
Assim, não surpreende a subsequente reabilitação e veneração da sua figura, não deixando de ser irónico que ainda hoje seja frequentemente visto como um grande reformador, até entre muitos historiadores incautos. Tudo culminou no mandar erguer da sua estátua, cerca de um século e meio depois da sua morte, por um regime que também se caracterizaria por uma grande divergência entre as belas intenções declaradas e a realidade conseguida a nível educativo: a Primeira República. Mas, antes de aí chegarmos, temos de atravessar o século XIX: um período deprimente da História de Portugal. Ainda que a maldição do ouro já estivesse a afundar a economia setecentista portuguesa, e o atraso tenha aí as suas raízes, foi no século XIX que Portugal bateu no fundo."
* Trecho de parte do capítulo pré-publicado no Observador dedicado ao pombalismo no livro "As Causas do Atraso Português" do investigador Nuno Palma. Já no meu sapatinho.
Sob o «manto diáfano» dos sonhos vai ressurgindo a "nudez forte" da realidade. O manto encobria Costa, a realidade demonstra que ele não desiste da política, o seu emprego de sempre. Consequentemente - não sonhemos, basta-nos o pesadelo.
Mas os acontecimentos têm um início após aquela desejada despedida do Governo. O indómito Costa - o maior politiqueiro depois de J. M. de Alpoim (é ler a História...) tudo programou. Dizendo melhor:
- Sabia que o Pedro Nuno ia galopar em frente; e que alguém apareceria, mais a trote, a opor-se-lhe (in casu, José Luís Carneiro).
- Sabia também que, ganhe um ou o outro, as eleições internas na sua sucursal maçónica (vulgo PS), nunca esta ficará pacificada; e em devido tempo, o chamará de volta.
- Sabia isto tudo porque à direita não vislumbrou quem tomasse a sério conta do Poder e este assim permanecerá na sua órbita.
-
Contas feitas, os portugueses devem encarar dois cenários: a chefia socialista de Santos ou a de Carneiro. Em primeira instância. Sobre Santos hei de desenhar o seu vácuo perfil; sobre Carneiro deixo aqui a interrogação sobre quem é.
Porque se for o que quer aparenta ser, assistiremos à extraordinária sportingó-benfiquista disputa de dois partidos social-democratas (PSD e PS) a darem o braço - entre o verde e o vermelho - para apoiarem a viabilização de um Governo. (A Nação agradecia...) Assim José Luís Carneiro não enviese para um infinito qualquer. Já vitoriado o camarada Santos, o rumo é o do descalabro sob a sua obsessão anti-PSD (somente o que sabemos da sua maturada cabeça) até à desgraça total.
No estado a que chegámos nem seria - para mim - o pior desfecho. Pedro Nuno Santos pode ser o "eleito" para marcar o fim da III República. A seguinte, a IV, seria já transitória, a preparação de um regime sério, civilizado e renovador. Estou em crer, com a chancela do Trono. Portugal nasceu em Monarquia e talvez não morra, acorrendo a Restauração. Ou, se quisermos comparar com 1926, outra Revolução Nacional...
Com a mudança de tempo hoje, e entrada de vento de Leste e Nordeste, o Céu limpa, a temperatura desce (especialmente a mínima) e a humidade atmosférica baixa substancialmente em algumas horas do dia.
Diz quem sabe mais que eu, que a partir de Sexta 15, no Centro, e Sábado 16, a Norte, vai estar bom para queimar e, se as previsões se confirmarem, vai estar bom durantes uns dias.
A Montis, que eu saiba, é a única organização que em Portugal faz fogo controlado estritamente por razões de conservação da natureza, com efeitos positivos na gestão de combustíveis, pelo contrário, a generalidade das organizações que fazem fogo controlado fazem-no para melhorar a gestão do fogo, com efeitos ecológicos muito positivos, e a generalidade dos indivíduos que queimam nesta altura do ano fazem-no para melhorar a produtividade das pastagens, com efeitos positivos na gestão do fogo e na gestão dos valores naturais.
O certo, no entanto, é que sejam quais sejam as motivações que levem a queimar nos próximos dias, os efeitos são conhecidos e reconhecidos: mais diversidade ecológica, maior velocidade de regeneração dos solos, mais capacidade de produção e melhor preparação para gerir fogos em qualquer altura do ano.
