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Há perto de quinze anos escrevi este post sobre Sócrates (que, então, estava no auge do seu poder).
Ontem escrevi um post que é essencialmente igual, sobre António Costa e Luís Montenegro.
Tanto num caso como noutro, explicitamente escrevia que discutir se alguém é corrupto ou não é assunto que deixo para a polícia resolver (independentemente da opinião que eu tenha sobre cada pessoa, se há coisa que aprendi é que as pessoas não têm escrito na testa que são aldrabões ou ladrões e que os melhores aldrabões são exactamente os mais simpáticos, razoáveis e sensatos, porque sabem que o êxito das suas aldrabices dependem da confiança que conseguem criar nos outros).
Num caso como noutro, o que me interessava era a forma como se tomam decisões ou se reaje às circunstâncias.
A razão pela qual sou especialmente sensível à forma como se tomam decisões (ao ponto de mudar o meu voto natural nas próximas eleições por causa da forma como foram feitas as listas da IL em Lisboa) prende-se com o meu pessimismo antropológico: acho que somos todos mais ou menos iguais, todos mais ou menos permeáveis aos estímulos externos, em todos a carne é fraca e a natureza humana é o que é (não sendo grande coisa, sob muitos aspectos, permite-lhe tocar e cantar a Paixão Segundo São Mateus, de Bach, o que é notável).
Haverá santos, com certeza, mas são poucos, difíceis de distinguir dos melhores aldrabões e, frequentemente, a sua santidade reside na forma heróica como reagem a circunstâncias de um determinado momento, podendo ter sido do piorio o resto da vida.
Daí que discutir a superioridade moral do António e do Manuel seja matéria que não me interessa por aí além, o que me interessa é a discussão sobre a forma e o contexto em que se tomam decisões.
Por exemplo, pretender que fazer buscas à casa oficial do primeiro-ministro, diligência que é impossível executar em segredo, e não dar qualquer informação concreta sobre o que motiva essas buscas defende melhor o bom nome do primeiro-ministro que fazê-las acompanhadas da informação pública mínima que permita às pessoas fazer juízos sobre o que está em causa, é uma ideia que, para mim, não faz o menor sentido.
Andar com telefonemas e outras diligências não publicamente controláveis para tomar decisões admnistrativas que beneficiam pessoas ou organizações, em vez de reuniões formais com registo do que se passa nessas reuniões, é uma prática errada para mim e indiciadora de uma cultura política que favorece a corrupção e o tráfico de influências.
Discutir este tipo de regras em abstracto parece-me muito mais útil que andar a discutir se Montenegro me inspira confiança ou não, ou se ponho as mãos no fogo por ele ou não (não ponho por mim, quanto mais por terceiros).
Se quando faço um post, estritamente sobre a diferença de reacção de Costa e Montenegro face à notícia de um inquérito judicial em curso, há tantas reacções primárias de quem tem opinião definitiva sobre a substância dos factos que seria dispensável haver polícia e tribunais, é mesmo porque não temos grande apreço por regras gerais aplicáveis a todos, isto é, que a qualidade das nossas instituições é um assunto que não interessa a muita gente.
Eu sei que não deveria ter dúvidas sobre isto, de tal maneira foi fácil a António Costa livrar-se da sua mais que antiga e próxima ligação a Sócrates, com o argumento infantil de que não deu por nada.
Eu, que nunca trabalhei tão próximo de Sócrates como António Costa, que nunca o apoiei em coisa nenhuma, e a quem bastaram umas semanas a vê-lo actuar como secretário de estado num ministério em que eu era sub-director geral, fiquei rapidamente vacinado em relação aos seus métodos e António Costa nunca deu por nada?
Um dia, quando Sócrates era o Ministro do Ambiente e estava em Aveiro, entra no carro e diz ao motorista: tenho uma reunião em Lisboa daqui a uma hora e meia e quero chegar a horas. Entretanto vou dormir mas aviso já que não o autorizo a conduzir em excesso de velocidade.
Histórias destas ouvi às paletes e definem muito bem Sócrates, colocando um seu subordinado entre a espada e a parede, levando-o a não cumprir a tarefa que lhe é dada (estar a horas) ou não cumprir as regras, mas encontrando uma forma de responsabilizar totalmente o motorista pelo incumprimento das regras, se houvesse um problema.
Para mim, isto tem importância porque é um evidente abuso de poder exercido sobre quem não se pode defender e define uma pessoa.
Para António Costa deve ser uma boa história e uma boa solução criativa para resolver um problema.
Por isso fiquei vacinado com os métodos de Sócrates ao fim de algumas semanas de convívio distante e António Costa (tal como todo o PS) não viu nada durante anos de colaboração próxima.
Os posts são sobre isto, sobre formas decentes e indecentes de tomar decisões e de reagir a contextos.
Responsabilizar o Ministério Público pelos efeitos de uma decisão própria é uma forma indecente de lidar com a notícia de um inquérito judicial que tem como efeito a erosão das instituições.
Realçar que o Ministério Público está a fazer o seu trabalho e se discute no fim quem tem razão é uma forma decente de lidar com a notícia de um inquérito judicial que tem como efeito o reforço das instituições.
Se Montenegro é corrupto, se houve tráfico de influências e essas coisas todas, não sei, não faço ideia e espero que a polícia e o Ministério Público façam competentemente o seu trabalho.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor. Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo». O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia, tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.
Palavra da salvação.
Imagem: Murillo (1617-1682)
Ontem foi notícia o facto do Ministério Público confirmar que tem um inquérito a correr sobre a construção de uma casa de Luís Montenegro.
O Ministério Público abrir inquérito tem tanta importância como organizações fazerem auditorias e coisas que tais, é importante que se faça, é fundamental que existam, mas só o seu resultado concreto é que permite tirar conclusões.
No caso do Ministério Público há paletes de inquéritos que têm de ser abertos porque a lei determina que assim seja, quer porque há notícia de um facto, quer porque há uma denúncia, por exemplo, e a abertura do inquérito não diz nada sobre a veracidade da notícia ou a solidez da denúncia.
O que me interessa é olhar para a forma como António Costa e Luís Montenegro reagiram à notícia de que haveria inquéritos a correr no Ministério Público que os envolviam.
António Costa, como é seu costume, olhou para a oportunidade que a notícia desse inquérito lhe abria, e usou a oportunidade: aproveitou para se livrar de uma situação política esgotada e pôr-se a jeito para prosseguir a sua carreira política e pessoal.
Como para aproveitar a oportunidade era preciso uma iniciativa sua que o enfraquecia - pedir a demissão por uma questão de lana caprina, entregando o país e o PS a uma instabilidade política que teria custos para si - fez o que tem feito toda a vida, escolheu alguém para responsabilizar pelos seus fracassos.
O candidato evidente era o Ministério Público e a Procuradora Geral da República que ele próprio tinha escolhido para poder substituir Joana Marques Vidal que era demasiado independente para o seu gosto, e inventou uma história mirabolante com base numa suposta obrigação sua para se demitir - obrigação que nunca defendeu que existia quando Sócrates foi investigado vezes sem conta, mesmo ainda em funções, para já não falar dos inúmeros membros dos seus governos envolvidos em investigações - atribuindo isso ao facto da Procuradora Geral ter feito o que era uma obrigação mínima de transparência, informar o público sobre a existência de um inquérito que o envolvia.
