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Sugestão liberal à CIP

por henrique pereira dos santos, em 29.09.23

A Confederação da Indústria Portuguesa resolveu propor a possibilidade (é voluntária) de pagar um bónus anual semelhante a 15º mês, livre de impostos.

É uma proposta que beneficia os trabalhadores, visto que lhes dá um bónus que não existia, mas há um conjunto de pessoas, defensoras dos trabalhadores, que rejeitam liminarmente esta ideia porque o Estado fica prejudicado.

Eu não entendo qual é o prejuízo do Estado (não recebia impostos de um pagamento que não existia, e continua a não os receber), mas o argumento que tem estado a ser usado é o do prejuízo futuro dos trabalhadores: sem impostos e descontos, esse dinheiro prejudica os trabalhadores na reforma e nos serviços públicos.

Essencialmente estas pessoas estão a defender a comissão que o Estado cobra sobre o nosso trabalho, considerando que a livre troca entre privados é prejudicial aos trabalhadores, se o Estado não cobrar a sua comissão.

De maneira geral, não têm lata para dizer isto assim e disfarçam a crítica com retórica ligada à defesa dos interesses dos trabalhadores "convém ter presente que um trabalhador ter mais dinheiro no bolso, por pagar menos impostos, para depois o gastar a adquirir no mercado a que teria acesso como serviços públicos, não lhe traz benefícios como parece", diz Paulo Pedroso (escolhi este, mas esta linha de argumentação tem sido usada por muita gente).

Tenho uma sugestão simples para resolver este problema: os trabalhadores sabem perfeitamente o que é melhor para eles, portanto a empresa disponibiliza o bónus definido, e o trabalhador escolhe receber líquido, prejudicando a sua reforma, ou com os descontos todos, para não ser prejudicado no futuro.

Esta proposta tem uma vantagem: dá aos trabalhadores o poder de decidir o que os beneficia ou prejudica.

Tem uma desvantagem: o Estado ficaria, com toda a probabilidade, prejudicado.

É fácil de explicar: os trabalhadores que não pagam impostos, ou quase não pagam impostos, tenderiam a pedir o bónus com os descontos todos, os que pagam mais impostos tenderiam a querer receber sem descontos, mesmo prejudicados no futuro.

E isso resolve o argumento de que a proposta da CIP não é progressiva, como deveria, na lógica do IRS (que não existe para os descontos para a Segurança Social), visto que os que ganham menos garantiam os seus direitos futuros, com um custo presente marginal, e os que ganham mais seriam fortemente prejudicados no futuro, porque não quereriam pagar o custo presente, por ser muito alto.

"A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores", poderia dizer a CIP, com justiça e, por uma vez, o Estado demonstrava que não é um instrumento de domínio nas mãos das classes dominantes, deixando os trabalhadores fazer as suas escolhas ao suportar os custos dessas escolhas em vez de cobrar uma comissão sobre o valor do trabalho.

Então e o risco?

por henrique pereira dos santos, em 29.09.23

O título do post é uma das perguntas que me fazem sobre a minha defesa de que nos próximos dias é melhor deixar deixar arder (num grupo de pândegos que frequento, a administração recusou publicar a ligação para o post, julgo eu que seja por achar inadequada o que considera propaganda do fogo, uma boa demonstração de como ainda há muito caminho a fazer no combate ao obscurantismo na gestão do fogo).

Comecemos pelo princípio: todos os dias se fazem cirurgias, e nem todas correm bem, chegando a haver mortes completamente inesperadas em cirurgias que são pouco mais que rotina.

Significa isto que a medicina deve deixar de fazer cirurgias, ou que antes de qualquer cirurgia deve criar procedimentos de tal modo exaustivos, que na prática torna impossível, ou muito difícil, para não referir extraordinariamente cara, qualquer cirurgia?

Não, qualquer pessoa de bom senso responde que não.

Porque não existe risco?

Não, mais uma vez, não, apenas porque os benefícios esperados dos milhares de cirurgias que existem são incomparavelmente maiores que os que se conseguem obter perseguindo políticas de risco zero.

Não há nenhum cirurgião que não tenha consciência dos riscos, não há nenhum que não se prepare para os reduzir ao máximo, quer investindo na sua formação, quer concentrando-se no seu trabalho, quer adoptando procedimentos padrão que reduzem riscos com custos operacionais e financeiros baixos, como desinfectar as mãos, quer treinando procedimentos de equipa que permitam responder a situações inesperadas da forma mais eficiente possível.

Há alguns anos, a minha mulher resolveu fechar uma janela teimosa empurrando o vidro, em vez de empurrar a estrutura de madeira da janela. O resultado foi que a mão avançou para onde se pretendia, mas a estrutura da janela ficou parada e o vidro adaptou-se, partindo, o que deu origem a um corte profundo na palma da mão da minha mulher. Quando está nas urgências do hospital, já pronta para que lhe cosam a mão, ouve a conversa dos médicos atrás da cortina: "coses tu", diz uma voz mais velha, "mas nunca cosi a palma de uma mão", responde uma voz mais insegura, "pois, mas alguma vez tem de ser a primeira", e assim foi, correndo muito bem, felizmente.

Se a minha mulher fosse da linha dos que gritam "e o risco? e o risco?", ainda hoje estaria nas urgências com a ferida aberta e a perder sangue, recusando-se a correr o risco de ser a primeira palma de mão a ser cosida pela jovem cirurgiã, e a cirurgiã ainda hoje continuaria a responder ao médico mais velho: "mas nunca fiz".

Gestão de risco, com certeza: investir em conhecimento - não há dúvida de que, a manterem-se as previsões dos próximos dias, as condições são perfeitas para queimar matos a Norte do Tejo, e são boas (chamam-me a atenção para o facto de ser preferível esperar mais um bocado para queimar povoamentos, a secura dos combustíveis mortos ainda é excessivamente elevada, mais vale esperar por mais chuva e menos temperatura) para queimar em povoamentos a Norte do Tejo -, adoptar abordagens prudenciais em relação aos riscos de probabilidade média a elevada, criar mecanismos de gestão de contingências e avançar, com preparação mas sem medo.

Um dia correu mal?

Felizmente na natureza não há danos irreversíveis como a morte nas cirurgias, é possível repor a situação inicial, de maneira geral, pagar prejuízos económicos, se existirem bem documentados, e aprender para a vez seguinte.

É extraordinário que o Estado invente sempre mecanismos, ou pelo menos anúncios de mecanismos, para compensar prejuízos de grandes fogos e tenha tanta dificuldade em ter uma política clara e bem definida de assumir o custo dos raros prejuízos que possam decorrer se alguma coisa que corre mal num fogo de gestão.

Os fogos dos próximos dias, controlados ou não, seja qual for a sua origem, funcionam como uma espécie de vacina da gripe, que tem de ser usada todos os anos porque é uma vacina recorrente, funcionalmente igual aos fogos em condições favoráveis em relação aos fogos destrutivos de Verão.

A diferença fundamental é que o Estado investe recursos imensos na promoção da vacinação da gripe - sim, também tem riscos e contra-indicações - por reconhecer os custos sociais de não ter uma política de gestão da gripe, enquanto aceita que ataques iniciais musculados para extinguir qualquer coisa que arda agora, com custos inacreditáveis, sejam usados para contrariar os efeitos benéficos da vacina recorrente contra os fogos destrutivos.

Tudo porque há uma hiper-valorização do risco associado ao uso do fogo em condições favoráveis e uma brutal desvalorização dos riscos sociais da acumulação de combustíveis que está a ocorrer.

E também porque há demasiada gente com demasiada influência para o conhecimento que tem dos assuntos: recentemente, quando questionado na Assembleia da República sobre fogos controlados, o senhor presidente da liga dos bombeiros respondeu misturando fogos controlados com contra-fogos em situação de combate, numa demonstração de como ainda há muito a fazer no combate ao obscurantismo na gestão do fogo, para repetir um frase que usei lá em cima.

