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Pelo menos eu lembro-me.

Lembro-me da reforma dos contratos de associação.

Lembro-me da reforma da saúde que implicou o fim das PPP da saúde.

Lembro-me da reforma do sector da aviação que implicou a renacionalização da principal companhia área do país.

Todas elas têm uma característica comum: custaram e custam mais dinheiro aos contribuintes.

A última, a da TAP, não é linear que tenha resultado em piores serviços (embora tenha resultado numa redução da empresa), as duas primeiras seguramente dão origem a serviços piores e mais caros.

Acudam, acudam!

por José Mendonça da Cruz, em 23.11.23

Sic, Expresso, DN, Visão, Público, CNN, RTP 1,2,3, Tvi... pá, acudam com a vossa extrema sabedoria e influência à pobre Holanda. Outro governo «de extrema-direita», pá. Acudam-lhes!
(eh pá, mas não digam que o vencedor na Holanda, que é contra a islamização do país, é «anti-islão». É que assim ainda fazem mais adeptos, vejam lá...)

Revolução na Impresa

por José Mendonça da Cruz, em 23.11.23

Momento extraordinário na Sic N agora, às 19.10 de 5ª feira, com Ricardo Costa, o Costa Júnior, a fazer um ataque descabelado ao Ministério Público e à Procuradora-Geral, em cega defesa do irmão, o Costa Sénior; e com Bernardo Ferrão a lembrar-lhe que Costa Sénior não foi demitido pela PGR, como Costa junior proferia, mas sim pelas companhias muito próximas que chamou, cultivou e incentivou... e foram descobertas. Perplexa e inteiramente supanumerária, a pobre jornalista do Expresso que para ali estava, Rita Dias, mastigou umas coisas anódinas a ver se difarçava ou compreendia.

Uma adenda: não sei Costa júnior faz bem em sair à arena com tanto ímpeto em defesa do irmão e ao ataque aos adversários ou inconveniências. Não esperava outra coisa dele, evidentemente, mas talvez algumas pessoas que ainda acreditam na sua imparcialidade tenham ficado de boca aberta.

O PSD (e os outros) que se ponham a pau

por henrique pereira dos santos, em 23.11.23

O título deste post sou eu a parafrasear um amigo que conhece bem a política dos Países Baixos e com quem troquei umas mensagens sobre o resultado das eleições por lá (na verdade, o que me disse foi que o Chega lá do sítio tinha ganho as eleições, o PSD que se ponha a pau).

Há anos que a esquerda toda, e a direita bem comportada, agita o papão da extrema direita, globalmente, tratando as vitórias de Trump, Bolsonaro, etc., incluindo agora Milei, na Argentina, como excentricidades de eleitores deploráveis.

Um editorial do Público, a propósito das eleições argentinas, dizia que o país estava à beira do abismo e os eleitores tinham resolvido saltar para o vazio, numa demonstração, que me parece clara, de incompreensão da realidade: é mais provável que os eleitores argentinos se sintam no abismo e votem em qualquer coisa que lhe permita sonhar com a hipótese de sair de lá.

À medida que os tais "fascistas" vão chegando ao poder, mas não o fascismo - estes fascistas até já vão saindo democraticamente do poder, quando perdem eleições, como na Polónia -, a ameaça infantil do "está uma velha num canto, ó Zé, que te leva se te apanha" vai perdendo eficácia e a tal extrema direita vai ganhando peso nos eleitorados (em especial nos grupos sociais de deserdados que o jornalismo actual resolveu esquecer).

E vai ganhando peso porque fala de assuntos de que o mainstream tem medo de falar, como no caso dos dois exemplos que vou dar.

Uma das propostas dos ganhadores nos Países Baixos é a construção de duas centrais nucleares.

A energia nuclear, há uns anos, era um tema eleitoral sério e foi uma das alavancas para o crescimento dos Verdes, na Alemanha, mas com as ameaças das alterações climáticas a ultrapassarem, em larga escala, os piores cenários de desastre nuclear, é natural que cada vez mais gente se pergunte se faz sentido uma travagem forçada, paga pelos mais pobres, como sempre, ou investir em energia nuclear.

É bem possível que a questão nuclear volte a ganhar peso eleitoral, mas agora no sentido inverso.

"Because the Netherlands is no longer the Netherlands. We see it all around us. Our country is overcrowded. Our neighbourhoods and cities often unrecognisable with much nuisance and crime. We have to conquer back. Closing our borders to even more fortune seekers from other cultures is necessary to do so. And real refugees should no longer received here, but in their own region. Discrimination against Dutch nationals must also end. It is our country, after all. Why do status holders get priority on our scarce housing? That has to stop. And our money must also go to our own people."

Isto é parte do que defende o partido mais votado nos Países Baixos e não vale a pena argumentar com adjectivos, como xenófobos e racistas, como se a questão nacional não estivesse de volta em todo o lado e se as pessoas comuns não sentissem o que de facto sentem.

Pode-se acusar quem quiser de não ter coração, de ser racista, de ser xenófobo, mas é bem mais difícil fazer desaparecer o incómodo quotidiano das pequenas diferenças que fazem com que as pessoas não se reconheçam na comunidade.

E na altura de votar, esse incómodo estará presente, mas os nossos adjectivos não.

Os partidos de centro fogem como o diabo da cruz destas questões fracturantes, a energia nuclear e as migrações são questões fracturantes a que os partidos políticos do meio têm medo de dar respostas políticas, para evitar a perda de alguns votos.

Com a extrema esquerda (em Portugal inclui o BE, o PC e Pedro Nuno Santos) às contas com os fantasmas da sua história, falando de problemas de minorias ultra-minoritárias e evitando encarar as pessoas tal como elas são, o que sobra para dar esperança, qualquer esperança, é o que vai crescer eleitoralmente.

O papel dos partidos é dar esperança de forma convincente.

Se uns falharem nisso, outros ocuparão o espaço eleitoral disponível.

Se não for nessas eleições, será noutras mais à frente.