A António Costa não preocupa minimamente o facto dessa inventona erodir a solidez das instituições, levantando suspeitas de que as instituições se desviam facilmente das suas obrigações públicas para servir interesses privados, porque António Costa não tem o menor respeito pelas instituições e sempre as usou para se servir delas, prejudicando-as ou não.
Luís Montenegro, pelo contrário, disse o que deve ser dito institucionalmente, que o Ministério Público está a cumprir o seu dever e que ainda bem que há investigações que permitirão esclarecer, no futuro, quem tem razão, reforçando a credibilidade das instituições.
Institucionalmente, António Costa representa a cultura política do PS que governa Portugal quase há trinta anos, com curtos intervalos em circunstâncias muito especiais, Luís Montenegro demonstrou uma cultura institucional diferente.
Essa diferença é o essencial do que me interessa nas próximas eleições, não, não são todos iguais e votar numa cultura institucional, noutra cultura institucional ou achar indiferente o país ter uma ou outra cultura institucional, não é irrelevante.
Em 1893, num período de grande agitação política subsequente ao Ultimato, à revolta republicana no Porto em plena ascensão do republicanismo em Lisboa, o meu bisavô homónimo João de Lancastre e Távora envolvia-se publicamente numa polémica, através duma carta publicada no jornal “Novidades”, com o presidente do partido Legitimista de que era destacado membro, o Conde de Redinha. Acontece que este tinha publicado dias antes um artigo de fundo no jornal “A Nação” em que defendia existirem “afinidades espirituais” entre “Tradicionalistas” e “Republicanos”, uma “solidariedade moral que a ambos estes partidos assiste para demolirem o sistema que nos rege”. Nesse artigo, entre outras opiniões o conde justificava o 31 de Janeiro como “uma reacção natural contra a decadência que nos atrofia a alma dos portugueses”. Retorquia-lhe o meu bisavô: “Por mim, meu caro conde, além da dedicação inabalável pela pessoa do Senhor Dom Miguel, que na minha família é tradicional, a principal razão que eu encontro de ser legitimista é precisamente por achar nos ideais políticos deste partido a forma mais oposta à republicana, e também por me parecer que os meios de alcançar os fins dum e de outro partido devem ser absolutamente diferentes. Sendo este o meu modo de pensar, resolvo provocar de V. Exa. uma aprovação ou reprovação pública d’estes princípios para justificação do meu procedimento ulterior.” Parecia que se tinha atingido o fundo mais lodoso da baixa política
Escrito isto, não surpreende, portanto, encontrar 17 anos mais tarde o meu bisavô tradicionalista, perante a república implantada na sequência do regicídio, defender as tréguas entre as duas linhagens desavindas: “solução única era refazermos o que a revolução tinha desfeito e repormos tudo como estava, mesmo porque se me afigurava tão mais fácil restaurar um regime caído havia meses do que irmos reatar uma tradição de havia quase um século”. A luta pelas boas causas, a política na sua mais nobre acepção, requer abnegados interpretes com inteligência e sofisticação. Antes perder uma boa causa que a honradez.
Vem isto a propósito duma pavorosa imagem alusiva ao Natal com que me cruzei há dias no Facebook dum militante do Chega, que hesitei aqui mostrar, não pela reactividade que irei causar a gente que me é próxima e que sofreu uma vida inteira de humilhação praticada pelos progressistas donos disto tudo, mas pelo profundo mau gosto que ela representa. Esta imagem, suponho que desenvolvida por algum programa de Inteligência Artificial, resulta numa bela metáfora do que é o partido de André Ventura, produto elaborado por um oportunista que teve a genial ideia de trazer para a direita os mesmos métodos que nos habituámos a tolerar nos partidos da extrema esquerda – o aproveitamento dos sentimentos mais básicos da populaça ou simplesmente de gente revoltada com as (muitas) agruras da vida, sem limites de demagogia ou escrúpulos; o aproveitamento “duma reacção natural contra a decadência que nos atrofia a alma dos portugueses”. Não precisamos de atender ao mais gritante no despautério da imagem, a mistura da celebração do nascimento de Cristo com o nacionalismo primário (uma contradição insanável) ou no protagonismo dado à bandeira que foi estabelecida e empunhada pelos mais ferozes anticlericais de 1910 na sua luta encarniçada contra a Igreja Católica. A labreguice da santimónia acentua-se com as cores e a falta de nexo nas figuras presentes: um Jesus Cristo adulto a adorar-se a si próprio em bebé, e uma estranha figura, um pastor com patas de ovelha. Atrás, encavalitam-se figuras angelicais e terrenas de olhos em alvo dirigido ao tecto. Esta estética não surge apenas por causa duma estratégia de comunicação fundada no escândalo, é porque as três cabeças pensadoras que decidem a acção do partido não controlam nada, criaram um monstro macrocéfalo.
Muitos países europeus, bastante mais desenvolvidos que nós, debatem-se nos dias de hoje com o aparecimento de novos partidos que vêm baralhar o sistema fragilizado, e que são fruto de democracias doentes, comunidades deslaçadas. Em Portugal, incapaz de atrair as verdadeiras elites para as causas públicas, com coragem e autoridade para reformar o país, vemos crescer este fenómeno de vulgaridade que é o Chega. A Pátria não se salva com murros na mesa nem tiros na nuca, desenvolve-se com diálogo e consensos que é o que caracteriza uma nação evoluída e próspera.
Não é que seja muito de espantar, mas o meu post anterior, sendo sobre o que me parece ser o efeito prático do voto no Chega e os objectivos dos seus dirigentes, suscitou dois tipos de comentários frequentes sobre o Chega: os que se escandalizam porque acham o Chega um partido diferente dos outros, perigoso, ameaçador, boçal, infrequentável, etc., e os que se escandalizam porque acham o Chega um partido diferente dos outros, que vai acabar com a casta, a corrupção, os esquemas, etc..
Ora o post que fiz parte de um pressuposto diferente, o pressuposto de que o Chega é um partido como os outros e deve ser avaliado pelo que é normal avaliar qualquer partido.
Para mim, o Chega não tem interesse nenhum.
No médio/ longo prazo, é um partido que essencialmente quer mudar políticos e não tanto políticas, ou seja, um partido assente na certeza da superioridade moral dos dirigentes e militantes do Chega face aos restantes (neste sentido, é um partido muito próximo do BE).
E é exactamente por isso que me parece que o Chega não quer saber se governa o PS ou outro qualquer (prefere o PS porque é mais fácil federar votos de protesto com governos tão maus, mas tirando isso, tanto faz ser um ou outro partido, o que interessa aos dirigentes é acederem eles próprios ao poder), quer apenas ser o partido maioritário da direita para aceder ao poder em posição dominante, isto é, quer ser o PS da direita.
Ao contrário da Iniciativa Liberal, que é um partido ideológico, o Chega defenderá as políticas que lhe permitirem ganhar votos em cada momento (como tem vindo a fazer, basta olhar para a grande mudança do seu programa económico inicial, mal Ventura se apercebeu de que o liberalismo económico é pouco popular em Portugal), sejam elas quais forem, tal como faz o PS, há anos.
