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Vem-nos da infância o irresistível fascínio por histórias. Uma história que nos resgate do vazio, dos medos e angustias, da fria solidão que se esconde na camada mais interior de nós mesmos. Talvez por isso, naquele sombrio lusco-fusco de alma que era a hora de adormecer, da criança largar as amarras ao dia agitado pelos espantos, afectos e sensações novas, antes do mergulho no escuro, na ausência, fosse tão precioso consolo ouvir uma boa história contada pelo pai ou pela mãe à beira da nossa cama.
Se na infância é uma boa história que nos salva a vida, não o é menos na maturidade; afinal passamos a vida à procura de histórias, somos caçadores de histórias, que nos restabeleçam as energias e o ânimo para abraçar a luta diária de deveres e maçadas. É assim que nos descobrimos ávidos por uma história oculta num retrato todo formal, numas ruínas duma casa, numa obscura gravação sonora antiga ou nas glórias passadas exibidas em símbolos, num emblema ou brasão de armas ou através de testemunhos confidenciados em documentos amarelecidos pelos séculos. A perdermo-nos num nunca acabar de pistas e enigmas, de parentescos por desvendar, contradições que reclamem pela nossa curiosidade e atenção, e a não menos necessária especulação, que no fim do dia nos permita ganhar uma história que nos resgate para longe das nossas misérias, da nossa precaridade, que nos expanda para outros horizontes temporais e existenciais. A descodificar, a investigar as pontas soltas duma história mal contada, numa relação íntima, o mais das vezes um mensageiro do passado, a que nos rendemos como a um velho amigo. Através de frases que nos chegaram por testemunhos vividos (quase sempre temos direito a uma tia ou parente com uma memória prodigiosa, repositório de mil e uma histórias), caracteres desvendados em vetustas fotografias que carecem de nomes; feições ou trajes, recados nas entrelinhas de diários ou cartas. As condecorações retratadas ao peito dum ufano antepassado do século XIX dizem muito das suas andanças políticas…
Se é esse o trabalho do historiador, sistematizado com as suas ferramentas, métodos científicos e ciências auxiliares, esta é também uma actividade eminentemente humana, responder à democrática inquietação que nos desafia a enfrentar o mistério, descobrir os dramas que se escondem à nossa volta, as peças escondidas de um puzzle sempre inacabado, que reclama pela nossa curiosidade e onde vamos à procura de mais humanidade, quem sabe o projecto de Deus lá escondido. Era isso que procurava o meu pai, que venho redescobrindo tardiamente pela sua obra historiográfica, estudos e publicações, em particular à volta da genealogia e da heráldica medieval. Agora percebo que o que ele pretendia não era apenas listar nomes e ligações genealógicas, ou enumerar as regras e as formas dos antigos “emblemas” de famílias ou comunidades geográficas. O que o meu pai procurava era conhecer as pessoas que daí emanavam e quem sabe descobrir alguma história. Porque a história é feita de histórias com pessoas lá dentro, de onde resgatamos a nossa humanidade.
As normas da DGS para as festas familiares (para jantar com os meus filhos e netos, se quisesse seguir as recomendações, teria de ter toda a gente a ser testada) fazem-me lembrar uma história bem antiga.
Há já mesmo muitos anos, uma pessoa que conheço resolveu fazer uma coisa muito pouco habitual na altura, em Portugal: uma casa em madeira.
Todos os projectos entregues na câmara para licenciamento, veio tudo indeferido porque faltavam os cálculos do betão.
Reclamação a explicar que não havia betão na construção, que era em madeira, voltou a vir tudo indeferido porque faltavam os cálculos de betão, que eram uma peça essencial exigida para o licenciamento da obra.
Como a pessoa em causa era do meio do projecto, pediu a um colega de engenharia que lhe arranjasse uns cálculos de betão de uma casa. "Mas qual casa?", perguntou o outro. "Não interessa, uma qualquer que não seja muito grande".
Entregues os cálculos de betão, o processo da casa de madeira foi imediatamente deferido.
Esta maneira de sermos governados não é de agora, é como o brandy Constantino, tem uma fama, e um proveito, que vem de muito longe.
