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Por causa do artigo da Montis no número 286 da revista da CAP, dei uma vista de olhos neste projecto que, em tempos, a Montis fez.
O conjunto de informação produzido, quer no desdobrável (que os designers insistiram em fazer com um formato que nunca vi funcionar, mas que eles insistiam que funcionava), quer nos videos parece-me, passe a modéstia, muito interessante para quem se interessa por alimentação e gestão da paisagem.
E, no entanto, fechado o projecto, os resultados acabam arquivados algures, quase sem nenhum uso (excepto no que resulta de eventualmente ter havido alguém que mudou a sua maneira de olhar para o assunto e continua, ainda hoje, a tomar decisões quotidianas com base em ideias cija origem, provavelmente, não faz a menor ideia qual seja).
Eu diria que é uma boa metáfora do país e do modelo de financiamento comunitário em que nos viciámos, reforçando a ideia da maldição dos recursos como hipótese explicativa do triste desalento e desesperança em que nos afundamos.
Joana Lopes, há dias escrevia:
"BENFICA VERSUS FEIRA DO LIVRO
.
Reina a indignação porque, no sábado, a FdoL vai fechar umas horas mais cedo por causa da esperada multidão de benfiquistas que festejará a vitória do clube, como habitualmente, nas imediações do recinto da Feira.
Não sei se algum leitor, ávido de comprar cultura, deixará de o fazer nas centenas de horas que terá à disposição. Não creio. Só posso portanto imaginar que se esperasse que um simples pedido no Estádio levasse muitos, muitos milhares de pessoas a regressarem a casa, ao nonagésimo minutos de jogo mais descontos, ou que a polícia de choque vedasse dois terços da cidade para que apenas um acesso à Feira fosse possível.
Em que país julgam viver? Num paraíso de intelectuais? Ou na Coreia do Norte?"
Parece uma coisa sensata, o que está escrito, mas tem um conjunto de falácias a que convém dar atenção.
Em primeiro lugar, o maniqueísmo expresso não tem sentido nenhum, a questão não é benfica vs feira do livro, mas sim, um funcionamento normal da comunidade vs suspensão das regras por umas horas porque eles são muitos e querem que seja assim.
Em segundo lugar, o maniqueísmo da parte final do texto, opondo a realidade da festa à Coreia do Norte, não faz, igualmente, qualquer sentido.
É claro que ninguém espera que um monte de pessoas que acham muito importante uma coisa que conseguem alcançar (seja que coisa for), deixem de manifestar a sua alegria só porque alguém as manda para casa.
É portanto de esperar que haja manifestações de alegria mais ou menos orgânicas quando um grupo suficientemente grande de pessoas sentem que alcançaram o que queriam.
O problema consiste em saber se o Estado cabe simplesmente aceitar a suspensão das regras normais de convivência, porque eles são muitos e é pouco tempo, ou se cabe ao Estado defender os mais fracos das consequências da falta de juízo dos mais fortes (sim, fazer um espectáculo pirotécnico de dez minutos no Marques de Pombal às duas da manhã é uma violência inconcebível para os milhares de pessoas que vivem à volta, no raio muito alargado afectado pelo barulho desse espectáculo pirotécnico).
Para quem acha normal fechar a feira do livro, fechar dezenas de estabelecimentos comerciais (ao mesmo tempo que aprova dezenas de roulottes para servir comidas e bebidas no mesmo espaço), fechar boa parte das principais vias de circulação de uma cidade, fechar estações de metro ao mesmo tempo que se pede às pessoas que se dirijam ao local por transportes públicos, instalar pontos de revista pela polícia das pessoas que se dirigem a um espaço público, com o único objectivo de garantir que a falta de juízo dos mais fortes não descambe em mortos e vandalismo, pois com certeza, está tudo bem, nada a dizer.
Para os outros, como eu, que acham estas prepotências inaceitáveis, a questão não é confiar que as pessoas vão placidamente para casa a pedido do Estado, e quando vão, levam com a repressão policial dura, à maneira da Coreia do Norte, mas sim avaliar em que medida o Estado e o adepto médio, com a sua complacência face à suspensão das regras de convivência social quando se trata de futebol, estão a criar um problema que, cedo ou tarde, vai dar asneira.
Em que medida cabe ao Estado fazer de populista que vai atrás dos populares que são muitos, ou cabe ao Estado defender as regras de convivência social em todas as circunstâncias, sem abrir excepções.
Claro que as regras sociais de convivência devem ser adaptadas a cada circunstância e à natureza humana, é inevitável que no fim dos campeonatos de futebol haja expressões populares de alegria (a ida para o marquês começou espontaneamente, com pessoas que saiam de casa para dar uma volta a gritar vivas ao seu clube a concentrar-se ali por razões meramente funcionais), pelo que as regras a usar nessas alturas devem ter em atenção a irracionalidade da natureza humana, em algumas circunstâncias.
Para mim, a questão não é impedir ou deixar de impedir as pessoas de darem vivas a quem queiram (alguns dos principais utilizadores começam a manifestar alguma irritação porque ir ao Marquês já não tem graça nenhuma, de tal maneira aquilo está condicionado), mas sim, saber por que razão não começa o Estado, os clubes e as federações a pensar em maneiras socialmente menos opressivas para os grupos minoritários (alguns deles bastante frágeis), começando hoje a preparar a canalização da energia popular noutros sentidos.
E isto não é independente do populismo de ter sete canais de televisão (mais o do Benfica) a transmitir horas da recepção da câmara ao clube que ganhou o campeonato, de acordo com o que li de José Teixeira, num absurdo editorial que simplesmente não compreendo.
A ideia de que o futebol é um força social incontrolável, portanto o que há a fazer é suspender as regras de convivência social em algumas circunstâncias é uma ideia típica de populistas, e eu não gosto de populistas.
Ah que sorte haver o Benfica, ah que conveniente esta guerra na Ucrânia, ah que bom haver eleições na Turquia, ah que emoção a Mortágua é lésbica. Se não fosse Benfica e Ucrânia e Turquia e as lésbicas as nossas televisões teriam que noticiar coisas de Espanha, eleições importantes em Madrid, em Sevilha, na Andaluzia toda, na Espanha toda de cima a baixo e de um lado ao outro (a menos que, compreensivelmente, as tvs se focassem nas Canárias). Até agora só vi que a RTP tenha reparado: até tinha lá uma repórter a dizer aos espanhois que partidos deviam desaparecer e como deveriam votar eles.
Ou a sério: chegou a isto o «jornalismo» em Portugal?! São esta choldra as direcções de «informação»?! Estão à espera de quê, de instruções dos comissários, de ouvir a voz do dono, do «enquadramento» do Bloco, de recuperarem do choque?! Não sobra um resquício de um átomo de brio ou vergonha, pobre gente sem espinha nem competência, pobres diabos que julgam que apagam o mundo quando não lhes convém?!
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
Palavra da salvação.
Hoje passa mais um aniversário de Ferdinand Céline.
Se precisasse de traçar o protótipo do "escrito maldito" com todo o romantismo necessário para edificar a grandeza poética dos amaldiçoados então Céline estaria no Panteão dos grandes. Não sei descrever a influência que dele recebi quando o descobri na tradução do "Viagem ao Fim da Noite". Lê-lo é mergulhar no mais obscuro da nossa identidade. Céline e Proust são a face oposta da mesma França, e diria da mesma Europa. Se Proust vagueou nos salões da aristocracia e edificou uma prosa sustentada nos prazeres mundanos, recheando cada imagem de brilhantes ritmos de poesia luminosa, Céline conduziu-nos ao mais recôndito dos becos, às ruas da classe operária, ao decadentismo do século que amargurava entre guerras, à mordaça da insatisfação que devora as almas corrompidas pelo sacrilégio do descontentamento.
Céline foi esse poeta que não cantou heróis magnânimos, nem romantizou as paixões burguesas, nem perdeu tempo com floreados para encantar as massas, mas antes o desconforto, a miséria, os vícios, a pobreza, o desalento. Não há outra tragédia que não seja errar por um mundo que parece ter perdido todo o sentido, qual promeneur solitaire arrancado de todas as grandiloquências do passado para a modorra do mundo moderno onde é reduzido a insecto, esmagado por uma civilização inconsequente.