É verdade que o PSD não anda muito longe disto mas, neste momento, não me interessa muito discutir a qualidade das alternativas ao PS o que me interessa é parar a degradação institucional, o que só se consegue removendo o PS do poder.
Interessam-me opções mais liberais e menos estatistas, opções mais institucionais e menos cesaristas e opções mais abertas e menos opacas, o que me teria feito votar tranquilamente na Iniciativa Liberal, não se desse o caso da sua actual direcção ter optado pela predominância da eficácia partidária do centralismo democrático contra a criatividade da liberdade individual.
Como o Chega está mais interessado em ser o partido maioritário da direita que na qualidade das instituições, o Chega não me interessa também no curto prazo.
Resumindo, focando-me neste meu objectivo de remover o PS do poder (a frase das fraldas não será de Eça de Queiroz, mas é uma frase verdadeira quando se pretende reforçar as instituições), resta-me não votar ("são todos iguais", dizem uns, "todos fazem asneiras", dizem outros), votar AD ou Iniciativa Liberal (porque no distrito em que voto a Iniciativa Liberal elege deputados, noutros distritos, nas actuais circunstâncias, apenas me restaria votar AD ou não votar, o que inclui votos brancos e nulos).
Como a Iniciativa Liberal resolveu, no meu círculo eleitoral, privilegiar a confiança política em relação à qualidade política, usando um processo vergonhoso para o fazer, não me apetece premiar essa forma de lidar com a liberdade individual, e votarei AD, onde ao menos não tenho desilusões, já sei do que a casa gasta, acho é que, apesar de tudo, o que a casa gasta é institucionalmente mais positivo que manter o PS no poder.
O secretário de Estado das Infraestruturas e os jornalistas da Sic que lhe dão crédito e antena devem explicar quais são especificamente as obrigações estabelecidas no Anexo 9 do contrato de concessão da ANA que a Ana não cumpriu -- segundo reza a ameaça do governo PS. O que corresponderia também à remoção de um obstáculo ao gasto de rios de dinheiro no novo aeroporto -- a cujos custos a ANA põe reservas, porque não tem dinheiro dos contribuintes para esbanjar --, na nova ponte e na nova via férrea de Lisboa. Após fácil consulta online, convém que expliquem se pensam realmente que o incumprimento dos números 12, 14 e 17 justifica a anulação do contrato. Depois, num eventual momento de menor excitação e menos cegueira, podiam explicar se concordam com um dos membros da CTI que dizia que, caso a ANA não queira Alcochete, acaba-se o contrato... e ah, sim, pois, nesse caso há indemnização -- com dinheiro dos contribuintes, dessa vez esbanjado na ANA. Era bom que os jornalistas porta-vozes das manhas do governo explicassem estas coisas bem explicadas, ouvindo a ANA, já agora, não vá alguém pensar que se está perante mais uma manobra rasca de propaganda.
Para quem, como eu, entende que o resultado prioritário das próximas eleições é afastar o PS da esfera do poder (concordando com Eça de Queiroz que entendia que as fraldas e os governos devem ser mudados periodicamente, e pelas mesmas razões) poder-se-ia pensar que acho o voto no Chega uma das vias possíveis para obter esse resultado.
Não é tal.
O Chega e o PS têm um objectivo comum, embora por razões diferentes: reduzir o PSD à menor expressão possível.
O PS, que só tem inimigos, e nunca adversários, pretende ocupar o poder e para isso considera que reduzir o PSD ao mínimo possível é a forma mais fácil de o fazer. Daí o seu sistemático apoio ao Chega, nomeadamente através da actuação de Santos Silva na AR, que foi criando incidentes artificiais para realçar a diferença entre o Chega e os outros, como forma de fixar o voto de protesto no Chega.
O Chega pretende substituir o PSD como partido dominante da direita, e com sondagens que lhes atribuem uns 10% de diferença de votos, haverá muito no Chega quem pense que basta erodir um bocadinho mais o apoio ao PSD para que tenham votações equivalentes em torno dos 20% e, por isso, nunca até hoje admitiu que viabilizaria um governo minoritário do PSD, se esse fosse o preço a pagar pelo afastamento do PS, independentemente de quaisquer conversas com outros partidos.
Pelo contrário, o Chega reafirma sistematicamente que ou estará no governo, ou na direita ninguém pode contar com o Chega, que é exactamente o interesse comum que tem com o PS.
Deste ponto de vista, as próximas eleições correrão muito bem para o Chega se subir bastante a sua votação (que é o mais provável, embora eu tenha dúvidas de que tenha a expressão elelitoral que as sondagens indicam neste momento, admito, sem grande base, que a grande percentagem de indecisos não é constituída por eleitores potenciais do Chega) e se das eleições resultar um quadro parlamentar instável em que, quer um governo do PS, quer um governo do PSD, dependam da abstenção do Chega (ou da repetição de eleições por ninguém conseguir formar governo que não seja imediatamente sujeito a uma moção de censura).
Isso permite-lhe capitalizar o protesto que esse governo gera (como qualquer governo, e por maioria de razão, numa altura em que o contexto económico parece vir a ser difícil) e o melhor mesmo era um novo governo do PS com a consequente instabilidade quer no PSD, quer na IL (embora a IL seja mais ou menos indiferente para o Chega).
O Chega preparar-se-ia para as eleições seguintes, cujo momento seria escolhido pelo Chega, se deitasse abaixo o Governo, ou mais tarde, mas obrigando o PSD a abster-se em moções de censura do Governo, o que entregaria ao Chega a taça da verdadeira oposição.
Nas eleições seguintes o Chega teria fortes possibilidade de ter mais um voto que o PSD, cumprindo o seu objectivo de longo prazo.
Votar no Chega não é votar contra o PS, pelo contrário, é votar na situação, tal como ela está e com as tendências que se estão a verificar, não apenas em Portugal, de relativa erosão dos moderados e progressiva afirmação dos radicais.
Resumindo, para votar na saída do poder do PS sobra o voto na AD ou na Iniciativa Liberal.
Votar no Chega é apenas votar na sua estratégia de hegemonia da direita, para a qual o PS no governo é do maior interesse do Chega.
De vez em quando escrevo (relativamente pouco e, tanto quanto possível, com base no que consigo identificar como factos verificáveis) sobre o conflito na Palestina.
Frequentemente há pessoas que fazem comentários a dizer que o direito internacional isto e aquilo, razão pela qual tiram esta ou aquela conclusão.
Para mim, a não ser em questões marginais, o conflito na Palestina dificilmente pode ser discutido com base no direito, porque o direito, para ter relevância numa comunidade, precisa de duas coisas: 1) um razoável acordo sobre as questões morais em que se baseiam as normas; 2) um aparelho jurídico e repressivo eficiente para lidar com os que infringem as regras.
Nenhuma destas duas condições se verificam na Palestina (estou a usar o termo Palestina em sentido geral, inclui a área geográfica governada pelo Estado de Israel), parece-me.
Por outro lado, o que está em causa não é um conflito entre israelitas e palestinianos (na verdade são todos palestinianos, com diferentes origens, quer de um lado, quer do outro), mas um conflito entre o Estado de Israel, alguns Estados árabes e organizações políticas armadas.
