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O preço da alcatifa

por José Mendonça da Cruz, em 13.07.23

As televisões andam tão preocupadas com os preços da JMJ que já desceram dos palcos às alcatifas. Para aproveitar o furor de escrutínio financeiro sugiro-lhes um pequeno exercício:

1. quanto custa em acessos não vendidos e utilização das instalações o encerramento por um fim de semana do Palácio de Monserrate?

2. Quanto custa o aluguer das instalações do Palácio?

3. Quanto custa o serviço de catering -- comidas e bebidas -- para cerca de 70 pessoas durante dois dias, com deslocações para e do palácio?

4. Quanto custa a segurança dentro e em redor do Palácio durante dois dias?

5. Quanto custa a limpeza e arrumação do Palácio após a saída das cerca de 70 pessoas?

6. Quanto custa em combustíveis, desgaste de material e horas ordinárias e extraordinárias para motoristas e seguranças um fim de semana de idas e voltas a Monserrate ?

Obtenham os valores, e somem. Depois façam uma subtracção para saberem quanto custou a mais essa reunião em Monserrate em relação a uma reunião idêntica das mesmas cerca de 70 pessoas se tivessem utilizado as suas próprias instalações de trabalho em Lisboa. E por fim noticiem [risos e gargalhadas].

Os católicos e as redes sociais

por João Távora, em 13.07.23

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A propósito da nomeação de Américo Aguiar a Cardeal e duma frase infeliz por si proferida numa entrevista recente faz-me muita impressão a quantidade de cristãos que nas redes sociais se sentem legitimados a fazer julgamentos sumários e tomar partido em assuntos delicados e complexos da (sua?) Igreja, com uma arrogância de pasmar.  

Foi por isso que me lembrei do meu pai que foi de tal modo contra o Concílio Vaticano II que só perto do fim da vida voltou a ir à Missa. Mas curiosamente, à parte dum ou outro reprimido sussurro à frouxidão dum ou doutro Bispo (a história repete-se…), nunca o ouvi nem dele li qualquer opinião sobre o assunto, que guardava só para si por respeito à Santa Madre Igreja. E talvez, suponho eu, para não armadilhar o crescimento dos filhos nessa pertença que nunca renegou.

Mas o curioso é que hoje qualquer bicho caruncho, cheio de certezas, tem uma opinião histriónica sobre as opções da Hierarquia e do Vaticano, que da sua trincheira desfralda aos 4 ventos nas redes sociais, cada vez mais uma tasca mal frequentada.

Viva a liberdade de opinião mas cuidado não tropecem nela.

O dinheiro dos partidos

por henrique pereira dos santos, em 13.07.23

Há vários anos, estava o processo do Freeport ao rubro, recebi um telefonema inesperado de Pedro Adão e Silva, que eu conhecia do surf.

Uma das minhas filhas era conhecida no meio do surf e Pedro Adão e Silva era dos poucos intelectuais nesse mundo, com presença regular nos campeonatos a que me levavam as minhas obrigações familiares, e acabámos a escrever no mesmo blog, enfim, conhecemo-nos e, não sendo absurdo, não estaria à espera que o Pedro me telefonasse a convidar para almoçar.

Como normalmente só digo que não a quem me convida para qualquer coisa com razões fortes, lá fomos almoçar.

O Freeport veio à baila, naturalmente, e em determinada altura eu devo ter dito que de concreto não sabia de nada - a minha opinião sobre o assunto era conhecida e pública - mas era voz corrente que relacionado com a aprovação do Freeport havia uma questão de financiamento partidário, tendo eu o cuidado de dizer que eram boatos e por isso nunca falava dessa hipótese em público.

O Pedro disse uma coisa que nunca me tinha passado pela cabeça: há muita conversa em torno disso, relacionada com a corrupção, mas é muito difícil saber, quando alguém pede uma comissão que diz ser para o partido, se realmente se trata disso ou se, na verdade, está a pedir uma comissão para si, e a justificar-se com o partido, e não há maneira de um partido se defender disso.

Lembrei-me desta história a propósito das buscas a Rui Rio e ao PSD.

Quando a IL, que eu apoio, elegeu oito deputados tentei, com a minha parca influência, chamar a atenção para a necessidade da IL não afunilar no seu grupo parlamentar e manter a sua característica até então, de um partido de pessoas que vão dizendo o que pensam e sentem que isso tem utilidade.

Não me parece que eu tenha nenhuma influência na IL, tanto que acabei por desvincular dos grupos do whatsapp da IL em que estava envolvido, exactamente porque achei que estavam a tratar os participantes como assessores do grupo parlamentar, a quem pediam análises de propostas parlamentares e coisas que tais, em vez de tratar como iguais a quem se pediam contributos para a definição das políticas de raiz liberal para problemas concretos das pessoas comuns.

Este tipo de processos são naturais, ocorrem com todos os partidos, que são máquinas de poder, e tendem a fechar-se (e também outras organizações, passa-se exactamente o mesmo com as ONGs, que tendem a alinhar cada vez mais a sua acção com os seus profissionais que com os seus sócios), criando uma distância relevante entre a bolha da realidade partidária e a vida das pessoas comuns.

E nisto, todos os partidos (insisto, também outras organizações) são semelhantes e tendem a ser cada vez mais semelhantes à medida que têm mais história e que a sua estrutura de apoio profissional se cristaliza.

É por isso que histórias como as que agora estão na berra, no PSD, tenderão a repetir-se e é muito difícil pôr-lhes termo, porque na verdade todos os partidos (mesmo que os seus chefes, em tese, queiram outra coisa) estão interessados nos mecanismos que lhes permitam aumentar o seu financiamento, sem ter a chatice de estar sempre a pedir dinheiro aos seus militantes.

Mas é também por isso que é fundamental ser rigoroso na aplicação do dinheiro do parlamento.

Não vale a pena achar que isso é uma questão de honestidade das pessoas, é o resultado normal das regras existentes.

Regras essas que poderiam mudar de muitas maneiras.

Por mim, poderíamos começar por ter uma regra diferente da actual: os deputados serem eleitos uninominalmente e dependerem, em primeiro lugar, dos seus eleitores e não do chefe do partido.

Esses deputados, provavelmente, resistiriam mais ao desvio do dinheiro destinado à sua actividade, de que dependem para voltar a ser eleitos, para a actividade do partido.

E isso seria bom.