A passagem política de Céline foi derradeira. Do lado errado da história, dirão muitos, no sentido que se posicionou do lado das forças derrotadas, como grande para da inteligência, Maurras, Brasillach, Rebatet, Drieu de la Rochelle. Tantos e tantos. A vida de Céline foi como o século XX - viveu perigosamente e radicalmente. Dançou com as forças que gravitavam na alvorada do novo mundo, protagonizando a superação da civilização burguesa, fosse o comunismo, o fascismo ou nacional-socialismo. Como o século, viveu e sucumbiu nas intempéries que devastaram o velho mundo.
Infelizmente, para muitos, Céline continuou ( e continua) vivo. Uma silhueta que assombra os arautos do politicamente correcto dos nossos dias, daqueles que pretendem, uma linguagem lavada e polida, as novilínguas dos académicos das teorias críticas e outros dislates intelectuais. Face aos novos tiranos Céline, mesmo que não se concorde completamente com todas as suas posições políticas, continua mais livre, mais vibrante, mais irreverente do que nunca. E, se passadas décadas, ele ainda continua a assombrar, a chocar, a intimidar, é porque foi sem dúvida o maior dos escritores do século XX.
Faz hoje 40 anos que se realizou o último ou um dos últimos (não fui verificar, acho que foi o último) conselho de ministros de um governo, o VIII governo constitucional (até dói, comparar a lista de membros desse governo com a lista de membros do governo actual, de tal maneira é diferente a qualidade dos governantes).
Convém lembrar que o primeiro ministro, Pinto Balsemão, tinha pedido a demissão em Dezembro de 1982, o presidente da república tinha recusado nomes alternativos para o substituir, tinha acabado por dissolver o parlamento e já tinha havido eleições, em 25 de Abril de 1983 (Eanes tinha imposto que o governo apresentasse o orçamento de estado antes de se ir embora), o PS tinha ganho as eleições e iria formar governo em breve (tomou posse a 9 de Junho, daí a minha convicção de que este foi o último conselho de ministros do VIII governo constitucional, a que aliás, se não me engano, faltaram grande parte dos ministros).
É este o contexto em que o governo aprova o diploma da Reserva Ecológica Nacional, numa característica jogada política de Ribeiro Telles, que sempre teve uma grande capacidade para aproveitar oportunidades de fazer progredir a sua agenda política.
O diploma é tão feito em cima do joelho, que o diário da república diz que o conselho de ministros foi a 26 de Maio de 1984, apesar de ser promulgado a 8 de Junho de 1983 (no dia anterior à tomada de posse do governo seguinte).
Não é só nessa gralha que se percebe que o diploma, do ponto de vista da técnica legislativa, é péssimo, todo o diploma é uma mera declaração de intenções, sem qualquer norma que possa ser realmente aplicada e fiscalizada.
De resto, o diploma nem tem regime sancionatório, portanto as normas que dele constam não passam de pias declarações de intenções, não correspondem minimamente ao que se pretende que seja uma lei.
O artigo terceiro do diploma, que define o seu regime, é exemplar na demonstração de que o diploma era, na sua versão original, uma mão cheia de nada: "Artigo 3.º (Regime da Reserva Ecológica) 1 - Nos solos da Reserva Ecológica são Proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades, nomeadamente vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações, destruição do coberto vegetal e vida animal. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as utilizações e ocupações, a definir em diploma regulamentar".
Traduzindo a norma, não se pode fazer nada que diminua ou destrua conceitos técnicos altamente discutíveis e discutidos, excepto se for permitido através de uma regulamentação que não existe (funções e potencialidades de uma lista de situações que misturam territórios consensualmente frágeis, como dunas, e territórios resilientes, como encostas com declives superiores a 25%, cujos limites são mais que indefinidos, por natureza, e que o diploma pretende definir tecnicamente, como áreas de infiltração máxima definidas pela sua natureza geológica).
Todo o absurdo do diploma - não é caso único de diplomas absurdos na área do ambiente, o meu preferido é o que institui o Parque Natural do Centro, com a delimitação que o diploma refere, mas este tinha desculpa por ser de 1975, de um governo de Vasco Gonçalves - só pode ser explicado pelas condições particulares que permitiram a aprovação do diploma: o último conselho de ministros de um governo que está há seis meses em funções de gestão, a que faltam boa parte dos ministros desse governo, depois dos partidos que o apoiam terem perdido as eleições e assinado apenas por dois ministros (fica-me a dúvida sobre quantos ministros participaram neste conselho de ministros).
Sem surpresa, o diploma dá origem a dois fenómenos: 1) a sua não aplicação, por manifesta impossibilidade; 2) aos permanentes protestos por acções, maioritariamente de construção e infraestruturas, que, pelo menos em tese, violam o disposto no diploma, e sobre as quais há oposição social, maioritariamente por grupos ambientalistas.
Quem quiser perceber bem de onde vem todo o suporte teórico do diploma, que está essencialmente certo, como suporte teórico de ordenamento do território e gestão da paisagem, mas não chega para fazer um diploma com cabeça, tronco e membros, que tenha suporte social, pode ler o trabalho que sintetiza as ideias que Caldeira Cabral tinha introduzido em Portugal, a partir da sua formação na Alemanha dos anos 30: "Plano de Ordenamento Paisagístico do Algarve", de Viana Barreto (director geral do ordenamento do território no momento da aprovação do diploma da REN, e meu professor na mesma altura), Álvaro Dentinho e Albano Castelo Branco, de 1969.
A combinação de inaplicabilidade do diploma, e solidez dos fundamentos de ordenamento do território que lhes estão na base, levam a uma revisão profunda do diploma em 1990.
Infelizmente, o que está certo no diploma original, a ideia de que a cada realidade devem corresponder acções que não afectem as funções e potencialidades de cada sítio, é completamente arrasado pela preocupação de eficácia legal, numa altura em que os tecnocratas da aplicação de regras administrativas como instrumento de gestão de paisagem tinham substituído as ideias anteriores de fazer corresponder a cada sítio a sua vocação.
É assim que o diploma da Reserva Ecológica Nacional se transforma na negação do ordenamento do território, ao aplicar a realidades completamente distintas o mesmo regime, independentemente de depois se fazer a previsão de um complexo processo técnico, altamente burocratizado e controlado por gente que percebia mais de normas administrativas que de gestão da paisagem, ignorando que o alfa e ómega do ordenamento são as pessoas e é para as pessoas e a sua vida banal que as normas devem ser pensadas.
Inevitavelmente, perante o resultado absurdo da aplicação de normas estúpidas, a contestação permanente ao regime da reserva ecológica tem convivido com sucessivas alterações do diploma (oito versões) que culminam na sua revogação em 2008 que, por sinal, também já vai na sétima versão.
Mais uma vez, infelizmente, o sentido das alterações é dominado pela preocupação de eficácia jurídica do diploma, sem grande consideração pela natureza da realidade a que se aplica, mantendo os pecados originais da ideia, e acrescentando-lhes muitos mais, como se a tarefa de ordenar o território e gerir a paisagem (em rigor, deveria ter trocado a ordem destes dois conceitos) fosse uma questão no normas administrativas e não uma questão da vida quotidiana das pessoas, que está indissociavelmente ligada à economia da paisagem.
E é aqui que chego à Reserva Agrícola Nacional, ou melhor, à defesa dos solos férteis do país, um conceito anterior ao de reserva ecológica, muito mais bem definido, mas com mecanismos legais e administrativos de aplicação opacos, corrompidos, ignorantes e sem relação, mais uma vez, com o enraízamento social dos problemas de gestão da paisagem.
Misturar a necessária defesa dos solos agrícolas e da gestão sensata da fertilidade no país com a defesa, acrítica, daquilo que é hoje a Reserva Ecológica Nacional é contaminar a defesa do solo agrícola com os equívocos da reserva ecológica, enfraquecendo o já frágil apoio a políticas eficientes de gestão da paisagem que sejam capazes de encontrar soluções para a imprescindível defesa do património natural que os solos férteis representam.
E é por isso que não assino esta petição, a sua base até vai, em grande medida pelo caminho certo, mas a recusa do movimento ambientalista em reconhecer que todo o edifício jurídico e administrativo construído com base nos diplomas da reserva ecológica nacional não passa de uma ruína imprestável que é preciso demolir de vez, contaminam irremediavelmente os pontos positivos e adequados de defesa dos solos agrícolas.
Por causa do meu post anterior fartei-me de ouvir comentários sobre a minha falta de respeito pela cultura popular, o direito às pessoas manifestarem as suas alegrias e tristezas no espaço público e argumentações que tais.