Concluindo, quem puder queimar, por favor, que queime nestes dias, e quem tem a responsabilidade de apagar fogos, por favor, deixe arder nestes dias, é um grande investimento na melhoria do desempenho do combate aos fogos no Verão e um grandíssimo investimento no aumento da diversidade das nossas paisagens.
Hoje estive estacionado, de janela aberta, perto de 15 minutos. Não pude deixar de ouvir dois cidadãos que discutiam questões relativas ao seu clube, mesmo ao pé da minha janela.
O grande tema era o anti jogo, ou melhor, a falta dele, pelo seu clube, que lhes teria custado uma derrota. O suficiente para criticar treinador e jogadores que não se apercebiam do óbvio: que o anti jogo é parte do jogo. Em abono da verdade, um deles dizia que não lhe agradava, mas entendia a sua necessidade para segurar resultados e não criticava quem prejudicava o seu próprio clube usando anti-jogo que deveria incluir, no mínimo, jogadores deitados fingindo lesões, provocações aos jogadores adversários para provocar interrupções e faltas de concentração e provocações aos elementos do banco de suplentes e equipa técnica.
Só seguimos Kissinger na bola e na política.
Não, o post não é sobre o novo aeroporto, embora tenha como base a discussão sobre o novo aeroporto.
Para simplificar, cito João Miguel Tavares no Público de hoje.
""Se o advogado não vir acordo possível para a opção Alcochete e a ANA continuar a insistir na opção Montijo, o PSD deverá abandonar a ideia de Alcochete". Vale a pena sublinhar o que está aqui a ser dito: se no braço-de-ferro entre Estado e ANA o doutor Souza d'Alte achar que a ANA +e que deve decidir a localização do novo aeroporto, Alcochete vai pelo cano ... Conclusão: "O PSD não tem interesse em sobrepor-se ao concessionário"".
Já Rosário Partidário (declaração de interesses, conheço Rosário Partidário há muitos anos, cruzámos profissionalmente aqui e ali, raramente com opiniões coincidentes) tinha dito que os maiores riscos para Alcochete eram jurídicos e acrescentou que estamos nas mãos da ANA.
Há muita gente escandalizada com o peso que a ANA tem na decisão sobre a localização do aeroporto (como se os atrasos nessa decisão fossem da responsabolidade da ANA, já agora) e João Miguel Tavares, nesta crónica, até invoca as ligações ao poder de José Luis Arnaut, presidente da ANA, para fazer processos de intenções sobre eventuais trocas de favores entre a direcção do PSD e José Luís Arnaut, sabe-se lá a troco que quê, diz ele.
Não vou perder tempo a fazer notar que ninguém podia prever a situação política existente ao tempo da entrega do relatório da comissão do aeroporto, nem a realçar que, com certeza, a ANA saberá muito mais de gestão de aeroportos que Rosário Partidário e toda a comissão.
Não são esses os ângulos do assunto que me interessam.
O que me interessa é esta ideia de que os contratos com o Estado são uma coisa de cumprimento facultativo para o Estado.
De todas as privatizações de Passos Coelho, a da ANA é a que mais me incomoda porque preferia que os aeroportos tivessem sido privatizados um a um, criando concorrência entre eles, por mais que perceba que isso poderia significar que alguns aeroportos poderiam não ter interessados e, sobretudo, que o valor global que se conseguiria arrecadar com a privatização seria muito diferente.
Ou seja, veria com bons olhos que os milhares de milhões gastos na TAP tivessem antes sido usados a resgatar a concessão da ANA, se se entender que o contrato de concessão é desequilibrado a favor do concessionário (não faço ideia se é, não percebo nada do assunto).
O que não faz sentido é dizer que o Estado está nas mãos de um concessionário, o Estado está nas mãos de um contrato e é normal que as questões jurídicas decorrentes desse contrato sejam escrutinadas ao pormenor por juristas e, se necessário, dirimidas em tribunal, o que não faz sentido é o Estado estar a responsabilizar o concessionário pelos efeitos que decorrem de um contrato livremente assinado pelo Estado.
O que não faz sentido é uma comissão sobre este assunto não discutir, à cabeça, as questões decorrentes do contrato e dizer que o resgate da concessão custa X e isso deveria, ou não, ser feito para que fosse tomada uma melhor decisão ou, em alternativa, desenhar soluções que sejam aceitáveis pelo concessionário.
