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O título deste post é de um livro de Mircea Eliade que li há muito tempo (tanto tempo que tive de ir verificar, porque estava convencido de que era de Cláude Levi-Strauss) e apareceu-me naturalmente na cabeça depois de mais umas conversas sobre cheias e afins.
E surgiu-me na cabeça a propósito do mito de que se mantivermos ocupações de solo permeáveis nas bacias hidrográficas, evitamos o problema das cheias rápidas de bacias torrenciais (penso que terá sido aqui nos comentários que alguém lembrou que no deserto da Namíbia se diz que morre mais gente afogada que de sede, talvez a ilustração mais rigorosa de até onde esse mito nos pode levar para políticas de gestão do território erradas).
A infiltração no solo é um processo de velocidade relativamente baixa, embora em circunstâncias particularmente favoráveis possa ter velocidades que até poderiam fazer alguma diferença. Em solos arenosos, com topografia especialmente favorável, a velocidade básica de infiltração pode chegar aos 30mm por hora, o que já é uma grande chuvada. Claro que o efeito dessa velocidade no controlo do escoamento que está na origem da inundação das zonas de acumulação depende de não haver perfis de solo de textura diferente que diminuam o volume disponível com essa velocidade de infiltração.
Acontece que não são estas as características dos solos que temos, na sua maioria, à volta de Lisboa, nem são estas as características que queremos para melhorar o solo, preferimos solos com teores altos de matéria orgânica para que sejam capazes de funcionar como esponjas que retêm longamente a água em circunstâncias que permitam a sua utilização das plantas.
O que faz com que a velocidade básica de infiltração caia rapidamente, podendo ter valores abaixo dos 5 mm/ hora, em solos mais argilosos, valores de velocidade de infiltração que os tornam pouco eficazes para encaixar precipitações de 20, 30, 40mm/ hora, que raramente ocorrem de forma uniforme (por exemplo, a 7 de Dezembro, registou-se 47,8 mm numa hora, mas em dez minutos foram 17,1 mm, o que compara com menos de 1mm de velocidade de infiltração nos mesmos dez minutos para um solo que tenha uma velocidade básica de infiltração de 5mm/ hora. Vale a pena ler este artigo de Carlos da Câmara, que tem estes dados, mas é, do meu ponto de vista, uma crítica muito bem feita ao jornalismo que está na moda).
Uma ressalva para explicar um mal-entendido com um colega meu sobre as minhas afirmações acerca da pouca relevância da discussão da infiltração para a gestão da cheias rápidas de bacias torrenciais (escrevo sempre isto porque a gestão desse tipo de cheias é muito diferente da gestão sobre as cheias das grandes bacias hidrográficas).
Estou a falar da infiltração natural dos solos, aquela que poderia apontar para se evitar a impermeabilização a montante como instrumento de controlo de inundações a juzante, não estou a falar das tecnologias de base natural que, sabendo tudo isto que descrevi acima, dão origem à criação de poços drenantes, isto é, à criação de vazios subterrâneos através da escavação de poços verticais que depois são cheios de brita ou outros materiais grosseiros e permitem, até ao limite do volume de encaixe desse poços, ter velocidades de infiltração elevadas (dependendo do substrato geológico, o esvaziamento desses poços drenantes poderá ser mais ou menos rápido, claro).
Essa é uma solução que foi usada no Parque Eduardo VII, nas obras recentes, e que, dependendo do seu custo face ao benefício, pode ajudar qualquer coisa quando existem fenómenos de precipitação muito intensa e de relativamente curta duração, sendo seguramente úteis nas precipitações pequenas e médias, enquanto não se der a sua colmatação, claro.
Esta solução pode perfeitamente ser usada em tecidos urbanos perfeitamente consolidados, podendo ser uma ajuda muito relevante para evitar inundações de caves, desde que o seu custo seja razoável para o retorno que será de esperar, ou seja, não depende da existência de corredores verdes e outros slogans do mesmo tipo.
O que verdadeiramente me interessa nesta discussão não é a discussão tecnológica (para a qual me falta conhecimento) que remeto para quem sabe, desde que as soluções técnicas venham acompanhadas das adequadas avaliações de custo benefício.
O que me interessa é a discussão dos processos sociais que constroem paisagens, tal como na questão dos incêndios.
Já referi que a solução dos túneis para evitar as cheias é uma solução desenhada para determinadas circunstâncias, portanto, menos útil se a realidade se materializar em circunstâncias diferentes.
Também já escrevi noutro post que o risco maior deste tipo de soluções essencialmente tecnológicas é o de alterarem a percepção de risco (por serem bastante eficazes em circunstâncias médias), levando-nos a desvalorizar o risco das circunstâncias extremas, criando condições de risco que geram tragédias maiores quando a solução tecnológica falha (penso que toda a gente percebe facilmente que o combate aos fogos funciona muito bem 98% das vezes, mas 90% da área ardida e praticamente todas as maiores tragédias resultam dos outros 2% em que o combate não consegue conter o problema).
Por isso me faz alguma confusão que não haja debate sobre alternativas.
Lembro-me de ter ouvido Sá Fernandes dizer que enquanto foi vereador, uma situação como a do dia 7 de Dezembro teria motivado reuniões de coordenação, o fecho imediato dos túneis da cidade e etc..
Aceitar que procedimentos de segurança perfeitamente tipificados dependam da atenção ou vontade do vereador em cada momento (ou do ministro) é aceitar uma organização das coisas públicas completamente errada: se é adequado fechar túneis quando existe uma determinada situação meteorológica, então esse fecho deve estar perfeitamente identificado em procedimentos que não dependem de ninguém, no sentido em que são desencadeados por qualquer pessoa que tenha a responsabilidade de o fazer, quando se verificam as condições para que tal aconteça.
Também vi uns jornalistas a perguntar como era possível que a Praça de Espanha, em Lisboa, tenha ficado mais uma vez alagada (e depois a discussão faz-se entre os tecnocratas que respondem que isso vai ficar resolvido com os túneis e os líricos que reclamam contra a urbanização e os negócios imobiliários), sem que aparentemente se pergunte qual é mesmo o problema da Praça de Espanha alagar?
Só há problema quando alguém confunde uma poça de água com uma estrada, mas nada nos impede de aceitar que a Praça de Espanha pode ser uma poça de água em meia dúzia de dias num ano, fazendo o trânsito divergir para outros sítios durante as horas em que as Praça de Espanha é uma poça de água e não um encontro de estradas.
Provoca perturbações? Sim, mas é muito mais barato (e, na verdade, mais seguro) que andar a fazer túneis para evitar que a Praça de Espanha seja uma poça de água meia dúzia de dias ano sim, ano não.
Do mesmo modo, o que é mais barato, desenhar e executar programas de aviso, treino e capacitação para gerir as inundações nos pontos críticos, ou umas dezenas de milhões de euros em túneis?