Momento raro na RTP3 (alerta: é um elogio)

por José Mendonça da Cruz, em 22.11.23

Na RTP3 tivemos hoje, às 20 horas, um momento raro: a transmissão em directo das declarações do PM israelita sobre a libertação dos reféns dos terroristas, com tradução em directo. Acontece que a senhora que traduziu deu mostras de competência extrema, traduzindo fluentemente, sem tropeções nem engasganços, e de forma integral e... sim, simultânea. A juntar à raridade, alguém na régie compreendeu que se o nível de som de traduzido e tradutora fosse o mesmo não se ouvia nem um nem o outro. De forma que os espesctadores ouviram tudo, claramente e a tempo.

Sic, TVi e CNN poderiam aprender? Poderiam. Mas não era a mesma coisa. Na Sic, na Tvi e na CNN vamos continuar a ter alegadas «traduções» alegadamente «simultâneas», que consistem numa misturada que não permite nem a quem compreenda a língua ouvir, nem a quem queira ouvir a tradução ouvir mais que engasgos, palavras enroladas, ruído, e, de vez em quando, alguma bengala como «Agora a dizer que...ahmmmm», «agora afirma que...hummmmm»

Vá lá, alguém que merece aplausos por um trabalho bem feito.

Progredir é absolutamente maravilhoso. Fazer com que todos beneficiem dessa possibilidade, é óptimo. Garantir que, no mínimo, alguém tenha uma ocupação para a vida aumenta a sua segurança, é tranquilizador e muito agradável. Pelo menos à primeira vista parecem conquistas extraordinárias da nossa sociedade. Na verdade existem efeitos secundários que parecem fazer com que estas ideias não sejam boas ideias.

Olhemos só para dois casos e apenas para algumas consequências.

Os militares, pelo menos oficias e sargentos, têm uma progressão de carreira, não sei se garantida, mas pelo menos próxima disso. Aliada á outra ideia simpática, que as pessoas têm direito a ter apenas uma carreira, o resultado é catastrófico.

Tal como acontece com um dos nossos maiores problemas, a inversão da pirâmide etária, temos umas forças armadas envelhecidas e uma desproporção completamente ineficiente entre mais e menos graduados (no limite muito mais oficiais  ( e  sargentos) do que deveriam existir para tão poucos praças), idades de reforma inferiores à normal, idade de trabalho incompatíveis com as necessidades em caso de guerra ( soldados a combater com 60 anos talvez não seja o ideal) . Claro que se houvesse muito mais dinheiro, poderíamos ter idades de reforma ainda mais baixas (e uma maior injustiça relativa para as profissões normais) e muitos mais soldados do que temos. Infelizmente, não há nunca mais dinheiro (a nossa ineficiência como sociedade encarrega-se disso).No final, temos apenas umas forças armadas que nem têm condições materiais para cumprir os seus objectivos, nem profissionais satisfeitos. 

Os professores do Liceu, em princípio não têm o problema que o aumento de idade tem na disponibilidade física mais exigente no caso dos militares. Do meu pequeno universo pessoal, do que conheço, o cansaço psicológico dos professores mais velhos parece também aconselhar a que a idade da reforma fosse inferior à “normal” (infelizmente, mais uma vez a malfadada falta de dinheiro impede que assim aconteça), como alias é proposta em vários estudos. A ser esta tese verdadeira, caímos no absurdo: quanto menos condições para desempenhar funções  motivadas pela idade, maiores remunerações são auferidas pelos mais velhos. Vamos, por isso, imaginar que assim não é. 

Com os professores, temos  baixos vencimentos no inicio da carreira e uma progressão ao longo do tempo ( muito mais progressiva do que nos militares) que vai corrigindo esse estado de coisas. Parece difícil defender que professores mais velhos são como o vinho do Porto, tornando-se melhores com o passar do tempo. Se assim não for, então a questão é outra: os mais jovens são incapazes de realizar a sua função ou os mais velhos são sobre qualificados? Nenhuma das duas deveria ocorrer. Nem ter professores que são incapazes de exercer a sua função. Nem ter gente sobre qualificada que não é necessária: não devemos desperdiçar recursos demasiado valiosos que poderiam acrescentar mais valor à sociedade noutras actividades, ou que custem mais do que é necessário (sim, no final do dia é o povo que paga a conta).

Vamos também assumir que assim não acontece, para não ter que assumir  que todo o sistema educativo (ou remuneratório) não faz qualquer sentido.

Resta a questão de perceber porque alguém recebe mais (ou menos) por desempenhar a mesma função, o que parece tremendamente injusto, uma clara discriminação, uma injustiça, tudo aquilo que a esquerda e direita bem pensantes criticam.

Os mais sábios poderão encontrar uma saída: é apenas a fórmula possível para que, na falta de fundos para pagar menos mal a todos, se opte por uma formula que permita o tangível beneficio da melhoria de vida ao longo da carreira e, que no final, se verifique um equilíbrio dos benefícios ( os mais jovens de hoje serão os mais velhos amanha) e uma pensão mais agradável ( que depois, o sempre premente problema de falta de fundos do povo contribuinte obrigará a corrigir de alguma forma, mais cedo ou mais tarde, defraudando as expectativas criadas e criando novas injustiças).

Dois princípios fofinhos, progressão automática na carreira (quando objectivamente não se justifica) e a carreira para a vida (que parece insustentável), acabam apenas por trazer ineficiência, injustiça, opacidade e prejuízo para os beneficiários e para a sociedade. Como sempre acontece quando ignoramos a realidade das coisas. Ou não será assim?

 

PS: os efeitos perversos destes princípios são muito mais profundos e desastrosos do que cabe num breve post.

 

PS 2: É verdade que em Portugal todos ganham menos do que idealmente deveriam ganhar (para mim consequências de maus princípios). A luta entre governo PS e professores talvez seja mais complexa do que parece, a luta entre legalidade e aspirações e o aprofundamento de injustiças relativas, face ás restrições orçamentais, também ilegais face aos princípios constitucionais. As iniciativas do PSD, neste caso, cheiram-me a claro eleitoralismo, apostando em rendas excessivas de uma classe profissional que, entretanto, foi tacticamente abandonada pelo PS em prol de outros grupos de votantes mais importantes eleitoralmente ou mais baratos de satisfazer. Distribuir injustiças pelas aldeias é um desporto político altamente científico em Portugal.