De resto, tenho uma experiência muito directa nisto no que diz respeito à legislação florestal, que é extensíssima e pormenorizadíssima - vem do tempo em que florestar era um desígnio de Estado, não uma actividade económica - mas como ninguém fiscaliza coisa nenhuma, e ninguém passa cartucho à legislação (com excepção dos operadores que são certificados, porque o cumprimento da legislação é o primeiro requisito da certificação), tudo se passa como se a legislação não existisse: os que a deviam cumprir estão-se nas tintas, os que a deviam fazer cumprir vivem noutro mundo.
"Assim, o novo parque verde com os respetivos equipamentos infantis e desportivos vai abrir, prevendo-se que gradualmente infraestruturas de apoio como a cafetaria e os quiosques entrem também em funcionamento", repetem vários jornais, ecoando o que diz a Câmara de Lisboa, dona da obra que inauguraram no Domingo.
Para fazer esta crónica, dei-me ao trabalho de ir ler, ouvir e ver peças jornalísticas feitas sobre a inauguração deste jardim, para confirmar que a impressão que eu tinha não tinha sido apenas o resultado de uma leitura apressada de notícias em dias anteriores.
Com esta descrição e as notícias, eu, que sou um optimista, resolvi ir hoje ao tal jardim, aceitando perfeitamente que quiosques e tal estivessem ainda em obras, mas pensando que era um sítio razoável para cinco dos meus netos que iam comigo e estão instalados não muito longe, pensando eu, como dizem os jornais citando a Câmara, que os equipamentos infantis estariam disponíveis.
Nunca, mas mesmo nunca, me passou pela cabeça ver o que vi, acharia sempre que a Câmara teria um mínimo de vergonha em fazer a inauguração naquelas condições, acharia sempre que se o fizesse, todos os jornais a denunciariam a fraude da inauguração em si e a evidente mentira de que os equipamentos desportivos e infantis estão utilizáveis. As minhas netas mais velhas que iam comigo, que têm entre os três e os cinco anos mas são arraçadas de cabras, ainda insistiram em andar pelo ar em equipamentos de cordas por terminar, mas mesmo elas acabavam a chamar por alguém que as tirasse dos becos a que as cordas as conduziam, sem ligação entre aparelhos e sem ligação utilizável ao chão que lhes permitisse sair airosamente dos assados em que se metiam, que é o que costuma acontecer.
Mesmo os caminhos estão abruptamente cortados e sem aviso, desembocando em frentes de obra activas, não há qualquer continuidade de circulação e única parte minimamente apresentável é um relvado encharcado - como é inevitável por se tratar de tapetes de relva recentemente colocados que nem me parece que devessem ser sujeitos a pisoteio antes de enraizados com sucesso - pontuados por árvores cujo tronco, na base, foi cercado de vasos com plantas para a inauguração.
No fundo trata-se de uma obra que ocupa uma área imensa, onde se movimentam equipamentos pesados e veículos que, irresponsavelmente, alguem achou útil e seguro misturar com um uso público de lazer.
A Câmara faz uma inauguração que só se explica pela ausência completa de vergonha na cara, a imprensa reproduz mentiras evidentes do comunicado da Câmara sobre o assunto e nós, sim nós, encolhemos os ombros, dizemos que vai ficar bonito e que não vale a pena ser bota-abaixo, sempre é melhor estar o que está que o que estava antes.
Confesso que não sei como sair disto.
O que todo este processo terceiro-mundista demonstra é a fraquíssima qualidade das nossas instituições, que não têm brio, não têm honra, não têm pejo nenhum em apregoar mentiras aos quatro ventos, porque sabem que não têm escrutínio nenhum.
Se por acaso, com acontece aqui e ali, há uma coisa que corre mal e tem custos políticos, é acenar e sorrir, não se passa nada, amanhã é outro dia que aproveitaremos para desviar as atenções para coisas menos desagradáveis.
E nós, sim, nós, achamos que isto é que é saber governar, que mais vale votar assim que assado, até porque os outros não seriam muito diferentes e mais vale estes, que são espertos e já os conhecemos.
Não sei como se sai disto, não sei mesmo.
Lembro bem os 100 anos da velhota. Um grupo de monárquicos organizou um blog denominado O Centenário da República e deu uma coça nessa inefável comemoração. Não foi preciso muito, sequer teorizar: bastou trazer ao cimo o que a III República dizia da II, e esta da I. Todas elas nunca se entenderam e, em geral, se maldiziam, numa maldicência que se estendia ao âmago de cada uma, conforme a partidarite que as tomou.