Hoje, púrpuro acaso, leio Tiago Velhinha Pereira a dar-me o mote para a resposta sobre cultura popular que eu gostaria de dar.
"Todo o momento que ali estive só queria ter dito uma frase aquele senhor, que achei que é muito bom no que faz e claramente um excelente compositor, só que se esquece das pessoas e a frase que eu lhe queria dizer, era apenas:
-Quanto mais o ouço, mais percebo porque gravo pessoas e não música.
E mais uma vez fica provado a música portuguesa a gostar dela própria, com mais de 7000 vídeos gravados, mais de 1200 de cante Alentejano, com mais de 100 grupos corais gravados no Alentejo e fora dele, não grava música, grava pessoas. Humaniza práticas".
Esta é a questão central.
Uma coisa são as comunidades que se juntam para celebrar o seu chão comum, seja na festa da aldeia, no compasso pascal, no São João do Porto, nas dezenas de festas do 25 de Abril que existiam nos bairros periféricos de Évora no fim dos anos 70, princípios de 80.
Outra coisa é a junta da freguesia aqui ao lado pegar no dinheiro dos contribuintes, que coercivamente lhes é retirado - não confundir com o dinheiro que os mordomos das festas conseguiam juntar, com constribuições voluntárias da sua comunidade, para as fazer - e contratar Romana, Toy, Ágata, Quim Barreiros, Jorge Guerreiro, Ruth Marlena, Nel Monteiro e Belito Campos, para dar música aos munícipes todos, quer eles queiram, quer eles não queiram, entre 2 de Junho e 17 de Junho, a pretexto do padroeiro de Lisboa, uma parte do chão comum que entretanto se dissolveu, já que pouca gente hoje reconhece padroados, padroeiros e a cultura que os criou.
E este comentário não tem nenhuma relação com a depreciação deste conjunto de agentes culturais (sou um grande fã da Ágata e lembro sempre que Quim Barreiros tocou num disco de José Afonso, quando ouço comentários sobranceiros sobre as pessoas que se dedicam a este tipo de música), poderiam ter contratado a Orquestra de Câmara Portuguesa, um quinteto de jazz ou Manuel Mota, que os meus comentários seriam os mesmos: não cabe ao Estado organizar festas, muito menos a pretexto de que se está a apoiar a cultura popular, que se caracteriza exactamente pelo que representa na vida das comunidades, de forma independente do Estado e da formalização académica do que é, ou deixa de ser, cultura.
O futebol faz parte da cultura popular e é normal que as pessoas comemorem as suas alegrias e tristezas em comunidade, o que não faz sentido, para mim, é que se considere legítima a sobreposição de legitimidades que obrigue outras comunidades a prescindir das suas celebrações colectivas, com medo dos primeiros.
É extraordinário que as manifestações políticas tenham um acompanhamento do Estado para garantir que o direito à manifestação se faça com o mínimo de prejuízos para terceiros, que os organizadores de manifestações se empenhem em impedir comportamentos ilegítimos, quer com apelos prévios, quer montando um sistema de segurança próprio para garantir o mínimo de problemas nas manifestações, que no caso dos promotores mais radicais, cujo objectivo seja mesmo provocar problemas, o Estado responde com repressão, mas no caso do futebol se admita que não há nada a fazer, os clubes e as federações não têm nada com isso, é deixá-los à solta.
Se os promotores da Feira do Livro se sentem suficientemente intimidados com isso, que fechem as tendas, é só um dia, ninguém leva a mal.
Eu limitei-me a dizer que não é verdade que ninguém leve a mal, eu levo, e isso não tem nenhuma relação com a bonomia e compreensão perante a cultura popular, mas sim com a forma como o Estado desiste de defender o direito dos mais fracos, neste caso, os interessados na Feira do Livro, mas poderia ser de um torneio de sueca, usar legalmente o espaço público de forma segura e razoável.
Quer isto dizer que eu defendo que a polícia de choque deveria entrar pela multidão que vá ao Marquês no Sábado, à bastonada, para assegurar a ordem pública?
Não, quer dizer que há uma longa cultura social de convivência com comportamentos marginais associados ao futebol que leva a que neste momento não haja outra solução que não seja fechar as pessoas em casa para não correrem riscos, mas que o Estado deveria compreender que isso é um falhanço social que o deveria fazer olhar para o ano seguinte de forma diferente, não aceitando a fatalidade de haver bandos de desordeiros (não, não é a maioria dos que lá estarão, são os bandos de desordeiros que lá estarão) que definem o que se pode ou não fazer no espaço público, por umas horas, a pretexto de que o seu clube (partido, terra, região, igreja, seja o que for) ganhou um campeonato seja do que for.
É fácil constatar que é cada vez mais difícil juntar 10 convivas num jantar sem o risco de uma zanga e alguns amuos numa cacofonia de arengas inconvenientes. As redes sociais confirmaram que deixou de existir um chão comum, uma base de entendimento, que toda a gente, mesmo toda, pode ter e afirmar a sua opinião muito própria, sobre história, física quântica ou teologia, e até da vida dos outros. Há muito que as opiniões de alguns, os mais afoitos ou até alcoolizados, extravasou o café do bairro para o Facebook ou o Twitter. Entretanto, as correntes de opinião foram sendo cortadas em fatias cada vez mais fininhas para dar para todo o pessoal, cada vez mais categórico e cioso da sua originalidade.
Evidentemente que ainda sobram os grupos de amigos que não subjugam uma boa conversa a um duelo de opiniões ribombantes arremessadas para prazer narcísico, ou apenas por “intransigência nos princípios”. A boa conversa é uma arte delicada que não resiste à tirania de quem quer impor uma perspectiva “muito sua” da verdade, muito menos da vida alheia. O pior por estes dias é mesmo a atomização das razões por que cada um pugna, com tanto denodo. Tempos houve em que poucos mais temas como o divórcio ou a homossexualidade fracturavam os salões da sociedade que “contava” – hoje tudo serve e o país tornou-se num gigantesco circo de indignações. A democratização das opiniões deu cabo das velhas regras de boa educação e do bom senso que durante séculos serviram para domesticar os mais extremos ímpetos opinativos, com um normativo que delimitava o âmbito das conversas, para não aborrecer os convivas (não se falar de doenças) ou evitar que a refeição acabasse numa zaragata (não falar de política e religião). Aqui chegados, constata-se que as opiniões próprias que todos se vêm animados a cultivar revelou-se um exercício pouco mais que estéril. Como toda a gente sabe é esse o destino das ideologias em decadência: foi o que aconteceu com os trotskistas de quem se dizia que “um trotskista é um partido, dois são uma internacional, três preparam uma cisão”. Ou o fenómeno acontecido com o movimento monárquico depois de 1910, definhando num processo de apuramento insaciável de pureza ideológica e de princípios, enquanto o Estado Novo punha ordem nas hostes. Ou como a direita portuguesa que desistiu de tentar juntar liberais e conservadores, num processo de desmultiplicação em correntes de graduação progressiva. E vem o Chega dar mau nome aos conservadores, há décadas (ou séculos, desde o rei Dom Miguel) oprimidos no colete-de-forças que era o CDS quando queria ocupar o centro político - um lugar à mesa do destino da Pátria. Já para não falar dos católicos entrincheirados em correntes progressistas ou tradicionalistas, guerras intestinas pela missa em latim, contra a missa em latim, contra a comunhão na mão ou a favor da comunhão na boca, a favor do Papa quando é “progressista” e contra ele quando é conservador – as discussões que para aí correm, meu Deus!
Evidentemente que toda esta impertinente vozearia é potenciada pelas redes sociais, instigando permanentemente os incautos utilizadores ao desafio a fazer exaltados juízos definitivos sobre tudo e nada, com a pretensão que lhes cabe – a cada um - o sagrado papel de educar o seu semelhante – sim, eu sei que isto tudo começou com os blogs, e que eu tenho a minha parte de culpa. O problema é que este fenómeno, que na política nos roubou o pouco sossego possível em democracia, um chão comum e algum sentido do longo prazo, está a transformar o sistema num exercício ensurdecedor de populismo, de gente exaltada e ofendida em constante troca de posições. É neste ambiente que emergem das catacumbas dos partidos personagens de inimaginável vulgaridade.