Se os Estados, de um lado e do outro, têm algum respeito pelas regras do direito, algumas das organizações políticas armadas, nomeadamente o Hamas, não aceita qualquer validade a regras que não sejam as da Sharia e, por maioria de razão, na guerra, desde que declarada como santa, não existe outra regra que não o respeito pela vontade de Alá.
O Hamas não usa uniformes, embebe a sua estrutura militar em zonas civis, usa os civis para proteger essa infraestrutura e os seus combatentes, que podem ser crianças ou adolescentes indistinguíveis da população civil, liquida sem qualquer processo judicial os que define como seus inimigos, não respeita o direito de expressão, o direito de propriedade, o de reunião, o de manifestação, recorre permanentemente à mentira e manipulação da informação, etc., etc., etc., e tudo isso lhe parece normal porque é a vontade de Alá (pelos menos na interpretação que os membros do Hamas lhe dão).
O Estado de Israel é uma Democracia rodeada de regimes autocráticos, reconhece os direitos de oposição, expressão e manifestação, mesmo em tempo de guerra, etc., etc., etc..
A estrutura de comando e administrativa da ONU passa o tempo todo a apelar ao respeito de Israel pelas regras da guerra, ao mesmo tempo que permite o financiamento e o apoio a grupos políticos armados que não demonstraram, nunca, o menor respeito por essas regras e, ainda, ao mesmo tempo que ignora as questões prévias ao direito que estão na base da conflitualidade na região.
Com certeza os dois lados do conflito (o Estado de Israel e o Hamas, e não israelitas e palestinianos), como acontece em todas as guerras, violarão as regras gerais que os países civilizados aceitam como devendo regular a guerra e, como em todas as guerras, serão os civis os mais afectados pela guerra.
Faz sentido discutir o esforço que cada um dos lados faz para limitar os efeitos das suas acções bélicas sobre os civis.
O que não faz sentido nenhum é discutir o que se passa num conflito entre um Estado e um grupo político armado com base na obrigação do Estado respeitar regras que o outro lado não reconhece e, pelo contrário, pretende explorar estrategicamente o repeito de terceirs pelas regras para criar condições de que resulte o maior número de baixas civis possível.
Mesmo no combate ao terrorismo os Estados devem manter o cumprimento das regras (por exemplo, não podem cometer assassinatos sem processo jurídico), isso é certo, só que isso é válido para todos os Estados, incluindo aqueles que apoiam, financiam, treinam ou, no mínimo, consentem a existência de grupos políticos armados que atacam estados terceiros.
Ao longo de todo o século XX e XXI, a comunidade internacional não tem conseguido garantir soluções que evitem as guerras entre diferentes grupos sociais em toda a região do médio-oriente, razão pela qual cada grupo se pretende armar e resolver pelas armas o que não consegue resolver de outra maneira.
A mim parece-me que o recurso à retórica legal e as referências ao direito internacional são apenas o biombo atrás do qual a comunidade internacional pretende esconder-se para não ter de reconhecer o seu fracasso.
Só isso explica que, até hoje, Guterres (aqui citado como símbolo, poderia ter escrito, a comunidade internacional e o aparato burocrático da ONU) venha apelando a um cessar fogo sem nunca, em nenhum momento, apresentar a mais ténue ideia alternativa de como pode o Estado de Israel defender-se de um grupo político armado que não respeita nenhuma regra, nenhum cessar fogo, se entender que não respeitar qualquer regra ou acordo se traduz num ganho para a sua causa (que é a causa de Alá, convém ir repetindo, não é a causa das pessoas comuns que vivem naquelas terras).
O que o Estado de Israel está a fazer é, com certeza, terrível.
Mas que adianta constatar isso se eu não consigo descrever o que poderia fazer em alternativa?
Este autocolante foi muito popular quando apareceram as primeiras dificuldades dos governos da AD.
Na verdade traduz uma posição muito comum nos votantes da esquerda: eu voto sempre bem, se há problemas é porque há uns burros que votam mal.
Uma das características destes votantes é, em cada momento, falarem da qualidade de alguns direitistas de há muito tempo, desde que hoje não tenham qualquer relevância política, por comparação com a falta de qualidade dos actuais adversários.
Já os nossos, é diferente.
Recentemente uma pessoa com cultura política muito acima da média, dizia com absoluta convicção: António Costa pode não ter grande visão nem sentido de Estado, mas é um político excepcional.
Provavelmente tem razão, eu não percebo para que serve um político sem visão nem sentido de Estado, como não percebo para que serve um músico sem ouvido ou um jogador de futebol que não acerta na bola, mas reconheço que estou em minoria.
O que sei é que António Costa, que anda na política desde tenra idade, reclama da justiça, como se não tivesse sido ministro da justiça (além de primeiro-ministro), fala na maior reforma da floresta desde D. Diniz (não foi ele que falou, foi o seu ministro dessa tutela) na sequência dos fogos de 2017, como se não tivesse sido ministro da administração interna (além de primeiro-ministro), fala na reforma da saúde que deixa prontinha para o próximo governo, como se não tivesse ocupado os últimos anos da sua vida na função de primeiro-ministro, garante que quer queiram quer não vão ter de construir a habitação que está no PRR, e que ele não conseguiu concretizar, apesar de ter sido o presidente da principal câmara do país (onde existem os maiores problemas de acesso à habitação) e também primeiro-ministro, etc., etc., etc..
Deve ser isto um político excepcional, o que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem (para citar Caetano Veloso) e nunca tem responsabilidades, a não ser no que lhe convém, ele nem sequer coordenou a última moção de estratégia que Sócrates apresentou a um congresso do PS (ou melhor, era o coordenador da moção, mas isso não quer dizer que tenha alguma responsabilidade na situação em que Sócrates entregou o país, depois de negociar com a troica a maneira de fazer chegar um empréstimo que os credores não estavam interessadas em providenciar).
Se perder as eleições?
Simples, faz-se um autocolante a dizer que a culpa é de quem votou no adversário.
Se ganhar as eleições?
Simples, a culpa é do Passos.
E andamos nisto há anos.
25 de Dezembro Carlos Magno é coroado Imperador. Neste quadro de Durer o imperador Carolingio aparece na orla da velhice, o traço sintetiza o carácter determinado do guerreiro movido pela fé (inabalável e indestrutível). O olhar visionário e vigilante, seguro como um Himalaia, recupera muito do sentido providencial que encarnou.
A coroa é encimada pela cruz, lembrança do Redentor e também redenção dos povos da cristandade. O Pai da Europa que, na senda da mais alta fé, encontrou a unidade onde outrora existiu o caos. O Corpo Místico de Cristo erigiu-se ainda mais alto, afinal, alma profunda que o homem, até à catástrofe revolucionária, não deixou de entender.
Neste tempo de declínio, quando a Europa novamente precisa reencontrar, ou reinventar, o seu caminho no mundo, lembremos Carlos Magno, "quintessência do espírito da Igreja dada ao laicato", como lembrou Plinio Correia de Oliveira, na interpretação concomitante com a providencialidade daquele magnânimo imperador.
Mesmo mais de 1200 anos depois da sua morte o seu espirito continuará a ser a luz determinante no nosso caminho enquanto civilização.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade. José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados».
Palavra da salvação.
Imagem: Nascimento de Jesus, 1669 - Josefa de Óbidos
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era descendente de David. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
Palavra da salvação.