Eu não sei, até acho que, se calhar, as duas coisas não são mutuamente exclusivas, o que me faz confusão é estarmos cegamente a confiar que vai correr tudo bem por causa dos túneis, em vez de identificarmos com clareza os pontos em que há problemas com inundações e dizer às pessoas potencialmente afectadas que é melhor manterem o sistem tradicional de ter umas tábuas para evitar a entrada de água, que os projectos de edifícios devem contar com essas inundações (as soluções tecnológicas a adoptar para isso é outra discussão, por exemplo, o hospital da CUF, em Alcântara, terá sido construído um bocadinho acima da envolvente, para evitar que a água entrasse, não confirmei esta informação, uso-a a título de exemplo possível, como antes usei o dos poços drenantes), que há procedimentos que devem adpotar em determinadas circunstâncias, que a protecção civil deve desenhar modelos de aviso e actuação melhores e mais eficientes que os actuais, etc., etc., etc..
Há quem acredite que conseguimos vencer as forças da natureza, ou que todas as intervenções humanas são necessariamente más (sobretudo se for possível no meio do discurso falar de interesses económicos, o que acontece quase sempre porque a vida e a economia, não sendo a mesma coisa, estão intrinsecamente ligadas), a mim parece-me sempre que a resposta mais prudente é a que mais vezes uso, acho eu: depende, vamos lá perceber o problema e fazer umas contas, depois se vê.
Descobri há algum tempo os textos do Daniel Sousa no Facebook que, numa escrita cuidada, me atratiram não só pela erudição, mas por um bom-senso e equilíbrio raros naquela plataforma. Estou certo que cedo os nossos leitores irão concordar que o Corta-fitas faz uma bela contratação. O Daniel nasceu em Coimbra, mas divide a sua vida entre as margens do Mondego e do Tejo. Estudou direito na Faculdade de Direito de Coimbra e tirou o mestrado em Direito Internacional e Relações Internacionais na Faculdade de Direito de Lisboa. Apesar das andanças jurídicas as suas grandes paixões são história e literatura, com fascínio pelos livros antigos e outras antiguidades.
Bem vindo à equipa, Daniel!
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo S. Mateus
Naquele tempo, João Baptista ouviu falar, na prisão, das obras de Cristo e mandou-Lhe dizer pelos discípulos: «És Tu Aquele que há-de vir, ou devemos esperar outro?». Jesus respondeu-lhes: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres. E bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo». Quando os mensageiros partiram, Jesus começou a falar de João às multidões: «Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento? Então que fostes ver? Um homem vestido com roupas delicadas? Mas aqueles que usam roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis. Que fostes ver então? Um profeta? Sim – Eu vo-lo digo – e mais que profeta. É dele que está escrito: ‘Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, para te preparar o caminho’. Em verdade vos digo: Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista. Mas o menor no reino dos Céus é maior do que ele».
Palavra da salvação.
Assim falou Houellebecq: «A quase totalidade das pessoas, hoje, considera que o valor de um ser humano decresce à medida que a idade aumenta (...) Pois bem, isso configura um retrocesso absoluto, uma mutação antropológica radical. Claro que, se tivermos em conta que a percentagem de idosos na população não cessa de aumentar, até é uma ideia inconveniente. Mas há outra coisa muito mais grave. Em todas as civilizações anteriores o que determinava a estima, ou até a admiração, que se podia ter por um homem, o que permitia estabelecer o seu valor, era o modo como se comportara efectivamente ao longo de toda a sua vida; mesmo a honorabilidade burguesa só era atribuída assente na confiança, e a título provisório; era necessário depois merecê-la por via de uma existência integralmente honesta. Ao atribuirmos mais valor à vida de uma criança... quando ignoramos ainda aquilo em que ela se vai tornar, se será inteligente ou estúpida, um génio, um criminoso, um santo... negamos todo o valor às nossas acções reais. Os nossos actos heroicos ou generosos, tudo aquilo que conseguimos atingir, as nossas realizações, as nossas obras, nada disso continua a ter valor aos olhos do mundo; e, muito depressa, deixa de ter aos nossos próprios olhos. Eliminamos assim qualquer motivação e todo o sentido da nossa vida; é, sem tirar nem pôr, aquilo a que chamamos nihilismo.»
Pior, uma sombria colecção de gente expedita, mal formada e sem consciência social; de radicais com máscaras de piedade e compaixão; de esquálidas caricaturas de engenheiros de almas -- essa sombria colecção entretem-se a brincar com os valores da vida, e a convidar-nos a pensar se não estaremos, em vez de perante adversários, perante inimigos.
Há um conjunto de amigos meus ambientalistas que se horrorizam com a minha tranquilidade em relação às alterações climáticas e seus efeitos, achando abstrusa a minha confiança na tecnologia, na sociedade e no livre arbítrio das pessoas para lidar com os problemas que decorrem da evolução do mundo (o que inclui alterações climáticas, consumo de energias de origem fóssil, degradação do solo, aceleração dos ciclos de produção e consumo, etc.).
Eles não sabem, nem sonham, que não tenho confiança nenhuma na tecnologia ou no desenvolvimento programado de tecnologias para resolver problemas complexos, porque sei que as tecnologias servem sociedades cujos valores se vão adaptando às circunstâncias, isto é, que aplico às sociedades e à sua evolução os princípios da evolução darwinista: cada conjunto de problemas num determinado contexto vai dar origem a um conjunto de respostas por parte dos que são afectados por eles. As soluções que provarem ser úteis irão prevalecer, as soluções que se revelarem inúteis tenderão a desaparecer (não porque uma inteligência superior consegue distinguir as soluções boas das más, mas porque os que adoptam soluções que funcionam tenderão a prevalecer sobre os que fizerem opções menos adaptadas às suas circunstâncias).
E também sei que nada disto acontece sem choro e ranger de dentes, portanto não tenho vontade nenhuma de perder tempo atrás de soluções que visem instituir o paraíso na terra, apenas me interessa reduzir os meus preconceitos (os preconceitos são um mecanismo muito útil para evitar perder tempo e energia a procurar sempre a melhor solução para cada circunstância, usando a informação prévia a que temos acesso durante a nossa vida) para estar o mais aberto possível a reconhecer as virtudes das soluções que me parecem absurdas ou simplesmente tontas (de preferência, deixando aos outros o risco de as experimentar).
Resumindo, sou um verdadeiro reaccionário.
Vem esta razoavelmente pretensiosa introdução a propósito das cheias rápidas, originadas por precipitações elevadas, num curto espaço de tempo, em bacias hidrográficas de carácter torrencial, que não devem ser confundidas com as cheias lentas das grandes bacias hidrográficas.
Concretizando, as cheias periódicas da Ribeira, no Porto, resultam do rio Douro galgar as suas margens quando precipitações prolongadas aumentam o seu caudal, e por isso foram minimizadas e reduzida a sua frequência com a construção de barragens a montante que encaixam volumes de água apreciáveis, as inundações periódicas de Lisboa não resultam das cheias do Tejo, porque a lezíria desempenha esse papel de encaixe de volumes de água excepcionais, mas de escoamento rápido em pequenas bacias hidrográficas.
Daí as cheias da Ribeira, no Porto, poderem ser previstas com alguma antecedência, mas quando ocorrem demorarem tempo a resolver-se, daí o facto das inundações de Lisboa serem dificilmente previsíveis e durarem apenas curtos períodos de tempo, tipicamente poucas horas, até a água recuar.