Quando em determinada altura aproveitei umas decisões do governo Sócrates para passar uns anos fora da administração pública, o que me permitiu pagar as minhas dívidas da vida inteira, antes de voltar à função pública, o Estado alterou unilateralmente essas condições umas quatro vezes, de uma forma que qualquer tribunal de trabalho teria decidido a meu favor se tudo se passasse na actividade privada.
Quando, irritado com essa prepotência, conversei com um dos meus irmãos, mais que habituado a avaliar essas prepotências (não só tinha sido procurador no tribunal do trabalho como trabalhou muitos anos na Provedoria de Justiça), ele não teve a menor dúvida em dizer que era evidentemente uma prepotência, se fosse na privada ganhava de caras qualquer processo no tribunal de trabalho mas, para ele, era evidente que ao Estado não se poderiam aplicar as mesmas regras porque alguém poderia aproveitar para aprovar coisas favoráveis aos amigos e depois quem arcava com as consequências eram os contribuintes. Não consegui convencê-lo de que era o Estado que tinha de encontrar maneiras de penalizar os seus funcionários que abusassem do seu poder, em vez de restringir os meus direitos ao ponto de me ser impossível contestar decisões unilaterais sobre um contrato que eu tinha com o Estado, e que se traduziam em reduzir em 50% o que recebia, de um momento para o outro.
O Estado e a sociedade acham tão normal que o Estado tenha um entendimento especial do cumprimento dos contratos que assina, que até tem um tribunal privativo, o tribunal administrativo, em que as regras são diferentes das que se aplicam a quaisquer outras duas partes em conflito.
E é por isso que a ANA vai buscar José Luís Arnaut, ou qualquer outro "influencer", para seu presidente, porque sabe que em Portugal os mecanismos informais de decisão são pelo menos tão importantes como os contratos que o Estado assina e em que não se pode confiar (Neeleman, a esta hora, já percebeu isso, deveria ter contratado Pedro Nuno Santos para presidente não executivo da TAP, logo que tomou conta da empresa).
Só que o problema não está nos concessionários e afins que têm de lidar com o Estado, o problema está num Estado anti-social que considera que os contratos que assina podem ser sistematicamente contestados, não com argumentos jurídicos, mas com tretas como o desequilíbrio de contratos de concessão a favor do concessionário, como se fossem os concessionários a impor os contratos ao concedente.
Em Portugal, basta um governante, um comissário, um jornalista, um comentador, dizer que o Estado não pode estar nas mãos dos concessionários para obter um aplauso generalizado, sem que alguém faça notar que o Estado não está nas mãos das pessoas ou instituições com quem estabelece contratos, está nas mãos dos contratos e das leis que os regem, e é bom que assim seja, o respeito pelos contratos é uma marca de água da solidez social das comunidades em que são estabelecidos.
Só Estados anti-sociais, como o nosso, passam o tempo todo a romper contratos com argumentos não jurídicos de treta.
A entrevista tem algum tempo, mas só há pouco tempo vi uma entrevista de Fausto em que, para meu espanto, quando lhe perguntam se as pessoas em Angola viviam melhor antes da independência ou agora (Fausto, para todos os efeitos, é angolano de origem, tal como eu sou angolano de nascimento, e moçambicano de origem), Fausto hesita, faz uma pausa, diz que sabe que o que vai dizer é controverso, mas não tem como deixar de dizer que acha que sim, que as pessoas viviam melhor antes da independência.
Por causa dos meus vários passados, metem-me frequentemente em grupos ligados a diferentes fases da minha vida, nomeadamente vários relacionados com Moçambique.
Não sou muito dado a nostalgias e tenho péssima memória, portanto sou um membro praticamente adormecido nesses grupos em que as pessoas falam dos seus passados e presente e, frequentemente, quando aparece uma fotografia de antes da independência dos países africanos, há comentários sobre a cor da pele das pessoas que estão na fotografia, seja porque numa esplanada todos (ou quase) clientes são brancos e os criados são pretos, seja porque na fotografia dos finalistas de um liceu qualquer, há muito mais brancos que não brancos (para usar a terminologia dos segregacionistas).
Por causa de uma situação dessas, e lembrando-me da resposta do Fausto, resolvi ir ler o relatório dos censos de 2017 de Moçambique dedicado à educação, para tentar perceber se a resposta de Fausto tem alguma base empírica ou se as referências ao racismo estrutural têm alguma utilidade.