Imagem - Anunciação, Rubens 1610
Não raro, até por parte de insuspeitos mas austeros cristãos, ouço protestos a respeito de eventuais excessos mundanos e ostensivos enfeites de Natal nas nossas casas ou ruas e cidades engalanadas com vistosas e resplandecentes luzes, como que a anunciar uma grande festa.
Mas nem sempre foi assim. Não há muito tempo, quando a escuridão nocturna dependia dos astros, o sustento dependia das colheitas, a saúde dependia da sorte, a distância dependia do andar, o comércio dependia das tréguas, a luz irradiada pelo Deus Menino em cada Natal era incontestável. Tento imaginar como nesses tempos remotos, quando o escuro da noite era difícil de aclarar, se engalanavam os templos para a Missa do Galo, alumiados de velas dispendiosas e aquecidos de famílias inteiras, gente de toda a condição. As igrejas engalanadas eram pólo de encontro dos cristãos, e o Natal tempo de consolo para os nossos antepassados, que numa trégua nos combates, trabalhos oficinais, agrícolas ou outras aflições, se juntavam a celebrar a vinda do Messias. Imagino os sombrios carreiros entre povoados, pontilhados pela luz das lanternas dos grupos de pessoas caminhando para se juntarem nas casas umas das outras. A festa fazia-se iluminada e aquecida por uma grande fogueira, com uma ceia melhorada com esmero e vinho bom.
Acredito que sob um céu estrelado e silencioso era então mais fácil a devoção à Natividade, o mistério da encarnação de Deus que do seio da Virgem Maria num recôndito estábulo vem comungar com a humanidade os seus padecimentos. Era por certo na altura mais evidente para cada um a importância da vida espiritual e da oração, fonte preciosa da esperança que move montanhas e conforta as angústias. Já as pessoas, na sua humanidade, eram intrinsecamente como nós, com as nossas dores, alegrias, angústias e esperanças.
Curioso como o improvável local do nascimento do menino Jesus foi revelado por uma estrela luminosa que guiou os sábios, reis e pastores para o Presépio. Foi com recurso a uma grande luz que se operou o mais bem-sucedido anúncio da história, que mudou o rumo da história. Mesmo que nos nossos dias a maior parte das pessoas não tenha verdadeiro interesse em conhecer o protagonista do Natal, certo será que a Natividade merece todo o espalhafato que uma incomensurável alegria naturalmente transborda e irradia, feita de cores vivas, brilhos e reflexos e… estrelas cadentes.
Natal é tempo de consolo, de tréguas, de nos juntarmos e nos fazermos presentes. Trocar sentimentos e palavras azedas por palavras benignas, o ruído por cânticos, a austeridade por festejos e luzes, são tudo coisas que estou certo farão sorrir o Menino Jesus nas palhinhas. Folguedos que, com o espírito certo, conferem nobreza à nossa dura existência. Era isso que Deus queria quando se fez carne e nasceu em Belém, com luz própria para nos ajudar a vencer as trevas.
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O primarismo da discussão sobre o que se passa na Palestina, inevitavelmente, alimenta-se também da falta de cultura histórica.
A facilidade com que pessoas social e politicamente responsáveis tratam a questão da Palestina como se fosse uma ocupação colonial é assombrosa, face ao que é cristalino na factualidade histórica.
Antes da criação do Estado de Israel, e em paralelo com o crescimento da ideia sionista - o retorno do povo judeu à terra prometida, para simplificar - há um movimento migratório constante de judeus, de muitas proveniências, para a região da Palestina.
Insisto na ideia de que esse movimento migratório é anterior à criação do Estado de Israel, Telavive é fundada em 1909, à ilharga de Jafa (que mais tarde vai absorver) e, desde a sua fundação, pretendeu ser uma cidade de maioria judaica, num território envolvente de maioria árabe e muçulmana.
Não há, nesta fundação, qualquer acção militar: judeus compram terra e fundam uma cidade, em 1909, no contexto de um processo de imigração judaica para a Palestina, inicialmente pacífico, mas aumentando progressivamente de conflitualidade com as comunidades árabes (muçulmanas e crisãs) ali existentes.
No entanto, vale a pena realçar que esta imigração judaica para a Palestina, mesmo a anterior à criação do Estado de Israel, provém também, embora de forma relativamente ténue, de muitas comunidades judaicas do médio-oriente que estavam, há séculos, em países árabes (de maneira geral, com um estatuto de cidadania diminuído, embora com grande autonomia no auto-governo da comunidade e razoável liberdade religiosa, sempre contingente).
O crescimento progressivo das comunidades judaicas, incluindo através da criação dos kibutz, comunidades agrárias voluntárias e colectivizadas que eram instaladas em terra comprada por judeus, em grande parte a partir das perseguições aos judeus na Rússia czarista e, posteriormente, de quase toda a Europa de Leste, aumentou os conflitos com as comunidades instaladas, entre outras razões, porque umas pretendiam ser comunidades agrárias e outras comunidades de beduínos semi-nómadas, consequentemente, com noções de propriedade e direito de uso da terra substancialmente diferentes.
No entanto, este era apenas um dos aspectos das diferenças culturais entre comunidades em que se baseava a crescente hostilidade mútua.
O Estado de Israel é a resposta da comunidade internacional à autêntica guerra civil que grassava na Palestina, com massacres de parte a parte, e é uma resposta apoiada por todas as Nações Unidas (incluindo o bloco socialista, a União Soviética votou favoravelmente a resolução que permite a criação do Estado de Israel e é com apoio de equipamento militar checoslovaco que Israel se defende das primeiras agressões dos estados árabes vizinhos, que começaram literalmente no dia seguinte à proclamação do Estado de Israel) com a importante excepção de todos os Estados Árabes e da liga Árabe.
O resultado concreto da criação do Estado de Israel foi muito diferente do que pretendiam os seus promotores - a criação de uma terra segura para duas comunidades em guerra civil, através da criação de dois Estados independentes, para cada uma delas -, os estados Árabes invadem o Estado de Israel, perdem essa guerra, e Israel redesenha as suas fronteiras a cada nova invasão árabe, da qual resultaram sempre guerras começadas pelos países árabes, mas que Israel sempre ganhou.
A partir do momento da criação do Estado de Israel, as razões de Estado actuam sobre as dinâmicas sociais anteriores, com o Estado, como é característico dos estados, ao serviço das classes dominantes.
Da primeira invasão árabe resultam 600 mil refugiados palestinianos, que os países árabes se recusam a integrar nos seus países (Israel aceitou receber de volta 150 mil desses refugiados, mas a recusa do reconhecimento de Israel pelos estados árabes levou ao fracasso dessas negociações), sempre apoiados, até hoje, pela comunidade internacional, sendo os palestinianos os maiores recebedores de ajuda internacional per capita do mundo (o dobro do segundo lugar), financiada directamente pelos Estados e pelas Nações Unidas.
O que é igualmente relevante, e raramente mencionado, é que deste contexto resulta a expulsão das comunidades judaicas dos países de maioria árabe e islâmica (o Líbano, de maioria cristã, é uma excepção para onde, aliás, migram parte destes refugiados judeus), o que deu origem à expulsão ou fuga de cerca de 800 mil a um milhão de judeus desses países entre 1948 e 1970.