O mais curioso é que uma boa parte dos meus amigos que criticam a minha excessiva confiança na tecnologia e no génio humano terem muita fé na solução dos túneis subterrâneos para resolver as inundações de Lisboa, provavelmente esquecendo-se que é uma solução hidráulica desenhada para determinadas circunstâncias, que, se funcionar como previsto, potenciam os danos futuros de uma inundação que resulte de serem diferentes as circunstâncias.
O que está em causa na solução dos túneis é criar capacidade de escoamento para o volume de água resultante da precipitação que, estatisticamente, ocorre a cada cem anos.
Partindo do princípio de que tudo vai correr como o previsto, que os sistemas estão perfeitamente mantidos durante anos para estarem 100% operacionais a cada cem anos, etc., o resultado social desta opção é o de que a generalidade das inundações mais destrutivas nas zonas inundáveis de Lisboa passam a ser muito mais raras.
O que é de esperar é que essa segurança faça baixar a guarda social em relação ao risco de inundação dessas áreas, acabando por ter um efeito de incentivo à ocupação inadequada dessas áreas.
Ao mesmo tempo, essa guarda também irá baixar em relação aos custos de manutenção de todo o sistema de drenagem associado aos túneis, sendo previsível que, a prazo, à medida que a memória das cheias desaparece, a vontade social de gastar dinheiro na manutenção do sistema acabe por ir diminuindo.
Acresce que o facto do sistema estar dimensionado para a cheia dos cem anos não impede a existência, amanhã, de um fenómeno com um retorno de mil anos, circunstância em que o sistema colapsa, porque não está desenhado para essas circunstâncias (nem faria sentido desenhá-lo para essas circunstâncias pelos custos envolvidos, com baixíssimo retorno social).
Isto é, a solução dos túneis corresponde à solução de supressão do fogo para gerir os fogos florestais.
Embora com risco diferente do da solução da supressão do fogo, a verdade é que o potencial destrutivo associado à primeira inundação em que o sistema não funcione como previsto (porque o evento meteorológico está para lá do previsto, ou porque houve problemas de manutenção, ou seja pelo que for), aproxima-se do potencial destrutivo do fogo que foge ao controlo quando temos uma política de supressão do fogo: as razões base para os prejuízos causados por estes elementos naturais são potenciadas pela sensação de segurança que foi conferida pela solução tecnológica que funcionou durante algum tempo.
Neste caso, a sensação de segurança na ocupação de zonas inundáveis por usos incompatíveis com a inundação periódica induz um aumento de risco nessa ocupação.
Quer isto dizer que discordo desta solução?
De maneira nenhuma, isso é uma mera questão de avaliação custo/ benefício que nem sei fazer e nem procurei estudar, e há exemplos no mundo de como soluções deste tipo funcionam bem há séculos, como é o caso do sistema de diques dos Países Baixos.
Faço notar, no entanto, que o sistema de diques dos Países Baixos resulta de um processo histórico com séculos de evolução, cujo aperfeiçoamento foi feito à custa de tragédias imensas com milhares de mortos, o que mantém bem vivo o sentimento social de risco associado às falhas do sistema.
Ao contrário do que pensam os meus amigos ambientalistas, eu não tenho nenhuma fé metafísica na tecnologia, o que acho é que perante o risco as pessoas reagem e defendem-se, quer individualmente, quer socialmente, e isso dá origem a muitas respostas, algumas das quais funcionam e se tornam dominantes quando o seu retorno social, para o custo que acarretam, compensa.
No caso das cheias rápidas, a convicção generalizada de que alterando usos do territíorio a montante (o que é diferente da criação de zonas que sirvam de encaixe parcial aos volumes de água que possam ocorrer, o que não resulta da infiltração no solo, mas da capacidade de retenção à superfície, através de alagamento) e criando soluções hidráulicas de escoamento, resolvemos o problema do risco associado à ocupação de de zonas naturalmente inundáveis, é um risco social muito relevante, porque nos conduz a uma percepção de risco errada: as zonas inundáveis serão sempre inundáveis e seria muito razoável que nos concentrássemos na discussão do que são os usos compatíveis com umas horas de inundação de tempos a tempos.
Sendo a nossa vida terrena, mais do que limitada pelo tempo, limitada pelas memórias que guardamos depois de adquirirmos consciência, estou convencido de que a existência de cada um ganha um alcance temporal superior se adicionarmos à razão outros sentidos como o da intuição. Onde eu quero chegar com este raciocínio extravagante? Quero dizer-vos que, se formos dotados com curiosidade suficiente e tivermos convivido com intimidade com pessoas mais velhas que nós, conhecido de perto os seus ambientes e realidade circundante, hábitos, costumes e acontecimentos marcantes – históricos e familiares, conseguimos ter intuitivamente uma perna na sua época. Explico-me: o meu pai nasceu em 1937, cresceu numa casa que conheci bem, desvendou-me os seus livros, filmes, e músicas preferidas, além dos acontecimentos políticos nacionais e mundiais que o afligiram. Por outro lado, conheci o liceu que frequentou, muita da iconografia que o rodeava chegou ao meu conhecimento, desde automóveis e autocarros em que ainda andei, revistas juvenis como o Cavaleiro Andante ou a Fagulha, e muitos dos filmes que viu na infância ou juventude. Como eu mais tarde, viu as primeiras grandes metragens da Disney que o encantaram, o “Feiticeiro de Oz”, ou “E Tudo o Vento Levou”, e muito Charlot, Looney Tunes e canções francesa. Sei como admirava a beleza de Rita Hayworth ou Lauren Bacall que aos meus olhos é muito compreensível. Ainda hoje me comovo a ver “Breakfast at Tiffany's” uma fita que ele adorava, com a Audrey Hepburn no sue auge. Esse filme foi estreado no ano em que nasci, acontecimento de que não tive qualquer consciência – não basta estar vivo para ter a noção de algo que acontece. Aliás, dos primeiros anos da minha vida a maior parte das memórias são emprestadas – tenho uma vaga ideia de assistir a um jogo do Mundial de 1966, julgo que na casa duns amigos dos meus pais – nem toda a gente tem a memória prodigiosa de José Sócrates.
A pessoa mais “antiga” que conheci foi a minha bisavó Valentina da Silva Leitão, que nasceu em 1888 e morreu em 1973 quando eu tinha 12 anos. Convivemos muito, na sua casa, na Avenida da Liberdade 232, no andar que estreou em 1892 – aquelas paredes testemunharam a angústia do regicídio, a revolução dos republicanos, muita correria e tiros na rotunda. A Avó Tina, como lhe chamavam os netos, gostava muito de contar histórias que eu ouvia com atenção, enfeitiçado com as suas mãos deformadas pelo reumático. Muitas outras histórias me eram transmitidas nos salões daquela casa onde a sã conversa era cultivada. A curiosidade, os livros, fotografias e muitos testemunhos que me chegam fazem com que consiga meter um pé bem no início do século XX. Tenho um recorte de jornal que noticiava que ela partira um pé num passeio a cavalo ali para os lados da Ajuda, com o avô José com quem namorava. Como era regra de uma menina bem-educada daquela época, depois de ficar precocemente viúva levou uma vida austera, cuidando da sogra e da grande casa, não mais tendo vestido roupa colorida. Católica devota, assistiu ao milagre do Sol a treze de Outubro de 1917 em Fátima, acontecimento que gostava de relatar, e o seu mundo misturou-se desse modo com o meu. Nele penetro em peças ultra-românticas do final do século XIX, através de imagens pias de Nossa Senhora ou do Sagrado Coração de Jesus a preto e branco, ou através dum disco de goma laca de 78 rpm que nunca ouviu na juventude porque não era dada a extravagâncias.