Rei D. Carlos de Bragança - um retrato

por Daniel Santos Sousa, em 28.09.23

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O retrato que nos é dado de D.Carlos é o de um príncipe amante das artes e dos prazeres mundanos, e com esta imagem a propaganda republicana teve o seu alvo predilecto. Os seus antecessores (D. Luís e, antes, D. Pedro V) não poderiam divergir mais no carácter: a imagem bela e lúgubre do “Esperançoso”, ao mesmo tempo frio e romântico, político tecnocrata construído a pulso, e cuja morte precoce criou no povo uma profunda devoção, contrastava com o irmão, D. Luís, homem bom e condescendente, que beneficiou de um longo e próspero reinado, ao qual, mesmo os mais insignes opositores, não deixavam de lhe revelar as virtudes, como alguém descreveu: “Reinou, não governou”.

Mas D. Carlos não beneficiaria de uma propaganda tão favorável. Inicia o reinado da forma mais violenta ao ser confrontado com o escândalo do ultimatum inglês e a revolta republicana no Porto a 1 de Janeiro de 1891. A questão dos tabacos e os adiamentos à Casa Real levam Afonso Costa a atacar o rei na Câmara dos Deputados (na sessão de 20 de Novembro de 1906): “Por muito menos crimes do que cometidos pelo Rei D. Carlos, rolou no cadafalso em França, a cabeça de Luís XVI”. Nem as palavras de Oliveira Martins auspiciando uma nova monarquia forte e restauradora da ordem podiam adivinhar a desordem que aí vinha.

Na essência, o monarca era o produto de uma cultura liberal, não era um religioso ultramontano, o seu catolicismo reduzia-se às formalidade monárquicas, aliás, a defesa dos liberais na união do Estado e da Igreja servia para manter o clero sob o controlo do Estado e, assim, impedir atitudes mais “reaccionárias” da parte da Igreja (como os próprios diziam). D. Carlos era um político de grande habilidade e um pragmático, modelo do monarca que bem podia estabelecer paralelo com o espírito reformista do seu primo Guilherme II, que se colocou à frente do movimento socialista alemão; ou Leopoldo da Bélgica, que procurou ir ao encontro das reivindicações do operariado; ou mesmo Francisco José, que promoveu na Áustria um movimento a favor do sufrágio universal.

Ainda que com algumas diferenças para com estes soberanos. D. Carlos não se via como um enviado do divino, como o Kaiser alemão, não gostava desse “regime de opereta”, segundo os testemunhos da época o rei ouvia mais do que falava, não era homem de impor a sua vontade, aceitando o poder e os limites de um rei constitucional; não tinha, tão-pouco, ensejos de grandiloquência, ou de megalomania. Era, sobretudo, um homem energético, amante do desporto, das artes e das ciências, como comprovam os seus estudos oceanográficos. Mesmo não sendo no sentido estrito um intelectual (talvez mais perto desse conceito ficasse D. Pedro V) era um homem culto.

Dava razão ao jornalista republicano Homem Cristo que analisava a antipatia que muitos sentiam para com o rei, antipatia que resultava “unicamente da forte personalidade que, desde príncipe real, D. Carlos revelara... A Lisboa silenciosa, arruaceira, indisciplinada, sentia, por instinto, no futuro reinante, um adversário. E bastava isso para que olhasse com natural antipatia o homem destinado a reprimir-lhe os abusos e a desordem.Mas tinha carácter. Não o insultariam impunemente. Não beijaria mão que o esbofeteasse. Não deixaria cair na lama o espírito de ordem e de autoridade.” Era este o perfil do rei traçado por um homem que longe estava de ser monárquico.

Mas o rei vivia também momentos vitoriosos, como lembra o momento em que numa tourada no Campo Pequeno é aclamado com o grito: “Viva o rei liberal! Viva a liberdade! Viva o neto de Vitor Manuel!”

É difícil saber como teria sido a história de Portugal se D. Carlos e o príncipe real D. Luís Filipe tivessem sobrevivido àquele dia trágico de 1 de Fevereiro de 1908. A verdade é que naquele dia começa o século XX português. A força do rei D. Carlos, última energia capaz de regenerar o sistema, desaparecia e, ademais, inaugurava ali uma prática que se iria alastrar nas próximas décadas do novo século: o assassinato político.

TRAPalhões

por José Mendonça da Cruz, em 28.09.23

Costa, que comparou a companhia aérea às caravelas, nacionalizou a Tap que estava em boas mãos privadas. Aumentara a frota, contratara 3000 trabalhadores, tornara convincente o hub de Lisboa em conjunto com os destinos e origens para e de Europa, América do Norte e Brasil.

«Revertida», a Tap despediu trabalhadores, diminuiu a frota, e sorveu 3000 milhões de euros dos contribuintes.

Enquanto se empenhavam numa destruição de valor de proporções criminosas, Costa e NunoSantos iam proclamando a importância «estratégica» da Tap como empregadora, exportadora, compradora de bens e serviços. Curiosidade: os números citados eram todos eles do tempo d`«o privado».

Agora Costa quer privatizar a Tap com perdas calamitosas, porque a incompetência da sua rapaziada ávida e perdulária se tornou demasiado incómoda.

O sindicato do pessoal da aviação civil -- representante de muitos dos que foram contratados por Nielmann e despedidos depois, e que viu o resultado da gestão privada e que assistiu ao desastre da gestão socialista --diz agora que seria bom o Estado português manter parte da Tap, como se alguém se prestasse a ter os socialistas como sócios (a menos que venha a ser um amigo de Costa a ficar com a companhia), porque tem medo de despedimentos.

E governo e «especialistas» rogam que o Estado «defenda» o hub de Lisboa, como se tal fosse possível; como se o Estado socialista pudesse agora reverter o que fez com a sua patética reversão, expulsar Nielmann, «o privado» que tão bem defendia o hub da forma que os hubs são defendidos: sendo competitivos. 

Nos próximos dias, deixem arder, por favor!

por henrique pereira dos santos, em 28.09.23

É muito raro usar pontos de exclamação, exactamente para lhes preservar a utilidade quando preciso deles, como é o caso do título deste post.

A questão é a seguinte: nos próximos dias as condições para queimar matos são óptimas e para queimar em povoamentos seria preferível ter um bocadinho mais de humidade nos combustíveis mortos, mas não é nenhum drama, é possível fazer.

Por isso é que preciso mesmo do ponto de exclamação no título do post: caros decisores das instituições, a minha, ICNF, protecção civil, bombeiros, câmaras e público em geral, por favor, deixem de mandar bombeiros apagar os fogos que aparecerem nestes dias, a menos que haja razões fortes para isso, do ponto de vista do risco para pessoas, infraestruturas ou risco económico real e, para além disso, mobilizem todos os esforços e meios que tiverem para queimar o mais possível onde há gente que queira queimar.

Não vale a pena esperar por condições absolutamente perfeitas, a opção não é entre arder agora ou não arder, arder agora ou arder em melhores condições, a opção é mesmo entre arder agora, que é favorável do ponto de vista da gestão do fogo, mas também da biodiversidade, sem afectação de solos, ou arder à balda, em condições de vento, humidade e secura de combustíveis muito mais adversas, com muito mais impactos negativos, e sem nenhum dos impactos positivos.

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Esta fotografia de Henrique Mira Godinho serve para ilustrar a diferença dos efeitos entre fogos intensos, em épocas desfavoráveis (à direita), e fogos feitos com prescrições adequadas, como as dos próximos dias (à esquerda).

Caramba!