A minha posição de partida é relativamente simples de enunciar: está a confundir-se racismo com estratificação social clássica, baseada nas condições sócio-económicas, porque existe sobre-representação de brancos nas classes altas e sobre-representação de não brancos nas classes economica e socialmente mais frágeis.
Só que correlação não é causalidade.
A independência desses países permite avaliar em que medida a questão é essencialmente o resultado de modelos sociais racistas ou à mais que velha questão da desigualdade social que, em alguns contextos, tem uma ligação com características individuais como a cor da pele, a pertença a um grupo religioso ou social qualquer, sem que se altere quando deixa de ter essa ligação.
Para evitar mal-entendidos, não pretendo negar a existência de racismo, o que seria absurdo, o que me interessa discutir é se a correlação entre estratificação social e cor da pele que se verificava era um mero resultado da história ou um resultado procurado por políticas sociais e económicas (provavelmente as duas coisas contribuem para o resultado, mas interessa discutir com que peso relativo, se se pretende, no futuro, responder melhor à reprodução social).
Comecemos pelo princípio, a população de Moçambique, em vinte anos (de 1997 a 2017), praticamente duplicou, passando de 15,3 milhões de pessoas para 26,9 milhões, tendo partido de cerca de 9 milhões em 1975 (ou seja, praticamente triplicou nos 40 e tal anos da independência, depois de ter passado de 7 milhões para 9 milhões entre 1960 e 1970).
A faixa etária que deveria frequentar o ensino primário, entre os 6 e os 12 anos, também aumentou enormemente entre 1997 e 2017, de 2,9 milhões para 5,7 milhões.
Portanto, começando a responder à pergunta a que Fausto responde (se as pessoas viviam melhor antes ou depois da independência), não é nada linear que vivessem melhor antes da independência - o rápido crescimento populacional, de maneira geral, corresponde a uma melhoria das condições sociais da população, com taxas de mortalidade a cair acentuadamente - mas é perfeitamente compreensível que a percepção seja outra porque os factores que determinavam a elevada mortalidade infantil poderiam não ser especialmente visíveis para quem fazia parte das classes mais favorecidas.
Mas a frequência escolar é hoje mais alta do que era?
A resposta não é fácil para mim porque me limitei a olhar para um relatório que se foca na evolução entre os censos de 1997 e 2017, do qual consta este boneco, que refere apenas números absolutos de alunos e não taxas de escolarização (há uma subida de 5% para 25% da população total inscrita no ensino primário de 1975 para 2017, mas a verdade é que a estrutura etária da população se alterou muito entre os dois momentos)
Entre 1997 e 2017, o que os censos mostram é um aumento da taxa de escolarização, mas com um aumento paralelo do número de crianças em idade escolar que não vão à escola (sobretudo no período entre 2007 e 2017, entre 1997 e 2007 a evolução é mais positiva).
Este aparente paradoxo explica-se pelo tal crescimento rápido da população: embora a percentagem de crianças que vão à escola aumente, aumenta menos rapidamente que a população em idade escolar, pelo que cresce, em números absolutos, o número de crianças que não vão à escola.
O país teria de responder a uma necessidade de maior cobertura escolar, ao mesmo tempo que essa necessidade aumenta todos os anos porque a população em idade escolar também aumenta rapidamente.
Sendo, como era, o ponto de partida muito mau, isto anuncia um desastre no sistema educativo moçambicano, o que é coincidente com as poucas evidências contingentes que vou tendo, quer do tempo em que tive sobrinhos e filhas a fazer voluntariado na Ilha de Moçambique, quer da minha longa conversa com uma professora, quando há seis anos estive no Chokwé, professora que tinha acabado de se reformar depois de uma carreira que começa exactamente com a independência, quer ainda pelas notícias que vou tendo da missão de Nampula em que temos dois ou três afilhados (as irmãs missionárias comprometem-se a educar uma criança com um donativo de 70 euros por ano, que muitas vezes inclui apoio em roupa, materiais e comida, porque trabalham com gente muito pobre).