Para trás dessa geração tenho dificuldades intransponíveis de imiscuir a minha imaginação, a minha vida não chegou lá. Não recebi directamente relatos ou memórias, não experienciei nada daquelas realidades. Só lhes acedo através das pedras puídas da cidade, dos livros ou em imagens estáticas, solenes, sem afectos. Sem deixar de ser fascinante, a informação passa ao âmbito da História, longínqua e obscura para os meus sentidos.
Esta é uma teoria em que venho reflectindo e que achei interessante partilhar com os meus leitores: sem prejuízo do fascínio do desafiante presente, até onde no tempo cruzámos afectos e experiências a nossa alma alcança, como se tivéssemos lá estado. Apesar de ter nascido apenas em 1961, a minha consciência – intuição? – chega bem mais lá atrás. Uma vida que se alonga longa, portanto. Já para o futuro a viagem é impossível, com a certeza de que nos enganaremos sempre nas previsões, pois não privámos com ninguém vindo de lá.
Na imagem: Os meus bisavós Valentina e José (Condes de Castro) com o meu avô e padrinho homónimo pela mão, com o seu basset em 1911 passeando na Avenida das árvores na Granja
Chamaram-me a atenção para a intervenção de Sá Fernandes ontem, na SIC Notícias, pelas nove e tal da noite, sobre o plano de drenagem de Lisboa, em que defende que os quinze anos que passou como vereador responsável pelo assunto, explicando que se o actual executivo está a adjudicar a obra dos túneis agora, isso não se deve à incapacidade de execução anterior, mas sim à complexidade do assunto.
É uma boa intervenção, demagógica que chegue como é costume em Sá Fernandes, mas acho que vale pena ir ouvir (já agora, porque me tinham chamado a atenção para esta intervenção, acabei por tropeçar na intervenção anterior, no mesmo jornal, de Carlos da Câmara, essa sim, uma intervenção muitíssimo sólida e interessante sobre o assunto).
Não me interessa nada discutir essa intervenção em si (na verdade, tive de recusar o convite para voltar à SIC notícias, nessa noite, depois de lá ter estado ao meio dia, por razões pessoais, para falar sobre o assunto, portanto este post não resulta da falta de oportunidade para dizer o que penso sobre as cheias rápidas em Lisboa, ou na aldeia de Sameiro, como se pode ver aqui e aqui (já agora, nestes posts falo da precipitação de 20mm numa hora, Carlos da Câmara fala de 17mm em dez minutos, na noite do dia 7 de Dezembro, na Tapada da Ajuda, e 70 mm em três horas, mais ou menos 10% da normal dos trinta anos para o acumulado da precipitação anual em Lisboa, o que dá bem a dimensão do dilúvio que ocorreu num curtíssimo espaço de tempo)).
O que me interessa é a quantidade de gente politicamente alinhada com Sá Fernandes que corre a explicar o contexto em que teve responsabilidades políticas para o isentar de responsabilidades pelas cheias rápidas ocorridas este ano em Lisboa.
Interessa-me porque estas pessoas (e vi muitas, fazendo grandes proclamações sobre o facto de terem memória, e conhecerem bem todo o processo que foi preciso percorrer para que Moedas possa agora aparecer a dizer que consignou a obras dos túneis), na sua generalidade, não reivindicam a mesma necessidade de ter memória e explicar o contexto e todo o processo político e financeiro que ocorreu antes da entrada da troica e do governo de Passos Coelho, limitando-se, frequentemente, a responsabilizar Passos Coelho pelos efeitos negativos a que as soluções dos problemas financeiros do Estado deram origem, como se fosse possível resolver esses problemas sem efeitos secundários negativos e Passos Coelho tivesse grande responsabilidade na criação do problema que era preciso resolver.
E interessa-me o facto da imprensa, aliás bem, dar espaço ao contraditório que Sá Fernandes veio fazer a Carlos Moedas, lembrando que não foi pelo facto da câmara anterior não fazer nada que ocorreram as cheias rápidas urbanas que ocorreram em Lisboa.
Esta duplicidade de critério que protege a esquerda e malha na direita é claramente um dos problemas políticas mais sérios que temos em Portugal, responsável por acentuar um ambiente de discussão pública sectário e pouco eficiente.
O que é pena (até porque os messiânicos túneis não vão resolver todos os problemas de cheias rápidas e daqui a uns anos voltaremos a ter a oportunidade de discutir quem teve a ideia e a responsabilidade de enterrar cem milhões de euros a setenta metros de profundidade, se afinal continua a haver cheias, provavelmente menos frequentes, provavelmente minimizadas, aspectos que nessa altura serão lembrados como positivos se quem estiver na câmara for dos nossos, ou potenciados como negativos, se quem estiver na câmara for dos outros).
Aos mesquinhos pequeno-burgueses mestres da má-lingua e do azedume: se formos justos, o rasto de civilização pelo mundo afora deixado na história por Portugal vale bem mais que o novos-riquismo de muitos chocolates e relógios suíços - os alienados são vocês.
Sábado é para ganhar aos infiéis, pois teremos meia portugalidade, das Índias aos brasis, de olhos postos nesse jogo de futebol.
"Nas cortes celebradas em Lisboa no ano de 1646 declarou o rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe em seu nome, e dos seus sucessores, o tributo anual de cinquenta cruzados de ouro. D. João IV assumiu ainda coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha de Portugal. Ordenou o mesmo soberano que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus."
Daniel Sousa
Declaração de interesses: conheço António Araújo por me ter convidado a escrever um ensaio para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, agradeço-lhe não só o convite mas as leituras e sugestões que foi fazendo de maneira a que o resultado final do ensaio seja muito melhor do que o ponto de partida.
Dito isto, sirvo-me da ideia de um livro que estou a acabar (Caçadores, Camponeses e Combustíveis Fósseis, a tradução possível do título original, Foragers, Farmers and Fossil Fuels) em que o autor (Ian Morris) diz a determinada altura que a crítica é a melhor forma de elogio entre académicos (estou a citar de cor, na verdade o texto fala na melhor forma de lisonja, não vi o original para saber se é a tradução que se afasta da ideia que me interessa, se é o original que tem lisonja onde prefiro ver elogio) e, mesmo não sendo eu académico (penso que António Araújo também não), gostaria de deixar clara esta ideia do que representa o que vou escrever.
