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Fogos e Stephen Pyne em Portugal

por henrique pereira dos santos, em 02.05.23

No Domingo de manhã, dia 30 de Abril, foi à SIC notícias, pelas onze e qualquer coisa, porque terminava o prazo da lei portuguesa para a limpeza de terrenos à volta de construções e infraestruturas.

Espero que alguma televisão se lembre de que Stephen Pyne vai estar em Portugal neste mês de Maio e o convide para uma longa entrevista sobre fogo, mas tenho poucas esperanças de que assim seja, o que passo a explicar.

A única vez em que estive com Stephen Pyne no mesmo contexto foi por via remota, na apresentação dos trabalhos dos alunos da Harvard Graduate School of Design. Sílvia Benedito tem organizado uns seminários (enfim, não sei se é a tradução mais adequada para o original "studio") para os alunos de arquitectura paisagista de Harvard, tendo como tema a relação com o fogo e como objecto parte do concelho de Arganil, seminário esse para o qual me convidou umas vezes.

Nesse ano havia vários dos palestrantes do seminário a assistir e comentar os trabalhos dos alunos, entre eles uma professora e ecóloga portuguesa, Stephen Pyne e eu, o que me permitiu assitir a uma cena hilariante, no momento em que a professora portuguesa, que não tem uma linha de trabalho científico sobre ecologia do fogo, procurou explicar a Stphen Pyne que o que ele tinha dito sobre o assunto não estava certo.

Para quem não está familiarizado com o assunto, seria como se eu, convidado para um seminário sobre futebol como especialista de equipamentos, me pusesse a explicar a Ronaldo que o que ele tinha dito sobre a forma de marcar livres não estava certa.

Do mesmo modo, ainda recentemente, num grupo muito patusco de políticas florestais, um pândego que sabe tanto de ecologia do fogo como eu sei de lagares de azeite, pretendeu arregimentar Stephen Pyne para as fileiras das pessoas que se opõem ao fogo controlado, citando (deveria ter escrito, referindo, porque na verdade se tratou de uma leitura mais que criativa do texto) este editorial, que manifestamente não conseguiu perceber, de tal forma o assunto lhe é estranho.

Note-se que neste editorial, Stephen Pyne vai muito mais longe que o que é habitual em Portugal na discussão dos fogos. Estamos ainda entre a primeira e segunda linhas de trabalho que menciona (o braço de ferro entre supressão e gestão racional de combustíveis), raramente sendo aflorada a terceira linha de trabalho que Stephen Pyne refere aqui, que consiste em aceitar que temos paisagens de fogo, aceitando o fogo tal como ele aparece, independentemente da sua origem e características, para nos concentrarmos na sua gestã, tirando partido do que nos serve e mitigando o que nos afecta (por exemplo, o fogo já deste ano, na Serra da Estrela, que mobilizou um enorme dispositivo de combate, deveria ser saudado como uma boa notícia e o dispositivo deveria ter deixado arder, limitando-se a controlar danos e optimizar benefícios, expandindo esse fogo nalguns locais, se se justificasse).

Não sei bem de quem foi a ideia (e a assumpção de custos) de trazer Stephen Pyne por estes dias a Portugal, mas quem o fez, fez muito bem, só é pena que para interagir com ele num programa cultural no Porto se escolha Viriato Soromenho Marques, um dos grandes arautos do disparatismo nacional que liga eucaliptos e fogos, e manifesto ignorante em ecologia do fogo.

E é por isso, por saber que é este o ambiente geral do país em relação aos fogos, que dedica horas de televisão ao fim do prazo estabelecido por uma lei obscurantista sobre gestão do fogo, ao ponto de convidarem pessoas menores nesta discussão, como eu, para falar do assunto, que não tenho esperança nenhuma de que o jornalismo tenha perfeita noção da oportunidade que é ter em Portugal, acessível, Stephen Pyne, para conversar sobre fogo e ecologia do fogo.