Mas o pior mesmo – e é essa a mais grave das ameaças - é permitirmos que esta cacofonia invada os salões das nossas casas a estragar qualquer conversa civilizada, livre de moralismos ou proselitismos. Cuidado, não deixem que o Twitter se sente à vossa mesa, que o que sobra da nossa civilização ruirá bem mais depressa, pois não haverá convivialidade que resista. Uma opinião é apenas uma opinião, e só tem utilidade a quem a pedir. Por favor, não no-la gritem aos ouvidos.
* Título adaptado do genial livro “Não me grite” de Quino, cujo desenho da capa ilustra esta crónica
Já contei esta história muitas vezes, e irei contá-la muitas mais.
Um dia fui levar uma das minhas filhas ao aeroporto porque ia com a selecção nacional de surf não me lembro para onde.
Naturalmente, havia sempre o problema do transporte das pranchas, e alguns dos pais dos outros atletas (era uma das seleções dos mais novos, foi mesmo há muito tempo) pararam carros, por minutos, junto à entrada das partidas do aeroporto, para deixar as pranchas.
Era uma operação relativamente rápida, numa zona de paragem proibida, é certo, mas que não empatava o trânsito, mas mesmo rápida ainda deu tempo para que viesse a polícia mandá-los sair dali, não tendo manifestado a menor compreensão pelo facto de se tratar da selecção nacional (era de surf, era de miúdos, mas era a selecção nacional que ia representar Portugal numa competição qualquer).
Púrpuro acaso (gosto imenso deste trocadilho, que li num livro de quadradinhos há anos), no mesmo dia, viajava a selecção nacional de futebol, a dos homens grandes, mas nesse caso não tinham de se preocupar com minudências logísticas que a polícia não queria compreender, porque viajavam enquadrados pela polícia, com cortes de trânsito, zonas especiais de chegada previamente definidas e por aí fora.
Eu sei que fenómenos sociais são fenómenos sociais e eu não os desvalorizo, bem pelo contrário, espero pacientemente que passe uma procissão, um enterro, um desfile carnavalesco ou mesmo só a festa da aldeia, na estrada mais recôndita que exista no país, sem a menor irritação, e também sei distinguir um desporto sem grande expressão social, como o surf, do peso social do futebol masculino.
O que ultrapassa a minha capacidade de compreensão é o facto desse peso social chegar ao ponto a que chega, implicando fechar a feira do livro ou cancelar 150 iniciativas dessa feira, porque há um clube qualquer que ganha um campeonato que existe todos os anos e há uns milhares de pessoas que passam a comportar-se, para comemorar essa relativa trivialidade, como donos de espaço público, ao ponto de violar a lei em numerosas circunstâncias, sabendo que o Estado se demite de exercer a sua autoridade durante um período de tempo, e um espaço, sem grandes limitações.
Se há velhos, doentes, bebés e respectivos pais que precisam de dormir, isso é irrelevante para a flagrante violação da legislação sobre o ruído, durante uma noite inteira, numa área enorme à volta do Marquês de Pombal.
Eu não compreendo, e muito menos aceito, que eu seja impedido de ir comer farturas à feira do livro pelo simples facto do Estado se declarar incapaz de, com semanas de antecedência, programar a resposta a um facto perfeitamente previsível, controlar uma multidão de pessoas que acham adequado comemorar a vitória do seu clube desconsiderando os direitos de terceiros.
É claro que num país em que o Presidente da República arranja conflitos com os deputados porque quer ir ver os jogos todos da selecção num campeonato do mundo, e em que o ministro das finanças não percebe o ridículo de aparecer de cachecol da selecção no conselho de ministros europeu que é imediatamente a seguir à conquista de um campeonato de futebol, não tenho a menor esperança de que alguém esteja com intenções de discutir a demonstração da fragilidade do Estado que é a limitação da feira do livro, só porque o Estado é incapaz de garantir a segurança pública no espaço público.
Faz agora 25 anos que a Expo abriu as portas. Enquanto evento efémero não me entusiasmou particularmente. No entanto, acho que foi uma boa forma de "fazer cidade".
Por essa altura Portugal viveu os seus últimos momentos de ilusão. Nessa altura ainda acreditávamos que, num espaço de uma geração, iriamos estar entre os países desenvolvidos da Europa. Miragens como sermos a Califórnia deste continente ainda eram possíveis.
98 é um marco, mas as raízes do problema já vinham de trás. Cavaco deu um importante impulso desenvolvimentista ao país, mas nos dois últimos anos de mandato já era visível que o modelo estava esgotado. Estava esgotado o modelo, e estavam esgotados os protagonistas. Cavaco acabou rodeado de "yes men". Depois veio Guterres com o propósito de anestesiar um país já de si amorfo. A bandeira do "diálogo" foi uma óptima desculpa para suspender o reformismo e promover uma cultura de pântano na qual tão bem nos damos.
O facto de nos últimos vinte cinco anos sermos dos piores países no que a crescimento económico diz respeito, sim os piores somos nós a Grécia e a Itália, entristece-me, mas não é o que me entristece mais. O que mais me entristece é a forma como passámos a aceitar a mediocridade. Da mesma forma que a China, do século XIX foi invadida pelo entorpecente ópio, nós fomos invadidos pela letargia socialista, em que o partido do Governo faz uma campanha a gabar-se que mais de um milhão de famílias acede a medidas de apoio ao cabaz alimentar. Sim, o que me entristece foi como perdemos qualquer ambição ou brio.
(Publicado hoje no Observador)
A Direita queria ser governo um dia. Mas só se a esquerda achar bem. Só se a esquerda deixar. Só com as alianças que a esquerda aprove. Só com o programa que a esquerda diga.
Vamos falar desta ruína. Quem fala do vergonhoso estado político de coisas, desta vez a propósito da TAP; mas quem fala, mais do que das tricas rascas nas salas dos ministérios, das decisões ruinosas e da destruição de valor, na TAP, outra vez, e apenas como um de um chorrilho de lamentáveis exemplos?
Quem fala da dança de corruptos; da apropriação do Estado; dos incompetentes que só conhecem o estribilho de que «estamos a trabalhar para» depois não se ver nada; do controlo dos órgãos independentes e de fiscalização?
Quem fala do estado caótico do Serviço Nacional de Saúde, do horário de 35 horas fatídico, da ruína operacional e do desastre financeiro dos melhores hospitais do país quando passaram a ser públicos por ditame ideológico? Quem fala das consultas para daqui a um ano, das intervenções cirúrgicas para daqui a dois ou três, da fuga dos que pagam seguros de saúde para os hospitais que os atendam, enquanto os pobres ficam à porta, à espera 730 dias? Quem fala da catástrofe na Educação, já nem apenas do facilitismo, dessa Escola Pública – que os socialistas sonham monopolista –que deixou de servir de elevador social, deixou sequer de atender os que dantes apenas mandava seguir adiante, ignorantes e impreparados, a fim de, quando adultos, acenarem que sim com a cabeça, e aceitarem veneradores e obrigados uns 30 euros mensais de esmola, enquanto os instruídos e aptos progridem e em muitos casos emigram?
Quem fala do desastre ferroviário que consiste na transformação deliberada da rede nacional numa ilha ao largo da Europa, sem cota europeia nem concorrência, onde os comboios sejam maus ou não andem, e a CP possa continuar a desservir em sossego?
Quem fala do estado vergonhoso e humilhante das nossas Forças Armadas, dos 3 tanques em 12 que funcionam, dos aviões canibalizados para que outros voem, dos helicópteros que não pairam, dos submarinos que não submergem não vá dar-se que vão ao fundo, dos navios que mal suportam ir e quando vão já não voltam? [Haverá espingardas para o efectivo? Haverá botas para todos?]
Quem fala do chico-espertismo das Finanças, da dívida pública que «desce em percentagem do PIB», mas, afinal aumentou 3,3 mil milhões e atingiu os 272 mil milhões em finais de 2022 (a dívida total, essa, é ainda mais aterradora); dos «crescimentos record» de 6% depois de quedas de mais de 8%; do destino das verbas e a execução (sim, ainda mais do destino do que da execução) do Plano de «Resiliência» que – honrando o real significado da palavra – nos vai deixar no exacto estado em que estávamos?
Quem fala dos 35 mil milhões enterrados nas Empresas Públicas (dados do Conselho de Finanças Públicas) entre 2014 e 2021, e quem fala das 32 empresas em falência técnica?
Quem fala da Justiça, da lenta e da prescrita, da cara e da inexistente?