António Araújo escreveu um artigo muito interessante, como são na generalidades as crónicas que escreve no Diário de Notícias, e o que me interessa não é discutir se a etimologia do vento Fohen é mesmo a adoptada no artigo ou a adoptada na wikipedia, mas sim a sua parte final:
"O Dust Bowl e os seus ventos foram um trágico exemplo, mais um, daquilo a que podem conduzir a cupidez e a estupidez humanas. Estupidez que ainda hoje em dia persiste naqueles que ainda teimam em negar as alterações climáticas e a sua origem humana. Alguns, por ignorância ou má-fé, vão ao ponto de invocar a História e convocar o passado, com isso pretendendo dizer que outrora também houve mudanças do clima, pelo que as de hoje não serão certamente diferentes, seja na sua gravidade e alcance, seja na ausência de responsabilidade humana na sua génese. Há um par de meses, um terço do Paquistão ficou submerso pelas cheias, que causaram de imediato 800 vítimas mortais, esperando-se muitas mais, devido às epidemias e às doenças. António Guterres afirmou nunca ter visto uma "carnificina climática" semelhante. Por cá, perante uma tragédia daquelas, alguns imbecis (sem surpresa, os mesmos imbecis que questionam os confinamentos e as vacinas da Covid, que salvaram 19,8 milhões de vidas) não acharam melhor do que caricaturar Guterres e os seus insistentes alertas, alertas que, note-se, são partilhados de forma esmagadora pela comunidade científica: um estudo de 2021, publicado na revista Environmental Research Letters, concluiu que 99% dos trabalhos publicados sobre a matéria reconhecem que as actuais alterações climáticas têm origem humana. De um lado, 99% de cientistas; do outro, 1% de idiotas. Parole al vento, dizem os italianos. E nós também."
Esta forma simplista de pôr a discussão de assuntos complexos e sobre os quais é preciso tomar decisões colectivas parece-me muito pouco razoável e, pior, limitadora de discussões abertas que permitam ir aferindo as melhores soluções (de que é exemplo o que foi feito depois de identificados os problemas associados ao Dust Bowl), procurando identificar grupos que são desqualificados à priori e cujos argumentos nem sequer devem ser tidos em atenção.
E o que me preocupa é que este parágrafo não corresponde a uma ideia isolada, mas a uma tendência social a que mesmo intelectuais sólidos como António Araújo, acabam por ceder.
Comecemos pela afirmação "sem surpresa, os mesmos imbecis que questionam os confinamentos e as vacinas da Covid, que salvaram 19,8 milhões de vidas".
O artigo em causa, de António Araújo, tem uma ligação para a fonte da afirmação de que as vacinas Covid salvaram quase vinte milhões de vida. Embora seja questionável que essa ligação seja feita para um artigo da revista Visão, e não para o artigo original da Lancet, a verdade é que com mais um clique facilmente se chega ao artigo original que, sem surpresa, como tem sido uma constante na informação sobre a Covid, é mais um artigo de modelação matemática com estimativas impossíveis de aferir empiricamente.
O que é pena, porque sendo a estimativa de mortes Covid, até hoje, anda à volta dos seis milhões de mortos, sendo certo que uma percentagem altíssima dessas mortes corresponde a pessoas acima dos 60 anos e com problemas de saúde. Parece-me evidentemente necessário saber como pode a estimativa de mortes evitadas ser três vezes maior que o valor das mortes verificadas (em rigor, a estimativa é de 14 milhões, só sobe para os 19,8 milhões quando se considera que tudo o que é mortalidade excessiva se deve à Covid), quando ainda por cima, durante fases muito agudas da doença, com processos de gestão muito incipientes, como transferir doentes dos hospitais para lares de terceira idade, como foi feito em Itália e nos EUA, pelo menos, não havia vacina nenhuma?
Ou seja, o uso de números tremendistas, com base em modelações matemáticas que toda a gestão da epidemia demonstrou serem muito pouco fiáveis, não é uma opção racional fora da vontade de esmagar quem pensa de maneira diferente.
De resto, é a OCDE que vem, explicitamente, falar dos problemas associados aos efeitos negativos das medidas não farmacêuticas associadas à gestão da Covid como uma das causas do excesso de mortalidade, infelizmente misturando efeitos diretos da doença com efeitos indiretos, isto é, que não resultam da doença, mas das opções que fizemos na sua gestão, exactamente sem ponderar devidamente os efeitos positivos e negativos dessas opções, numa altura em que estávamos completamente cegos pelo medo - absolutamente natural - que resulta da emergência de uma epidemia associada a uma doença desconhecida.
Dois bonecos do relatório da OCDE Health at a glance Europe 2022 ajudam a perceber como é legítimo ter dúvidas sobre os efeitos reais no controlo da epidemia que se obtiveram com base em medidas maximalistas (que agora achamos legítimo contestar na China, quando chegámos a criminalizar o mesmo tipo de contestação por cá).
Um mapa com um evidente padrao geográfico, mas sem qualquer relação com as diferentes estratégias de contenção da epidemia adoptadas nos diferentes países.
Um gráfico que relaciona (relaciona?) mortalidade covid e excesso de mortalidade, que não permite qualquer relação com as medidas não farmacêuticas tomadas pelos diferentes países, embora, mais uma vez, tenha um evidente padrão geográfico (sim, os suecos foram alterando a sua abordagem da Covid, por pressão pública, mas mesmo sendo o país da Europa com maior esperança de vida, não viram aparecer nenhuma mortalidade excessiva relevante, apesar das previsões catastróficas baseados nos mesmos modelos matemáticos que nos garantem que a vacinação salvou três vezes mais vidas que aquelas que a covid conseguiu abater).
Mais difícil de aceitar é a explícita associação dos que criticam as afirmações igualmente tremendistas de Guterres, sobre alterações climáticas, com os pequenos grupos minoritários anti-vacinas.
Não há nenhuma razão para fazer essa associação a não ser, mais uma vez, liquidar qualquer discussão racional sobre problemas complexos. É verdade que uma boa parte dos grupos anti-vacinação também negam a existência de alterações climáticas, por serem grupos que facilmente adoptam teorias de conspiração. Mas há muito mais gente a criticar afirmações tremendistas de Guterres sem qualquer ligação quer a grupos anti-vacinas, quer mesmo aos que negam a existência de alterações climáticas, quer ainda aos que, não negando alterações climáticas, apenas se recusam a aceitar que só exista um caminho para lidar com o problema e, se não o adoptarmos, vamos todos morrer dentro de oito anos.
António Araújo escreve: "Há um par de meses, um terço do Paquistão ficou submerso pelas cheias, que causaram de imediato 800 vítimas mortais, ... . António Guterres afirmou nunca ter visto uma "carnificina climática" semelhante. ..., alertas que, note-se, são partilhados de forma esmagadora pela comunidade científica".
Há vários problemas nesta afirmação que, mais uma vez, pretende liquidar qualquer discussão racional sobre um assunto muitíssimo complexo.