Note-se que a taxa de escolarização no segundo ciclo básico (depois da terceira classe e até aos 12/ 13 anos) era de 2% em 1997 (em 2017 seria de 17%) o que dá uma ideia de como o ponto de partida era miserável, no conjunto do país (as disparidades são muito grandes entre os meios urbanos e rurais e entre Maputo e Beira e o resto do país), quer no momento da indepedência, quer depois, na sequência de uma longa guerra civil que apenas acaba em 1992 que, por exemplo, destruiu praticamente todas as escolas em meio rural.
Se houvesse dúvidas, o número de pessoas com formação do magistério primário no país era de perto de 33 mil, para um número de alunos inscritos que andaria pelos 4,1 milhões de crianças (120 crianças por professor, o que põe em evidência a existência de um grande número de professores sem grande preparação para o exercício da profissão), não contando com os tais alunos que nem inscritos na escola estão, nem com o absentismo dos professores, calculado em 45% neste relatório.
Não admira, por isso, que a percentagem de alunos que completam a terceira classe sem saber ler seja muito elevada, isto é, todos estes dados sobre frequência do ensino acabam por dizer pouco sobre o que de facto aprendem os alunos, mas parece claro que há melhorias relevantes face ao período pré-independência, estando-se ainda longe de uma situação minimanente satisfatória.
No entanto, há um dado relevante que aparece neste boneco:
Quando se olha para este quadro, que reflecte a progressiva diminuição do analfabetismo, há uma anomalia na faixa etária dos 30 aos 34 anos em 1997, que se vê ainda na faixa dos 40 aos 44, em 2007 (o gráfico tem um problema de inversão de cores neste ponto).
O que se verifica é que nessa faixa etária, que corresponde aos que tinham idade escolar imediatamente antes da independência, o analfabetismo é menor que na faixa etária mais baixa, sugerindo que no período imediatamente antes da independência estava a haver uma evolução favorável que é interrompida.
Esta interrupção talvez tenha duas origens, a primeira a perda de grande parte do capital humano instalado com a expulsão de base racial que ocorre nas classes mais instruídas, a segunda os efeitos da longa guerra civil.
O que pode sugerir que as retóricas anti-racistas mais radicais, e assentes na ideia de que só existe racismo num sentido (de brancos para não brancos) pode ter provocado mais problemas ao país que geralmente se admite e que manter essa retórica apenas serve para disfarçar as responsabilidades das elites (incluindo as suas responsabilidade na guerra civil) que governaram o país desde que é independente.
E finalmente chego à primeira palavra do título do post, que nunca usei até aqui: a retórica sobre os efeitos reais e actuais do comércio transatlântico de escravos, que começa por omitir a escravatura dentro de África nessa altura, tem provavelmente os mesmos efeitos que a retórica anti-racista radical, isto é, provocar danos reais na vida das pessoas e desresponsabilizar as elites negras pelas asneiras que vão fazendo.
É difícil dizer que Fausto tem razão quando diz que as pessoas viviam melhor (o rápido crescimento populacional em África parece desmentir essa afirmação), mas não é nada absurda a ideia de que a indepedência, que seria sempre inevitável e justa a prazo, travou, mais que potenciou, a melhoria que está a ocorrer, que se deverá mais a razões gerais de evolução técnica e de conhecimento que à qualidade dos governos e das políticas adoptadas.
Seria a altura de responsabilizar as elites destes novos países independentes pelo que andaram a fazer, em vez de alimentar a sua irresponsabilidade com discuros inflamados sobre escravatura, racismo e colonialismo.
Não é segredo que, salvo algum percalço até às eleições, tenderei a votar na Iniciativa Liberal (para as legislativas, nas europeias subsequentes tenho dúvidas).
Faço-o porque voto num concelho suficientemente grande para ter a possibilidade de eleger deputados da Iniciativa Liberal, portanto serve o objectivo principal de ter menos deputados do PS.
Tendo a concordar com a ideia de que os partidos devem ir a votos separadamente quando as suas propostas eleitorais são suficientemente distintas, portanto não faço parte dos que criticam a Iniciativa Liberal por recusar coligações.
Questão diferente é a de apresentar candidaturas em círculos em que nem nos melhores sonhos há qualquer possibilidade da Iniciativa Liberal eleger deputados, isto é, todos os que não sejam Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Aveiro.