Memória do Kaiser Franz Joseph

por Daniel Santos Sousa, em 21.11.23

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Uma memória do Kaiser Franz Joseph, contada por Kuehnelt-Leddihn, no seu livro "Liberty or Equality".

No dia em que o Presidente dos USA, Theodore Roosevelt, visitou Viena e foi recebido pelo Kaiser, a determinado momento pergunta qual o papel do monarca nos dias de hoje, ao que o austero e majestático imperador respondeu: "Proteger o meu povo dos seus governos."

Hoje passam 107 desde o seu desaparecimento, daquele que se intitulou o "último monarca da velha guarda".

Unicidade televisiva

por José Mendonça da Cruz, em 21.11.23

Sic, RTP, Tvi e Cnn são hoje apenas uma: a SIC - Sociedade Irmãos Costa.

Há semanas, quando o PSD apresentou um programa em 5 pontos, uma das colunas da SIC cortou a transmissão não estando sequer exposto o ponto 2, mudando de assunto com o pretexto de que «foi o essencial da comunicação do PSD». Esta rapidez de despacho vale para todos os partidos da oposição; até o amor extremado ao Bloco de Esquerda parece ter amainado por não ser conveniente nesta circunstância. Em vez disso, temos:

- António Costa a proclamar que o seu governo foi competente e frutífero;

- comentadores avençados a confirmarem que António Costa afirmou que foi competente e frutífero o seu governo;

- António Costa a aconselhar o país sobre em quem deve ou não votar em eleições;

- «jornalistas» declinando os conselhos de Costa;

- comentadores órfãos a celebrarem Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro;

- entrevistas a Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro;

- interregno para 5 minutos de manifestação de 7 pessoas pró-Palestina desde o rio até ao mar, com afogamento de todos os israelitas;

- comentadores entusiasmados a gabarem o dinamismo de Santos e a compostura de Carneiro;

- Costa a celebrar os 50 anos do PS, e a dizer como é extraordinária a obra deste e dentro deste a sua;

- «jornalistas» a celebrarem o que Costa disse na celebração dos 50 anos do PS;

- comentadores a celebrarem os 50 anos do PS;

- Costa acusando Marcelo de o ter despedido;

 - «jornalistas» orfãos a explicar que Costa acusa Marcelo de o ter despedido;

- «jornalistas» avençados a atirar «casos e casinhos» contra Marcelo;

- Costa acusando Lobo Xavier de violar segredos de Estado;

- comentadores lembrando que Costa acusou Lobo Xavier de violar segredos de Estado;

- Costa abstendo-se de falar sobre Santos ou Cordeiro, após o que fala 5 minutos e as tvs transmitem;

- as tvs lembram que Costa não fala sobre Santos ou Cordeiro, e aproveitam para retransmitir os 5 minutos de discurso de Costa;

- Costa falando das eleições em Espanha e do tempo na Alemanha;

- comentadores saudosos por Costa falar de Espanha e estar na Alemanha;

- outra entrevista de Pedro Nuno Santos;

- notícia de que o INE diz que este ano as colheitas foram muito boas, excepto a pera.

- mais declarações de José Luís Carneiro;

- comentadores orfãos, «jornalistas» avençados e ativistas disfarçados comentam as declarações de Santos e Carneiro e contam espingardas entre socialistas;

- interregno para lamentar as vitórias da «extrema-direita» em Itália e Argentina, vituperar o crescimento do Vox e do Chega, e celebrar Lula, Fidel, Putin, Xi Jiping e o herdeiro norte-coreano;

- Costa em declarações sobre a justiça;

- Costa em declarações sobre desigualdade social;

- Costa volta a atacar Marcelo e Lobo Xavier por causa de si próprio e da Procuradora-Geral;

- Costa ataca a Procuradora-Geral;

- tvs noticiam crítica violenta de avençada do PS ao MP em artigo de jornal;

- comentadores celebram artigo de jornal com críticas violentas à PGR;

- anunciada uma reportagem especial sobre as eleições internas no PS;

- tvs fazem interregno para dizer que Israel é mau e que atingiu outro dos 25 hospitais que o Hamas tem numa região com metade da área da Madeira;

- comentadores comentam a reportagem sobre as eleições internas no PS;

- declarações de Carneiro sobre o mundo e as aventuras;

- outra entrevista de Pedro Nuno Santos;

- «jornalistas» explicam que Santos explicou que deixou em estado magnífico a aviação, a via férrea, as estradas e a habitação;

- Costa dá declarações de 5 minutos às tvs para explicar que não faz declarações sobre Santos e Carneiro;

 - Costa...............................................

 

Post scriptum: o despudor é tal que as televisões, em coro com o inefável Centeno (Dezeno ou Decimal, talvez...) descobrem hoje que os juros da dívida pública -- dizem os lacaios -- estão a subir agora, só agora segundo eles, por causa da instabilidade -- ganem os cãezinhos do dono.

 

O país, esse empecilho

por Miguel A. Baptista, em 21.11.23

José Luís Carneiro admite, em caso de vitória do PSD, viabilizar um governo deste, impedindo assim que o PSD sinta a necessidade de procurar o apoio do Chega. 

Aliás, essa era a tradição em Portugal até António Costa refazer as regras da prática democrática. Houve governos do PS, em minoria, viabilizados pelo PSD e reciprocamente. Tal é uma prática sã, que impede que os partidos vencedores fiquem reféns de partidos extremistas. 

Parece-me que a maioria das pessoas que coloque o interesse nacional acima do interesse partidário será favorável a tal prática. Mas, no PS, esta intenção de José Luís Carneiro não é vista com bons olhos, vozes como as do inefável Eduardo Cabrita já vieram dizer que é "lamentável". E porquê o lamento? Porque há um PS, aliás maioritário, para o qual o interesse nacional é algo absolutamente secundário e subsidiário do interesse partidário. 

Esta atitude foi especialmente visível em todo o consulado de Costa, não houve uma única medida de reforma ou interesse nacional, tudo foi estritamente pensado numa lógica partidária e de gestão de carreira política. O país foi sempre visto como algo secundário, algo que estava ali a mais. O país foi visto assim como uma espécie de empecilho. 