O menor desses problemas é dizer-se que os alertas de Guterres são partilhados pela esmagadora maioria da comunidade cinetífica, fazendo-se uso de uma evidente falácia: o facto da esmagadora maioria da comunidade científica partilhar a ideia de que estão a ocorrer alterações climáticas influenciadas pelo consumo de combustíveis fósseis não quer dizer que partilhe uma patetice como a que foi dita por António Guterres.
É que a generalidade da comunidade científica que estuda estes assuntos sabe perfeitamente dos 35 mil mortos em 1999 nas cheias da Venezuela, dos dois milhões de mortos em 1959 nas cheias (e fome subsequente) da China, do meio milhão de mortos nas cheias de 1939 na China, dos 3,7 milhões de mortos nas cheias de 1931 na China, para não falar dos 20 mil mortos pela seca na Somália, em 2010, dos 450 mil mortos na Etiópia em 1983, também por secas, dos 1,5 milhões de mortos na Índia pelas mesmas razões, em 1965, para falar de muitos outro mais em tempestados ou ondas de calor (75 mil mortos na onde de calor europeia de 2003, ou 141 mil mortos em Myanmar por causa de um ciclone, em 2008, por exemplo).
A mim parece-me muito pouco provável que quem conheça estes números, e muitos outros, diga que nunca via uma carnificina climática tão grande como a que resultou de uma cheia com menos de mil mortos (sim, é uma tragédia, e tratá-la com respeito, e com respeito pelos mortos e pelas suas famílias, aconselharia a que não se usasse esta tragédia de forma absurda para fazer avançar uma agenda política, por mais justa que seja essa agenda política).
Não se trata de ridicularizar alertas, trata-se sim de ponderar devidamente toda a informação, para que as decisões colectivas não tenham os efeitos brutais negativos das medidas não farmacêuticas para gestão de uma epidemia, sem que os avisos que podem ajudar a tomar melhores decisões sejam desconsiderados como conversas de imbecis.
O facto é que já estamos no ponto em que estamos de relativização da liberdade individual e de baixar a guarda em relação ao potencial abuso do Estado na restrição de liberdades individuais, que aceitamos pacificamente os termos em que se está a desenvolver a discussão sobre a alteração da constituição.
Ter dúvidas sobre esse caminho não me parece uma imbecilidade, eu chamar-lhe-ia prudência "a razão para discernir em todas as circunstâncias o verdadeiro bem e a escolher os justos meios para o atingir. Ela conduz a outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida"
Só há duas pessoas e um grupo interessados em saber a opinião de Marcelo e Costa sobre o encantador e emocionante espectáculo dado pela selecção nacional de futebol. As duas pessoas são Marcelo e Costa, o grupo é o dos sabujos.
"Realmente a gestão privada é uma maravilha, viu-se quando acabaram as parcerias público privadas dos colégios e muitos foram à falência. Vê-se nos empresários negreiros do Alentejo. Vê-se na gestão da banca.
Vale tudo, interessa é o lucro, quais serviços sociais quais carapuça.
Na saúde? Com os "especialistas" todos a receber dinheiro das farmacêuticas?
Pois... eu também acredito no Pai Natal."
"Custa-me muito a conceber que haja em Portugal alguma família remediada, já nem digo pobre, que tenha um filho no ensino privado. Não deve haver mesmo nenhuma. Dificilmente uma família remediada terá 400 euros mensais para pagar a propina de uma escola privada."
"Se não têm dinheiro para pagar os livros os pais podem sempre matricular os filhos no ensino público, está aberto a todos. A seguir vão exigir que o Estado pague os ordenados dos professores dos colégios, já que paga os do ensino público."
Este tipo de comentários são habituais de cada vez que alguém resolve escrever sobre o facto de, em Portugal, ser habitual o Estado confundir o acesso público a bens e serviços sociais com a prestação estatal desses bens e serviços sociais.
Durante muito tempo achei que era simplesmente ignorância. Mais tarde, o processo de liquidação de boas escolas para as substituir por escolas piores, por parte de Alexandra Leitão e António Costa, tirou-me qualquer dúvida sobre a natureza do que estava em causa: a defesa de más soluções colectivas, por razões de utilidade política de curto prazo.
O fundamental para os alunos e para as suas famílias (tal como para os doentes e suas famílias) é que exista acesso aos bens e serviços sociais prestados, com a melhor qualidade possível.
O fundamental para o contribuinte (não existem bens e serviços sociais gratuitos, o que existem são bens e serviçoes sociais pagos pelos utilizadores ou pagos pelo contribuinte) é que esse acesso e a melhor qualidade possível sejam obtidos com o mínimo de recursos possível.
Destas duas premissas resulta que o óptimo social é que se obtenha o melhor nível possível de bens e serviços, com o mínimo custo possível.
Desta enunciação simples do problema está completamente ausente a natureza da entidade que presta os serviços ou disponibiliza os bens.
Há, no entanto, quem acredite (trata-se de fé, não há qualquer demonstração objectiva disso) que para obter o melhor resultado social possível, a questão da propriedade das entidades que prestam o serviço ou disponibilizam o bem é fundamental, havendo os que garantem que só o Estado é capaz de disponibilizar bens e serviços de qualidade com baixos custos por não visar o lucro - estas pessoas consideram que os ganhos em votos não cabem na definição de lucros - e havendo quem garanta que é preciso o estímulo do lucro para que a eficiência seja optimizada, o que implica que só a gestão privada e orientada para o lucro permite bons resultados.
Quer uns quer outros recusam-se a discutir com base em casos concretos e informações objectivas e por isso raramente aceitam começar por discutir a disponibilização dos bens alimentares, que são bens sociais absolutamente essenciais.
Para simplificar, falemos apenas do pão.
Há experiências, pelo mundo fora, de quase total liberdade dos agentes privados para obter estes bens e de completa estatização do processo de disponibilização do pão, passando pelas inúmeras variações como fixação de preços máximos e afins.
Dessas experiências podem tirar-se algumas conclusões.
As intervenções mais pesadas do Estado, fora de situações de emergência, traduzem-se sempre por escassez e má qualidade dos bens disponibilizados, seja na forma mais crua e pesada da antiga União Soviética e afins, seja nas mais mitigadas situações de controlo administrativo do preço do pão (por alguma razão a lei de 1899, de Elvino de Brito, que é a primeira ou das primeiras leis de protecção da produção de cereais na Europa moderna, ficou conhecida como "Lei da fome").
A total liberalização na disponibilização desses bens tende a ser socialmente injusta, para além dos limites de tolerância das sociedades modernas em relação à injustiça relativa, em situações de emergência (guerras, catástrofes, pragas, etc.), podendo, em sociedades especialmente injustas, ter o mesmo resultado fora de situações de emergência.
Actualmente, apesar de estar em causa um bem social absolutamente essencial, o pão, ninguém (há uns lunáticos que ainda falam na apropriação colectiva dos meios de produção, mas são seitas ultra-minoritárias) discute hoje a apropriação por parte do Estado das terras agrícolas, das máquinas agrícolas, da gestão agrícola, da comercialização de cereais e a criação de uma rede de padarias do Estado com o objectivo de fornecer pão mais barato e de melhor qualidade, eliminando o lucro que vai existindo em todos os agentes envolvidos no complexo processo de produção, armazenamento, comercialização e disponibilização de alimentos, mormente do pão.