Deixem-se se tretas, de ses, e de talvez, pois sim, pois não e mimimis, se não querem queimar, ao menos não chateiem quem quer mesmo trabalhar para diminuir os riscos no próximo Verão, seja por ter interesse nisso, como os pastores que querem renovar os pastos ou os resineiros que queiram ter melhores condições de trabalho a custos razoáveis, seja porque querem gerir biodiversidade, seja porque simplesmente queiram diminuir os combustiveis disponíveis quando voltarem as condições meteorológicas (são meteorológicas, camaradas, não são climáticas) em que se geram e desenvolvem os grandes fogos destrutivos.

Recordar Ramalho Ortigão

por Daniel Santos Sousa, em 28.09.23

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Sempre considerei que Ramalho Ortigão é subvalorizado, uma sombra por detrás do colossal amigo Eça de Queiroz, mas também encoberto pela originalidade poética de Antero, ou pela produção de Oliveira Martins. Injustamente assim acabou. Ramalho não foi romancista de craveira, porque a objectividade da análise não se coadunava com as divagações da imaginação, nem um lírico, porque às reminiscências poéticas preferia a sobriedade das ideias. Podia ombrear com os melhores historiadores, mas não foi prolífero nem profundo no campo. E, contudo, dentro do estilo foi o mais inovador. "As Farpas" não seriam o mesmo sem o seu brio. No ensaio foi primoroso e na crónica um esteta. E o que deixou escrito em vários volumes recolhe a melhor prosa do século XIX.

Ramalho estava ao nível do humanista, tivesse nascido em Inglaterra seria o protótipo do cavalheiro vitoriano, versado nas artes, ciências e letras. Elegante e sofisticado comprazia às andanças da boa sociedade. Dedicou páginas ao lazer burguês de forma tão incisiva como criticou aquela mesma sociedade. Foi homem público e tribuno. Um senador. Não ficou retido nas bibliotecas participando na vida cívica.

Autodidacta multifacetado, sobre tudo escreveu. A análise apurada deslocava-se por dimensões variadas do conhecimento. Politicamente muitos o apodam de republicano, e contudo nunca o foi, como Eça lembrou. Ramalho não atacava a monarquia, mas a partidocracia. E mais tarde opõe-se à República. Foi coerente. Em carta ao jovem João do Amaral aplaude o Integralismo Lusitano, um último fôlego de um velho patriota redimido. Talvez pela independência, superioridade intelectual e espírito crítico tenha acabado renegado. Cavalheiresco e académico, elegante e erudito, Ramalho Ortigão foi talvez o intelectual que melhor soube encarnar o espírito do século XIX português.

O clima exemplar

por henrique pereira dos santos, em 27.09.23

Antes do escrito: a última página do Público de hoje é dedicada à defesa da violência terrorista com um argumento clássico "É que há atos de protesto, caracterizados como sendo violentos, que pretendem travar situações de superior violência ... Quem quiser apreciar a validade das intervenções distanciado daquilo que as legitima poderá fazê-lo. Mas salvo melhor opinião, é um exercício curto". Não me parece possível responsabilizar a autora, Carmo Afonso, porque para haver responsabilidade é preciso que o responsável pelo acto tenha capacidade para compreender os efeitos do que diz ou faz e, ainda assim, decida fazê-lo, mas a responsabilidade do jornal Público em aceitar como cronista quem defende a violência terrorista, essa eu não gostaria de deixar passar em branco.

Andreia Sanches, no editorial do mesmo jornal, expressa uma opinião diferente, mas o que me levou a este post é isto: "A Grécia, que teve este Verão um inferno de chamas, alega, na sua resposta ao processo [do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos], que os efeitos das alterações climáticas não parecem afectar directamente a vida e a saúde" humanas".

Esta frase, que sugere que os fogos da Grécia deste ano são uma demonstração de alterações climáticas, é antecidada de uma ideia que a torna mais clara: "vemos as alterações climáticas a mudarem dramaticamente a nossa vida, sem freio" e é como exemplo disso que Andreia Sanches escreve sobre a ligação entre alterações climáticas e os fogos na Grécia.

Andreia Sanches reflecte a posição largamente dominante no jornalismo actual, um jornalismo em que as causas têm mais importância que os factos.

Por um lado, comete o erro vulgar, frequente, largamente dominante nas redacções dos jornais, que consiste em confundir meteorologia ("o estudo e o conhecimento da atmosfera nos seus diferentes aspectos, designadamente quanto aos fenómenos físicos e químicos que nela ocorrem" em cada momento) com clima (o estudo dos padrões de ocorrência dos fenómenos meteorológicos). Até pode haver incêndios que têm na testa o sinal das alterações climáticas, como dizia Paulo Fernandes há tempos, dando o exemplo de Pedrogão (no sentido em que a probabilidade de ocorrência é de tal forma baixa que é difícil admitir que ocorressem sem que esteja a haver uma alteração do padrão dos fenómenos meteorológicos a que estão associados, interpreto eu), mas não faz o menor sentido associar automaticamente os fogos de um determinado ano, numa região, a alterações climáticas, só porque decorreram de fenómenos meteorológicos de baixa probabilidade, mas que sempre existiram.

Por outro lado, muito mais relevante para a discussão, ao concentrar atenções num dos eventuais factores que influenciaram esses fogos, esquece todos os outros factores de evolução do padrão de fogo, em especial a acumulação de combustíveis finos que resulta das opções de gestão do solo (incluindo a opção pelo abandono), que podem ter uma impostância muito maior que as alterações climáticas na evolução dos padrões de fogo que conhecemos.

Ora isso significa omitir a questão central que deveríamos estar a discutir, que é a questão da forma como podemos lidar com os problemas que existem, incluindo o problema das alterações climáticas, como se parar emissões fosse a única opção possível.

Infelizmente, o simplismo de textos como o deste editorial, que na verdade repete a convicção dominante nas redacções dos jornais, não ajuda na gestão de processos complexos.

O lobo exemplar

por henrique pereira dos santos, em 26.09.23

Um dia destes, o Público (mas podem encontrar-se peças semelhantes em qualquer jornal que tenha pegado no assunto) perguntava no título de uma peça (cada vez tenho mais dificuldade em chamar notícias a muito do que aparece nos jornais): "A Comissão Europeia tem medo dos lobos? Não parece ser caso para isso".

Por que razão esta peça da jornalista Clara Barata não me parece que seja uma notícia, embora se refira a um assunto de actualidade que até merece atenção por parte de jornais?

A base noticiosa existe e é clara: "A Comissão Europeia abriu um processo de consulta ... para avaliar a alteração do estatuto de protecção dos lobos".

Vamos saltar pela minudência técnica de que o que existe são estatutos de ameaça, com base na qual se estabelecem medidas de protecção porque, no essencial, toda a gente percebe o que quer dizer a frase acima, com que começa a peça do jornal.

O caldo entorna-se logo na frase seguinte: "cedendo aos grupos de pressão de agricultores e caçadores, que se queixam dos impactos destes grandes carnívoros sobre o gado".

A jornalista, afinal, não pretende informar os seus leitores sobre a existência deste processo de consulta, sobre as razões da sua existência, sobre as razões dos diferentes grupos sociais interessados no assunto, sobre a dinâmica da espécie conhecida, nada disso, o que a jornalista faz, na sua peça, é doutrinação a partir de um ponto de vista, o ponto de vista do que se opõem a essa discussão sobre a situação das populações de lobo na Europa, os efeitos da sua dinâmica na sociedade e as melhores soluções para gerir os problemas dela decorrentes.

O essencial da informação desta peça do jornal é coerente com o conteúdo de um mail que recebi do grupo Lobo: "O Grupo Lobo vem expressar a sua preocupação relativamente ao comunicado emitido no passado dia 4 de setembro pela Comissão Europeia (CE) sobre a necessidade da revisão do estatuto de proteção do lobo na Europa. A informação contida no documento é infundamentada e mostra falta de conhecimento sobre o lobo, podendo mesmo contribuir para gerar alarme social e desviar o foco da necessidade de se promover a coexistência pacífica com esta espécie e, até, colocar em causa a sua recuperação."