A mata do Solitário, o fogo e a lei do restauro ecológico

por henrique pereira dos santos, em 12.07.23

À medida que vou envelhecendo vou-me cansando das decisões que são históricas por antecipação, e portanto deixo de ligar a coisas como a lei do restauro ecológico que anda agora em bolandas no Parlamento Europeu.

A única coisa que me faz ter vontade de escrever sobre ela é a quantidade de vezes que se usa restauração em vez de restauro, para falar do assunto.

A tal lei tem lá qualquer coisa como uma obrigação de deixar madeira morta nas matas, o que tem levado a muitos protestos e opiniões contra essa lei, dada a sua óbvia - e o óbvio é uma coisa muito subjectiva - falta de juízo nas zonas da Europa onde a gestão do fogo é mais complicada.

Com os sistemas naturais europeus a recuperar de uma forma que não tem precedentes desde a última glaciação, uma lei de restauro ecológico na Europa faz tanta falta como um camião de areia no deserto, mas isto é apenas mais uma das minhas opiniões radicais sobre conservação da natureza.

Serviu isto para uma pequena troca de argumentos sobre uma mata em concreto, usada como exemplo: a mata do Solitário, na Arrábida, onde há quem defenda que não faz sentido fazer gestão de combustíveis.

A mata do Solitário arde mais ou menos periodicamente - deve estar para arder um anos destes, penso que vai fazer vinte anos desde o último fogo, portanto, mais ano, menos ano, arde, como é natural - e tecnicamente pode discutir-se se deve arder de forma planeada, controlada, com melhores resultados na recuperação do solo e da vegetação, ou se deve arder em condições extremas de meteorologia e secura do solo, provocando uma maior regressão do sistema.

Para quem, como eu, entende que o país deve ter áreas de não gestão, que são deixadas ao acaso dos processos naturais, acho que essa maior regressão do sistema, e a maior afectação do solo no caso de fogos em condições extremas, são preços razoáveis a pagar para ter sítios em que não há gestão humana de ecossistemas, no caso da mata do Solitário e outros (gosto da ideia, que reconheço como pouco realista, que Miguel Araújo tem defendido, de ter 100 mil hectares contínuos de não gestão, mas claro que isso não é possível nas imediações da mata do Solitário, se é que há algum sítio onde seja possível fazer isso no país (o Miguel acha que sim), o que não invalida o interesse em ter áreas mais pequenas e isoladas, como a mata do Solitário, em que se opte por não gerir).

Na verdade só me chateia que mal aquilo comece a arder se precipitem para o local dezenas de pessoas e meios técnicos, não com o objectivo de controlar eventuais efeitos negativos do incêndio em pessoas e infraestruturas, mas com o objectivo de apagar o fogo, tarefa inglória e inútil, naquele caso e nas circunstâncias em que vai arder.

E que depois disso apareça uma girândola de políticos a prometer projectos de restauro pós-fogo que, garantem, vão deixar aquilo melhor do que estava antes do fogo.

E só me chateia porque são formas pouco sensatas de gastar o dinheiro dos meus impostos, de resto, tenho sobre estas coisas a mesma atitude que sobre leis de restauro ecológico: deixa andar que o teatro faz parte da vida.

O único problema é que quando aquilo arder, e vai arder, vai haver choro e ranger de dentes nas redacções dos jornais e televisões, aparecem os ambientalistas do costume a dizer que o fogo foi a demonstração de como as áreas protegidas não servem para nada, os desenvolvimentistas a dizer que se aquilo estivesse gerido não havia tantos problemas, e Jaime Marta Soares, ou outro que faça a mesma função, a garantir, pela enésima vez, que os bombeiros são uns heróis e nunca um fogo ficou por apagar.

Se não morrer ninguém, se não houver danos muito relevantes em coisas que custam dinheiro, helicópteros que se despenhem, carros que caiam de ravinas abaixo, etc., isto passa sem consequências até à indigação seguinte por causa de outro fogo qualquer.

Mas se houver problemas mais graves, lá vem mais uma catrefada de legislação infernizar a vida das pessoas, com base em critérios de sobrevivência política dos incumbentes do momento, sem qualquer ligação com a realidade ou a lógica.

E tudo isto porque, como comunidade, como sociedade, nos recusamos a aceitar que o fogo, mais que um processo químico, uma reacção fisicamente fácil de descrever, é um processo biológico fundamental (Stephen J. Pyne) que nos convém perceber para melhor nos adaptarmos, até que "Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença".

Em memória de José Mattoso

Por Pedro Picoito

por Corta-fitas, em 10.07.23

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Hesitei antes de escrever o que se segue. Primeiro, porque não vou acrescentar muito ao que tem sido escrito nas últimas horas, e merecidamente, sobre José Mattoso. Segundo, porque não é simpático que estas linhas fiquem a dever-se à mesquinhez que inevitavelmente acompanha a memória dos melhores de nós.
 
Ontem, comentando com uma querida amiga os disparates que já surgiram nas redes sociais, disse-lhe que o ouro, quando é fundido no cadinho, solta sempre alguma escória. Mattoso era ouro, uma grande pepita de ouro. E, apesar de todas as desilusões (de resto, mais comigo do que com os outros), há coisas que ainda mexem cá dentro. Lamento, mas não tenho outra maneira de dizer isto: graças à sua autoproclamada missão de consciência crítica da academia, Diogo Ramada Curto perde por vezes excelentes ocasiões de ficar calado. O artigo no Público de hoje é uma delas. E lamento, não por Mattoso, que não precisa de ser defendido e muito menos por mim, mas pelo próprio Ramada Curto. Há palavras que nos dão a medida de um homem. E as palavras de Ramada Curto não nos dão certamente a medida de Mattoso. Não é que não se possa criticar alguém depois de morto, embora talvez seja curial esperar que o corpo arrefeça. É a falta de verdade das críticas.
 
A Identificação de um País é um livro "escrito a descambar muitas vezes no registo tabeliónico, que não descola da erudição de base"? A Identificação de um País é uma verdadeira mudança de paradigma (para citar o conceito de Thomas Kuhn, um autor que Ramada Curto faria bem em reler) no campo da historiografia medieval portuguesa, a maior desde Alexandre Herculano e desde os primórdios da história científica entre nós. Que Ramada Curto não o veja, contra a opinião de todos os seus colegas medievalistas, diz mais sobre Ramada Curto do que sobre Mattoso. Porque revela uma surpreendente cegueira científica ou, pior, uma cegueira pessoal talvez menos supreendente.
 