Mas a esperança é a última a morrer, e por isso escrevi este post.

O Socialismo na Monarquia

por Daniel Santos Sousa, em 01.05.23

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Sugestão de leitura para o 1.º de Maio: "O Socialismo na Monarquia - Oliveira Martins e a «Vida Nova»", escrito pelo sobrinho do historiador. Este é um ensaio histórico-político sobre o percurso de Oliveira Martins, desde os serões enquanto ideólogo da geração de 70 a Ministro do Rei D. Carlos.

Historiador amador, teórico impulsionado pelas ideias novas, na juventude não escondeu a defesa do republicanismo, depois evoluindo para a apologia do cesarismo (como a sua "História da República Romana" revelara). Convivendo com a geração positivista, cujas criticas ao liberalismo amadureceriam décadas mais tarde na apologia antiliberal e autoritária, Martins envolui da rebeldia dos verdes anos para a defesa da monarquia em oposição a uma desordem que parecia anunciada. Estas ideias encontravam expressão maior em Bismark, e, em Portugal, viu personificada na pessoa do Rei D. Carlos.

O autor da colectânea "Portugal Contemporâneo" elaborou ali a máxima que definiria um modelo político no século XX "um pensamento contendo um sabre". De historiador, também elevado a doutrinador do que então se chamava "socialismo de cátedra", legou obra e pensamento que muito influenciou as gerações seguintes. Na carta a Alexandre Herculano já tinha deixado delineadas as ideias para uma solução face ao que via como a falência do liberalismo. Martins concebeu assim um programa político "Vida Nova" , que entendia como regenerador da pátria. Infelizmente um programa que ficou por cumprir. Como o sobrinho nota nas páginas do livro, era o “aluir das trevas do sistema monárquico constitucional.”

De resto ficam os percursos e ideias do socialismo durante o constitucionalismo liberal monárquico e do que foi um projecto nunca concretizado chamado "Vida Nova".

 

Mitos, política e história

por henrique pereira dos santos, em 01.05.23

Um dia destes, alguém fez um comentário sobre os efeitos negativos da descolonização que foi feita, e imediatamente apareceu a ladaínha sobre os saudosistas do império e coisas que tais.

Uma coisa é dizer-se que a descolonização que foi feita, na forma como foi feita, era a possível e a única solução possível naquele contexto histórico e social.

Outra coisa é dizer que foi uma descolonização virtuosa e bem feita.

São questões que dizem respeito à história, sabendo-se que a história não admite contra-prova, portanto não é possível fazer uma experiência diferente e avaliar resultados.

Mas é possível fazer três coisas, com base em dados objectivos: 1) comparar a evolução dos dados económicos e sociais no momento da descolonização e hoje; 2) comparar dados dessa evolução em períodos de tempo iguais, mas geografias diferentes; 3) comparar dados dessa evolução em períodos de tempo da mesma ordem de grandeza, cerca de 50 anos, mesmo que em geografias e tempos diferentes.

Qualquer destas três coisas tem as suas dificuldades e limitações, com certeza, e qualquer delas será sempre contaminada pelo ponto de vista ideológico de partida do observador, mas cada uma por si ou as três em conjunto, permitem limitar o peso dos mitos na compreensão do passado e ter uma visão mais factual das coisas, sem que isso implique qualquer saudosismo do que quer que seja.

Parece-me claro - mas estou disponível para mudar facilmente de opinião porque esta não é a minha área de trabalho, e a informação que tenho é apenas da curiosidade sobre a matéria, com uns pós muito pequenos do que vi quando fui a Angola em 1996 e a Moçambique por volta de 2016, ou 2017, por aí - que a situação das pessoas comuns (em especial dos mais pobres) é hoje, em muitos aspectos, pior (em escolaridade, prestação de cuidados de saúde, libedade, etc.) que no momento da descolonização.