Muitos desses judeus foram para outras regiões do mundo, com destaque para os Estados Unidos, mas muitos outros foram para Israel (mesmo os que inicialmente tinham ido para o Líbano voltarem a migrar quando a situação se agravou nesse país), de tal forma que em 2002 os judeus provenientes (ou descendentes) dos países de maioria árabe islâmica seriam cerca de metade da população de Israel (sendo a população de origem árabe, cerca de 20% da população actual do Estado de Israel, percebe-se bem como as tentativas de equivaler a criação do Estado de Israel a um processo colonial são ridículas, do ponto de vista histórico).
Os países árabes restringiram fortemente os direitos dos refugiados palestinianos, não apenas do ponto de vista da concessão de nacionalidade, mas com proibições claras e xenófobas do exercício de uma extensa lista de profissões, dificultando ou mesmo impedindo a sua integração social, ao contrário do que aconteceu aos judeus expulsos dos países árabes que foram rapidamente integrados na sociedade israelita (com tensões, com certeza, como acontece em todos os processos migratórios de alguma amplitude).
O que hoje se passa na Palestina tem muitas razões, e uma delas são estes movimentos migratórios e a forma como os estados, e a comunidade internacional, lidam com eles.
O que é inegável é que se houve limpeza étnica eficaz, foi a dos países árabes, a de Israel parece não ter dado assim tanto resultado: hoje os judeus em países árabes de maioria muçulmana são residuais, enquanto 20% da população israelita é árabe e os seiscentos mil refugiados palestinianos iniciais são hoje cinco milhões.
Mafalda Pratas escreve uns artigos no Observador que geralmente são interessantes.
O desta semana chama-se "A crise da habitação", remete para o barómetro da habitação da Fundação Francisco Manuel dos Santos e é dele (do artigo, não do barómetro) que cito este bocado: "Assim, e apesar desta ser uma leitura minha do estudo (e não um argumento ali avançado), tal como o mercado laboral português, o mercado da habitação parece ter traços profundamente duais. Uma fatia considerável da população, aqueles que entraram no mercado nos últimos 10 anos, têm uma enorme dificuldade em navegar o mercado de arrendamento privado e em conseguir comprar uma casa, uma outra fatia considerável tem muitas vezes contratos antigos, de longo prazo, cujos valores estão totalmente desajustados da realidade actual e impedem sequer os senhorios de fazer uma manutenção decente da qualidade das casas (vide o problema de qualidade acima referido)."
Esse país dual, assente numa fortíssima reprodução social, não só tem uma longa história, como, o que me parece mais grave, tem vindo a acentuar essa dualidade nas últimas décadas dominadas pelo Partido Socialista.
Provavelmente, a redução dessa dualidade e da sua rigidez deveria ser uma trave-mestra das propostas da oposição ao "estado a que isto chegou".
Com conversas de treta sobre a escola pública, o que está a acontecer é o reforço da dualidade, em que os que têm acesso à escolha e ao ensino privado, ainda bebés, ganham claramente vantagem em relação aos outros.
O mesmo tem vindo a acontecer nos sistemas de saúde, em que os privados deveriam erguer uma estátua ao Partido Socialista, cujas políticas têm resultado num crescimento muito forte do sector privado da saúde, com base nesta coisa extraordinária: a percepção da qualidade do serviço estatal é tão boa que, mesmo sendo gratuito, as pessoas preferem ir pagar boa parte dos serviços aos privados.
E o problema é o mesmo no acesso aos outros serviços públicos (seja autoridade tributária, em que quem pode pagar informação e conhecimento tem vantagem sobre os outros, seja na justiça, em que cresce a sensação de que há uma justiça para ricos e outra para pobres, seja na segurança social (apesar de tudo, talvez o sector mais democrático da administração pública, tratando igualmente mal toda a gente), etc.).
E na habitação.
E no mercado de trabalho.
Nem sempre a linha de corte tem origem na capacidade económica e origem social (na saúde, educação e justiça, sim), pode ser pela idade, como acontece na habitação, ou por acasos da vida, como acontece mais no mercado de trabalho, mas o resultado final é bastante o mesmo: há um país que tem um conjunto de problemas sociais por resolver e há outro país que tem outros problemas para resolver, dependendo do lado do limite administrativo em que calha estar-se.
O Estado, que é um instrumento de repressão nas mãos das classes dominantes, não garante grande protecção aos mais desfavorecidos em cada caso (esmola vai garantindo, protecção, nem por isso), o Estado tenderá a proteger as classes dominantes.
É por isso que a prioridade das prioridades deveria ser a eliminação das barreiras que impedem que as pessoas mudem socialmente de um sítio para outro através do seu esforço e trabalho, porque com a treta da protecção universal assegurada pelo Estado, o resultado tem sido o aumento da dualidade e da reprodução social.
O título do post é uma citação do artigo de hoje de Alexandre Homem-Cristo, no Observador, artigo em que se compara um objectivo que em 2019 se estabeleceu - erradicar o fenómeno dos sem abrigo em 2023 - e o resultado alcançado: aumento de 7100 em 2019 para os, prováveis (os números de 2023 não são seguros, mas são com certeza um aumento a partir dos 10 770 de 2022) mais de 11 mil em 2023.
Vamos ter eleições a 10 de Março, e como diz um político novo que será candidato e apareceu do vácuo, "Eu tenho agora a oportunidade, já não é só lutar e criticar e apontar o outro e combater. Agora não. Agora, é a oportunidade, finalmente, de nós podermos fazer alguma coisa decente e de jeito pelo nosso país e pelas pessoas" (Pedro Nuno Santos, ontem, em entrevista a Júlia Pinheiro).
Muitíssimo bem dito por Pedro Nuno Santos, temos agora uma nova oportunidade de fazer alguma coisa decente e de jeito pelo nosso país, no momento em que votarmos.
Aparentemente, a imprensa dedica-se ao habitual, produzindo dois momentos fabulosos de Hugo Soares, Secretário-Geral do PSD, um na CNN e outro na SIC Notícias. Ele próprio diz que está incomodado com o que vai fazer, e até acha ridículo, mas prossegue, das duas vezes, comentando, em directo, os rodapés que as duas televisões passavam naquele momento.
No primeiro caso, uma citação entre aspas de Passos Coelho que Hugo Soares se limita a dizer que nunca existiu e não compreende como alguém resolve pôr num rodapé afirmações que Passos Coelho nunca fez, atribuindo-lhe a sua autoria.
No dia seguinte, na SIC Notícias, é ainda mais divertido: enquanto ele, secretário-geral do PSD, explicitamente e em directo, está a dizer que o PSD não vai fazer acordos nenhuns com o Chega, o rodapé informa os espectadores de que o PSD não faz comentários sobre acordos com o Chega.
Este é pano de fundo com que se entretém uma imprensa de tricas que, em grande parte, inventa e na outra parte manipula.
O longuíssimo cadastro de fracassos do Partido Socialista é facílimo de verificar da mesma forma que os comentadores do Observador fazem hoje, Alexandre Homem-Cristo sobre os sem abrigo, Luis Rosa, sobre as questões institucionais, Diogo Prates de forma mais geral ou Margarida Bentes Penedo sobre habitação social.