A Identificação de um País prescinde das estimáveis ideias de António Sérgio e Jaime Cortesão sobre as origens de Portugal, que não podem ser "retirados da equação"? E porque é que o estimável facto de ambos serem referências da oposição republicana à ditadura e Ramada Curto se considerar seu herdeiro espiritual, contra um Mattoso émulo e talvez protegido do pai, autor de mauais escolares do Estado Novo (como, muito pouco subtilmente, se insinua), faria deles referências num debate que ocorre meio século depois de publicarem as suas estimáveis ideias? Virgínia Rau, que convidou Mattoso para a Faculdade de Letras antes do 25 de Abril, deve estar a rebolar de riso no outro mundo.
 
O conflito público entre Mattoso e Oliveira Marques por "lugares de direcção no interior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas", tem apenas "contornos pessoais" que não passam de "petite histoire"? Mattoso era capaz de uma enorme teimosia na defesa do que entendia ser justo, uma teimosia que não recuava perante considerações de sincera amizade nem de artificial cortesia, e o que estava então em causa era só isso: contrariar o tráfico de influências da maçonaria na FCSH, já nada discreto, com todas as nefastas consequências académicas que se adivinhavam para o futuro.
 
Mattoso construiu "um departamento entricheirado e um modo de fazer história ao arrepio de uma diálogo com as ciências sociais", reproduzindo "a lógica anquilosada das antigas faculdades de letras" e voltando costas "ao mais difícil e internacionalizado projecto de Vitorino Magalhães Godinho"? Estaremos a falar do mesmo Mattoso que nada mais fez, em toda uma vida de investigação e docência, do que revolucionar a história medieval portuguesa pela abertura permanente às ciências sociais? E que é mais uma vez contraposto a outra figura tutelar do tutelar Reviralho, contraposição que procura insinuar de novo a falta de limpeza de sangue democrático de um historiador de salazarista linhagem (ao contrário do próprio Ramada Curto, subentenda-se, nascido na mais pura aristocracia republicana)?
 
E a propósito da sempre invocada, e muito pouco praticada, interdisciplinaridade na academia, qual é a responsabilidade dos outros departamentos da FCSH no malévolo entricheiramento? Por exemplo, o departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais, uma autêntica ilha no "interior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas", para o qual Ramada Curto transitou há algum tempo?
 
A História de Portugal dirigida por Mattoso tem "limitações", aliás repetidas em "outros empreendimentos editoriais" como a História da Vida Privada em Portugal, por causa da sua "lógica de comércio" e da "estreiteza de vistas" de uma coordenação ausente, pois "cada coordenador de volume fez como pôde e como sabia"? Lógica de comércio, o Mattoso? A acusação é tão ridícula que nem merece resposta. E a tal falta de coordenação tem outros nomes: respeito pela liberdade e pelo pluralismo científicos, capacidade de delegar e de trabalhar em equipa, confiança nos colaboradores (dois investigadores academicamente tão distantes como Carlos Fabião e Rui Ramos, então muito jovens, já contaram a grata surpresa com que receberam o pedido de se encarregarem dos respectivos volumes). "Revivalismo culturalista idêntico ao da ideologia luso-tropical", intenção atribuída a Mattoso porque comete o terrível pecado, imagine-se, de ver a expansão e o colonialismo portugueses também como "contacto de culturas"? O Mattoso que, depois da independência de Timor, deixa a confortável vida de catedrático jubilado e coberto de honrarias cá na terrinha para começar um arquivo nacional do zero, do outro lado do mundo, dando generosamente o seu tempo, o seu saber e o seu merecido direito ao descanso para ajudar a construir um país novo?
 
Ramada Curto termina com um elogio manhoso, contando um episódio que exibe o seu conhecimento pessoal das fraquezas do Mestre - ou, como ele diz, da "grandeza de quem hesita". É um tópico obrigatório da desconstrução. Mattoso, "trabalhador árduo" que dava as suas aulas "com base em fichas e notas de leitura, reveladoras de um esforço sistemático", esqueceu uma vez as notas em casa e confessou aos alunos que "não sabia se iria conseguir dar a aula". Um trabalhador árduo e sistemático, mas pouco criativo e original porque incapaz de inovar face a um desafio inesperado. A conclusão é obvia: a aula seria uma metáfora de toda a obra de Mattoso. Mas é uma pena que Ramada Curto, de quem também conservo a memória de aulas muito sistemáticas no doutoramento, não nos conte se Mattoso a deu ou não. E se correu bem. Porque tenho a certeza que Mattoso nunca daria uma aula mal preparada. E também sei, por experiência própria, que as suas aulas, às vezes desvalorizadas por alunos menos dados à sistematização, eram fascinantes. Para quem estivesse disposto a deixar-se fascinar, claro. Infelizmente, Mattoso só foi meu professor em História da Religião Medieval, uma cadeira de opção semestral que ele, já jubilado, pediu expressamente para dar nesse ano. Como hoje testemunha no Público o Rui Tavares, meu colega precisamente em tal cadeira, duas coisas chamavam a atenção de qualquer aluno atento: o rigor e a humildade. Duas coisas muito mais raras no meio académico do que se pensa. Estou de acordo com Ramada Curto quanto à fórmula, mas não quanto à conclusão: Mattoso era realmente de uma "grandeza que hesita". As aulas, mesmo as de licenciatura, destacavam pela profundidade, pela possibilidade de abrir novas vias de investigação, pela capacidade de síntese de um conhecimento reflectido, interrogado, testado no contraditório. E, sim, muitíssimo bem preparadas. Podia-se fazer um manual com os apontamentos (que, para minha fúria e numa de várias mudanças de casa, perdi estupidamente). Ao mesmo tempo, tinha um respeito quase solene pelos alunos, que muitos confundiam com distância. Não era, como sabem muito bem todos os que se cruzavam com ele fora das aulas. Sucede, apenas, que sentia a mesma responsabilidade em dar uma aula a estudantes de licenciatura ou em fazer uma comunicação a especialistas. Ouvia com genuíno interesse todas as perguntas, mesmo as mais ociosas. E nunca respondia se não estivesse inteiramente seguro. Nunca lhe vi um gesto de impaciência com quem chegava atrasado, com quem falava para o lado (ou julgam que ninguém falava nas aulas dele?), com quem não estudava para a frequência porque, afinal, era só uma opção. Foi o único professor, em toda a minha vida, a quem ouvi estas palavras: "não sei". Numa das aulas, um dos alunos perguntou-lhe qualquer coisa sobre a épica medieval portuguesa. A despropósito, lá está, porque o tema não tinha nenhuma relação com o programa nem com a aula em causa. E ele respondeu simplesmente "Não sei". Mais tarde, vim a descobrir que não só sabia, como era a pessoa que mais sabia sobre o tema, de tal modo que o Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, publicado em 1991 pela Caminho, lhe encomendou a redacção dessa entrada. Mas na aula, diante da pergunta do jovem bárbaro, entendeu que não tinha estudado, ou pensado, ou "sistematizado" o suficiente para dar uma resposta que fizesse justiça à curiosidade de um aluno. E teria sido tão fácil debitar meia dúzia de tretas aparentemente brilhantes, como fazem tantos outros. O aluno ficava contente por merecer cinco minutos de atenção exclusiva, a turma ajoelharia perante mais uma prova de tão enciclopédica ciência e o professor colhia os louros de uma glória que só ele saberia vã. Mas Mattoso preferiu dizer "não sei". Duas das tais palavras que nos dão a medida de um homem.
 