Agora, no 111º aniversário, o momento seria também de festejo, a repetir no 222º soprar das velas. Datas assim têm significado, não é?
Pois não é (a frase traz à memória a sebenta de Direito Civil do saudoso Professor Castro Mendes). A gente voltava a cair-lhes em cima e as cerimónias oficiais tornavam a envergonhar-se ante a triunfal volta por Guimarães, com centenas de portugueses e El-Rei a pé, tudo sempre do modo mais espontâneo.
Uma lástima. Uma lástima sobretudo agora em que uma sondagem qualquer diz que 90% dos portugueses pensa o Governo é corrupto...
E o republicano Presidente Marcelo?
O título desta crónica é uma citação de Pacheco Pereira, retirada de um artigo no Público de 12 de Junho e sobre o qual escrevi noutro contexto em que achei que não tinha espaço para dar a atenção devida a esta frase.
Se a frase tivesse a mínima base real, a Coreia do Norte seria um país sem pobres e os Estados Unidos seriam um país de miseráveis.
Acontece que no primeiro país se patrulham as fronteiras para impedir que as pessoas de lá saiam, no segundo as fronteiras se patrulham para controlar a imensa massa dos que para lá querem ir.
Exageros meus, os países escandinavos, e a generalidade da Europa estão cheios de demonstrações de que Pacheco Pereira tem razão quando diz que é o Estado que tira as pessoas da pobreza.
Sucede que os países escandinavos são dos países economicamente mais liberais do mundo e não parece haver relação directa sólida entre a dimensão do Estado na economia e os índices de pobreza dos países (para os pobres portugueses seria óptimo que essa relação fosse linear).
Pacheco Pereira, um situacionista militante especializado na retórica inversa, engana-se redondamente na frase que dá título a esta crónica: é a economia, não o Estado, que liberta as pessoas da pobreza.
Com certeza o Estado pode ter um papel de substituição da economia nessa libertação da pobreza, em especial nas franjas da sociedade que acabam por ficar à margem do processo económico, mas só o consegue fazer quando as finanças públicas assentam em economias saudáveis e eficientes.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita». Jesus dizia ainda: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Em que parábola o havemos de apresentar? É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra». Jesus pregava-lhes a palavra de Deus com muitas parábolas como estas, conforme eram capazes de entender. E não lhes falava senão em parábolas; mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.
Palavra da salvação.
Comentário: A pregação de Jesus, ao apresentar o mistério do reino de Deus, e, depois, a pregação continuada na Igreja, é comparada a uma sementeira. O seu desenvolvimento é lento, mas constante e vigoroso, porque é forte a vitalidade da semente, que é a Palavra de Deus. É essa a vitalidade que a faz germinar, crescer, chegar à hora da colheita. A humildade dos começos não é obstáculo à grandeza que o reino de Deus há-de atingir na hora da ceifa.
... a Sic descobre agora que a CML pode pagar uma multa de 80 milhões, como se essa fosse uma questão sequer marginalmente relevante para o caso.
Não reproduzo há muito tempo os gráficos da mortalidade do Euromo
Também não tenho reproduzido os gráficos de mortalidade para Portugal.
Esta deve ser a única epidemia na história que se considera em curso sem haver mortalidade excessiva (não quer dizer que não volte a haver mortalidade excessiva na próxima época de doenças respiratórias, entre a semana 40 deste ano e a semana 19 do ano que vem).
Mas a incidência está a aumentar, os internamentos em Lisboa duplicaram em poucas semanas e por aí fora, é preciso olhar para isso com atenção porque numeros crescentes dão origem a crescimentos exponenciais mais cedo ou mais tarde, dizem-nos pela enésima vez.
Este é um tipo de previsão que permite acertar sempre, eu, por exemplo, se disser que vamos todos morrer, estou absolutamente certo de que vou acertar na previsão. A previsão, embora certa, continua a ser inútil para o que me interessa: saber em que dia, a que horas, onde e como vou morrer.