Nesses círculos a Iniciativa Liberal apresentar candidaturas é uma decisão estritamente do interesse partidário pelo que deveria abster-se de o fazer, se possível, negociando o apoio ao PSD com o compromisso de alterar o sistema eleitoral para criar um círculo eleitoral de compensação que em futuras eleições permita aos eleitores dos pequenos partidos da Europa, Fora Europa, Portalegre, Beja, Bragança, Évora e Guarda (para só citar os círculos que apenas elegem dois ou três deputados, deitando ao lixo todos os votos que não sejam nos dois maiores partidos) sentir-se representados.
Pregação de São João Baptista de Diogo de Contreiras actualmente no MNAA
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no profeta Isaías: «Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». Apareceu João Baptista no deserto, a proclamar um baptismo de penitência para remissão dos pecados. Acorria a ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João vestia-se de pêlos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. E, na sua pregação, dizia: «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu baptizo-vos na água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo».
Palavra da salvação.
Muito se fala sobre as gémeas brasileiras que receberam um tratamento milionário, de quem foi a cunha, de quem participou nesse processo. É difícil imaginar que o Presidente e o governo não estejam implicados. Seria óptimo que se tirassem algumas consequências. Seria ainda melhor que o sistema deixasse de ser o que sempre foi.
Neste caso, existem dois elementos subjacentes: o tratamento é um acto de humanidade, o custo do tratamento, ultrapassa aquilo que muitas pessoas consideram como razoável para a prestação de cuidados de saúde ou para actos humanitários. O humanismo dos envolvidos não pode ser invocado como justificação se for feito à custa de terceiros, neste caso os Portugueses.
Em Gaza, o Hamas ganhou a batalha mediática exactamente porque sermos humanos à custa dos outros é muito mais popular do que com o nosso dinheiro ou segurança.Tal como aconteceu com o Presidente da Republica e o governo que, na melhor das hipóteses, foram humanos à custa do dinheiro dos Portugueses.
Para protecção de tantos palestinianos inocentes, o mundo civilizado deixou os EUA sozinho na defesa de Israel. No entanto, não conheço um Pais civilizado que não exigisse o seu direito de se defender de um grupo terrorista que cometa atrocidades em larga escala, mesmo que obrigue a catástrofes humanitárias de quem tem a infelicidade de lhes servir como escudos humanos.
É evidente que estamos na presença de um desastre humanitário. Não podemos deixar de exigir a contenção possível a Israel. Não podemos hipocritamente ditar Humanismo, que para nós não tem qualquer custo, mas que representa um custo para outros (Israelitas), tão vitimas como os palestinianos.
PS: Antecipando alguns comentários, sou completamente contra os colonatos na Cisjordânia. Aproveito para lembrar as humanitárias da segunda grande guerra ( bombardeamento de cidades alemãs), que são comummente aceites como justificáveis, apesar de bem mais brutais do que acontece na faixa de Gaza.
"“Não está a haver uma proteção eficaz dos civis em Gaza“, diz António Guterres".
Isto é verdade e esta frase é verdadeira.
Mas a razão para que assim seja, não está no facto de Israel atacar alvos civis, está no facto do Hamas transformar civis em alvos.
Para os civis que morrem é igual, mas para os outros não é e convém não confundir as coisas.
Infelizmente as agências da ONU e o seu Secretário-geral estão há dois meses a confundir isto e a lançar confusão sobre isto.
Nas cortes celebradas em Lisboa no ano de 1646 declarou o rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe em seu nome, e dos seus sucessores, o tributo anual de cinquenta cruzados de ouro. D. João IV assumiu ainda coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha de Portugal. Ordenou o mesmo soberano que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus.
“Seja assi, Senhora, seja assi; e eu vos prometo, em nome de todo este Reyno, que elle agradecido levante um tropheo a Vossa Immaculada Conceição, que vencendo os seculos, seja eterno monumento da Restauração de Portugal, Fiat, fiat." (Frei João de S. Bernardino, 8 de Dezembro de 1640)
Imagem: Alegoria da aclamação de Nossa Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal (Museu de Arte do Rio)
Estando desde Janeiro a acompanhar, a cada uma das 12 luas cheias, uma música nova daquele que viria a ser o primeiro disco de originais de Peter Gabriel desde 2002, terminada uma tournée de apresentação, eis que o conjunto é agora publicado fisicamente em forma de disco compacto e vinil. Aqui chegados, aguardava eu por parte da imprensa especializada as respectivas críticas nacionais e estrangeiras. Não poupando elogios, surpreendeu-me que pouco mais reflectissem do que aquilo que eu presumo ser o comunicado de imprensa fornecido pela editora do artista. Foi isso que me impeliu a dar-me ao trabalho de escrever algumas impressões pessoais sobre este disco que aguardava há mais de 20 anos. Vale-me o facto de não ser um crítico profissional, dando-me ao luxo de só escrever sobre aquilo que gosto e quando me dá na real gana. Não precisei de nenhum press kit, e o meu exemplar do disco (cujos temas foram sendo publicados nas plataformas de streaming) apenas me chegará às mãos como presente no sapatinho no dia de Natal. Como já tenho alguma idade, não só gosto do disco na forma física, como me habituei a ouvi-los respeitando a sequência dos temas, aspecto de grande importância para a impressão sobre a obra. Caprichos meus.