É este o Mattoso que recordo: um sábio, um justo, um homem bom, grande mesmo quando voluntariamente se apagava. Que descanse em paz. E que Deus, em quem nunca deixou de acreditar, o receba na Sua misericórdia. Terá tido os seus erros, como todos nós. Aqueles a que Ruy Belo aludia, em versos de que gosto muito: "Perdoa se algum dia/ errámos com o coração/ Não nos deixes morrer longe de Jerusalém". Os erros de Mattoso foram os erros de um coração grande. E nunca, mesmo quando parecia afastar-se, andou muito longe de Jerusalém.
 
Pedro Picoito

Domingo

por João Távora, em 09.07.23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, Jesus exclamou: «Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado. Tudo Me foi dado por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve».

Palavra da salvação.

Em defesa de Cristina Sampaio

por henrique pereira dos santos, em 09.07.23

Não conheço Cristina Sampaio de lado nenhum, excepto dos seus bonecos no Público, de que não gosto.

Acho o desenho desinteressante e o conteúdo frequentemente idiota e desnecessariamente panfletário, sem o mínimo de complexidade e de esforço para se pôr nos sapatos dos outros.

Mas isso é a mera opinião de um leitor, o facto é que é uma ilustradora com uma longa carreira, com muitos prémios.

Este boneco animado que se pode ver aqui ilustra na perfeição as razões pelas quais não gosto do trabalho que conheço desta ilustradora: chato, esquemático, difamatório e sem a menor sofisticação intelectual, é um mero boneco razoavelmente tosco a dizer uma estupidez que, inegavelmente, pelos padrões woke, é um discurso de incitação ao ódio (neste caso, de incitação ao ódio contra a polícia, qualquer polícia).

Sem surpresa, sendo o boneco o que é, passando na RTP1, sendo transmitido nos ecráns do Nos Alive, ao que me dizem, gera um movimento de indignação, com o Chega a dizer coisas que o Chega diz, com o PSD a pedir explicações ao Governo e à RTP (desculpem o pleonasmo), com os sindicatos de polícia a apresentar queixas judiciais contra os autores, por difamação.

Não estou nada de acordo com estas acções.

O direito à asneira é sagrado, nenhum polícia acaba difamado no fim deste boneco - o boneco é difamatório, mas é tão mau e tão idiota, que as únicas pessoas cujo bom nome é afectado por ele são os seus autores - e os autores devem ter toda a liberdade de expressão.

Eu não compreendo por que razão a RTP contrata o Spam Cartoon (vi outros, frequentemente estão ao mesmo nível, afirmações infantis e insultuosas sobre pessoas ou organizações de que não se gosta, iustradas com bonecos sem graça nenhuma), não compreendo as razões pelas quais o Público todas as semanas publica um boneco indigente desta ilustradora, mas isso faz parte da liberdade de toda a gente: a RTP, o Público, Cristina Sampaio e eu, todos temos a mesma liberdade para fazer asneiras, incluindo a asneira que faço todos os dias de comprar o Público e, com isso, financiar Cristina Sampaio e outros, alguns dos quais me chateia bem mais financiar.

Claro que eu teria bom remédio: fazer um jornal melhor que o Público.

Se não o faço, o problema é meu e deixem-se lá de perseguir pessoas por delito de opinião (e, na minha opinião, por indigência intelectual).

Imigrantes

por João Távora, em 07.07.23

Dizem-nos: a diversidade é uma coisa boa. Sim, uma população com origens e culturas diversas não é necessariamente um problema, e pode ter vantagens. Mas desde que seja possível combinar diversidade com integração social. De outro modo, não teremos uma sociedade, mas uma aglomeração de comunidades divididas. Ora, as nossas democracias e Estados sociais pressupõem uma sociedade coesa, e não, como os impérios, populações separadas. Dispõe a Europa ocidental dos meios para integrar os migrantes e seus descendentes? Têm as sociedades europeias uma cultura suficientemente consensual e nítida para dar aos seus novos residentes referências comuns, as quais eles possam tomar como as regras do jogo de um convívio pacífico, ou então perfilhar como valores pessoais e assim identificarem-se com a sociedade de acolhimento? Não: o wokismo que infesta escolas, imprensa e associações subsidiadas pelo Estado ensina aos migrantes e seus descendentes que a sociedade em que vivem é “racista” e a devem tratar como inimiga, a começar pela lei e pelos seus representantes. São as economias europeias suficientemente abertas e dinâmicas para dar à maioria dos recém-chegados, não apenas os iniciais empregos de salários baixos, mas expectativas de ascensão social? Não: o estatismo limita os empreendedores que poderiam criar empregos mais qualificados, e condena a maior parte dos migrantes e seus descendentes à condição de mão-de-obra barata e à dependência de subsídios. Tudo isto só pode ter um resultado: guetos cuja explosão, no caso de França, está à distância de um incidente.

Rui Ramos a ler na integra hoje no Observador

Afinal não se passou nada

por João-Afonso Machado, em 06.07.23

Estava eu sentado em frente da televisão quando uma dama, algo trémula, entra pelo ecrã dentro. A sala, o lugar onde se enfiou, não me eram desconhecidos... Entretanto a dama encavalitava os óculos e começava a tartamudear uns dizeres. No rodapé do aparelho uma nota «Ana Paulo Bernardo - deputada PS». Pois claro! - estávamos na sala de tantas e tantas horas de Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. A deputada Bernardo tinha na mão o relatório e as conclusões provisórias, de sua autoria.