Na Argentina já mudaram

por Jose Miguel Roque Martins, em 21.11.23

Nos finais do século XIX, a Argentina era um dos países mais desenvolvidos do mundo, ultrapassando muitas países ricos da Europa. Nesses tempos, Buenos Aires tinha um produto per capita superior ao de Nova Iorque. Um cenário irreconhecível nos dias de hoje.

As razões do declínio começam nos anos 30, mas são cristalizados pelo Peronismo: o movimento político mais difícil de classificar de sempre. Oscilando entre a extrema-direita e esquerda, sendo as únicas constantes o populismo e um estatismo radical. Tanto bastou para que os resultados sejam nada bons. Mantendo sempre elevados níveis de educação, debate-se com tremendos problemas económicos e financeiros.

No domingo, o peronismo perdeu, o que alias fugazmente já tinha acontecido, ou por golpes militares ou derrotas pontuais para outros partidos, que nunca beliscaram a matriz de Estado provedor implementada há mais de 75 anos, inicialmente com um nacional socialismo de época. A novidade é o novo presidente, um ultraliberal, na melhor das hipóteses, altamente excêntrico e tambem radical.

Que a Argentina precisa de mais liberalismo, não parece questionável. Que existam reais possibilidades de governação com sucesso, dado o isolamento do presidente e a sua extraordinária “exuberância” e pouca adesão á ortodoxia,  parece-me muito menos provável. Oxalá consigam.

O que queria destacar é que num País de gente muito razoavelmente educada, precisaram de pelo menos 75 anos para perceber que, em modelos económicos que não ganham, mexe-se. Estão suficientemente desesperados para saltar para uma solução diferente, liberalismo, mas para solução de radicalismo liberal e pouco ortodoxa.

Por aqui, o Estado uber alles começou pelo menos desde o Estado Novo e foi de novo entronizado pelo regime de Abril. Já não temos hipótese de sermos tão rápidos a perceber como os argentinos. Pode ser que algum dia aconteça, e dado o nosso temperamento, sem exessivo radicalismo. 

PS: Em rigor, desde o golpe militar de 1930, que o Estado comanda tudo na Argentina. Pelo que, para já, tecnicamente só estamos 2 anos atrasados em relação aos Argentinos.

Pedro Nuno, o Santana Lopes da Esquerda?

por João-Afonso Machado, em 20.11.23

Inquestionavelmente - sim! Montado no seu Porsche, cavalgando até ser derribado pelos seus próprios apaniguados, que a ostentação era em demasia.

Desorientado, desorganizado e inconstante. Tudo se percebeu ontem em um ou dois relances televisivos do cerimonial com que se deu início às eleições internas do PS.

E agressivo e demagogo. Mentiroso, para deixar de lado os eufemismos. Haja em vista a deturpação que fez do pouco até agora dito por José Luís Carneiro.

O ponto fulcral: à questão de interesse nacional em que este último se disse, mediante a verificação de determinadas circunstâncias, disposto a viabilizar acordos de regime com o PSD - declaração de homem responsável (será?) - o camarada Santos respondeu à margem com uma crítica à «muleta» dos sociais-democratas, renegando-a.

O camarada Santos está de olho numa Geringonça a sério, não das que caem ao terceiro orçamento a aprovar. Com ele o socialismo sairá da gaveta à mesma velocidade com o seu Porsche arranca da garagem ou o seu muito património se movimenta.

E a palavra final - a palavra de um não-socialista de alma e coração - é para a correcção com que Carneiro lhe respondeu. Na esperança de alguma elevação do discurso político depois de Sócrates e de Costa. Quiçá de alguma eficácia governamental...

Em suma, talvez haja uma réstea de bom senso e veracidade no PS. Essa pouca veracidade que Assis vendeu por qualquer prato de lentilhas...

Uma crise que respeita a normalidade democrática

por Jose Miguel Roque Martins, em 20.11.23

As últimas semanas foram animadas, mais um caso, mais suspeitos de prevaricação, a queda do governo, eleições antecipadas, uma grande complicação. Num país democrático da Europa, seria uma grave crise, uma interrupção do normal funcionamento das instituições. Em Portugal é apenas o normal funcionamento das instituições.

Comecemos pelo princípio. À 13º ou 14º (estou um pouco perdido) suspeita pela Procuradoria de ilegalidades cometidas por membros de um governo com menos de dois anos, o primeiro-ministro demite-se. A indiciação de altos dignitários do Estado em Portugal poderá ser lamentável, mas não pode ser considerada uma anormalidade. As suspeitas de ilícitos que recaem sobre membros do Governo é banal, regular, acontece com frequência, até são regulares, portanto são normais.

A anormalidade das consequências, a demissão, imposta por António Costa, essa sim, pode ser considerada anormal: retirar consequências políticas em Portugal nunca foi o nosso forte. O que seria normal num País democrático consolidado é, entre nós, estranho, assustador, anormal, perturbador. O país não está preparado para essa anomalia, mas reage com nossa normalidade estatística idiossincrática: com equívocos, erros, falta de transparência e clareza.

O Presidente da república aceita a demissão do primeiro-ministro, com elogios ao primeiro-ministro demissionário, dignos da sua cerimónia fúnebre, mas só a irá promulgar em tempo “oportuno”, obrigando a um longo período de transição em que nada muda. Noutras latitudes, seria normal aceitar que alguém que se demite para salvaguardar as instituições de ter um suspeito da prática de crimes no poder, abandone as suas funções de imediato. Em Portugal não. Não somos dados a reacções e soluções rápidas e, convenhamos, até pareceria mal dar um sinal inequívoco de que a solidariedade institucional se sobrepunha à solidariedade pessoal. Tirar as consequências seria uma intolerável admissão de que alguém que se comporta dignamente e se demite, não mereça uma prova de confiança pessoal clara. O contrário seria uma ofensa aos nossos costumes.