Quem fala dos funcionários públicos, que eram 648 mil em 2014, quando Passos Coelho acabou de resgatar o país da bancarrota socialista, e quem fala do número de funcionários admitidos pelo governo Costa, aliado ou sozinho, (dados da DG da Administração e do Emprego Público) mais 17 941 até março de 2023, para atingirem o recorde da década: 745 642 lugares no sector público. Quem fala, apesar disso, da desorganização e do péssimo serviço de todos os serviços públicos?
Quem fala, quem critica, quem tem medidas?
A direita toda pouco, e o PSD quase nada.
Vamos falar da direita. Se a direita, toda a direita (antes mesmo de apresentar propostas ou planos) obteria, a crer em todas as sondagens, maioria na Assembleia da República, então a direita poderia governar em vez de e contra o destino de pobreza (e mediocridade, e avidez, e corrupção) a que a esquerda nos condena, ou não?
Sim, poderia.
E não pode porquê?
Porque a esquerda diz à direita pusilânime que só pode governar formando alianças, e que só pode formar alianças com quem a esquerda achar bem. E a direita pusilânime diz que então está bem.
O Partido Socialista estende a armadilha com a ajuda da sua máquina de propaganda, o entusiasmo da informação amiga, e a cumplicidade dos comentadores úteis. Dá atenção e promove a propósito disto e de tudo o Partido Chega, a fim de retirar votos à direita tradicional. E, depois, a pretexto de que o Chega seria xenófobo, racista, antidemocrático, e extremista, proíbe – do alto do seu impecável cadastro de alianças com antidemocráticos e extremistas – a direita tradicional de aliar-se com o Chega. E o PSD, vergado e manso, cai na armadilha como um patinho.
«Quá-Quá, não senhor, eu nunca me aliaria, nem sequer celebraria acordos com esses extremistas que me dariam a maioria, não eu, oh superior esquerda!»
«Quá-quá, eu queria era uma revisão constitucional de parceria com o PS com o objetivo de mais facilmente impor proibições e outro modus vivendi em casos de crise grave, nós os dois de braço dado, oh esquerda divina!»
«Quá-quá, eu, que tenho medo de dizer planos ou ideias, quero é uma aliança com a esquerda para decidirmos onde fica e quanto custa o aeroporto de Lisboa, o novo aeroporto de Lisboa, um dia lá longe, oh sábia esquerda!»
«Quá-quá, oh esquerda soberbamente moral, oh solidária e social esquerda, o que eu queria mesmo era ter um governo minoritário, e depois tu, esquerda sem nódoa, apoiavas-me! Apoiavas-me, não apoiavas, esquerda querida?!»
Vamos falar do Chega. E eis chegada a altura para a declaração de interesses: nunca votei no Partido Chega.
Não por achar que seja xenófobo. As posições do Chega sobre imigração (está no seu programa) são tão razoáveis como as posições dos países do grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa, e Eslováquia) de respeito pelos valores europeus («Europeus e cristãos», dizia Viktor Órban, assim transformado em besta negra da esquerda, até por ser eleito e reeleito com confortáveis maiorias). E, mais, o programa do Chega defende que seja privilegiada a imigração vinda de países com que temos laços culturais e históricos, nomeadamente Brasil, Países Africanos de Língua Portuguesa e Timor-Leste.
Não por achar que o Chega seja racista. Remeto, a esse respeito, para o parágrafo anterior. E se a crítica de racismo se deve ao facto de esse partido falar muito de ciganos, então diria assim a esses críticos que acham que os problemas ficam melhor escondidos: abençoados e ignorantes críticos que nunca tiveram um encontro de grupo num hospital, nem num centro de saúde, nem em determinados supermercados, nem em algum local famoso pelo comércio de drogas, nem visitaram terra alguma do Alentejo e muito menos Portalegre.
Não por achar que o Chega seja antidemocrático. Porque defende a liberdade de expressão, associação, política, artística, económica, religiosa, de ensino e de imprensa. Porque, ao contrário de outros que se sentam na Assembleia, nunca contestou a democracia, nunca sequestrou o Parlamento, e o seu grupo parlamentar foi eleito por portugueses livres que nele votaram livremente.
Em resumo, não voto no Chega por razões pessoais e vagas. O meu voto é diferente, talvez por tradição e/ou esperança iludida. E talvez por me desagradarem alguns comportamentos escusados do Chega (como o protesto sobre a presença de Lula na AR, que me pareceu tão detestável como o convite e a presença de Lula). Por achar também que, para bem deles, fariam melhor em convidar um Abascal em vez de um Bolsonaro, uma primeira-ministra italiana em vez de Salvini. Talvez por desconfiar de alguns impulsos estatistas, de que a defesa da TAP nacionalizada me chocou especialmente, embora esse estatismo não esteja plasmado no programa. E por reconhecer em Ventura um tribuno oportuno e notável, mas não saber nada do resto.
Não voto no Chega. Mas, sim, defendo uma aliança ou um acordo negociado de apoio ao governo com o Chega. Para afastar os socialistas, para devolver a honra e o bom funcionamento às instituições, para recuperar a economia, em resumo, para salvar a democracia.
Passo a basear-me no Programa Eleitoral do Chega, no Programa Eleitoral 2022-2026 do Bloco de Esquerda, e do que sabemos da fé comunista e
Vamos falar de alianças. O país beneficiaria muito de um governo de maioria absoluta de direita, composto, ou em aliança, ou em acordo entre PSD, Chega, Iniciativa Liberal e CDS. Sim, composição, aliança ou acordo também, evidentemente, com o Chega. Pessoalmente, sentir-me-ia perfeitamente confortável com um governo assim.
Muito mais confortável na companhia de um partido de direita, conservador, reformista e nacionalista, que se filia na tradição europeia e ocidental, judaico-cristã e greco-romana do que, como o PS prefere, com legítimos herdeiros do estalinismo e partidos como o Bloco que ainda rejeitam (sotto voce, claro) «a política dos pequenos passos», porque revolução é que é bom.
Muito mais confortável com a autorresponsabilidade dos cidadãos, com a presunção de que estão de boa-fé e com a subsidiariedade da ação do Estado do que – como PS, PCP e Bloco preferem – com o pastoreio asfixiante da esquerda, e a sociedade construída a partir de cima pelo Estado omnipotente.
Muito mais confortável com a proposta de um Estado que «recolhe e gere os meios financeiros e humanos (…) estritamente necessários à prossecução dos seus fins próprios» e recomenda uma taxa única de IRS, do que como o PS prefere, e o Bloco escreve: mais derrama sobre as empresas, mais um imposto sobre os serviços digitais, mais um imposto sobre o consumo de bens e serviços de luxo (como «o golfe», palavra), mais tributação das mais-valias imobiliárias, e mais imposto sobre sucessões e doações, mais imposto sobre rendimento de capitais, mais imposto sobre a riqueza global. Numa palavra, o sufoco da economia.
Sentir-me-ia muito mais confortável com um partido como o Chega que defende um ensino público universal e gratuito em convívio com o ensino privado, do que, como o PS prefere, as madrassas exclusivamente públicas sonhadas pelo Bloco, a roubarem a educação à família para a substituir por especiais ideários.
Muito mais confortável com a saúde entregue, como defende o Chega, à cooperação entre sector público e sector privado, para que o público seja bem atendido e a tempo, do que – como quer o PS e diz o Bloco – eliminar «a predação do negócio privado», esse sector privado «predador» que, depois da destruição do SNS por socialistas, comunistas e bloquistas, atende os que a ele acorrem munidos de seguro de saúde.
Muito mais confortável com o direito de propriedade e a iniciativa privada, com políticas que tornem a construção imobiliária e a venda e arrendamento atrativos, do que – como faz o PS e o Bloco recomenda – o «combate determinado à especulação», a «limitação do valor das rendas», as obras à força «quando os proprietários não queiram», a «posse administrativa» de prédios e apartamentos, e o combate aos despejos de quem não paga – as exactas políticas que provocam crises de habitação.
Muito mais confortável com um partido que defende a pertença à União Europeia e à NATO, do que com os aliados que o PS prefere, adversos ao «princípio implacável» da UE, e que dizem (a propósito da Ucrânia, por exemplo) que a UE «prolonga os interesses imperiais da Casa Branca» e «promove estratégias de tensão em todo o Mundo».
Muito mais confortável com a liberdade de expressão, do que, como o Bloco recomenda e o PS já pratica disfarçadamente, «libertar» os órgãos de comunicação social do «peso» dos anunciantes, para reforçar os serviços públicos de informação.