Em duas palavras, a má da história foi a CEO Christine Ourmières-Widener, que não é portuguesa, que nem deve ainda cá estar e não conseguirá parar de rir com esta palhaçada. Madame Alexandra Reis - até porque sempre acolitada pelos seus advogados - não é beliscada e muito menos o são os sacrossantos ministros socialistas: Pedro Nuno, Galamba, Medina...

Aliás, a insegura deputada Bernardo lá foi gaguejando que a história do computador, da intervenção das "secretas", toda essa paródia que quem, como eu, teve o privilégio de assistir foram horas de folga e espavento para uns - Pedro Nuno, Galamba, a sua temível assessora, Medina - e de tormento ou enxovalho para outros desgraçados como Frederico Pinheiro.

Estiveram lá, fizeram-se ouvir, prodigalizaram mentiras e contradições afinal para nada. A questão pertence ao foro da justiça, não merece avaliação política.

No momento televisivo seguinte os repórteres entrevistavam Costa. E Costa tudo desconhecia, Costa era completamente alheio ao relatório, Costa só tomará uma posição depois da AR se pronunciar e a AR é sempre um ponto de interrogação, sabe-se lá o que poderá sair dali?!

Eu fico contente que tudo isto se passe sob a aura do consulado socialista. Porque se fosse no decurso de um governo de Direita estávamos seguramente em ditadura. Assim não..., é a democracia a funcionar, é o Estado de Direito abençoando a igualdade dos cidadãos.

E as mulheres deles?

por henrique pereira dos santos, em 06.07.23

Wokes e afins tendem a considerar que a cólera dos "amotinados" em França (já agora, noutras paragens também) se compreende, mesmo que não se justifique, porque são umas vítimas constantes, sobretudo da polícia.

Confesso que quando ouço estas generalizações me pergunto sempre quem são estes amotinados, para depois tentar perceber as raízes da tal cólera e as razões para a polícia, no dia a dia, os tratar mal.

Há vários artigos sobre isso, sobre o perfil dos amotinados e uma coisa é comum a todos os perfis que vi: as mulheres não existem.

Não é muito estranho que assim seja, 96 a 97% da população prisional são homens, quer em França, quer aqui, embora seja fácil encontrar mulheres nas manifestações pelo clima, contra a carestia de vida, pela habitação digna, por uma vida justa, enfim, todas essas reivindicações políticas e sociais que motivam manifestações.

No entanto, quando se procura especificamente compreender o papel das mulheres nos disturbios franceses, supostamente uma reacção compreensível de oprimidos contra o sistema e, sobretudo, contra a polícia, é mais fácil encontrar artigos em que mulheres apelam à calma, como este, que artigos que procuram caracterizar o perfil das mulheres que participam nestas manifestações (que as há, claro, são é poucas e invisíveis).

O que verdadeiramente acho intrigante, é o desinteresse das feministas, mesmo as mais radicais e constantes, em perceber as razões para a invisibilidade das mulheres nestas manifestações, talvez me ajudassem a perceber o que se passa com as mulheres destas comunidades que se afirmam como vítimas da sociedade.

E o Táunól continua na Cênênê

por José Mendonça da Cruz, em 05.07.23

...hoje com o ministro da Cultura Silva, a ministra de Estado Mendes, e o ministro da Educação Costa, que demonstrarão à Cênênê entusiasta que Cultura, Estado e Educação socialistas estão magníficas.

Para quê?

por henrique pereira dos santos, em 05.07.23

"Se a campanha que defende o polícia tem o triplo das doações da campanha da vítima, não podemos dizer que quem se identifica com o polícia não tem determinação na defesa dos seus direitos.

Não me parece que matar um rapaz de 17 anos, que está desarmado, com um tiro nas costas, possa ser considerado um direito. E espero que as pessoas que defendem gestos destes não sejam uma maioria em França."

A estupidez deste comentário ao meu post anterior merece que lhe dedique este post.

Comecemos pelo começo.

Havia (pelo menos uma foi encerrada ao fim de cinco dias, o que se compreende porque tinha um objectivo de 50 mil euros e já estava em mais de um milhão e seiscentos mil euros, provenientes de mais de 85 mil doações) duas campanhas de recolha de fundos, uma para apoio à família da vítima, outro para apoio à família do agressor.

Pretender fazer uma piada com a disparidade de valores das duas campanhas (1 636 240, provenientes de mais de 85 mil doações, e 418 632, provenientes de 21 426 doações) em vez de discutir as razões pelas quais uma campanha a favor de uma vítima é tão menos mobilizadora que uma campanha a favor da família do polícia que matou um miúdo de 17 anos, só se explica por não querer ver a realidade social que dá origem a esta coisa espantosa.

Para wokes e afins, para quem o mundo é simples, há opressores e oprimidos, perfeitamente identificados por grupos sociais definidos a partir dos nossos preconceitos, e a diferença entre as duas campanhas explica-se facilmente: os franceses são racistas, a polícia francesa ainda mais e está infiltrada pela extrema-direita que pretende expulsar os imigrantes para os seus países de origem porque odeia árabes, pretos e outros que tais.

Nem reparam que o rapaz que morreu não é magrebino, é francês (embora proveniente de uma família com raízes no magreb) e que se calhar é preciso perder algum tempo a tentar perceber duas coisas essenciais:

1) o que faz um miúdo de 17 anos achar que é boa ideia andar a conduzir sem carta um carro relativamente caro, apenas para se divertir, não cumprindo as regras de trânsito e, perante a abordagem da polícia (bastante provável dadas as circunstâncias), a melhor opção é procurar fugir?

2) o que faz uma polícia de um país civilizado fazer abordagens violentas em simples operações de controlo de trânsito, ao ponto de haver tiros e mortes?

Procurar perceber estas duas coisas foge da simplicidade que wokes e afins procuram activamente como base para demonstrar ao mundo a sua virtude, mas tem um pontencial para que nos concentremos nos problemas sociais de fundo e, por essa via, ir tentando resolvê-los.

É claro que quem parte de simplificações destas, rapidamente chega a simplificações bem mais estúpidas:

1) "matar um rapaz de 17 anos, que está desarmado, com um tiro nas costas";

2) "Não me parece que matar um rapaz de 17 anos, que está desarmado, com um tiro nas costas, possa ser considerado um direito."