Não é segredo para ninguém, para os meus amigos ou para a meia-dúzia de pressoas que acompanha os meus escritos, que sou grande fã de música popular em geral e de Peter Gabriel em particular. Trata-se de um músico sofisticado e inconfundível vocalista que sigo desde os seus tempos dos Genesis, banda de Rock chamado “sinfónico” dos anos 70, que abordei aqui em tempos. Não foi certamente por causa do seu assumido sotaque inglês, aspecto pouco comum entre os músicos pop britânicos que se pretendam internacionalizar, que o artista me seduziu no início da adolescência quando o conheci no álbum duplo “The Lamb Lies Down on Broadway”. Publicado em 1975 este era um surpreendente disco conceptual (que conta uma história) em que Gabriel vestia a pele de um jovem marginal porto-riquenho perdido em Nova Iorque. O personagem, de seu nome Rael, (dizem que se trata dum anagrama de Gabriel), protagonizava uma enigmática aventura de autodescoberta apresentada em múltiplos quadros, uns inquietantes, outros bizarros e uns quantos encantadores. Foi com esse disco intenso com noventa minutos, que durante meses perscrutei minuciosamente na descoberta das melodias e tentativa inglória decifrar o ininteligível enredo integralmente escrito por Gabriel, que me descobri adolescente e me afeiçoei àquela voz rouca inconfundível. Meses mais tarde, no fim da tournée que passou por Cascais, Gabriel abandonaria os Genesis que fundara e de quem era o rosto mais carismático. Em 1977 iniciaria a aventura a solo de sucesso que conhecemos, um recomeço ousado para quem chegara a colocar em dúvida a carreira musical, farto que o jovem artista tinha ficado da intensidade e exigência do mundo do espectáculo. Arranjar uma nova banda e desfazer-se do legado Genesis que trazia agarrado à pele afigurava-se um enorme desafio.
Peter Brian Gabriel nasceu em Chobham, a 15 km de Londres, em 1950, numa família de classe média. A sua mãe Edith Irene era violoncelista e o seu pai Ralph Gabriel engenheiro electrotécnico, acaso que explicará a conjugação do seu fascínio pela tecnologia com vocação musical. Com uma esmerada educação, frequentou a Charterhouse School, o colégio privado interno onde conheceu os outros fundadores dos Genesis, Tony Banks, Anthony Phillips, Mike Rutherford e Chris Stewart.
Gostei muito dos seus primeiros 3 discos – todos sem nome: o primeiro pela novidade e por 3 ou 4 temas de antologia, sendo um deles “Solsbury Hill”; o segundo pela sonoridade e irreverência, puro Art Rock com reminiscências Punk, à maneira de “Back in New York City” o seu profundo grito de rebeldia genesiano em “The Lamb…” (a não perder a interpretação desta música por Jeff Buckley). Desse álbum são preciosas pérolas os temas hoje praticamente esquecidos como "Mother of Violence", "A Wonderful Day in a One-Way World", "White Shadow" "Indigo", "Exposure" (um festival de Robert Fripp), "Flotsam and Jetsam" e "Home Sweet Home", este último um cínico conto sobre um casal disfuncional sufocado num andar da impiedosa cidade de betão, rico em apontamentos de tragédia e sarcasmo. Ao mesmo tempo, em 1980, Peter Gabriel criava o projecto da sua vida, o WOMAD, um festival internacional de música e dança do mundo (World Music) que até hoje reúne anualmente artistas dos cinco continentes. Numa primeira fase, o projecto foi à falência, caso que ocasionou em 1982 a sua única reunião com os ex-parceiros dos Genesis, num grandioso espectáculo à chuva intitulado “Six of the Best” que ajudou Peter Gabriel a angariar fundos para pagar as dívidas e retomar o projecto.