Agitam-se os Portugueses em ataques e defesa do Ministério Publico. Golpe de Estado? Normal funcionamento do terceiro pilar do Estado? Qualquer que seja a verdade, infelizmente a realidade não muda: o normal funcionamento da PGR não pode oferece qualquer confiança a nenhum Português. Erram e acertam com aparente aleatoriedade. Passam da inacção para a exorbitação sem critérios claros. Ao abrigo da sua independência e deveres não parece terem o cuidado devido com as consequências das suas acções sobre inocentes. O Segredo de Justiça não é respeitado mas também não somos informados de tudo. Ficamos no pior dos mundos: informação seleccionada, anónima, incerta, incompleta, duvidosa, caluniosa e que nada permitem concluir com clareza.Mais uma vez somos bombardeados com almoços, prisão de um autarca que pede contrapartidas para o seu município e erros no processo.Tudo normal. 

A minha falta de consideração habitual pelo ministério publico, não me impede de considerar ter agido bem neste caso relativamente ao primeiro-ministro: ninguém oferece 0,5% de uma empresa que alegadamente vai investir 3,5 mil milhões a troco de legalidades. Uns largos milhões já são algo de verdadeiramente suspeito. E o primeiro-ministro, no mínimo, é culpado de publicitar quem é o seu melhor amigo. António Costa poderá ser ingénuo ao ponto de nada ter percebido dos seus tempos de governo com Sócrates e não perceber que anunciar o seu melhor amigo pode ser interpretado como o anúncio do seu contacto privilegiado para “negócios”.  O Ministério Publico tem a obrigação de não ser extremamente ingénuo. 

Existe ainda outro importante órgão de soberania, o parlamento que não está, como devia, apesar da sua dissolução iminente, no olho do furação. Também eu entendo que qualquer governo se deva empenhar (embora nos limites da lei) para atrair um investimento importante para Portugal. É triste que, tal como confirmado pelo Primeiro-ministro, dado o emaranhado burocrático legal e desarticulado produzido pela Assembleia, seja impossível consegui-lo sem o empenho de meia dúzia de ministros e de secretários de Estado. O corolário lógico é que, quem não possa contar com um anormal empenho do governo, tem mesmo muita dificuldade de fazer o que quer que seja. É esta, aliás, uma das razões do nosso atraso com os países que nos gostaríamos de comparar. É trágico, mas infelizmente, mais uma vez, é normal. 

Resumindo, podemos estar a viver tempos conturbados, mas, infelizmente, nada têm de anormal num Portugal em que os três órgãos de soberania, o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial normalmente, com o rigor de um relógio suíço, funcionam mal.

O presidente da república, responsável pelo normal e regular funcionamento das instituições, naturalmente, afina pelo mesmo diapasão.

Recordar Otto von Habsburg

por Daniel Santos Sousa, em 20.11.23

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20 de Novembro de 1912 nasce o último príncipe herdeiro do Império Austro-húngaro, Otto von Habsburg. Exilado, mas nunca esquecido do povo, afastado do trono, mas nunca desistindo da luta. O arquiduque da Áustria foi sempre respeitado e admirado, até pelos mais críticos. Foi o "Príncipe-cidadão", pela postura cívica colocada ao serviço do bem comum, mas também um verdadeiro príncipe da renascença", cujo espírito aristocrático foi sempre maior do que que as comendas e títulos herdados. Sobretudo, um patriota que nunca deixou de ser europeu (no sentido antigo e cultural).

Tonou-se um símbolo e uma referência, não apenas pela monarquia, mas pela liberdade, pela civilização, pela identidade e história europeia, pela fé e pela cultura. O longo exilio não impediu o arquiduque de continuar a lutar pelos valores primordiais da civilização europeia, sentido que configurou na construção de uma Europa unida, nos antípodas do que se veio a tornar a dita União.

Foi talvez o último elo de ligação à velha Europa e ao esplendor de um mundo desaparecido, aliás como anos mais tarde recordou:

"A minha avó materna tinha educado a minha mãe e os irmãos e irmãs segundo métodos quase espartanos, e essa tradição manteve-se em nossa casa. As recordações que me foram transmitidas não eram de brincadeiras nos palácios nem de festas brilhantes para jovens ociosos (...) a minha mãe e a minha avó do que falavam era de trabalho, trabalho e mais trabalho. Os estudos eram muito severos e, além disso, as crianças da família real tinham de coser, remendar e arranjar a sua própria roupa, incluindo as meias, e fazer o mesmo à das pessoas idosas ou doentes da aldeia onde viviam. (...)".  (Otto von Habsburg, "Mémoires d'Europe, Entretiens avec Jean-Paul Picaper", 1994.)

 

Foice em seara alheia

por henrique pereira dos santos, em 19.11.23

José Meirelles Graça, de quem gosto e cujas opiniões acho estimulantes, resolveu ontem fazer um post a dizer que eu ando a dizer asneiras sobre a actuação do Ministério Público.

Devo dizer em primeiro lugar que só não diz asneiras quem está calado.

No meu caso, como escrevo muito, naturalmente direi muitas asneiras e, no caso em apreço, é ainda mais provável que diga asneiras porque não percebo nada sobre investigação criminal e pouco percebo de sistemas de justiça.

O único problema, até agora, é que não fiz qualquer apreciação da actuação do Ministério Público nos posts que fiz sobre o assunto do momento.

O que tenho dito é que me preocupa mais que seja normal um autarca ser pressionado com a perda de apoio do seu partido em futuras eleições se não tomar determinada decisão, que o Ministério Público fazer asneiras ao investigar a que propósito alguém ameaça terceiros para obter uma determinada decisão desse autarca e, por ser responsabilizado por essas asneiras, ter medo de investigar coisas dessas.

As asneiras do Ministério Público têm implicações indesejáveis na vida de terceiros?

Sim, têm, e por isso será bem arranjar regras melhores que existem, ter procuradores melhores, ter investigadores melhores, ter mecanismos de defesa das pessoas em relação aos abusos melhores, etc., mas estou velho para esperar por mecanismos perfeitos de funcionamento das sociedades, o facto é que o senhor autarca não tem nada que andar com telefonemas manhosos, faz reuniões formais (como prevê o código do procedimento administrativo), regista essas reuniões em acta (como prevê o código do procedimento administrativo) e fundamenta as suas decisões de tal forma que as suas razões sejam conhecidas e claras e não ininteligeveis ou obscuras (como prevê o código do procedimento administrativo).

O Ministério Público só acaba a entrar nesta história como os fusíveis entram na história da electricidade: quando são precisos é porque alguma coisa está mal na instalação e mais vale que cumpram a sua função para evitar danos maiores, mesmo que o corte de energia provoque também problemas.