Estas simplificações estúpidas (desculpem-me insistir nesta qualificação) parecem ter como objectivo desqualificar quem se limita a fazer perguntas e ter dúvidas, atribuindo-lhe uma maldade indefensável: "defendem gestos destes".

Eu, e suponho que a maioria das pessoas, não defendo a existência de algum direito da polícia matar quem quer que seja, nas circunstâncias que decidir.

O que eu, e suponho que a maioria das pessoas defendem, é que estes polícias têm direito a um processo justo, com todas as garantias de defesa, antes de serem condenados, esse é que é um direito da maioria que, frequentemente, não é defendido com a determinação que deveria.

Do mesmo modo, defendo o direito à segurança de pessoas e bens, direito que frequentemente não é defendido com a determinação que me parece necessária.

E defendo que perante a lei, e o seu incumprimento, somos todos iguais, independentemente de sermos vítimas de injustiças estruturais - isso pode entrar nas circunstâncias atenuantes do julgamento do comportamento de uma pessoa, mas não substitui a necessária responsabilização de cada um pelas suas acções voluntárias e conscientes.

Tudo isto é matéria de opinião e cada tem a que entende.

O que não faz sentido é desvalorizar o significado social da disparidade de sucesso de duas campanhas, uma a favor da família da vítima e outra da família do agressor, ou interpretá-la apenas pelo estreito prisma do racismo estrutural e outras abstracções fofinhas.

A diferença de resultados das duas campanhas traduz um mal estar social que não diz apenas respeito à falta de respeito dos direitos das minorias, bem pelo contrário, reflecte o mal estar social da maioria.

E isso é uma assunto sério, não me parece útil tratá-lo estupidamente.

Reverência com selo estrangeiro

por José Mendonça da Cruz, em 04.07.23

Mais cumpridora ainda do que Sic, TVi e RTP, a CNN/Portugal organizou, ontem, para o Partido Socialista, nas instalações emprestadas da Nova, uma longa sessão de propaganda, «estrelada» pelos ministros da Economia, das Finanças e do Trabalho. Chamou-lhe «Town-Hall», com a locutora a acrescentar que era «o formato Town Hall/estado da Nação».

Conclusão: mesmo enfeitados com logotipos estrangeiros, lambe-botas são lambe-botas e propaganda é propaganda.

Jornalistas que não querem ver

por henrique pereira dos santos, em 04.07.23

O Observador fez uma peça sobre o facto de haver uma campanha de crowdfunding para apoiar a família do polícia francês que disparou sobre um miúdo de 17 anos.

Toda a peça vai no sentido de acentuar que "a acção está a gerar polémica", que se calhar nem deveria ter sido permitida na plataforma de crowdfunding (a plataforma diz que cumpre as suas regras, mas o Observador diz que um jornal qualquer acha que não), que o seu promotor é um político de extrema direita, um "espalha-brasas" que só quer é confusão, que há uns políticos que dizem que a campanha não ajuda a acalmar a situação, e vai por aí fora.

A preocupação em questionar a campanha, mais que em informar os leitores e usá-la para tentar compreender a sociedade, é tal que faz questão de dizer que um donativo recente (claro que é recente, a campanha tem quatro dias, todos os donativos são recentes), anónimo, é de 3 mil euros, sugerindo, como o governo fez quando os enfermeiros resolveram financiar as suas greves com campanhas de crowdfunding, que deve haver ali forças escondidas por trás do sucesso da campanha.

Quem quiser saber pormenores sobre a campanha pode dar um salto aqui.

Verifica-se que a tal doação de que fala a jornalista é a maior que lá aparece (pormenor de que a jornalista se esqueceu, a segunda maior é de pouco mais de um terço, é de 1110 euros), que há mais de 71 mil doações e que a doação média anda pelos 20 euros e, em quatro dias juntaram-se um milhão e trezentos mil euros (para termo de comparação, de acordo com o Público, a campanha de apoio à família da vítima não chega, ainda, aos 300 mil euros).

Ou seja, a campanha é um tremendo sucesso, angaria mais de quatro vezes o que angaria uma campanha de apoio à família da vítima, não com base em doações milionárias, mas com doações que, em média, andam pelos vinte euros.

Se a jornalista quisesse ver, em vez de mostrar o seu repúdio por uma campanha  que considera errada e promovida pela pessoa errada (um político francês de extrema direita que é egípcio de nascimento, um árabe cristão copta que se naturalizou francês aos vinte anos, depois de ter chegado a França com oito anos, sem saber uma palavra de francês), talvez tivesse feito a peça de outra forma, dando informação mais objectiva.

O problema é que ao fazê-lo talvez tivesse de levantar uma hipótese que horroriza muita gente: sim, há um problema sério com a democracia francesa, provavelmente uma manifestação específica dos problemas das democracias ocidentais, mas talvez esses problemas não estejam tanto na falta de respeito pelos direitos das minorias, mas sim na falta de determinação na defesa dos direitos da maioria.

Q.E.D. sobre wokes

por henrique pereira dos santos, em 03.07.23

"um menor foi atingido a tiro, mortalmente, por ter cometido uma infracção de pouca gravidade. Demonstra sobretudo que a extrema-direita já ali depositou os seus ovos e que a lógica de ver no cidadão um potencial inimigo está instalada. Esta lógica ganha particular relevância perante cidadãos imigrantes ou que integram minorias".

Claro que o que diz alguém que acha que é preciso dar uma oportunidade aos talibãs afegãos ou que não foi vertida uma pinga de sangue numa revolta em que os revoltosos abatem vários helicópteros (com os seus pilotos, claro), em princípio não interessa nada.

Vamos esquecer as perguntas ao Público sobre as razões que o levam a contratar gente assim para fazer comentário, e concentremo-nos neste pequeno concentrado de wokismo.

Não sei como é em França, mas em Portugal, aquilo que se caracteriza aqui como uma infracção de pouca gravidade - condução de um automóvel sem habilitação legal para o fazer - é punido com pena de prisão até dois anos.

Mas há um bocadinho mais: aparentemente alguém (quem? por que razões?) emprestou um Mercedes eléctrico a dois miúdos sem carta de condução, para darem umas voltas.

Interceptados pela polícia, o menor não se limita a acatar as ordens dadas, foge com o carro.

O carro é obrigado a parar por causa do trânsito, e é abordado por dois polícias armados.