Sem surpresa, lá está o parágrafo dramático do costume: "Em Portugal, o lobo está Em Perigo (EN), estando protegido por legislação específica desde 1988 (Lei n.º 90/88, de 13 de agosto), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 54/2016 de 25 de agosto, e encontra-se circunscrito às zonas mais montanhosas do norte e centro do país, ocupando apenas cerca de 20% da sua área de distribuição original, sem sinais de expansão nos últimos 30 anos. Estima-se que existam apenas 300 lobos em território nacional, sendo que a espécie continua ameaçada pela fragmentação do seu habitat e a perseguição direta pelo Homem" (a jornalista do Público é mais cautelosa e não se mete por este caminho, de forma explícita).

Qual é o problema?

É estar a omitir-se o essencial sobre a realidade das populações de lobo na Europa.

A jornalista do Público, nessa matéria não tem dúvidas: "Mas não só a população de lobos na Europa ainda não recuperou o suficiente para aliviar a protecção desta espécie, como a ciência desmente que a caça aos lobos faça diminuir o número de ataques ao gado, dizem especialistas em lobos e organizações ambientalistas europeias".

Pelo contrário eu tenho muitas dúvidas sobre este argumento que a jornalista cita e que acho extraordinário: se a caça não diminui o número de ataques ao gado (e eu também acho que não diminui), isso quer dizer que a discussão sobre a caça é irrelevante para a conservação do lobo, visto que mesmo com caça ele vai continuar a andar por aí e a atacar gado.

A situação da população de lobos na Europa é de fortíssima expansão em muito pouco tempo (por exemplo, é dar uma vista de olhos nas páginas 60 e seguintes desta publicação da Rewilding Europe, uma organização de conservação que fala de um "remarkable return", a propósito do lobo na Europa) como, para não citar dados dos tais grupos de pressão que incomodam a jornalista do Público, se pode ler no relatório "Assessment of the conservation status of the Wolf (Canis lupus) in Europe", cuja introdução cito largamente para se ter a noção do que está em causa:

"In the last 50 years, wolf populations across Europe have shown a remarkable capacity to take advantage of changing circumstances and landscapes and of new opportunities to reoccupy large areas of suitable habitat. In the last decade only, an increase of over 25% of wolf range has been reported in Europe (Cimatti et al., 2021). After having experienced a severe reduction in the first half of the 20th century, the wolf has become a protected species in many European countries where it had not been extirpated and from where it underwent a relatively rapid increase (Chapron et al., 2014). This expansion is still continuing and has been supported by a set of international conventions, which modified the wolf status from that of pest species to conservation priority, creating the conditions for their legal protection at the national level. The expansion was mainly due to a series of larger social, economic and historical processes, such as reforestation and the progressive abandonment of agricultural land (Cimatti et al., 2021), which reduced human impacts and released space for large carnivores and their wild ungulate prey. The return of the wolf in so many countries, though, does not come without an impact on human activities. On one hand, given the absence of large areas of wilderness in Europe (Venter et al., 2016), wolves have almost entirely re-established their populations in highly human-modified landscapes, where humans raise livestock, hunt wild ungulates, and use forests and mountains for tourism and recreation (Chapron et al., 2014, Bautista et al., 2019). Currently, permanent wolf ranges are characterised by an average density of 90 persons/km², which reflects a high degree of adaptation to human presence. On the other hand, wolves often pay a high price to sharing space with humans, as witnessed by the persistently high levels of illegal killing in several European countries (Kaczensky et al., 2012), often associated with low levels of trust in policies and wider social conflicts".

Ao contrário do que pretende a jornalista do Público (e a generalidade dos jornalistas que se debruçaram sobre o assunto), há mesmo razões fortes para a discussão sobre a melhor forma de gerir a rápida e poderosa expansão do lobo na Europa, e a discussão sobre a caça ao lobo é completamente marginal nas actuais circunstâncias.

Em Portugal as entidades que são responsáveis por esta gestão continuam a produzir informação com a tese do oásis, pretendem que a ciência, os dados, os censos, demonstram que a população de lobo está em perigo, isto é, que apesar da população de lobo na Europa, incluindo Espanha, se expandir à boleia do processo de renaturalização que está a ocorrer em consequência do abandono rural, Portugal, um dos países europeus em que o abandono rural é mais profundo e a recuperação dos sistemas naturais é mais evidentes, com contínuas notícias de presença de lobo em áreas em que não estava presente há décadas, a população de lobo continua "sem sinais de expansão nos últimos 30 anos", como diz o grupo Lobo, imitando o famoso ministro iraquiano de Saddam Hussein a negar a êxito militar americano na invasão do Iraque.

Negar a realidade nunca foi a melhor maneira de conseguir optimizar socialmente as soluções para gerir um problema, mas que fazer, quando não parece haver qualquer vontade das entidades de tutela, da academia e dos jornais em abandonar as histórias da carochinha que justificam o status quo?

Geringonças e populismo

por henrique pereira dos santos, em 25.09.23

As democracias caracterizam-se por darem mais importância aos processos que aos resultados: se a eleição é justa, o que se avalia pela forma como decorre, é irrelevante quem ganha e daqui a algum tempo o processo repete-se, criando novas oportunidades para ir mudando os governos, sem efusão de sangue.

Por definição, nenhum eleitor acha que o que é dito pelos candidatos em campanha eleitoral é um contrato blindado, todos os eleitores sabem que uma eleição é uma mera transferência de poder do eleitor para o eleito, poder esse que é devolvido ao eleitor no momento da eleição seguinte, eleição essa em que o eleitor volta a delegar em alguém o seu poder.

Se Miguel Albuquerque afirma, em campanha, que se vai embora se não tiver maioria absoluta e depois da eleição diz que estava a falar de um governo de maioria absoluta, o eleitor pode ficar irritado, mas aceita com relativa facilidade que o desfasamento entre o que foi dito em campanha e a realidade do dia seguinte, está dentro dos largos limites que caracterizam a necessária imprecisão da linguagem sobre o futuro que é usada em campanha.

O problema está quando o eleitor fica com a impressão de que o que foi dito em campanha foi manifestamente enganador, no sentido em que o eleito fez todos os esforços para que o eleitor pensasse que o eleito ia fazer uma coisa, quando o eleito já sabia, ou pelo menos admitia, que faria outra.

É manifestamente o caso de António Costa em 2015, em que em campanha jamais admitiu que estava disposto a fazer um governo com o apoio do PC e do BE, sabendo que essa possibilidade era considera impossível pelos eleitores, ou o caso de Pedro Sanchez que jamais admitiu que iria negociar com os independentistas da Catalunha nos termos em que o está a fazer.

Neste caso os eleitos, na verdade, estão simplesmente a aldrabar o eleitor para captar o poder que ele delega, para fazer coisas que o eleitor não está a pensar que ele vá fazer.

Ao proceder assim (lá está, o que conta são os processos), estes candidatos estão a dissolver o contrato que serve de base à eleição: eu delego o meu poder, mas tu mais ou menos exerces esse poder dentro dos limites largos em que sabes que te estou a delegar poderes.

A eleição passa a ser uma mera de escolha de pessoas que se sentem legitimadas a usar o poder discricionariamente, ou seja, os eleitores sentem que o seu voto é desvalorizado, crescendo a sensação de que as democracias não funcionam bem, só servem para escolher pessoas que consideram não ter obrigações para com os seus eleitores.

Este sentimento é uma das mais fecundas fontes de populismo, e não há nada de estranho na evidente aliança entre PS e Chega no reforço da ideia de que o que é preciso é escolher as pessoas certas, independentemente do desfasamento entre o que fazem e o que disseram que iam fazer.

Bárbara Reis, o jornalismo e o movimento ambientalista, segunda parte

por henrique pereira dos santos, em 24.09.23

Na sequência do artigo que comentei aqui, Bárbara Reis escreveu outro artigo para defender um amigo das calúnias.

A história conta-se facilmente.