O facto de António Costa ter resolvido demitir-se (uma decisão sua, não do Ministério Público, Sócrates foi investigado dezenas de vezes sem que isso o tenha impedido de fazer uma grande carreira política, e não foi o único), de Galamba ter a sua carreira política comprometida, etc., não é o efeito da investigação do Ministério Público mas sim o resultado de actuações que foram admiravelmente explicadas por António Costa a partir de São Bento: o Governo tem de ter liberdade para interferir em processos concretos, de forma opaca, mal explicada e não registada formalmente, quando entenda estar em causa o interesse público e é assim que deve ser.

António Costa acha normal actuações que há quem considere tipificadas no crime de tráfico de influências.

Não se pode pedir ao sistema judicial que resolva esta diferença de opiniões (em algumas circunstâncias caberá aos tribunais decidir, mas é quando tudo o resto já falhou), é ao poder executivo que cabe definir procedimentos que garantam o maior acordo possível na correcção da forma como são tomadas decisões, como escrevia ontem Pedro Bazaliza no seu artigo "O menino António": "António tem uma visão familiar e muito antiquada das organizações. Confunde informalidade com eficiência, o que, aliás, é cultural. Sem cobrar nada, informo que levantamento de processos, sua implementação e afinação é condição necessária para organizações eficientes. A boa nova para este e outros Antónios mais assustados é que ainda assim existe espaço para a informalidade. Mas, lá está, é para ser aplicada na exceção. A tal opacidade de que António se queixa resulta da falta de processos eficientes e do excesso de informalidade. Para mais informações é favor contactar muitas consultoras que existem por aí. Acreditem Antónios, a modernidade não é uma impossibilidade".

Investigar em segredo é um bom princípio, mas como se fazem buscas em segredo?

Por isso a questão das prisões preventivas e dos eventuais excessos do Ministério Público não podem ser misturadas como a questão da liberdade do Ministério Público investigar o que lhe parece ter relevância criminal, como tem tentado fazer António Costa.

Arrisco-me a dizer que essa confusão, fora os bem intencionados (que são uma minoria) não se prendem com a preocupação em relação aos direitos dos indivíduos, mas sim com a necessidade de pôr ordem no Ministério Público, um eufemismo evidente para designar o que verdadeiramente se pretende: sobrepôr o poder executivo ao poder judicial.

Domingo

por João Távora, em 19.11.23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «Um homem, ao partir de viagem, chamou os seus servos e confiou-lhes os seus bens. A um entregou cinco talentos, a outro dois e a outro um, conforme a capacidade de cada qual; e depois partiu. O que tinha recebido cinco talentos fê-los render e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebera dois talentos ganhou outros dois. Mas o que recebera um só talento foi escavar na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. Muito tempo depois, chegou o senhor daqueles servos e foi ajustar contas com eles. O que recebera cinco talentos aproximou-se e apresentou outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos: aqui estão outros cinco que eu ganhei’. Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na alegria do teu senhor’. Aproximou-se também o que recebera dois talentos e disse: ‘Senhor, confiaste-me dois talentos: aqui estão outros dois que eu ganhei’. Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na alegria do teu senhor’. Aproximou-se também o que recebera um só talento e disse: ‘Senhor, eu sabia que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e recolhes onde nada lançaste. Por isso, tive medo e escondi o teu talento na terra. Aqui tens o que te pertence’. O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e recolho onde nada lancei; devias, portanto, depositar no banco o meu dinheiro e eu teria, ao voltar, recebido com juro o que era meu. Tirai-lhe então o talento e dai-o àquele que tem dez. Porque, a todo aquele que tem, dar-se-á mais e terá em abundância; mas, àquele que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado. Quanto ao servo inútil, lançai-o às trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes’».

Palavra do salvação.

A paz no mundo

por João Távora, em 17.11.23

hippies.jpg

Por estes dias ouve-se falar muito de paz, da necessidade de paz, do fim das injustiças e da guerra, e eu reconheço que esse é um debate muito estimulante. O problema é que implementá-la à força constituiria sempre uma extrema violência, uma guerra ainda mais atroz. Quase que me envergonho de afirmar que a paz entre os homens é contra-natura. Eu cresci no meio de cinco irmãos, quase com a mesma idade, e sei do que falo. Lembro-me de como o sistema repressivo implementado pelos meus pais nem sempre funcionava como o de um colégio modelar, e que entre nós às vezes armávamos umas guerras intestinas tão acirradas que chegávamos a “vias de facto” – é inerente à espécie humana a competitividade, a luta pelo poder, já para não falar de sentimentos obscuros e outras motivações muito pouco nobres. Além disso a inquietação humana, tanto dá para gestos e criações de grande nobreza como para os mais mesquinhos e destrutivos. Não é invulgar que o excesso de bem-estar em conjugação com o tédio promovam o conflito (a decadência) em todas o género de comunidades. É sabido que quando o ser humano não tem problemas vitais para solucionar inventa-os.

Que a Miss Mundo e poetas entontados pretendam acabar com as guerras é perfeitamente compreensível – até eu se me distrair caio nesse equívoco. Só que eles não entendem que o que desejam é um mundo sem pessoas. Sem pertença familiar, cultural, religiosa, enfim; sem desejo, sem afectos, sem humanidade.  A canção “Imagine” do John Lennon é um logro infantil. Mas não pensem que eu não desejo a paz no Mundo: rezo por ela frequentemente, mas principalmente pela minha paz interior, que também é difícil, mas está mais ao meu alcance. E não precisamos de ir para o Médio Oriente para perceber como é extremamente difícil desmontar os equívocos intrincados e sobrepostos de erros políticos talvez bem-intencionados que ao longo da história cavaram feridas e acicatam ressentimentos, zangas e ódios, por estes dias gravados na pedra. No outro lado de um acto de justiça encontra-se muitas vezes uma brutal injustiça, invisível do ângulo contrário. A história ensina-nos como a arquitectura de uma paz duradoura provém quase sempre duma guerra com um claro derrotado que produza uma narrativa a preto e branco, onde dificilmente cabe um espírito humano, muito menos a história dos povos envolvidos. Depois, a excessiva simplificação de um conflito complexo é a tentação de quem pretende tomar posição nele. Sem o assumirem, os activistas quando reclamam a paz num determinado conflito tomam partido pela capitulação dum dos lados. Vejamos: eu posso em causa própria oferecer a outra face (render-me) para terminar uma determinada contenda que pareça insanável, mas não posso exigir que um terceiro o faça para minha conveniência, ou para conveniência de valores que eu considere superiores.