Passados cinquenta anos desses tempos juvenis e audazes, Peter Gabriel está de volta com um disco novo, que soa como um balanço e uma despedida. Serena despedida. Longe vão os tempos dos seus álbuns de ousadas sonoridades experimentais, electrónicas e acústicas, na produção de arrojados concertos teatrais, visualmente vanguardistas, na senda do “espectáculo total”, que era o seu contestado propósito no tempo dos Genesis.
Gravado no seu grande e bem equipado Real World Studios situado em Bath, num ambiente bucólico (um equipamento residencial e tecnológico desenhado para gravações musicais e acolhimento de artistas) o novo álbum foi intitulado i/o (input/output). Acompanhado pelos seus músicos de sempre, Tony Levin, David Rhodes e Manu Katché e a assombrosa sonoridade electrónica de Brian Eno, Peter Gabriel parece-me em grande forma. Concordo com Marcos Richardson do Wall Street Journal, que considera a obra como “terna e optimista, um caloroso abraço de um dos praticantes mais meticulosos do art-rock.” O disco é composto por 12 temas que soam a uma serena despedida de quem sempre foi capaz de se elevar às alturas na procura de uma perspectiva desenganada do mundo e de si próprio, que atribua sentido à história, pessoal ou universal, um enquadramento da existência, o estranho privilégio de existir com consciência, num exigente sentido superior, estético, moral. Revelada de distintas formas, foi sempre esta inquietação que me atraiu em Peter Gabriel. Ele não é crente como eu procuro ser, mas quer crer. E essa procura nota-se em toda a sua carreira artística. Apaixonado pela natureza, assume-se no tema que dá nome ao disco i/o, assim como que panteísta, que somos todos parte de um todo, que desse modo as coisas ganham sentido “I’m just a part of everything, I’ll be laid to rest in a proper place, in the roots of an old oak tree, where life can move freely in and out of me.”
Mas é na belíssima faixa “Playing for time” que se adivinha mais explícito o tom de balanço e despedida deste seu sétimo álbum de originais “Oh, all the moments come and go, While the memories ebb and flow, And play again, play again, Oh, there’s a hill that we must climb, Climb through all the mists of time, It’s all in here what we’ve been through”. Depois comovemo-nos com “And Still”, com a sua homenagem à falecida mãe violoncelista de quem herdou o gosto pela música: “All gone away, All gone away, I place my head against your skin, As I did as a boy. And still your hands feel cold, Those hands that brushed my hair, I feel you everywhere, And I'll carry you inside of me, In every place that I will be.” O mesmo tom melancólico encontra-se em “So Much” sobre a finitude da existência enorme que cabe numa vida, sempre sem sombra de lamechice, antes uma soberba e despretensiosa canção.
Mas é na última lua cheia, perdão, canção do disco, intitulada “Live and let live” que Gabriel nos deixa rendidos: “It takes courage, To learn to forgive, To be brave enough to listen, To live and let live, It takes courage, To start to forgive, To be brave enough to listen, To live and let live, let live”. Rendidos à única solução, à guerra e à violência, uma mensagem cristã que soa óbvia e autêntica: o perdão é difícil, mas é a única saída, a nossa única salvação. Pesado é o fardo da revolta.
A playlist completa deste disco já se encontra disponível nas plataformas de streaming, mas eu aguardarei serenamente pelo dia de Natal para desembrulhar e pôr a rodar este disco que foi muito aguardado. Requintadamente produzido em duas misturas, a versão “Bright-Side Mixes” e “Dark-Side Mixes” com uma bateria de vozes e instrumentistas convidados como o Soweto Gospel Choir, Orphei Drängar um coro masculino sueco e a New Blood Orchestra dirigida por John Metcalfe, este disco tem o que é preciso para usufruirmos longas horas de prazer musical, sensitivo. Peter Gabriel, pacificado, envelheceu bem e ofereceu-nos uma serena despedida.
Ou talvez não.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
Não há um problemas com a credibilidade do Governo...
O artigo não está nada mau não, vamos para a teori...
Estou a ficar desiludido. Segundo o que vou ouvind...
Absolutamente execrável essa de Ana Gomes.Debita d...
Quem derrubou o governo foi quem rejeitou a moção ...