No caso da educação, em Portugal, até seria fácil fazer a discussão das vantagens da gestão privada e estatal de escolas, na medida em que existiam (e existem, cada vez mais marginalmente) escolas de acesso aberto (ou seja, com propinas pagas pelos contribuintes) privadas e do Estado, sendo por isso possível avaliar o seu desempenho, quer do ponto de vista da qualidade do serviço prestado e do custo associado para o Estado.
Em vez da estupidez (que me desculpe o comentador, mas estou a tentar ser simpático porque a alternativa seria considerar a desonestidade, que me parece mais insultuoso porque a estupidez é apenas uma característica e a honestidade é mesmo uma escolha) de se dizer que a gestão privada é tão má que mal foram cortadas as verbas do Estado, fecharam algumas dessas excelentes escolas (como se cortando o financiamento as escolas estatais não fechassem igualmente), o que interessa discutir é o custo para o contribuinte face ao retorno dado pelas escolas, em cada escola.
Ora a informação existente, apesar do esforço militante de Alexandra Leitão e outros para impedir a transparência que permite a discussão informada e racional, é a de que as escolas estatais, de maneira geral (haverá excepções que se tornariam visíveis quando se disponibilizasse a informação escola a escola), custam mais dinheiro aos contribuintes, dando em retorno bens que as famílias dos alunos (o verdadeiro centro do processo educativo) consideram piores que nas escolas privadas que foram obrigadas a fechar (insisto que este grau de generalização é prejudicial à discussão racional sobre as melhores soluções, mas é a opacidade da administração pública portuguesa que impede a necessária e útil distinção escola a escola, que permitiria demonstrar que também há boa gestão em escolas estatais e má gestão em escolas privadas).
E o mesmo se passa na saúde.
Espantalhos como o nível das propinas das escolas privadas, como se não houvesse diferenças entre elas, como se algumas não recebessem alunos carenciados, como se não fosse legítimo aos pobres e remediados cortar em tudo o resto para conseguir pagar uma propina que consideram um bom investimento na educação dos filhos, não passam disso mesmo, espantalhos para evitar a discussão de fundo: como obter melhores resultados com menos recursos, em cada escola, independentemente da natureza do seu proprietário, que é uma coisa completamente irrelevante para o que se pretende.
Tal como são espantalhos a conversa dos empresários negreiros, como se não houvesse corrupção e crime dentro do Estado ou a generalidade dos empresários agrícolas tivessem sido presos nas recentes operações contra o tráfico de pessoas, ou o dinheiro dos bancos, como se não tivesse sido necessária resgatar os bancos estatais.
E como a maior parte das pessoas que fazem este tipo de comentários são pessoas sem qualquer défice cognitivo, a minha conclusão, de há uns anos a esta parte, é simples: não é ignorância e falta de informação, é má-fé mesmo.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naqueles dias, apareceu João Baptista a pregar no deserto da Judeia, dizendo: «Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus». Foi dele que o profeta Isaías falou, ao dizer: «Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». João tinha uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins. O seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre. Acorria a ele gente de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão; e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. Ao ver muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: «Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é o nosso pai’, porque eu vos digo: Deus pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão. O machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo. Eu baptizo-vos com água, para vos levar ao arrependimento. Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo. Tem a pá na sua mão: há-de limpar a eira e recolher o trigo no celeiro. Mas a palha, queimá-la-á num fogo que não se apaga».
Palavra da salvação.
"Carlos Moedas teve a “infeliz” ideia de propor que os jovens em Lisboa ficassem isentos de pagar IMT na compra de casa. A medida aplicar-se-ia a jovens até 35 anos na compra de uma casa até 250 mil euros. A esquerda uniu-se para travar a medida com os seguintes argumentos: a medida era injusta porque seria preciso dar uma entrada (coisa que atualmente acontece sempre a quem recorre a um empréstimo bancário) e iria fomentar o endividamento numa altura de subida de juros. Qualquer destes argumentos é retórica pura. A esquerda em Lisboa, que esteve anos no poder, não só foi a principal responsável pelo crescimento absurdo do alojamento local que retirou do mercado milhares de casas como, em parceria com o Governo, promoveu uma política ativa de atração de estrangeiros com elevado poder de compra e que ajudou a tornar o preço das casas proibitivo. A estes indivíduos oferecem a possibilidade de pagar pouquíssimos impostos caso venham viver para Portugal. Já quando a possibilidade de poupar nos impostos é pensada para jovens portugueses chumbam a medida. Poupar nos impostos está visto que é só para alguns."
João Vieira Pereira no Expresso
Não poderia deixar de notar o editorial de hoje do Público, assinado por Manuel Carvalho: o Público e Manuel Carvalho descobriram agora que os partidos de esquerda se estão nas tintas para as pessoas concretas, quando discutem o ensino estatal e privado, ao ponto de votarem contra o tratamento igual dos alunos pobres, independentemente de estarem no ensino estatal ou não estatal (que inclui o ensino cooperativo, como bem nota Manuel Carvalho), preferindo subsidiar a compra dos livros escolares às famílias ricas que tem os filhos no ensino estatal, a subsidiar as famílias pobres e remediadas que têm os filhos no ensino privado (sabe-se lá por que razões e, às vezes, com que esforço).
É uma grande conquista conseguir-se que um jornal como o Público, e um jornalista como Manuel Carvalho, tenham finalmente perdido o medo de ser mal vistos "pelas pessoas que contam" e digam, preto no branco, o que Manuel Carvalho sintetizou no título do editorial: "Para travar o ensino privado, até a injustiça serve".
Claro que era melhor que tivessem descoberto isso antes, a propósito da vergonhosa actuação do Governo e de Alexandra Leitão na questão dos contratos de associação, que inclui ocultação e manipulação dos dados relevantes para a decisão, mas mais vale tarde que nunca.
Um dia a discussão sobre as questões de saúde também irá criar alguma erosão no bloco de opinião, fortemente ancorado nas redacções dos jornais, para quem a divisão Estado/ privados, na prestação de serviços sociais, é mais relevante que a discussão da vida concreta de pessoas concretas, em especial das mais frágeis e desamparadas.
Um exemplo, aliás recente e com origem numa notícia do Público, que teve continuidade numa discussão no Facebook, serve para ilustrar a ideia, prendendo-se com o facto de haver uma muito maior prevalência de cesarianas nas maternidades privadas que nas estatais.
De forma mais ou menos explícita, essa diferença é apresentada como sendo uma demonstração da maior qualidade da prestação de serviços de saúde pelas maternidades estatais, já que a percentagem de cesarianas num país é um dos indicadores de qualidade dos cuidados de saúde materno-infantis (quanto menor a percentagem de cesarianas, melhores os cuidados de saúde materno-infantis).
Logo, se as maternidades estatais fazem menos cesarianas, são melhores e os privados só fazem mais para ganhar mais dinheiro.