Assistir a uma guerra é um enorme incómodo para os nossos olhos, é uma aberração para qualquer alma nobre e bem-intencionada. Esfrega-nos na cara como as pulsões de morte convivem dentro de nós, domesticadas e arrumadas numa recôndita prateleira da nossa consciência funcional. Não é difícil, num conflito profissional ou familiar, como os que acontecem aos comuns mortais, adivinhar essa força brutal que habita no fundo de cada um com raízes num indomável instinto de sobrevivência. O melhor mesmo é não submergir nessas águas sombrias.

Só há uma coisa pior que a desconcertante e trágica natureza humana: aqueles que acham possível mudá-la através da lei ou de sistemas políticos. Está mais que provado que a construção de um Homem Novo é um processo por demais sanguinário e violento. O espírito humano não se encaixa dentro dumas talas. Além do mais a verdadeira salvação só será alcançável através de um acto de liberdade – pessoal e intransmissível. Só pretende mudar o mundo quem tem receio de se mudar a si próprio.

Publicado também no Observador

Ser melhor amigo de um primeiro-ministro

por Jose Miguel Roque Martins, em 17.11.23

Ser o melhor amigo de um primeiro-ministro, começa a ter um perfil muito próprio, quase um padrão próprio.  Ganha-se muito, ou se tem muito dinheiro guardado. No caso de Lacerda Machado, não se conhecem grandes depósitos, mas pelo menos contratualmente, diz-se, que teria direito a um premio de 0,5% da empresa para a qual trabalhava para contactos na administração publica e governo, uma insignificância com um valor impossivel de determinar hoje, mas que poderia ascender a 15 milhões de Euros.

Menos positiva é uma segunda consequência: ficam a braços com a justiça embora, para já, ninguém tenha sido condenado. Perseguição injustificada?

No caso de Lacerda Machado, as recompensas da agilização de processos, não se terão ainda concretizado. Pelo que nunca saberemos se iria ser tão amigo do seu primeiro-ministro como Carlos Santos Silva o foi de Sócrates. Mesmo não sendo ingrato, Lacerda Machado deverá sentir-se lesado pelo roubo da sua personalidade própria, depois de António Costa ter publicitado que Lacerda Machado passasse a ser conhecido como o melhor amigo do primeiro-ministro, diminuindo-lhe as suas possibilidades profissionais.

Este mesmo padrão, parece ter eco histórico em milhares de casos em todo o mundo: o melhor amigo dos poderosos parece sempre ter sorte. Ou porque os poderosos só têm amigos com enorme capacidade de ganhar dinheiro, ou porque os poderosos conseguem ganhar dinheiro atravez dos seus amigos, ou por uma anómala coincidência permanente. 

Não vamos lá cientificamente. Talvez seja melhor cada um ter uma opinião. 

 

Presunção de inocência

por henrique pereira dos santos, em 17.11.23

Gonçalo Elias costuma ser muito sólido no que diz e escreve, quer nos comentários por aqui, quer em coisas mais sérias e fez um comentário que vale a pena discutir: "quando um suspeito ou arguido ou acusado é colocado em prisão preventiva, está-se a presumir que ele é culpado (se acreditassem que era inocente, não haveria razão para achar que ele ia fugir).
Portanto a presunção de inocência é só em teoria..."

A presunção de inocência é um conceito estritamente jurídico e que só é válido no processo judicial, na sociedade ninguém se serve desse princípio e o princípio, em si, é mesmo um disparate quando levado para fora de onde ele deve estar: no processo judicial.

Na sociedade é perfeitamente legítimo, humano, normal alguém achar sobre o que quer que seja, que "não há fumo sem fogo", ou eu achar, sobre António Costa e a sua longa e próxima carreira na proximidade de Sócrates, que "tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta".

Desde a discussão do penálti no jogo de futebol até às inclinações amorosas de quem nos é próximo, o normal é presumirmos que as coisas são assim ou assado.

Questão diferente é eu pôr-me aqui a acusar algumas pesssoas a quem chamo corruptas em privado, sem ter bases minimamente objectivas e sólidas, isso é indecente, mas presumir que são corruptos é perfeitamente razoável e legítimo, mesmo que mantenha essa presunção comigo ou com pessoas muito próximas.

Eu sei que grandes malandros passam o tempo todo a invocar o princípio jurídico da presunção da inocência, da mesma forma que divulgam escutas sobre si próprios para acusar terceiros de o fazerem - acusar inimigos daquilo que nós próprios fazemos é uma coisa cuja origem se perde na noite dos tempos - porque aos malandros convém minar a confiança das pessoas nas instituições que os possam investigar.

Ao ponto de haver hoje, em Portugal, uma corrente fortíssima de pessoas que, explorando as fragilidades e erros do sistema judicial, que evidentemente existem e devem ser combatidas, estão convencidas de que o Ministério Público se entretém a engavetar pessoas aleatoriamente e para as chatear.

Uma coisa é achar-se excessiva a possibilidade do Ministério Público poder deter um indivíduo cinco ou seis dias antes de um juiz validar os indícios que sobre ele existem (ainda não percebi como há pessoas que acham possível fazer buscas discretamente na residência oficial do primeiro ministro, dar a conhecer ao chefe de gabinete do primeiro ministro as suspeitas que sobre ele existem, e que dizem respeito à sua actividade normal, mantendo-o em funções e dando-lhe a possibilidade de destruir elementos de prova, para não causar alarme social e não o prejudicar se afinal estiver inocente), matéria que não sei discutir com propriedade, outra coisa é achar-se que essas buscas e detenções são decididas sem critério e sem que, na actuação do indivíduo, existam zonas de sombra (se são crime ou não é outra coisa) que justifiquem a intervenção.