Perante essa abordagem, há duas versões: 1) a do outro ocupante do carro que diz que a polícia agrediu o condutor, sem razões nenhumas, assutando-o, o que acabou por resultar no facto de ter tirado o pé do travão, o que fez o carro começar a andar, visto ser um carro eléctrico e automático que não estava na posição de parking; 2) a do polícia, que diz que apontou às pernas mas o arranque brusco do carro por parte do condutor implicou uma mudança na posição da arma (o polícia estaria apoiado no carro), atingindo-o no peito.

Não vou discutir versões contraditórias nem responsabilidades no que se passou, mas o facto é que não se trata de nenhum menor que cometeu uma infracção sem gravidade, trata-se de um menor, várias vezes apanhado a conduzir sem carta, que foge da polícia quando abordado e que tenta resistir às ordens da polícia.

Isto acho que é claro, independentemente do último e fatal arranque do carro ter sido mais uma tentativa de fuga ou um acidente involuntariamente provocado pela actuação excessiva da polícia.

Primeiro ponto, muito característico deste tipo de wokismo radical, as vítimas nunca são responsáveis pelas suas opções até ao momento da tragédia, conduzir um carro de gama alta, emprestado, sem carta e fugir da polícia são consequências inevitáveis do racismo estrutural e não opções individuais daquela pessoa em concreto.

Salto mortal encarpado com pirueta para meter a extrema-direita a martelo na argumentação: o abuso de poder da polícia que exista não resulta das condições frustrantes em que trabalham, com a sua autoridade minada, também por este tipo de conversa de café, com a sua actuação fortemente condicionada e em bairros difíceis que podem incluir zonas em que um polícia não pode entrar fardado sem correr perido de vida, mas sim resultado da infiltração da polícia por forças da extrema-direita.

Conclusão, falar de imigrantes a propósito de franceses, nascidos em França, criados em França, escolarizados em França, pelo simples facto de algures no tempo, os pais ou os avós serem originários de outros países, acrescentando, a martelo, a pertença a minorias, como se a minoria de origem árabe em França não fosse uma enorme minoria, que tem de tudo, desde pessoas completamente integradas, membros do governo, donos de empresas, escritores de sucesso, etc., até pertencentes a comunidades fechadas que vivem praticamente em guetos.

A discussão das responsabilidades pela guetização, e do peso relativo das classes dominantes nessa exclusão, ou das próprias comunidades que não querem dissolver as suas especificidades culturais e religiosas no país de acolhimento, está totalmente ausente do discurso woke porque uma das principais características do wokismo radical consiste em evitar a complexidade das sociedades, comunidades e indivíduos, para se centrar na simplificação eficaz de uma única matéria considerada escandalosamente injusta, mesmo que tenha ocorrido há décadas ou séculos.

A mim falta-me caridade para tratar esta gente de forma cordata (os que escrevem disparates como aqueles com que comecei o post, porque não me passa pela cabeça cometer o mesmo pecado de simplificação da realidade e achar que todos os que pertencem aos grupos X ou Y são assim ou assado e passar a tratar vítimas, que realmente o são, como totalmente responsáveis pelas injustiças de que são vítimas, e portanto, em relação a esses, com certeza, merecem que procure compreender as circunstâncias que lhes negam a vida que gostariam de ter).

Estou farto de santinhos

por henrique pereira dos santos, em 02.07.23

Agora parece que os santinhos e as beatas se chamam wokes, mas a mudança de linguagem não altera a substância.

Lá aparece Ana Sá Lopes "Uma grande reparação que a Europa poderia fazer pela exploração das colónias durante séculos seria trabalhar em políticas que funcionassem (até agora, nada funcionou) para uma melhor integração das pessoas que hoje aqui vivem, principalmente porque no passado existiram impérios, e no combate ao racismo estrutural e xenofobia dos países europeus".

Lá aparece Luísa Semedo, citando aprovadoramente Cristina Caetaneo: "Imaginemos, por um segundo, que um avião cheio de italianos se despenha num outro continente, que os corpos sejam repescados, enterrados, mas ninguém se ocupa de os identificar. Não o aceitaríamos. Então porque aceitamos quando são "estes" estrangeiros que morrem? Porque é que não se fez nada".

Exactamente porque o Estado italiano, e a sociedade italiana, se interessa e cuida dos italianos, não os abandonando noutros continentes, mas os estados de onde provêem "estes" estrangeiros não só não cuidaram deles em vida para diminuir o seu desespero, levando-os a arriscar a vida a atravessar o Mediterrâneo, em condições precárias, como não cuida dos seus corpos quando se afogam.

Somos todos iguais, o Estado, e a sociedade, italianas deveriam tratar humanamente toda a gente, não apenas os italianos.

Sim, em tese é assim, mas da mesma forma dou mais atenção aos meus netos que aos netos da vizinha do 5º Esquerdo, também Luísa Semedo, ou Ana Sá Lopes dão mais atenção ao que lhes é mais próximo que ao que lhes é mais distante, faz parte da natureza humana.

Há muito que evoluímos protegendo a nossa vida, protegendo o nosso grupo, protegendo a nossa comunidade e por aí fora, de forma cada vez mais distante.

A ideia de que temos a obrigação de tratar todas as pessoas por igual é uma ideia que faz parte do fino verniz da civilização (aquele verniz que fez com que houvesse uma percentagem de mortes de homens muito mais alta que de mulheres no naufrágio do Titanic, porque as pessoas que se mantiveram civilizadas, mesmo naquelas condições extremas, seguiram a regra de ocupar os salva-vidas primeiro com mulheres e crianças, e só depois com homens), verniz esse que estala ao menor abalo.

Vir argumentar que quem tem a responsabilidade pelos desacatos em França é a França e a Europa, porque não tratam bem os descendentes dos antigos impérios (francamente, Ana Sá Lopes está mesmo convencida de que os europeus dominaram África durante séculos, nunca ouviu falar das grandes expedições do século XIX, por áreas imensas que nunca tinham visto um europeu?), e não os desordeiros, ou que são os europeus que têm de dar protecção aos cidadãos de outros países que os tratam mal, omitindo quer a responsabilidade de cada pessoa pelos seus actos, quer a responsabilidade das elites dos países africanos, não serve para rigorosamente nada a não ser para a exibição de virtude.

Uma coisa é a discussão sobre se é possível fazer mais e melhor pelos deserdados da vida (de todos os que realmente o são, independentemente de pertença a grupos e não apenas os dos grupos que escolhemos tratar como deserdados), outra coisa é passar o tempo a desculpar cada indivíduo por ser uma vítima, quer os ocupantes actuais do poder em países com claros problemas de respeito pelos outros.