Bárbara Reis resolveu escrever (com razão, aliás) que as alegações do movimento ambientalista mais vocal e presente nas redacções dos jornais sobre o abate de quase 1900 sobreiros na herdade de Morgavél para instalar um parque eólico eram falsas (e são).

Em vez de simplesmente ler a informação primária sobre o assunto e confirmar com uma ida ao local - para mim, o trabalho normal de um jornalista - resolveu falar com pessoas em quem confia, especialmente Francisco Ferreira, ex-presidente eterno da Quercus que um dia perdeu umas eleições com um golpe palaciano e foi a correr fundar outra organização cujos estatutos não democráticos asseguram que não volta a repetir-se um golpe palaciano do mesmo tipo, o que fez dele o presidente da Associação Zero desde a sua fundação até hoje.

A reacção ao artigo foi a habitual, por parte dos chamados activistas: teorias de conspiração sobre os interesses de Bárbara Reis e de Francisco Ferreira, um procedimento habitual no movimento ambientalista, com toda a cobertura da comunicação social, que consiste em evitar a discussão da matéria de facto e partir para ataques de carácter assentes em teorias de conspiração sobre os interesses económicos que são servidos por quem se limita a dizer uma coisa diferente.

Mais uma vez, Bárbara Reis poder-se-ia ter limitado a exercer a sua profissão: metia-se num carro (ou numa bicicleta) e ia ao local verificar a informação de base, fazendo então um artigo em que dizia que os ataques de carácter serviam apenas como cortina de fumo para evitar discutir o essencial: as alegações que nas últimas semanas têm sido feitas, são falsas, como ela própria testemunhou.

Preferiu meter-se num caminho estreito que consiste em garantir a solidez ética de Francisco Ferreira e da Zero, como atesta o último parágrado do seu artigo: "Há o combate do activismo poluído, com ruído e sem rigor. Há os leitores que seguem essa escola. E há a Zero: entra no ringue de boxe do debate público com as luvas postas e veste a camisola da ética."

Citando a protagonista do Notting Hill "tu lidas com isto há dez minutos, eu lido com isto há dez anos. As nossas perspectivas são muito diferentes", diria eu a propósito de juízos éticos dos envolvidos nesta discussão, mas isso é mera opinião de cada um.

O problema é o jornalismo funcionar como os artigos de opinião de Bárbara Reis mostram: o mundo está dividido em bons e maus, e o papel do jornalismo é estar do lado dos bons, dos que são moralmente superiores.

Eu preferia um jornalismo que sabe que a natureza humana é o que é, todos nós seremos bons nuns dias e maus noutros, seremos moralmente superiores numas circunstâncias e imprestáveis noutras (Jacques Brel dizia que o "Ne me quitte pas" era uma canção sobre a cobardia de um homem (ele próprio) e, no entanto, quase todos a ouvimos a partir de outra perspectiva) e o papel do jornalismo não é fazer esse julgamento, é simplesmente trazer informação verificada para a discussão.

Faria bem melhor o Público e Bárbara Reis em escrever sobre a realidade concreta desse parque eólico que fazer de caixa de ressonância quer dos que dizem os disparates que têm vindo a ser ditos (como os jornalistas do Público que escreveram peças jornalísticas sobre a matéria), quer dos que resolveram, e bem, neste caso, dizer que as alegações são falsas, como fez Bárbara Reis.

Recordar D. Duarte Nuno de Bragança

por Daniel Santos Sousa, em 24.09.23

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D. Duarte Nuno de Bragança nasceu a 23 de Setembro de 1907. De pretendente da linha miguelista, a esperança da restauração monárquica, sofreu a sina dos príncipes nascidos no exílio. Cresceu longe da pátria, essa que conhecia apenas na longitude das memórias alheias. Como acontece nos dramas que envolvem as dinastias, não estava destinado a assumir a pesada herança de um trono deposto. As circunstâncias assim o determinaram.

Viveu sempre na expectativa do sonho. Para os legitimistas era a revanche de D. Miguel, quando a dinastia constitucional se eclipsava com a morte sem herdeiros de D. Manuel II, deixando apenas o tronco proscrito que do nome herdara a maldição da derrota de 1834; para os constitucionais um último fôlego para vingar a derrocada de 1910; certamente para ambos uma tentativa de reconciliação.

Não terá sido unânime e sempre o pesado fardo da divergência dinástica assombrou a possibilidade restauracionista. Mas não apenas. As divergência de doutrinas, as visões antagónicas de grupos, tudo dificultava o projecto de devolver a coroa à pátria. Terá sido enganado, traído, iludido com promessas, uma personagem shakespeariana, contudo sem o feitio de guerreiro e sem a força do carisma. Poderia ter sido rei e evitado o descalabro de um século XX tenebroso, ou possibilitado a transição para um regime representativo e constitucional (nunca o saberemos).

Salazar manteve a distância. Se tivera boas relações com o exilado D. Manuel II e com a Rainha Dona Amélia, não terá ficado particularmente impressionado com D. Duarte (com o qual nunca se encontrou). Com o tempo, qualquer possibilidade de devolver o trono foi-se desvanecendo. Morreu quase esquecido, ainda que sempre amado por quantos que aguardavam ver devolvido o regime histórico e natural. Oito séculos pesavam na consciência colectiva dos portugueses, para quem a anomalia republicana parecia ser um castigo contrariando o desígnio histórico. D. Duarte Nuno, duque de Bragança, foi prisioneio de uma redoma da qual nunca se libertou. E como poderia ter sido a solução coerente a uma transição pacífica. No final, foi a tragédia de um princípe que jamais recuperou o trono dos seus antepassados. 

O regresso dos Bragança a Mafra

por João Távora, em 24.09.23

Captura de ecrã 2023-09-24 105513.png

(...) Em outubro deste ano, o local de onde saiu o rei para o exílio, voltará, ainda que por breves momentos, a ser a casa dos Bragança.

Questionado sobre o casamento de Maria Francisca de Bragança e a sua importância para o Palácio de Mafra, o seu diretor aponta que a cerimónia tem “duas dimensões”, uma “privada”, por se tratar de “uma atividade religiosa como muitas outras que acontecem na basílica”, e outra “histórica e simbólica”. “D. Maria Francisca de Bragança é descendente dos reis de Portugal e, portanto, é um prazer poder receber o casamento de uma pessoa que tem essa ancestralidade histórica, ligada também a esta casa”, disse. “Ficamos muito felizes por essa iniciativa. Mafra é a representação da dinastia de Bragança, não só a parte conventual, como o próprio palácio, da mesma maneira que outras dinastias tiveram representações noutros espaços.”

Domingo

por João Távora, em 24.09.23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a um pro­prie­tário, que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a sua vinha. Saiu a meia-manhã, viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha e dar-vos-ei o que for justo’. E eles foram. Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo. Saindo ao cair da tarde, encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes: ‘Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’. Eles responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’. Ele disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’. Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz: «Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, a começar pelos últimos e a acabar nos primeiros’. Vieram os do entardecer e receberam um denário cada um. Quando vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais, mas receberam também um denário cada um. Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizen­do: ‘Estes últimos trabalharam só uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o peso do dia e o calor’. Mas o proprietário respondeu a um deles: ‘Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’. Assim, os últimos serão os primei­ros e os primeiros serão os últimos».

Palavra da salvação.

A Casa da Memória Viva

por João-Afonso Machado, em 23.09.23

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Já lá vão uns anos. Um grupo de famalicenses, curiosamente todos estudantes no Liceu de há quase 50 anos, decidiu constituir uma associação de direito privado que denominou Casa da Memória Viva.

Alguns deles viram os seus familiares próximos e mais idosos deixarem-nos após um triste fim de vida atacado pelo Alzheimer e outras doenças degenerativas, hoje em dia tão frequentes. Havia também o problema dos cuidadores, designadamente dos informais, das dificuldades com que se deparam tentando conciliar afazeres.