Há pessoas que acham que não há fumo sem fogo e, automaticamente, associam uma mera investigação a uma condenação em tribunal por crimes cometidos.

Quando sobre António Costa se diz que há um inquérito no supremo tribunal de justiça, isso tem relevância porque é público e notório que António Costa é muito habilidoso, muito tolerante em relação a comportamentos censuráveis (mesmo que não sejam crimes) e um notório aldrabão.

A maneira mais eficiente de procurar limitar os danos reputacionais de António Costa é dizer que todos temos a obrigação de presumir a inocência de António Costa até ser condenado.

Lamento, o sistema judicial tem a obrigação de tratar António Costa como presumível inocente, mesmo que tenha suspeitas, eu não tenho obrigação nenhuma de considerar que quem levou Sócrates ao colo todos aqueles anos deva ser tratado por mim como inocente, sobretudo porque ser inocente ou não, para mim, não é uma questão jurídica, não equivale a dizer que se não é inocente então é criminoso, é a síntese das presunções que faço sobre António Costa, que seguramente não incluem qualquer vestígio de inocência.

Aliás, acho que António Costa, ele próprio, ficaria ofendido se alguém o considerasse genuinamente inocente, no sentido não jurídico do termo, com certeza interpretaria isso como estando a ser considerado pobre de espírito, o que manifestamente não é.

Um desastre anunciado por um fugaz momento de gloria

por Jose Miguel Roque Martins, em 16.11.23

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Para conseguir a investidura, Sanchéz deu tudo ou quase tudo, a todos, até o que não podia mesmo dar: o reacender da discussão da unidade de Espanha.  A não ser uma surpresa de última hora, (uns deputados do PSOE com consciência?) irá ser empossado.

A habilidade de Sanchéz é proverbial, ao nível de um António Costa, o que não é dizer pouco. Por mais habilidoso que seja, parece surreal que o seu governo não caia rapidamente com estrondo: para que não aconteça, terá que manter todos os dias suficientemente contentes um saco de gatos, alguns muito selvagens, cada um com vontade própria.  Mesmo que esteja disposto a sacrificar tudo, até Espanha, como tem demonstrado, não acredito que o consiga fazer por muito tempo. Depois, teremos um País em cacos por um fugaz momento de gloria.  

Será então interessante ver se o PSOE tem tantas vidas como o PS em Portugal.

 

 

Os limites do crime

por henrique pereira dos santos, em 16.11.23

Parece que Júdice terá dito que os limites do crime estão a ser definidos de forma muito populista.

Júdice sabe perfeitamente que quem define os limites do crime é a lei e que se a lei permite interpretações latas dessa definição, o problema central é a lei, não a interpretação (que é pesadamente escrutinada no processo judicial).

Ou seja, está simplesmente a ser populista ao usar este tipo de argumentos para contestar a actuação do Ministério Público, apoiando a ideia, que vai ganhando força, de que o crime de tráfico de influência é uma coisa menor, mal definida e empolada por razões espúrias.

Era bom que assim fosse, o país respiraria melhor se o tráfico de influência em Portugal fosse uma coisa marginal e sem relevância, mas não é essa a realidade e passo a dar um exemplo dos ínvios caminhos que se consideram normais por se confundir o que é habitual com o que é normal.

Eu já deveria ter ido ver quem eram o consultores da Start Campus nos processos de AIA e na forma de lidar com os valores naturais protegidos, sobretudo com os charcos temporários, porque já tenho idade suficiente para saber que essa é, frequentemente, uma informação relevante, seja por boas ou más razões.

Por exemplo, quando a SONAE, em Tróia, contratou Joanaz de Melo e Francisco Andrade para lidar com a gestão das avaliações e gestão dos valores naturais, não estava com certeza esquecida do valor de ter dois destacados ambientalistas a dar a cara pelos processos, mas o tempo veio a demonstrar que a sua preocupação era mesmo fazer o melhor possível, e por isso contratou quem achou que lhe garantia isso.

Mas também é conhecida a venalidade de muitos investigadores que, como me dizia um velho investigador venerado pelo sector da conservação e pelos seus alunos, protestem vocês que eu não posso porque eles me pagaram um laboratório: ter a cobertura de investigadores destes é muito útil para que eles escrevam o que a empresa quer sem que seja fácil acusar a empresa de ter encomendado o resultado dos estudos.

Ontem quando li uma longa peça do Observador em que pela LPN quem falava de charcos temporários era Rita Alcazar (uma ornitóloga), estranhei, apesar de ser ela a coordenadora geral do LIFE Charcos, mas só hoje, quando tropecei numa peça da RTP, percebi que Carla Pinto Cruz, que coordenou a equipa científica desse projecto LIFE Charcos na parte que interessa, na base do qual a LPN tem contestado o projecto do Data Center em Sines (incluindo a alegação delirante de que não foram encontrados os charcos porque a prospecção foi feita na época seca de um ano seco, como se o habitat se definisse por ter ou não água numa determinada altura, e não pelas espécies que o definem e que lá estão todo o ano), era a consultora do promotor.

Ou melhor, é a Universidade de Évora que participa no LIFE Charcos da LPN com base na qual se contesta a avaliação da situação feita pelo promotor, através de um contrato com a mesma equipa da Universidade de Évora.

Que esta seja uma informação praticamente ausente de toda a produção jornalística sobre a matéria é, para mim, uma coisa extraordinária.

E, sobretudo, é muito, muito ilustrativa da ideia, generalizada, de que o tráfico de influências é uma coisa menor e sem grande relevância.

É verdade que a definição do que é tráfico de influências ou não, é muito difícil, é verdade que a criminalização dessa prática não resolve nada, no sentido em que a sua tipificação como crime é uma espécie de último recurso quando tudo o resto falhou.

O tráfico de influências combate-se antes de chegar ao sistema jurídico, com regras, claras e transparência (não, não é reduzindo a discricionariedade necessária, é delimitando as circunstâncias em que pode ser usada, definindo processos verificáveis e tendo mecanismos de decisão abertos e públicos), mas para isso seria preciso que a sociedade reconhecesse que a prática existe, que está generalizada e tem um profundo enraízamento social.

Que o Ministério Público investigue livremente quaisquer suspeitas, é uma grande ajuda.



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