Estaria muito mais confortável com uma aliança ou acordo negociado entre PSD, Chega, Iniciativa Liberal (cujo liberalismo económico subscrevo, enquanto me mantenho conservador no resto) e CDS (este, de preferência em listas conjuntas, porque faz falta e assim se perdem menos votos). É para acertar e ceder nas divergências que a política serve quando há pontos comuns e uma causa maior, a de salvar o país dos socialistas e dar-lhe decência e progresso.
Ou seja, e em resumo: a direita faz mal em olhar com respeito, ou sequer um mínimo de deferência, a teoria e prática desastrosas do PS. A direita não pode ser como a esquerda. A direita não tem que ambicionar a aprovação, ou sequer a tolerância, duma associação perniciosa com tão tristes provas de desgoverno dadas. A direita tem que organizar-se, estabelecer alianças, construir um programa, e anunciar ao que vem e o que muda – como, segundo dizem as sondagens, a maioria dos eleitores deseja.
Conclusão do santo Evangelho segundo São Mateus
Naquele tempo, os Onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que Jesus lhes indicara. Quando O viram, adoraram-n’O; mas alguns ainda duvidaram. Jesus aproximou-Se e disse-lhes: «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».
Palavra da salvação.
Éramos muitos lá em casa e, portanto, havia muitas situações em que jogávamos o que quer que fosse.
E todos sabíamos que havia duas coisas absolutamente inaceitáveis para o meu pai: 1) acusar outro jogador qualquer de fazer batota (não só a batota era inaceitável, como não se joga com quem se admita que é capaz de fazer batota); 2) não se discutiam as decisões dos árbitros, nos jogos em que havia alguém encarregado de fazer de árbitro.
A explicação do meu pai era simples, e sempre a mesma: quem não confia no árbitro, não entra no jogo.
Lembrei-me disto a propósito de um indivíduo que, a pretexto de um caso de polícia, contactou não sei quantos ministros.
Um porque queria falar com a PSP, outro porque queria falar com a PJ, outro por causa de informação classificada, enfim, uma roda-viva.
Imaginemos que estou num edifício, que tem segurança 24 horas por dia, e me convenço de que está a acontecer qualquer coisa que justifica que se chame a polícia.
Eu, como a generalidade das pessoas, diria ao segurança para ligar para a esquadra mais próxima a pedir que a polícia viesse o mais rapidamente possível, visto que a minha preocupação seria ter a polícia a tratar do assunto no mais curto espaço de tempo, para prevenir consequências das acções em curso.
Aparentemente, outras pessoas funcionam de forma diferente: ligam ao ministro que tutela a polícia, para que esse ministro me ponha em contacto com o chefe máximo da polícia, de maneira a que o chefe máximo da polícia garanta que, o mais rapidamente possível, a polícia se encarrega do assunto.
Se excluirmos a hipótese de alguém ser completamente estúpido e estar convencido de que ligar a um ministro, para assegurar o contacto com o chefe máximo da polícia, que desencadeará a acção dos polícias mais próximos é mais rápido que ligar directamente para a esquadra mais próxima, sobra uma explicação racional para este caminho alternativo: garantir um tratamento privilegiado ao meu problema.
E isto diz muito mais sobre o que pensa o ministro Galamba do Estado e do seu funcionamento, que as não sei quantas horas de inquirições: Galamba acha que problemas comezinhos de polícia precisam do reforço da autoridade do governo para serem atendidos pela polícia, dito de outra forma, Galamba está convencido que é mais útil usar o seu estatuto para resolver os seus problemas que colocar-se em pé de igualdade com as pessoas comuns, confiando na relação do Estado com as pessoas comuns.
Por isso não entende que é o reforço da confiança das pessoas no Estado que é mais importante, e não as narrativas que, em cada momento, parecem servir melhor a sua prática política.
Nisso, infelizmente, não me parece que tenha grande divergência com António Costa.
É bom que os governantes tenham uma boa vida pessoal, de forma que esta os ajude a terem uma boa saúde mental.
Mas a ida de António Costa ao concerto dos Coldplay, enquanto a nossa vida democrática passa por momentos difíceis, não é disso que se trata. António Costa, que anda na política desde os catorze anos, não é inocente. Ele sabe que ao estar num estádio com cinquenta mil pessoas e com as televisões a captar imagens, tal seria amplamente noticiado, não se trataria de nenhum momento íntimo.
Ao assumir tal acto, Costa pretendia transmitir uma mensagem. E essa mensagem é "eu estou-me nas tintas para a opinião publica, para a vigilância democrática, para o Presidente e para vocês em geral". Desde a maioria absoluta Costa tem, de forma sistemática e sem grandes ambiguidades, adoptado essa atitude. Adoptou-a quando nomeou o recém derrotado Medina ministro das Finanças, quando elevou Galamba, a mais socrática das personagens, a ministro, quando disse na entrevista à Visão o arrogante "habituem-se" ou quando enfrentou e humilhou publicamente o Presidente da República. Um pouco como Trump, quando dizia "Podia dar um tiro em alguém na 5.ª Avenida e não perdia votos", Costa está inebriado consigo próprio e acredita que, tal com uma vaca que voa, consegue pairar acima da realidade.
É pena termos a nossa democracia capturada por um personagem tão medíocre. É pena sermos capitaneados por alguém tão superiormente alienado.
Por causa de um post anterior meu, em que procurei deixar claro que nada na lei permite a exoneração de quem quer que seja por telefone e sem despacho (um comentário lateral, estou estupefacto com a quantidade de vezes que tenho ouvido dizer que alguém tem de ir aqui ou ali assinar um documento, um ofício ou um despacho. Num país em que já foi feito um conselho de ministros electrónico, em que todos os ministros assinaram digitalmente a resolução de um banco, parece que continua a haver chefes de gabinete e ministros que não usam assinaturas electrónicas. O resultado está à vista: um longo vôo de avião, que dava mais que tempo para fazer um despacho, como exige a lei, assinado digitalmente e imediatamente enviado assim que fosse restabelecida a ligação à internet, quando o avião aterra, teria evitado a enorme confusão jurídica resultante de algumas pessoas acharem que demitiram outras, mas essas outras acharem que enquanto não houver despacho, não é enquanto não for publicado, é enquanto não houver despacho, não há exoneração nenhuma), retomando, por causa desse post, cruzei-me com pessoas que, para sustentar a tese de que um despacho de exoneração pode ter efeitos retroactivos, se dedicaram a pescar despachos nesse sentido.
A questão é que a ilegalidade é um dos padrões mais fortes de funcionamento da administração pública em Portugal, exemplos de ilegalidades semelhantes anteriores não atestam a legalidade dos actos praticados.
Qualquer jornalista conhece dezenas de casos de recusa ilegal de fornecimento de documentos por parte de funcionários e dirigentes da administração pública, essa é, aliás, uma prática ilegal mais que consolidada na administração pública (um dia li, ao telefone, a um jornalista, um parecer emitido por uma unidade orgânica que eu dirigia na altura, sobre um assunto em que Sócrates estava envolvido, o que significava uma férrea disciplina no controlo da informação, na opinião de Sócrates, Silva Pereira, Carlos Guerra e Carlos Albuquerque, a linha hierárquica acima de mim. Sem surpresa, lá veio a ameaça de processo disciplinar que resolvi rapidamente lendo as alíneas da legislação aplicáveis ao assunto e que, inequivocamente, classificavam esse parecer como um documento público, tivesse o ministro a opinião que tivesse sobre o que se podia ou não podia transmitir publicamente).
O mesmo se diga da prática reiterada, de fazer reuniões sem actas ou outros documentos de registo.
E poderia continuar por aí fora.
Para não falar outra vez da novela da TAP, peguemos num exemplo desta semana, uma audição parlamentar a Mariana Vieira da Silva.
Nesta ligação pode ouvir-se, sem intermediários, o que está resumido aqui: "Vieira da Silva admite que o regime é “exageradamente utilizado”. “Para conseguirmos que assim não seja precisamos de processos de recrutamento que sejam mais céleres. Porque, por exemplo, em períodos eleitorais como aqueles que vivemos encontramos períodos de interregno com saídas de pessoas que se tornam absolutamente inviáveis para o bom funcionamento dos serviços. Portanto, não é possível fazer tudo ao mesmo tempo. Essa é uma tarefa que procuraremos desenvolver em 2024”, afirmou."