Esse grupo - afinal - de amigos, entre os quais tenho o gosto de me incluir, de proveniências políticas e religiosas diversas, unido apenas pela vontade de prestar um serviço aos nossos e à nossa terra, partindo do zero tem vindo a apresentar obra. Conseguiu a sua sede, deu sinal de largada à formação e preparação dos cuidadores, concretizou iniciativas relacionadas com a história local e direccionadas para as pessoas que vão perdendo as suas faculdades de memória. Captou a atenção da Câmara Municipal, conta já com o seu contributo. Hoje mesmo andou na rua, visitou um museu e uma exposição, passeou quem necessita agitar o espírito.

Enfim, se me é permitido uma nota final, a uma escala muito pequena mas que ambiciona crescer, este é mais um exemplo de que a sociedade não pode esperar pelo Estado, sempre ocupado em politiquices e proezas de fachada. Hão de ser os cidadãos, as autarquias também, a pugnar pelo bem estar dos seus semelhantes necessitados. Hoje eles, amanhã nós...

Sobre a mesquinhez

por João Távora, em 22.09.23

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Curioso foi verificar ultimamente, ao cruzarmo-nos com certos bas fonds das redes sociais e caixas de comentários, algumas reacções em matilha, verdadeiramente alarves, a uma ou outra notícia do Casamento Real em Mafra no próximo dia 7 de Outubro. O fenómeno demonstra duas coisas: a primeira é, como todos já sabemos, que a conjugação do conforto do sofá com o anonimato, favorece o surgimento de destemidos revolucionários de teclado, a expelir excrescências biliares, convencidos que arremessam cocktails molotov - antes assim. A segunda coisa é uma particularidade portuguesa bem trágica, herança da escola jacobina francesa: o ressabiamento social, cultivado com afincada raiva no início do XX, que deixou um rasto de sangue e que a nossa extrema-esquerda utiliza com perícia. Curioso é como, enquanto na maior parte do ocidental civilizado se discutiam e se confrontavam as ideias liberais com as fascistas e comunistas, neste jardim à beira-mar plantado, a fractura política dominante tinha como tema, sempre acirrado, o regime de Chefia de Estado, que tudo nos iria resolver e a Pátria iria resgatar em “amanhãs que cantam”. Não cantaram.

Naquele tempo como hoje, permanece na nossa frágil democracia o veneno duma pequena minoria ruidosa e ressentida. Sinal dum grande atraso civilizacional.

Carlos Reis - mestre do Naturalismo

por Daniel Santos Sousa, em 22.09.23

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O quadro aqui reproduzido é da autoria de Carlos Reis (1863-1940), intitulado: "D. Carlos I e o seu Estado-Maior"(1904) e encontra-se actualmente exposto em Vila Viçosa, um óleo sobre tela que o próprio Kaiser Guilherme II muito elogiou quando passou por Lisboa em 1905. A fama de Carlos Reis propalava-se então por toda a Europa, um último suspiro da arte refinada e elegante dos finais da Belle Époque. No século das Vanguardas, nomes como o de Carlos Reis acabaram ignorados, talvez por não corresponderem mais à ânsia de uma civilização que testemunhara todas as barbáries. Carlos Reis viveu o esplendor e o declínio de um mundo. E, contudo, dos nomes insignes que preenchem a história da nossa pintura, este foi dos mais marcantes.

Não será exagero dizer que Carlos Reis enalteceu o século XIX português na procura de uma visão rigorosa e sensível do homem e da paisagem, elementos contribuidores para a afirmação da estética naturalista da qual foi impulsionador em Portugal. A trajetória biográfica do artista é contada pela sinuosidade de um percurso moldado a custo e a pulso: de origens modestas encontrou um benfeitor e amigo no rei D. Carlos, também amante das artes. Inspirado e incentivado por Silva Porto, mestre de toda uma geração, percorre o caminho de ascensão meteórica à elite da pitura europeia, estudando em Paris onde pôde frequentar os grandes museus e cruzar contacto com as novas tendências artísticas.

Energético e trabalhador tem uma produção excepcional que o demarcam dos contemporâneos, alcançando rápida notoriedade e fixando nome como pintor. Homem de talentos multifacetados (como também nos revelam os seus gostos pela música e pela literatura) aliava a sensibilidade ao perfeccionismo do traço. Ascético, perfeccionista, sensível, consegue brilhar pela luminosidade das criações. Não direi pois, que tenha sido inovador, mas dentro do convencionalismo conseguiu alcançar a originalidade, trabalhando as tonalidades luminosas com propriedade e aplicando o equilíbrio do branco que perpassam as várias criações artísticas. Sobretudo, o que populariza Carlos Reis são as paisagens, essencialmente a poesia bucólica da terra portuguesa, fazendo dele o mais português dos nossos pintores, claro, não injustiçando outro ilustre contemporâneo como José Malhoa que merece um igual título.

Ascendendo por mérito próprio à condição de artista consagrado, Carlos Reis substituiu Silva Porto como Professor de Pintura de Paisagem, na Escola de Belas-Artes. Mais tarde assumia a função de director do Museu Nacional.

Com a República foi nomeado director conservador do Museu de Arte Contemporânea (logo em 1911), que passou a situar-se no Convento de S. Francisco, no Chiado. Carlos Reis seria, contudo, destituído da direcção do museu logo no dia da sua inauguração. O jornal "O Dia", que antipatizava com Afonso Costa, nessa altura Ministro das Finanças, e responsável pela medida, justificando tal acto pela necessidade de poupança, escreveu que: «Carlos Reis, embora estranho à política» tivera «a pecha de haver sido amigo dedicado e fiel do sr. D. Carlos (...)».

Num país de invejas Carlos Reis acabou por ser vítima da pior cobardia, a República traía o mais ilustre dos pintores portugueses e afastava-o infamemente.

O pintor lembraria mais tarde amargurado: «Como Director do Museu d'Arte Contemporanea taes provas dei do meu desastrado criterio e da minha ignorancia em materia d'arte, que ao cabo de três anos, o Congresso votava a extinção do logar de Director, que, como era de presumir, se restabeleceu, aliás com toda a razão, na pessôa do meu imediato sucessor».

Um jardim no Terreiro do Paço

por henrique pereira dos santos, em 22.09.23

Fico sempre surpreendido com a facilidade com que alguém lê que se defende um jardim no Terreiro do Paço quando se defende que seja realmente um espaço público, usado pelas pessoas comuns, em vez de ter quatro hectares de espaço de circulação desperdiçado em abstracções assentes num hipotético valor simbólico.

Aquilo é, e sempre foi, um terreiro, tal como o Rossio é e sempre foi um rossio.

É um terreiro que deixou de ser as traseiras da cidade quando D. Manuel mandou fazer o Paço da Ribeira (da ribeira das Naus, à ilharga de um estaleiro ou arsenal, como lhe queiram chamar, uma espécie de Lisnave da época, para se ter melhor a ideia do valor simbólico que esteve na sua génese), tal como a zona oriental de Lisboa deixou de ser a margem operária e fabril que foi até há uns trinta anos atrás.

Mas continuou a ser um terreiro, mal frequentado, sujo, dinâmico, perigoso, que o poder usava, porque tinha espaço livre, para autos de fé, cortejos nupciais reais e outras celebrações colectivas e tão perigoso que foi mesmo aí que foi assassinado D. Carlos, porque esse terreiro não era o silêncio e a ordem hierática que querem fazer dele, pelo contrário, quando a cidade lhe virou costas, voltou a ser um mero parque de estacionamento nas traseiras de Lisboa.

Sim, o Marquês de Pombal, um déspota corrupto, tentou fazer do terreiro um símbolo do seu poder (por interposto D. José), aproveitando o terramoto de 1755 para reconstruir e reforçar o centro de poder de acordo com o seu programa político, até lhe passou a chamar Praça do Comércio, mas aquilo continuou a ser o que sempre foi, o Terreiro do Paço, onde tudo o que chegava do império passava, fossem mercadorias, pessoas, ideias, de forma caótica e indomável.