Comparar compromissos assumidos com resultados verificados, quase passa despercebido nas redacções dos jornais e televisões, o importante são declarações que entalem o adversário.
A minha convicção profunda é que a generalidade (há boas excepções, mas são poucas) dos jornalistas de política em Portugal foram recrutados entre taxistas e porteiras, e portanto o seu interesse primordial são os mexericos dos seus pequenos mundos.
Por tudo isto o longuíssimo cadastro de fracassos tem muito menos importância que a convicção do tal político que apareceu do vácuo a dizer que finalmente tem agora a oportunidade de fazer alguma coisa decente e de jeito pelo país, e isso vai-se reflectir-se, veremos até que ponto, nos resultados eleitorais de 10 de Março.
Uma das minhas netas ficou ontem debaixo de uma derrocada parcial de um muro de suporte que está dentro do perímetro de um parque infantil, embora, por uma sorte inacreditável, não tenha sofrido nenhum esmagamento de ossos ou orgãos internos, nem lesões na coluna (ficou tudo pelos músculos, aparentemente).
Nesta fotografia, o dito muro e a criança à espera da vinda dos bombeiros, com ordens para não se mexer, porque não se sabia que consequências poderia ter havido de ter ficado debaixo daquelas duas pedras mais à esquerda, junto ao muro.
Há muitos anos que venho dizendo que votarei no candidato a presidente de câmara que em vez de prometer rasgos estratégicos que nos levarão a pináculos de desenvolvimento, sofisticação e avanço social, prometa ter as sarjetas sempre funcionais e limpas.
Na verdade, o meu voto até é bastante ideológico (ao contrário do que acontece com a maioria dos eleitores, já agora) mas antes disso há a questão da responsabilidade que se prende com a questão institucional, chamemos-lhe assim.
Ao comentar com o pai da criança (vivem nos EUA) como situações destas são tratadas de forma diferente nos EUA, imediatamente referiu um conjunto de procedimentos nestas matérias que ninguém se atreveria a deixar de cumprir, quando existem riscos como o que existia e existe naquele cantinho de um parque infantil.
Fiquei a saber hoje que a polícia passou depois por lá e disse que já antes tinha havido um problema e ontem diziam os indivíduos do quiosque próximo que havia umas guardas junto ao muro que foram retiradas para se cortar uma árvore próxima, e depois não foram colocadas de novo.
As diferenças entre os EUA e Portugal, na forma como tratam destes assuntos (e, em geral, da segurança do espaço público) resulta de haver melhores regulamentos sobre parques infantis, ou trânsito rodoviário em áreas residenciais, ou outra coisa qualquer?
De maneira nenhuma, os regulamentos americanos podem ser tão bons ou tão maus como os nossos (aliás variam muito porque Portugal tem uma longa tradição de centralismo mas os EUA têm uma longa tradição de autonomia das comunidades, portanto as suas regulamentações reflectem muito os valores de cada comunidade), o que verdadeiramente é diferente é que a responsabilização é um assunto levado muito a sério, o sistema de justiça funciona em tempos curtos e as indemnizações são a sério (a forma como os condutores se preocupam com as crianças que vão na rua em áreas residenciais não pode ser só boa educação, é mesmo porque atropelar uma criança, mesmo que a responsabilidade objectiva seja da criança, em zonas residenciais, pode ter impactos brutais na vida de quem a atropela, já considerando todas as atenuantes).
Este sistema não é perfeito, com certeza, diz a minha filha que quando quer saber como é uma coisa qualquer, em concreto, com que prazos, com que procedimentos, vão-lhe respondendo por telefone, mas quando diz para, sendo assim, porem tudo por escrito num mail para não haver dúvidas, o habitual é haver uma recusa, porque a partir desse momento, se alguma coisa correr mal, a pessoa em concreto pode ser responsabilizada pelo que escreveu.
A verdade é que seria muito mais difícil manter uma situação perigosa dentro do perímetro de um parque infantil nos EUA, tal como buracos nos passeios ou nas estradas, bancos que caem em esplanadas ou outros espaços públicos, infraestruturas que não cumprem as suas funções, irresponsabilidade financeira da administração pública, etc., etc., etc..
A esperança de que algum dia essa cultura de responsabilização seja dominante em Portugal parece-me pequena: se perante a indecente e má figura de António Costa, não apenas nos últimos anos, mas durante todo consulado de José Sócrates, ainda consegue convencer tanta gente de que os cortes do tempo da troica foram da responsabilidade de Passos Coelho, é mesmo porque temos medo, muito medo, de assumir responsabilidades e, por isso, acabamos a aceitar a irresponsabilidade, quer pessoal, quer institucional, como aceitamos a chuva ou o sol.
Aliás, é para mim cada vez mais evidente que o grande legado de António Costa é o seu contributo para o reforço dessa cultura, pessoal e institucional, de irresponsabilidade: o homem consegue estar há semanas a repetir que a responsabilidade do seu pedido de demissão não é dele, que o fez, mas de terceiros.
Não se pode dizer que seja coisa de que se deva orgulhar.
Há anos, em tempos, o Jornal de Notícias foi um jornal generalista no sentido mais honroso do termo, um broadsheet magnífico que não desaproveitava o espaço, aliás, necessitava dele. É que, além das notícias nacionais, o JN noticiava tudo o que se passava no Norte, desde um acidente de viação menor até ao obituário de um cidadão comum. Como para o antigo New York Times antes de tornar-se militante de causas, podia-se dizer do JN que se não vinha lá noticiado era porque não tinha acontecido.
Depois, como a maioria dos media portugueses, o JN diminuiu de tamanho físico e ético, para adoptar o comportamento da moda: enfeudamento à esquerda, enviesamento sem limite, agendas especiosas e adjetivadas, omissões selectivas, etc.
Há dias, na Sic, uma repórter constatava, perplexa, que a inflação era de 2% e já não de 8 ou 9%, e que, no entanto, «os portugueses ainda não o sentem na carteira», sendo, portanto, que para a repórter, quando os preços em vez de subirem 10% sobem 2% os portugueses poupam imenso.
Há dias, na mesma Sic, a notícia sobre o fecho de urgências e as filas de espera de horas nas que estavam abertas, começava com a frase: «O ministro da saúde está preocupado...» -- sendo que para a Sic a notícia era, portanto, não o caos nas urgências, mas a preocupação do Ministro.
A mesma Sic hoje, interroga-se se o ministro da Saúde quer ou não ser ministro da Saúde do próximo governo, que a Sic sonha, portanto, socialista. Na Sic, qualquer socialista tem longos minutos de antena. Já as declarações de qualquer membro da oposição são omitidas; ou então transmitidas com abundância de adjectivação e reservas; ou então atalhadas com frases do tipo: «Foi o essencial das afirmações de...»
Hoje, na TVI e na Sic, as declarações de Passos Coelho sobre o legado de Costa foram imediatamente acopladas ao comentário que sobre elas faz José Sócrates. E, não contentes, os «jornalistas» foram esperar António Costa à saída de um jantar de Natal do PS para que ele dissesse também o que pensa (e lá obtiveram a palavra «azedume», com o sorriso cínico do costume). Na RTP, por sua vez, um pivô sugeria a um entrevistado que as palavras de Passos Coelho condicionam o PSD.