Esta última conclusão tem muito que se lhe diga, porque há um conjunto restrito de países que se aproximam da percentagem que se considera medicamente justificável, entre 10% e 15% (Israel e os países nórdicos que andam entre os 14 e os 20%) mas Portugal, e outros países como a Alemanha, tem maus resultados neste indicador, à volta do dobro do recomendável, sendo a média da OCDE perto dos 30%, acabando nos mais de 50% da Turquia.
O exemplo português parece apontar para uma ideia relativamente simples: quem pode escolher, escolhe mais vezes fazer cesarianas programadas, quem não pode escolher, faz menos cesarianas programadas, sendo certo que a responsabilidade da escolha é sempre da mulher, e não do médico (com certeza existe assimetria de informação entre a mulher e o médico, e com certeza a opinião do médico é determinante nos casos em que a mulher assim o permite, não existem, tanto quanto sei, cesarianas forçadas contra a vontade da mãe, excepto em eventuais casos de emergência médica que serão uma percentagem relativamente pequena de situações).
Claro que o Estado pode determinar que não paga cesarianas sem prescrição do médico nesse sentido, mas para além da questão da eficácia de uma medida dessas (na verdade apenas favorecia o negócio dos médicos que passariam prescrições a pedido), isso teria um efeito concreto: quem poderia pagar (incluindo seguros que não adoptassem essa restrição) teria possibilidade de escolha, quem não poderia pagar alienaria a sua liberdade de escolha a favor do médico.
Há muitas questões, incluindo éticas, relacionadas com estes procedimentos médicos que dependem mais da vontade das pessoas que de uma estrita necessidade médica, procedimentos que não se restringem às cesarianas, claro, basta pensar na cirurgia plástica.
O que me interessa realçar é que não faz sentido que o foco seja posto no suposto negócio da medicina e nas motivações económicas associadas, em vez de ser posto onde deve ser posto: nas pessoas concretas que tomam decisões, incluindo em matéria tão controversas como recorrer a uma cesariana ou não, com base em muitos factores, alguns nem sequer racionalizados, que incluem muita coisa para além do que diz respeito à medicina, são decisões que dizem respeito a opções de vida de cada um.
Se se considera que é bom que as cesarianas não ultrapassem os 15% dos partos, uma hipótese é dizer que os sistemas de saúde que fazem mais que esses 15% são piores que os que andam por esse valor, pondo a tónica nas razões pelas quais os sistemas de saúde fazem mais cesarianas que as "necessárias".
Outra hipótese é perceber que, em grande medida, isso corresponde a decisões concretas, de mulheres concretas, com vidas concretas, e que o foco do Estado, para se aproximar dos tais 15% ideais, deve estar na compreensão das razões pelas quais há muitas mulheres que optam por fazer cesarianas em vez de ter partos normais quando, aparentemente, seria melhor para elas evitar um procedimento médico muito invasivo, trabalhando com elas para que tomem as decisões que entenderem, mas tão conscientes quanto possível do que isso significa para o seu futuro.
O que, manifestamente, não faz sentido é usar o facto de haver mais cesarianas no privado como mais um argumento para atacar os operadores privados de saúde, como se as mulheres fossem maioritariamente manipuladas pelos médicos a que recorrem e não tivessem capacidade de decisão autónoma.
Um dia ainda haverá um editorial do Público a lembrar que é inaceitável que se menorize a capacidade das mulheres tomarem decisões sobre a sua vida só para atacar a medicina privada.
É pena que esse dia não seja amanhã.
Honradamente, profissionalmente, Paulo Garcia, pivô num programa da Sic, mostrou «devidamente legendados» após leitura labial, os desabafos de Cristiano Ronaldo ao ser substituído no Portugal - Coreia do Sul. Eram em português: «Estás com muita pressa de substituir-me, c_ _ _ _ _ o, f _ _ _ - _ e». Imediatamente a seguir, os comentadores da Sic ignoram a evidência, e garantem que a verdadeira versão é a inventada depois, de que CR7 falava com um jogador coreano com o qual só se cruzaria bons momentos depois. Esta versão fantasiosa também foi acolhida na Tvi, na CNN e na RTP -- mas não na CMtv, outra excepção honrosa além da de Paulo Garcia.
Estes comentadores que desmentem as evidências, e mentem com todos os dentes não são, portanto, jornalistas, são falsários, que calam a verdade em nome do que julgam ser valores mais altos -- que seriam no caso, e como os próprios dão a entender entre linhas, «a paz do balneário» e a «coesão da selecção». Não são, portanto, jornalistas, e desprezam, portanto, os ouvintes e espectadores, e querem vender como verdade a aldrabice mais descosida, porque entendem que assim é melhor.
Em tempos, Jorge Jesus foi mostrando três dedos ao treinador do Manchester United, à medida que o (então) seu Benfica marcava golos aos ingleses. Depois, perante o escândalo do adversário e da imprensa da pérfida Albion, inventou que não, que estava só a dizer que estava a falar de um jogador, e depois outro, e depois outro. Jorge Jesus fazia uma palhaçada, consciente de que ninguém acreditava nela, mas com total descaramento e alguma graça. Estes comentadores que fingem não ver o óbvio não, estes comentadores são apenas palhaços sem graça.
(...) "Analisemos assim a entrevista dos directores do ponto de vista da sua unidade. Que aprendemos na entrevista? Em primeiro lugar, que a informação em Portugal não é como em outros países. Nos outros países, há pluralidade, televisões e jornais de esquerda e de direita, isto é, os órgãos de informação assumem pontos de vista variados, e dão ao público perspectivas diferentes sobre a actualidade. Em Portugal, não. Em Portugal, cada órgão de informação pretende ser completo, aspirando a cobrir todas as “facetas”, em versões devidamente domesticadas e alinhadas. Como as “uniões nacionais” de antigamente. Em segundo lugar, ficámos a saber que as coisas são assim, porque o país também não é politicamente como os outros. Nos outros países, há direita e esquerda, há divisão, há discórdia, há debate. Por isso é que nos EUA, existe a CNN e existe a Fox News. Em Portugal, não. Em Portugal somos todos igualmente “moderados”, homogeneamente sensatos, e universalmente comedidos. Com uma excepção, profundamente lamentada na entrevista: os “colunistas do Observador” (assim referidos, à maneira de sociedade anónima). Estes constituem uma organização “paranóica” que, imaginem, insiste em discutir a cultura woke, coisa de que, como toda a gente sabe, não há o mais pequeno vestígio em Portugal.
Ficou assim implicitamente definida a missão que se deve atribuir a si próprio um director de informação televisiva neste país: defender uma informação homogeneamente “moderada”, de modo a impedir os “paranóicos” de contaminar a opinião nacional. Na entrevista não se disse, mas o resultado destas teorias é que estes canais de informação televisiva só poderiam ser, como são, iguais uns aos outros, abordando o noticiário pelo mesmo ângulo. O papel da comunicação social passa assim a ser o de uma espécie de igreja oficial, convidando toda a população a rezar a mesma oração à mesma hora. Para o clero deste sistema, discordar e criticar é necessariamente sintoma de “paranóia” ou outra perturbação mental." (...)
Rui Ramos a ler na integra no Observador aqui
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