A opção saloia de dar dignidade ao espaço, considerando que as fachadas do edifício e o valor simbólico definem o Terreiro do Paço, portanto tudo o resto deve ser arredado para não prejudicar a leitura do espaço - mas qual leitura, senhores? As pessoas usam quartos, salas, jardins, ruas, praças, rios, matas, por razões bem mais fortes que a facilidade de leitura dos limites que definem esses espaços - transformou aquilo numa ruína funcional, um espaço de circulação inóspito e inabitável.

Quando a propósito desta opinião se diz que se quer fazer um jardim no Terreiro do Paço, fico sem saber o que dizer, mas talvez me seja útil usar alguns exemplos.

Quando o poder decidiu que a envolvente da Torre de Belém precisava de ser requalificada (ver a fotografia, dos anos 50, para perceber bem porquê), Cotinelli Telmo desenhou uma proposta, que incluía uma alameda ladeada de estatuária dedicada aos heróis dos descobrimentos, ou seja, achou que o valor simbólico e a qualidade arquitéctónica da Torre de Belém deveriam presidir à intervenção.

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Felizmente Viana Barreto, o mesmo Viana Barreto que é o principal projectista do jardim da Gulbenkian tinha outras ideias para o espaço que, respeitando integralmente a Torre de Belém, não o sacrificasse a ideias retrógadas de necessidade de afirmação do poder, mas o devolvesse às pessoas comuns, quotidianamente, do que resultou o que lá está.

Se alguém quiser comparar, é dar um saltinho à Praça do Império, ou lá como se chama aquela porcaria que está entre os Jerónimos e o Padrão dos Descobrimentos, que periodicamente volta à discussão, sem que seja possível tornar socialmente forte uma ideia simples: aquilo não vale um caracol, não serve as pessoas comuns, não serve os Jerónimos, não serve o Centro Cultural de Belém, não serve os turistas, não serve nada que não seja a abstracção do valor simbólico, e outras patranhas semelhantes, e o que é preciso é devolver esse espaço ao quotidiano das pessoas comuns, redesenhando-o com esse objectivo.

Se Viana Barreto tivesse as mesmas ideias, a envolvente da sede da mais importante fundação portuguesa teria sido, provavelmente, desenhada para destacar o edifício e espelhar a dignidade da fundação, mas felizmente os tempos eram outros e o que a fundação queria não era propriamente esmagar os visitantes com a imponência da sua sede, mas que a sua sede fosse um espaço público vivo, o que a levou a optar (depois de um concurso) por uma solução em que edifício e jardim são uma e a mesma coisa, orientadas para o uso quotidiano e não uma manifestação de poder, glória e dignidade da fundação.

Por essa razão, a proposta que ganha o concurso tem uma escala humana e é desenhada para pessoas concretas, a partir do que já existia.

E, felizmente também, depois de ganho o concurso com o seu plano geral, Viana Barreto convida o seu amigo Ribeiro Telles, que entretanto tinha batido com a porta por causa do projecto da Avenida da Liberdade em que tinha estado envolvido com Caldeira Cabral, e que a opinião pública que chegava aos jornais tinha levado a Câmara a destruir na parte já executada, e a não executar na restante, com argumentos semelhantes a estes da dignidade dos espaços e coisas afins, o que permitiu juntar, pela única vez, que eu saiba, um mestre do espaço - Viana Barreto - e um mestre do desenho - Ribeiro Telles - num mesmo projecto, com os resultados conhecidos.

Pois nem com tantos exemplos - há mais, muito mais - dos malefícios da reverência às paredes ao ponto de sacrificar o serviço das pessoas comuns, se consegue ao menos discutir o uso do actual Terreiro do Paço numa base racional, sem que apareça imediatamente a ideia, que ninguém defende, de fazer um jardim no Terreiro do Paço.

Não, meus caros, Viana Barreto não repetiu a fórmula da Gulbenkian na envolvente da Torre de Belém, porque as funções, os programas, os objectivos, o enquadramento urbano são diferentes, portanto não vale a pena usar esse espantalho a propósito do Terreiro do Paço, o que se pretende não é um jardim no Terreiro do Paço, mas uma praça que lisboetas e não lisboetas possam usar com gosto e prazer.

Se teria árvores ou não é assunto a discutir no projecto, antes é preciso discutir o programa para aquele espaço e, para mim, o programa do valor simbólico, tal como foi entendido no actual Terreiro do Paço, é lixo: funcionalmente é um desastre, como valor simbólico é uma fraude, o Terreiro do Paço é um terreiro fronteiro ao que foi um dos maiores portos do mundo, não é, nunca foi, apesar das tentativas do poder para se apropriar do espaço escorraçando as pessoas, uma praça como a Praça de São Pedro, no Vaticano, essa sim, uma praça inteiramente dedicada à representação do poder.

Greta e o reiki

por henrique pereira dos santos, em 21.09.23

Adenda: o primeiro boneco tem a densidade de ignições em função da dimensão que atingem os fogos a que dão origem. É uma forma visualmente simples de demonstrar que a dimensão dos fogos não tem relação com a número de ignições. No primeiro mapa estão as ignições que dão origem a fogos com mais de um 1 ha, no segundo mais de 10 ha, no terceiro mais de 100 ha e no quarto mais de 1000 hectares. Resumindo, há muitos fogos pequenos onde há mais gente, mas onde os fogos ganham dimensão é onde não há gente)

Um dia destes, num grupo de pândegos que frequento, publiquei um post, sem qualquer comentário (excepto a identificação da fonte dos bonecos que reproduzo abaixo, o primeiro, distribuição das ignições pela dimensão dos incêndios a que dão origem, fui buscá-lo a um comentário do Nuno Gracinhas Guiomar e acho-o muito interessante, o segundo tem a fonte e é um mapa de distribuição do eucalipto em Portugal), e o post foi apagado por um administrador, alegadamente por ser propaganda eucaliptista.

igniçoes por area.jpg

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Na minha página no Facebook fiz uma ligação para este post sobre um artigo de Bárbara Reis, que diz respeito à aldrabice de se dizer que vão ser abatidos quase 1900 sobreiros centenários para fazer um parque eólico em Morgavél, o que fez aparecer uma senhora normal que diz que o artigo é duvidoso, juntando umas informações vagas sobre os interesses de Bárbara Reis, quando questionada em que é o que o artigo é duvidoso desata numa longa catilinária sobre a crise do modelo económico do jornalismo, mas tem o bom senso de se calar, não responde à repetição da pergunta, mas cala-se.

Aparece uma segunda senhora, faz também um comentário lateral qualquer, quando questionada sobre se estaria a afirmar que de facto iriam ser abatidos cerca de 1900 sobreiros centenários, responde que eu sou um ignorante e provocador, mas evita responder à pergunta.

Fiquei com curiosidade, e fui ver quem era a senhora que me chama ignorante a propósito de uma questão que é profissionalmente próxima de mim, e percebi que a senhora era uma terapeuta de reiki, uma profissão estimável, com certeza, mas que não qualifica ninguém para discutir sobreiros, árvores ou parques eólicos, como é evidente.

São estas pessoas que, hoje, fazem o grosso do movimento ambientalista que se manifesta pela defesa dos sobreiros, pela morte dos eucaliptos, pelo amor às árvores e contra o apocalipse climático.

Vi um dia destes um estudo (enfim) que dizia que 30% dos suíços diziam que tinham mudado do seu comportamento ambiental, influenciados por Greta Thundberg.

Eu sei perfeitamente como estes estudos são falíveis (estudos do mesmo tipo sobre Woodstock referem que os que dizem que estiveram em Woodstock são quatro vezes mais que os que comprovadamente lá estiveram), mas se é assim tão importante esse resultado, então os indicadores ambientais da Suíça teriam mudado dramaticamente, com quase um terço da sua população a ser influenciada por Greta Thundberg.