Independentemente de esta generalização ser provavelmente excessiva, não é uma situação de estranhar dado o choque traumático sofrido por esses paízes, com a fuga de capitais e gente qualificada, seguida de guerras civis.

Também me parece bem claro que nos 50 anos do Estado Novo se progrediu muito mais (igualmente partindo de indicadores económicos e sociais miseráveis) que nos 50 anos da independência desses países, quer no Portugal continental, quer nos territórios desses países.

Mais uma vez, não me parece de estranhar, em grande parte porque os 50 anos do Estado Novo decorreram num mundo em franco crescimento e na geografia mais dinâmica do mundo, enquanto os 50 anos das independências desses países decorreram num mundo de mais convulsão e menor crescimento.

Falta-me informação sobre as comparações com a África do Sul, por exemplo, que talvez ajudasse a perceber melhor evoluções diferenciais entre países e regiões.

O que não vale a pena é pretender que a evolução económica e social decepcionante desses países se deve sobretudo ao colonialismo anterior (na verdade, no caso das antigas colónias portuguesas, o tempo relativamente escasso porque a influência real sobre esses territórios se limitava a faixas litorais ínfimas desses territórios até ao fim do século XIX e princípios do século XX) e que os seus governantes e opções de governo, pós independência, não têm nenhuma responsabilidade na evolução desses países ao longo destes 50 anos.

E a principal das opções foi mesmo feita imediatamente depois do 25 de Abril: os partidos armados impuseram a sua tomada de poder sem auscultação das populações, incluindo uma distinção racista de nacionalidade que Portugal acolheu (quando Sérgio Godinho dizia que "África é dos africanos, já chega quinhentos anos" seguramente não estava a pensar também nos milhares de africanos brancos que existiam), impedindo qualquer opção de nacionalidade por parte das populações desses territórios.

Esta opção base, que convinha ao Estado português, com medo de receber muito mais gente que a que recebeu, foi claramente imposta pelo partidos armados que boicotaram qualquer solução que não passasse pela transferência directa de poder, nomeadamente ao recusar qualquer acordo de cessar fogo que permitisse organizar um processo de consulta democrático sobre questões centrais da descolonização.

A fragilidade de Portugal, cujo exército não estava em condições de garantir um processo democrático de consulta contra a vontade dos partidos armados nacionalistas, tornou impossível, ou aparententemente impossível, qualquer outro modelo de descolinização que não o que veio a verificar-se, com transferência directa do poder para ditaduras nacionalistas anti-liberais (veja-se como, ainda hoje, é tratado o direito de propriedade, nomeadamente, da propriedade da terra, nesses países).

Tudo isso pode ser historicamente compreensível, o que não me parece sério é negar que as opções, para a grande maioria da população desses países, foi trágica e continua a ser difícil.

Dizer isto não é ter saudades de império nenhum, é chamar a atenção para o efeito que a falta de liberdade, económica, política e social, tem na evolução dos países.

Mesmo a comparação entre ditaduras - Estado Novo e novos países africanos - se é favorável ao Estado Novo, como é admissível que seja, provavelmente resulta, parcialmente, de o facto do Estado Novo permitir uma liberdade de iniciativa, nomeadamente respeitando o direito de propriedade de forma bastante mais consistente que os regimes dos países em causa, bem mais alargada que a que vigorou, durante anos, nos regimes pós-coloniais.

Em qualquer caso, o que se pode admitir, sem se poder provar, é que uma opção mais liberal, respeitando a liberdade de cada um na escolha do governo, da nacionalidade, etc., teria resultado numa situação bem mais favorável que aquela que foi imposta pelos partidos armados.

Já é tempo de responsabilizar as más ideias pelos maus resultados que afectam negativamente a vida de milhões de pessoas nesses países: a miséria não é uma fatalidade criada pelo colonialismo, é uma consequência de decisões tomadas há muitas dezenas de anos, incluindo o colonialismo, é verdade, mas também de decisões tomadas livremente pelos governos desses países nos últimos 50 anos.

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