Note-se que a notícia, para a jornalista, não é o facto da ministra se estar nas tintas para a lei, a notícia é a ministra admitir que realmente se usa excessivamente um mecanismo excepcional previsto na lei.
No essencial, um deputado diz que existe um sistema formal de nomeação de dirigentes, e depois uma prática informal de nomeação em substituição (dá o exemplo de um dirigente há mais de oito anos em substituição, no instituto em que eu trabalho, o seu presidente penso que está em substituição há quatro anos e outros membros do conselho directivo estão em substituição há um bom bocado mais), e a senhora ministra em vez de responder, decide contar uma história lateral sobre os esforços do governo para melhorar a qualidade dos dirigentes da administração pública.
Argumenta, perante exemplos de dirigentes há anos em substituição sem concurso aberto, que os sistemas de recrutamento não garantam a necessária celeridade, isto é, admite que de facto a situação de excepção prevista na lei está a ser abusivamente usada, e dá uma explicação evidentemente falsa para essa prática de fuga à lei (e ainda faz uma referência a períodos eleitorais como aquele em que vivemos, em 16 de Maio de 2023 estamos em período eleitoral, como se o recrutamento de dirigentes da administração pública tivesse alguma relação com eleições, demonstrando que na verdade se está nas tintas para a lei, limita-se a encontrar justificações e buracos que permitam o funcionamento da administração pública à margem da lei, prometendo resolver o assunto em 2024, depois de estar há sete anos no governo).
Degradação institucional, profunda e com uma prática que vem de longe - o principal trabalho dos juristas que trabalham para a administração pública não é o de enquadrar legalmente o que se pretende, mas o de encontrar uma justificação defensável para não se cumprir a lei - também é isto.
De tal maneira que o senhor inpector geral das finanças candidamente explica que mudou um parecer porque o seu dever patriótico é não criar obstáculos à entrada de dinheiro europeu, não é o de garantir que esse dinheiro é aplicado de forma razoável, sensata e socialmente útil, portanto, se chamar a atenção para a fragilidade dos processos de acompanhamento da execução dos dinheiros comunitários poder provocar problemas de aprovação em Bruxelas, para-se o carro numa área de serviço da auto-estrada e muda-se o parecer dos seus serviços para diminuir os riscos de aprovação do dinheiro em Bruxelas, mesmo que à custa do aumento do risco de má aplicação do dinheiro dos contribuintes.
Isto é uma cultura que o Partido Socialista promove com desvelo, é verdade, mas o êxito da promoção dessa cultura tem raízes profundas na sociedade, dificilmente a administração pública deixará de cultivar esta cultura de ilegalidade como padrão nos próximos anos, seja qual for o governo.
O máximo que se conseguiria era mudar ligeiramente a trajectória, mas com um risco político brutal para quem decidisse que a lei pode ser boa ou má, mas enquanto existe, cumpre-se sem desculpas, excepções e escapatórias.
Como dizia um velho funcionário da Comissão Europeia numa reunião de contencioso comunitário em que eu estava, respondendo à alegação de um jovem assessor de que a opção do governo tinha sido uma opção política, "o governo fará as opções políticas que entender, dentro dos limites da lei, fora dos limites da lei não há opção política, só há ilegalidade".
"A chefe de gabinete diz que não era necessário haver um despacho com a exoneração, porque nem as nomeações nem as exonerações dependem de despachos. “O dr. Frederico Pinheiro estava exonerado desde as 20h45 de 26 de abril, portanto proibido de entrar no ministério por ordem do ministro."
Não fui ver a exactidão do que diz o Observador sobre o que terá dito uma chefe de gabinete de um ministério porque esta ideia é uma ideia muito transversal, há imensa gente a achar que isto pode ser assim.
Vejamos o que diz a lei directamente aplicável (e não vou servir-me do Código do Procedimento Administrativo, para colmatar eventuais dúvidas sobre o formalismo das decisões na administração pública), Decreto-Lei n.º 11/2012, de 20 de janeiro.
Logo no preâmbulo, uma parte não directamente aplicável dos diplomas legais, mas que ajuda a compreender as normas e a sua fundamentação, é clara a obrigatoriedade dos despachos de designação dos membros dos gabinetes: "determina-se o conteúdo dos respectivos despachos de designação, bem como a obrigatoriedade da sua publicação no Diário da República e, conforme já implementado pelo XIX Governo Constitucional, a obrigatoriedade de divulgação em página electrónica da composição dos gabinetes e das respectivas remunerações, em reforço do princípio da transparência e publicidade".
"Artigo 11.º Designação dos membros dos gabinetes 1 - Os membros dos gabinetes são livremente designados e exonerados por despacho do membro do Governo respectivo".
Se dúvidas houvesse de que a liberdade de designar e exonerar membros do governo não inclui a liberdade de escolher o meio para o fazer, a lei é claríssima a explicitar que é por despacho que são designados e exonerados os membros dos gabinetes. O despacho até poderia ter efeitos retroactivos e dizer que a exoneração tem efeitos desde o tempo dos afonsinhos, por ilógico que isso seja, o que não há é exoneração sem despacho, isso é de meridiana clareza.
"Artigo 16.º Cessação de funções Os membros dos gabinetes cessam funções: a) Por despacho do respectivo membro do Governo;..."
Se dúvidas houvesse, a lei é claríssima a explicitar que a cessação de funções ocorre por despacho, e não por qualquer outro meio (telefonema, pombo correio, mail, mensagem de fumo, seja qual for o outro meio escolhido). Um membro do governo pode até informar um dos membros do seus gabinete que o vai demitir com efeitos a partir daquele momento, que as funções da pessoa em causa só cessam com a existência do despacho, mesmo que o despacho venha a ter efeitos retroactivos, explicitando um momento anterior ao despacho a partir do qual ele terá efeito, mas até à existência do despacho, o facto é que não existe cessação de funções.
Artigo 11.º Designação dos membros dos gabinetes "3 - Os membros dos gabinetes consideram-se, para todos os efeitos, em exercício de funções a partir da data indicada no despacho de designação e independentemente da publicação na 2.ª série do Diário da República."
Sim, há quem diga que a exoneração não depende da existência de despacho, tentando demonstrar que esta norma, que se aplica ao início de funções, é aplicável à cessação de funções, mas isso não passa de treta: por um lado, a norma é explícita ao falar do início do exercício de funções, por outro é razoável que se admita que o início do exercício de funções possa começar imediatamente, sem ter de esperar pelo despacho de nomeação, mas é ilógico achar que a cessação de funções possa ser feita com efeitos retroactivos, porque isso cria um imbróglio jurídico e funcional como aquele a que se assistiu no ministério das infraestruturas: há umas pessoas que acham que as funções de alguém cessaram, e há o próprio que acha que, de acordo com a norma citada acima, as suas funções cessam por despacho, e não porque alguém resolveu dizer que já não brinca mais com aquele menino (quem é que pode garantir que um ministro que se exaltou numa discussão não muda de opinião depois de uma noite bem dormida e de terem serenado os ânimos?).
Aliás, basta imaginar que no dia seguinte o membro do gabinete exonerado se apresenta no serviço de origem e alguém lhe pergunta o que está ali a fazer, para perceber que ninguém vai aceitar a sua integração sem ver um despacho, apenas com base na mera afirmação do trabalhador de que o ministro lhe disse que não o queria ver mais.
O que é mais ilustrativo da degradação institucional não é o facto de tudo isto ter ocorrido como ocorreu, o que é mais ilustrativo é que, sendo a lei tão clara como é, três semanas depois dos factos, uma chefe de gabinete que tinha obrigação de zelar pela sua aplicação no momento dos factos, ainda ache normal defender que alguém é exonerado de um gabinete a partir do momento em que um ministro telefona para a pessoa em causa, implicando a cessação imediata de funções que a lei, explicitamente, faz depender de um despacho que não existe.
E o problema não é esta chefe de gabinete em concreto, é uma administração pública que está pejada de dirigentes que, nas mesmas circunstâncias, fariam exactamente o mesmo que esta chefe de gabinete, porque esta é a cultura da administração pública em Portugal (um país em que a generalidade dos funcionários e a quase totalidade dos dirigentes, desconhecem o código do procedimento administrativo e o violam constante e diariamente, sendo evidente que a generalidade das pessoas não conhecem, nem exigem, os direitos que o mesmo código do procedimento administrativo lhes confere, para se defenderem da prepotência e opacidade da administração pública).