Ora isso é que já é mais difícil de demonstrar, parece que não se vê nenhuma alteração de fundo nas tendências, não se sabendo se são os conselhos de Greta que afinal não funcionam, ou se as pessoas acham que dizer bem de Greta, mesmo mentindo, as torna melhores cidadãos.

O que me preocupa não são estes cisnes negros ou simplesmente tolinhos que pululam por aí, sempre houve, sempre haverá, mas o estado comatoso do grosso do movimento ambientalista responsável que não só não quer criticar estas franjas para não deitar fora o bebé com a água do banho, como quer vivamente que os "compagnos de route" ambientais se abstenham de criticar os nossos, que isso é dar tiros nos pés.

Não, camaradas, tiro no pé é Greta dizer o que diz ou ter terapeutas de reiki a representar movimentos sérios de contestação a acções que podem ser descritas objectivamente, com base em afirmações totalmente falsas.

Isto não é nada de específico do movimento ambientalista, a bonomia com que são encaradas as afirmações de Ana Catarina Mendes sobre Cavaco e o trabalho infantil, umas declarações totalmente falsas, comprovadamente falsas, feitas por uma responsável política num discurso formal, são o mesmo sintoma: a verdade é uma coisa relativa que se deve submeter ao benefício que se pode obter pela sua omissão.

Isto sempre existiu, e existirá, mas não sei se a dimensão da aceitação social disto terá sido sempre a mesma, mesmo sabendo que não é de hoje o princípio geral da governação: proteger os amigos, perseguir os inimigos, e aplicar a lei aos restantes.

"Onde a ralé do império se misturava com a realeza"

por henrique pereira dos santos, em 20.09.23

O título deste post é uma auto-citação (um dos cúmulos da possidoneira) de um comentário meu, num post meu, já velhinho (12 de Maio de 2009, mais de catorze anos).

Vem isto a propósito de eu me meter sempre em qualquer conversa sobre o Terreiro do Paço, "uma ruína funcional" (mais auto-citação), provavelmente o espaço de circulação mais caro e inútil do país (apesar dos esforços de Siza Vieira para levar os Aliados, no Porto, pelo mesmo caminho, ao ponto de se zangar publicamente com a câmara por pôr bancos nos passeios).

Como já escrevi o que penso naquele post com quase catorze anos e, hoje, ao lê-lo, concordei com ele (não é assim tão frequente eu manter uma opinião por mais de dez anos, acontece, mas não é o mais frequente), vou poupar muito espaço neste post, sugerindo a quem esteja interessado que o vá ler, bem como à discussão que se segue nos comentários.

É nesses comentários que acabo por escrever:

"Repare que quando Siza Vieira desenha os Terraços do Duque, respeita a envolvente mas não a mumifica. Repare que quando o Távora redesenha Santa Marinha não mumifica o pré-existente, que tornaria inviáveis as novas funções. Quando Souto Moura pega na Alfândega do Porto não diz que o projectista inicial queria que fosse uma alfândega e reinventa a sua funcionalidade (e, necessariamente, as soluções formais). Quando o Carrilho da Graça refaz a pousada da Flor da Rosa não anda a brincar às funcões originais e às intenções originais e reinventa um edifício para lhe dar a função que se pretende.
O que acontece com frequência é que as escolas de arquitectura em Portugal (e como todas as generalizações esta deve ser lida com as limitações de uma generalização, que tem, claro, muitas excepções) olham para o espaço exterior público como púlpitos para o edificado e não como aquilo que verdadeiramente são: espaços das pessoas (a trienal de arquitectura até foi subordinada ao conceito extraordinário de vazio urbano, que é uma coisa que não existe). Como lhes falta a capacidade técnica para trabalhar materiais que não dominam (e não têm de dominar, porque não é o seu métier), têm dificuldades em reinventar o espaço público em função das novas funções que lhes cabem, como fazem, e muitas vezes bem, com os edifícios.
E é este o problema do Terreiro do Paço."

O Terreiro do Paço é o resultado de várias operações urbanísticas ao longo do tempo, a principal das quais seria hoje impensável e manifestamente chumbada por razões ambientais: o aterro da foz da ribeira que tinha como afluentes a ribeira de Valverde (hoje, Avenida da Liberdade) e a ribeira cujo nome desconheço, e que é hoje a Almirante Reis.

Não sei, nunca estudei o assunto, é um mero "uneducated guess", mas é possível que a opção urbana de aterrar a foz da ribeira e ocupar os leitos de cheia seja uma das principais responsáveis pelo caracter destrutivo do maremoto de 1755, que foi impedido de entrar, como seria o caso na topografia original, pela ribeira adentro, e respectivos leitos de cheia, com muito menor efeito destrutivo na cidade que, nesse caso, estaria nas encostas. A ser assim, é uma lição útil: todas as opções de ocupação do território têm custos, mas é bem possível que os custos de algumas dessas opções, por muito altos que sejam (como foram e provavelmente serão no futuro), são largamente compensados pelos proveitos quotidianos de ter a cidade como ela é, respondendo às necessidades quotidianas das pessoas que nelas vivem, mesmo que isso implique opções que se podem revelar desastrosas em circunstâncias extremas.

O problema central é que há quem olhe para as fachadas do Terreiro do Paço e veja a fachada exterior dos edifícios quando na verdade elas são a parede interior de um espaço que deveria servir as pessoas comuns e as funções actuais que se queiram dar aos quatro hectares do terreiro que servia um dos maiores portos do mundo, com o que isso significava de movimento, sujidade, mistura social, barulho, comércio, representação do poder, etc..

Infelizmente, disso tudo sobra a representação do poder e um espaço de circulação horrivelmente desconfortável.

Já era tempo de democratizar o Terreiro do Paço e devolvê-lo ao quotidiano das pessoas comuns.

Parábola sobre Portugal e o seu Estado

por henrique pereira dos santos, em 19.09.23

Imaginemos que sou um banqueiro.

Imaginemos que na minha actividade de banqueiro, tenho de remodelar uma agência bancária.

Imaginemos que essa agência bancária tem um cofre com sistemas de segurança que dependem do fornecimento de energia eléctrica.

Imaginemos que na remodelação da agência, o cofre vai ficar na mesma, portanto não está no caderno de encargos da obra e é deixado exactamente como está, incluindo os valores que lá estão dentro.

Imaginemos que, para fazer a obra, o empreiteiro desliga o fornecimento de energia eléctrica.

Imaginemos que alguém, sabendo de tudo o que está acima, abre o cofre e desaparece com o seu conteúdo.

Como pensam que os accionistas me tratariam depois de saber dessa perda?

Passemos agora à realidade dos factos (tanto quanto um parágrafo do jornal Público pode ser entendido como tradução da realidade dos factos, bem entendido).

"Acresce ainda o roubo de 30 km de catenária (cabo de alta tensão sobre a via-férrea) que terá de ser reposta. A modernização não incluiu a substituição da catenária, pelo que foi simplesmente deixada ficar, sem tensão eléctrica, ao longo da linha e sem vigilância para evitar o roubo do precioso cobre."

Olha, a história é exactamente igual à que contei, com a diferença de não ser um banco, mas uma infraestrutura ferroviária e com a diferença de eu não ser o banqueiro, nem o presidente das Infra-estruturas de Portugal.

E ser mais fácil saber qual será a conversa dos contribuintes que vão pagar 30 km de um grosso fio de cobre com os responsáveis pelo seu desaparecimento: nenhuma, ninguém sabe (quem lê um parágrafo obscuro numa notícia obscura de um jornal de circulação limitada?), ninguém acha extraordinário e ninguém é responsável.

Bem vindos ao meu país e ao estado a que o Estado ocupado pelo PS o tem levado, com o apoio dos jornais e dos eleitores.

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