Já agora, falar de reparações às elites e países africanos por causa da escravatura não tem ponta por onde se lhe pegue, os descendentes dos escravos estão no Brasil, no Caribe, em Cuba, nos Estados Unidos, os que ficaram em África são os descendentes dos que os escravizaram e os venderam aos traficantes europeus, nada de confusões.

Se eu me encher de ouro e for passear para uma zona de Lisboa que é conhecida pelos assaltos que lá ocorrem, e for assaltado, eu sou uma vítima - o facto de eu me passear cheio de ouro não dá o direito a ninguém para mo tirar -, mereço protecção do Estado enquanto vítima, tenho direito as que as forças policiais procurem encontrar o meu outro roubado para mo devolver e punir os responsáveis pelo roubo, mas nada disso altera um facto essencial: fui completamente irresponsável em ir passear carregado de ouro para uma zona onde os assaltos são frequentes.

Pode-se ser vítima e ter responsabilidades ao mesmo tempo, camaradas.

Domingo

por João Távora, em 02.07.23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim. Quem encontrar a sua vida há de perdê-la; e quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la. Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou. Quem recebe um profeta por ele ser profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem recebe um justo por ele ser justo, receberá a recompensa de justo. E se alguém der de beber, nem que seja um copo de água fresca, a um destes pequeninos, por ele ser meu discípulo, em verdade vos digo: Não perderá a sua recompensa».

Palavra da salvação.

Vamos lá voltar ao assunto

por henrique pereira dos santos, em 01.07.23

Dizem-me, de uma empresa associada da Biond (antiga CELPA, a associação das celuloses) que a percentagem de área ardida de povoamentos de aderentes ao programa Limpa e Aduba (uma das componentes de um programa da Biond que é o "Melhor eucalipto") está muito mais próxima da percentagem do que arde das empresas de celulose que da média da área de eucaliptal, isto é, arde muito menos.

Se esse dado corresponder ao que parece (é uma correlação estatística que parece forte, mas apenas uma correlação estatística), isto significa que a mera aplicação de um programa de apoio técnico, com o objectivo de melhorar a gestão do eucaliptal, tem um efeito relevante na incidência do fogo.

O mais interessante, para mim, está no facto de que, ao olhar para a informação sobre o programa Limpa e Aduba (eu tenho a mania de verificar a informação primária), verifiquei que “83% Parcelas beneficiadas com área inferior a 3 ha, e 52% com menos de 1 ha”, ou seja, com a tal estrutura da propriedade que dizem que é preciso mudar para ter resultados, parece ser possível obter resultados de forma relativamente barata, com benefício para o proprietário, com benefício para a indústria - para mim é evidente que se a indústria inventa e aplica o programa melhor eucalipto é porque tem interesse nisso - e com efeitos reais na incidência do fogo.

Ao comentar com uma pessoa que percebe de contas de exploração florestal que afinal parece que a dimensão da propriedade não é assim tão importante (o que é coerente com um dado mais que conhecido, mas raramente referido, que a maior parte do VAB florestal provém das regiões de minifúndio, não porque o minifúndio seja favorável à produção florestal, digo eu, mas porque o minifúndio se relaciona directamente com a produtividade primária), responderam-me com os argumentos técnicos clássicos que sustentam a ideia de que mudando a estrutura de propriedade há ganhos tais que fica resolvido, ou fortemente diminuído, o problema da gestão: "pequenas áreas perdem proporcionalmente muita área em caso de reflorestação: aceiros perimetral obrigatório de 5 metros numa parcela de 25 x 200 metros (leira típica de 0,5 ha) leva a 9% de perda da área produtiva. Também custos fixos são proporcionalmente mais altos (por exemplo custos de deslocação de máquinas)".

Não me passa pela cabeça contestar estas contas, mas o facto é que variações de produtividade de 10% são vulgaríssimas de estação para estação, o que quer dizer que uma pequena propriedade com uma produtividade de 15 metros cúbicos por hectare é ainda vantajosa em relação a uma propriedade de dimensão adequada, mas com produtividades na ordem dos 12 metros cúbicos por hectare, isto é, que os ganhos de escala não chegam para resolver os problemas base da adequação da produção às condições de solo e clima, em cada local.

É verdade que "agrupar áreas para fazer um projeto em conjunto com vários proprietários junta as vantagens: aumento de produtividade, redução de custos unitários e menor perda de área produtiva", mas isso não invalida o pressuposto de que isso apenas funciona quando a produtividade da espécie que se pretende produzir atinge um ponto mínimo, razão pela qual o modelo de produção da celuloses não é suficiente para resolver a gestão da paisagem e do fogo em quase todo o território nacional, cuja aptidão para o eucalipto é marginal.

Mas é ainda menos verdade que a importância dada, pelo Estado e a sociedade, à estrutura de propriedade tenha mais êxito, visto que os ganhos que se podem obter são marginais e insuficientes em grande parte do território, porque as condições de exploração florestal, ou de gestão do território em geral, não geram remuneração suficiente, mesmo em condições ideais de estrutura de propriedade.

Não temos alternativa: temos mesmo de pagar directamente a gestão de combustíveis finos aos proprietários, se queremos conviver serenamente com o fogo.

Ouvi o Senhor Ministro do Ambiente anunciar um vale de gestão, ou coisa do género, que terá três milhões de euros para início de conversa, e que, pelo nome, iria neste sentido.

Só espero que não se ponham a complicar a sua atribuição, condicionando a um conjunto de condições prévias tal que lhes aconteça o mesmo que ao programa de cabras sapadoras.

A propósito, também ouvi dizer que havia celuloses muito surpreendidas com os bons resultados de um programa experimental de uso de pastoreio dirigido, mas não sei nada sobre isto, ouvi um comentário de passagem, numa circunstância social. A ser assim, não deixaria de ser irónico que fossem, mais uma vez, as celuloses a demonstrar ao Estado o que fazer (ou a Montis, com as celuloses e a Sonae, se se concretizar um projecto que tem vindo a amadurecer).

Schumpeter tem um artigo em que considera o Estado o empresário (no sentido em que desempenhou o papel de inovação, assunção de risco, produção de conhecimento e replicabilidade, etc., que habitualmente cabe ao empresário na destruição criativa característica do capitalismo) do sector agrícola nos Estados Unidos, por alturas da revolução verde.

Calculo que nunca diria isso do Estado português, no estado em que o Estado está, em especial na sua quase completa incapacidade de aprender e errar melhor na vez seguinte.

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