Primeiro este selo apareceu nas redes sociais divulgado pela mão da esquerda chic para salientar o mau gosto do logótipo das Jornadas Mundiais da Juventude, sem quererem saber que não se trata dum logótipo, mas de um selo emitido pelos correios da Cidade do Vaticano – o logótipo, de que não gosto particularmente por ser pouco versátil aparece no canto superior esquerdo. Além disso estou em crer que o boneco é desenhado por alguém que estará longe de conhecer o Modernismo do Estado Novo e Cottinelli Telmo em particular. Quanto à técnica usada na ilustração, andará próxima do estilo da linha clara que reinou na banda desenhada da Europa do pós-guerra, nomeadamente a franco-belga. Mas a crítica mais disparatada que circula nas redes foi a classificação do boneco como “fascizóide”. Pode-se gostar ou não gostar do resultado que para mim só peca por ser demasiado óbvio – não gosto particularmente da saliência da bandeira verde-rubra, cá por coisas. Mas classificar o desenho de fascizóide (O Papa Francisco em pose no lugar do Infante D. Henrique guiando um conjunto diverso de jovens às JMJ em Lisboa) desautoriza qualquer crítica. Eu percebo o jeito que dá às vidas indolentes e aburguesadas alimentar fantasmas, mas já era tempo de certa malta da minha geração comprar umas sessões de psicanálise para “matar de vez o pai”. É que com a idade a coisa (preconceitos e obsessões) piora. Quanto à opinião do Bispo D. Carlos Azevedo, o que nos vale é que o bom ou mau gosto não são matéria doutrinária ou dogma de fé na Igreja.
"Presume-se pois que, quando o Estado proibir finalmente as raspadinhas ou as tornar menos ubíquas, se vai levantar um coro virtuoso de protesto".
Na base desta frase, interpreto eu, está a ideia de que o Estado proibir uma coisa má é, intrinsecamente, um passo na direcção certa.
Vale a pena discutir o que se pode saber sobre esse pressuposto, e o exemplo das raspadinhas serve, como qualquer outro.
Em primeiro lugar, as raspadinhas são uma prerrogativa do Estado, uma sofisticação das rifas que sempre houve em qualquer lado.
Portanto o Estado proibir as raspadinhas não é nenhuma novidade: elas já são proibidas, o Estado é que desenhou, para si (é o Estado que explora o jogo e é o dono da Santa Casa da Misericórdia), uma excepção.
Tirando este pormenor, a questão que se põe é a de saber se sendo as raspadinhas uma chaga social que atinge sobretudo as classes sociais de menor rendimento, com efeitos sociais negativos para os próprios, embora com efeitos sociais positivos para os que beneficiam dos apoios da Santa Casa da Misericórdia, a proibição é a melhor solução para se obter o resultado que se pretende: defender as pessoas delas próprias.
Esta solução, proibir o que se considera errado - cobiçar a mulher do próximo, por exemplo - ou o que se considera perigoso para o bem estar de alguém - o consumo de drogas duras viciantes, por exemplo -, é uma solução com milhares de anos de aplicação e, por isso, existe abundante evidência sobre os efeitos sociais dessas proibições.
Quando a proibição corresponde a uma sentimento social generalizado - não matarás - ela não resolve o problema, na medida em que continua a haver assassinatos, mas dá origem a um conjunto de medidas que pretendem defender terceiros dos efeitos negativos dos assassinatos.
A proibição, nessas circunstâncias, é apenas uma condição administrativa que permite ao Estado aplicar o monopólio da violência legal contra os que executam actos proibidos.
Incluindo o estabelecimento de polícias, para prevenir assassinatos ou encontrar os suspeitos, sistemas judiciais que permitam avaliar em que medida a violação do interdito tem maior ou menor justificação ou gravidade, nuns países, proibição de uso de armas, noutros países, liberalização do uso de armas, as duas coisas com o mesmo objectivo de evitar inocentes sejam assassinados, campanhas mais ou menos formais, incluindo sistemas escolares que transmitam valores que condenem os assassinatos, mas que ensinem também atitudes de prudência para evitar acidentes de que resulte a morte de terceiros, etc..
E o Estado pode também desenvolver muitos outros mecanismos não coercivos, ou limitadamente coercivos, de apoio às vítimas de si próprias, quer trabalhando os fundamentos sociais que levam as pessoas a acreditar que ganhar o euromilhões é a única forma de se libertarem do fardo de pobreza que carregam, quer trabalhando os mecanismos de saúde mental que se relacionam com as inúmeras formas possíveis de adição e dependência.
O que manifestamente não resolve nada é a proibição do jogo, por si só, como mostram centenas de anos de jogo clandestino.
No dia em que o Estado resolver deixar de aplicar a si próprio a excepção da proibição do jogo, encontrando meios financeiros alternativos para financiar as suas acções sociais, eu não protestarei.
No dia em que o Estado resolver liberalizar o jogo, ao mesmo tempo que o regulamenta e reforça os mecanismos não coercivos, ou limitadamente coercivos, para apoiar as vítimas das adições, dependência ou vício, eu não protestarei.
Mas no dia em que o Estado, a pretexto de defender as pessoas que têm dificuldade em gerir as suas opções, resolver proibir as raspadinhas, pensando que ficou o assunto resolvido, nesse dia protestarei.
Sem virtude nenhuma, não é uma questão moral, para mim, é uma questão de eficácia das medidas para lidar com problemas complexos.
Onde tenho uma posição moral é em achar que o livre-arbítrio inclui a liberdade para me prejudicar a mim próprio, sem que isso dê ao Estado o direito a impedir-me de me prejudicar, na medida em que isso não prejudicar terceiros.
«Ruído» - críticas ou clamor de protesto de quaisquer setores não socialistas em reacção a repetidas demonstrações socialistas de incompetência, ignorância, inadequação, má gestão e decisões ruinosas (para os contribuintes, não para os socialistas - sobre decisões ruinosas para os socialistas ver fassismo, neoliberalismo, populismo).
Não deve ser só para mim, que Tiago Oliveira repete a ideia ontem na RTP3 (numa excelente entrevista aí pelas dez e meia da noite). E hoje de manhã na SIC Notícias, pelas 8 e 40 da manhã, quando a jornalista contristada fala do grande número de fogos em Portugal entre Janeiro e Abril, Tiago Oliveira não está com rodeios e diz taxativamente: foi óptimo, e se em vez de dois mil fogos fossem quatro mil, era óptimo na mesma.
Chegou agora às livrarias, em Português, Piroceno, de Stephen Pyne, cuja leitura recomendo, mesmo antes de eu ter lido (conheço o livro, não o li, mas já li vários comentários sobre ele e ouvi a apresentação que dele fez o próprio Stephen Pyne).
Uma das grandes virtudes de Stephen Pyne é falar do fogo a partir de uma perspectiva das humanidades, como ele próprio disse, apresenta metáforas em vez de modelos matemático e resultados de laboratório, o que, digo eu, lhe permite chegar ao público não especializado na matéria.
E agora entro no jornalismo.
Para além de fogachos informativos - Stephen Pyne, Tiago Oliveira, José Miguel Cardoso Pereira, Paulo Fernandes, Carlos Câmara, Nuno Guiomar, António Salgueiro se o convencerem a falar para as televisões, o que é raro, e mais meia dúzia, se tanto - o essencial da forma como o jornalismo trata o fogo é bem ilustrado pelo facto de andarem há dois dias à volta do magno problema (acham eles, eu acho óptimo, é dinheiro que se poupa) de faltarem não sei quantos meios aéreos para chegar ao número previsto para este ano.
E falarem do drama dos dois mil fogos nos primeiros quatro meses no ano, ou o problema do fogo de Primavera da serra da Estrela (que a repórter no local já sabia ser fogo posto porque o presidente de câmara disse que era), ou a mão criminosa, ou os eucaliptos, enfim, o que quiserem.
Bastava levarem a sério a ideia de que deveriam estar a olhar para a economia global, e deixarem de justificar tudo com o clima global para o resultado global do trabalho de jornalismo sobre fogos fosse muito melhor.
O fogo tem uma parceria de promoção mútua connosco há milhares de anos, mas alguém traiu a confiança que fundamentava essa relação e, aparentemente, não foi o fogo.
O problema é que restabelecer confiança é muito mais difícil que destrui-la e ainda vai levar muitos anos a estabilizar as consequências do divórcio litigioso que provocámos.
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