E, depois, os telejornais da Sic, e da Tvi, e da RTP embebem-se no jantar de Natal do PS, espojam-se no Natal do PS, para ouvirem mais Pedro Nuno Santos, e mais António Costa, e mais quem venha ao pé de microfone satisfazer-lhes o enlevo socialista.
Na RTP3 a audiência sobre o caso EDP é anunciada em rodapé com o chamariz «três governantes ouvidos» no tribunal, sem distinguir obviamente, os que são ouvidos como testemunhas.
Nos intervalos de comentário da Sic, Ricardo Costa, irmão de António Costa, mostra-se especialmente activo na crítica à justiça no caso do irmão, e no enunciado da lista dos problemas que, segundo ele, o PSD tem.
E nos telejornais todos, os «jornalistas» excitam-se com Santos e Carneiro, com a eleição de Santos, o futuro de Santos, as visitas de Santos a oficinas ferroviárias, e as medidas que o ministro da saúde diz que teria tomado se o governo não tivesse acabado tão cedo, e as vantagens que a ministra das pescas conseguiu para as mesmas, e as descobertas do ministro da educação à última hora etc., etc., etc. E a cada crítica do PSD, da IL, do Chega, do Bloco, do PCP, os telejornais adicionam alguma réplica de algum ministro socialista. Já o que algum ministro diga, vale como ouro de lei.
Há dias, o pessoal do JN veio à rua manifestar-se contra a ameaça de despedimento, e lamentar o futuro incerto do jornal. Televisões, rádios e jornais vivem com dificuldades e subsídios socialistas (mas o CM, não. Mas o Observador, não). E isto, que há tempos me suscitaria alguma solidariedade corporativa e retroativa, deixa-me hoje indiferente. Aliás, decidi que depois das eleições, e seja qual for o resultado, deixarei de ver telejornais, deixarei de ser destinatário dessa mistura geral e abjecta de ignorância, iliteracia e parcialidade -- uma contribuição mínima, mas honrada, para a baixa de audiências.
Ontem, ao ver um filme de qualidade num canal pago, chamaram-me a atenção as várias barragens de publicidade, que ali estão seguramente, porque os anunciantes sabem que têm ali audiência. E isso alegrou-me por ver que não estou sozinho no repúdio ao que não presta, por um lado, e na adesão ao que vale a pena, por outro.
Passos Coelho disse que António Costa era o único primeiro ministro, que ele se lembrasse, que tinha sentido necessidade de pedir a sua demissão por indecente e má figura.
Foi o bastante para aparecerem os do costume, a falar da Tecnoforma e coisas que tais, e os outros que falam da falta de empatia de Passos e do seu Governo. Como respondeu um dia Maria Luís Albuquerque a um deputado, "empatia tenho muita, senhor deputado, não tenho é dinheiro".
As coisas parecem estar a correr bem a Montenegro, uma pessoa sem grande capacidade de puxar pelas pessoas (Cavaco sempre teve isso, mas convenhamos que Passos Coelho nunca teve).
A verdade é que parece mais fácil fazer uma campanha contra Pedro Nuno Santos que contra José Luís Carneiro, é verdade que o Chega tem dificuldade em aguentar dois meses de campanha, é verdade que a inacreditável opção sectária da direcção da Iniciativa Liberal a fará perder parte do brilho, facilitando o voto útil, ou seja, neste momento, Montenegro está com sorte e o aparecimento de Passos Coelho, neste momento, e nestes termos, também ajuda, claro.
Nada disso garante resultados eleitorais, mas também no pós-eleições as coisas podem não ser fáceis se Pedro Nuno Santos ganhar, não me parece nada líquido que o PC queira reeditar uma geringonça, agora que sabe muito bem que a geringonça anterior foi o pior negócio político que o PC já fez, bem pior que o 25 de Novembro de 1975.
Acho até estranho que se passe o tempo a discutir se no PS se quer fazer uma geringonça ou não, sem perguntar aos putativos parceiros se fariam acordos do mesmo tipo outra vez (talvez façam acordos, mas parece-me que o preço para o PS tem de ser substancialmente mais alto, e o PS pode não estar interessado em pagá-lo).
Tudo é muito volátil e faltam mais de dois meses, mas a indecente e má figura ficará colada para sempre a António Costa.
Politicamente não vale nada - ele é o típico político Teflon - mas já me deu um enorme prazer ver caracterizada a coisa de forma tão clara e sintética.
Nesse tempo presidia a loucura. O homem, calvo tanto quanto despenteado, aparecia na televisão e desembestava. Tudo era uma ameaça constante à Revolução: os latifundiários, os capitalistas, a Reacção, os fascistas, em suma, a Direita. E sem apontar caminhos concretos, apontava ao socialismo. De modo gago, incoerente, programático, mas jamais estratégico, ideológico e muito menos consistente.
Tinha seguidores fieis. Igualmente distantes da realidade, apenas gritadores de slogans.
Pois voltámos a esses anos em que fomos nada, apenas ignorantes e submissos até à exaustão. Até Portugal despertar, arregaçar mangas e de Vasco Gonçalves nada se saber mais. Fora o 25 de Novembro.
Presentemente, retrocedemos ao mesmo. A um homem - atentem bem no seu discurso - que fala aos solavancos e foi destítuido pelo 1º Ministro do Governo em que assumiu pastas e Secretarias de Estado; que somente diz - É preciso deixar de falar, é preciso fazer - (O quê?); que ia torrando a TAP como uma tosta nem sequer mista; que tratava os assuntos nacionais maiores à distância por mensagens de telemóvel; que se desloca(va) de Porsche e palra em nome dos mais carecidos (honra seja feita a V. Gonçalves, por quem já não lembra quais as viaturas do Estado então); que, enfim, fala, fala, fala, e nada diz.
Refiro-me ao actual big boss do PS. E incapaz de prever o comportamento eleitoral dos portugueses. Mas admitindo a hipótese de uma vitória sua em Março, o que fará esse cavalheiro? Com a TAP, com o SNS, com o Ensino, com a Função Púbica, com o empresariado? Esse político que não consegue acabar uma frase sem juntar o PSD e o Chega à cata de votos (e só), de que proezas se lembrará? Além do mais, o que sofrerão no curto prazo os mais pobres?
Portugal parece não fazer sentido. Salvo talvez, se Pedro Nuno Santos for o bilhete de regresso de António Costa. Costa, "o Desejado"... Porque o mais é impossível. Jamais, em tempo algum, um político repetiu ocamente as suas boutades, sempre as começando do princípio para o fim e as acabando do fim para o princípio. Insisto: atentem nas reportagens televisivas.
Ou então o Poder cairá na rua outra vez. Com Pedro Nuno a dizer que não paga um chavo à Europa, e a Europa, a nossa mãezinha, a cortar no PRR e em outros produtos lácteos de que nos vamos sustentando. Enfim, Março e a nossa Padroeira nos salvem... - Deste comunista de auto-estrada filiado no PS para não pagar multas de excesso de velocidade.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
Desmantelar institutos e demais tralha estatal.
Desculpa passante, o meu texto não deveria ter apa...
O que é preciso é implementar, rapidamente e em fo...
Olhe que boa oportunidade que isso lhe dá de fazer...
porcaria de post.Sem nexo nenhum