O Expresso, dando livre curso à sua vocação para fazer fretes aos governos, lá vem avisar, na sua primeira página, que festas familiares são uma coisa muito perigosa e até houve uma festa de aniversário com mais de quinhentas pessoas em que 66 testaram positivo (que festa era esta, já agora? É que mais de 500 convidados já é muito pouco habitual). O facto do Expresso ter esta primeira página não tem nenhuma relação, claro, com o facto do governo ter anunciado que passava a ser obrigatório fazer testes para estar nestas festas.
Há já dias que o governo anunciou isto e, curiosamente, não tenho visto os jornais a fazer as perguntas que eu gostaria de ver respondidas: 1) É preciso autorização para eu fazer uma festa de anos?; 2) Não sendo, como é que se verifica o cumprimento de regras em espaços privados?; 3) Já é permitido, em Portugal, a polícia entrar em espaços privados, em especial em casa das pessoas, sem mandato judicial?; 4) Se os meus convidados me disserem que fizeram um teste em casa, como é que eu verifico?; 5) Se os meus convidados disserem que se esqueceram de fazer o teste, de que autoridade estou revestido para lhes impor sanções, sejam elas quais forem?; 6) Que recursos as polícias vão alocar à verificação do cumprimento de regras em casamentos e baptizados e que acções deixam de fazer para que esses recursos sejam aplicados no controlo da vida privada de pessoas comuns?; 7) Sendo um teste médico um acto directamente relacionado com a minha saúde, qual é a base para a polícia me exigir a divulgação de dados pessoais sobre a minha saúde e, pior, dos meus convidados?
Ainda hoje ouvi parcialmente um programa na Rádio Observador com responsáveis pelos serviços Covid (ou de medicina intensiva, não sei) dos hospitais de Santa Maria, Lisboa, de Coimbra e São João, no Porto.
Do que ouvi, há uma subida paulatina em Lisboa que faz com que existam 25 doentes internados (menos de um décimo dos mais de 300 em Fevereiro), há uma percentagem maior de doentes mais novos (porque os mais velhos ou morreram ou estão vacinados, diria eu), há uma maior percentagem de doentes com mais complicações covid (porque com doentes mais velhos os internamentos prolongam-se não apenas para resolver as complicações covid, mas para resolver os desequilíbrios associados a outras morbilidades que são mais frequentes nos mais velhos) mas a situação é perfeitamente normal.
Aliás, uma das afirmações mais interessantes foi do médico do Porto a explicar de que tinha cinco doentes em cuidados intensivos mas, desses, dois eram politraumatizados que estavam nos cuidados intensivos por razões sem qualquer relação com a covid, só que tinham testado positivo e por isso estavam em serviços covid.
O que ouviram os jornalistas?
Que a doença está a afectar mais o mais jovens, que está a desenvolver quadros clínicos mais graves e que a subida de casos pode vir a ser um problema.
O que ouvi eu?
Que se confirma, mais uma vez, a falta de trabalho jornalístico na distinção entre doentes de covid e doentes que testam positivo e que a situação tem muita margem para progredir, não sendo necessário estar a complicar com medidas e medidinhas.
Alguém está verdadeiramente convencido de que incidência em Lisboa varia alguma coisa relevante por os restaurantes fecharem às dez e meia ou à uma da manhã?
Alguém está verdadeiramente convencido que a incidência varia alguma coisa relevante porque o teletrabalho é obrigatório ou não, sabendo que muitos dos que trabalham em Lisboa nem sequer vivem no concelho e muitos dos que vivem no concelho trabalham fora dele?
Sim, há um ligeiro crescimento da positividade dos testes, ainda em valores muito baixos, que precisa de ser acompanhada, mas de resto já seria tempo dos senhores jornalistas se deixarem de ser preguiçosos e fazer o trabalho essencial de um jornalista: escrutinar a informação que tem origem no poder, seja o poder do governo, seja o poder das empresas, seja o poder das corporações (incluindo a Ordem dos Médicos), seja o poder da academia.
Talvez finalmente reparassem que há um conjunto alargado de regiões, no mundo, que não cumprem nada destas regras patetas e a evolução da epidemia continua, no essencial, a ser a mesma, com surtos que não sabemos prever porque ainda não conhecemos bem os mecanismos da sua evolução, sendo já certa uma coisa básica: não há, em lado nenhum do mundo, uma demonstração de que subidas e descidas de incidências desta doença estejam solidamente ligadas à mobilidade e à densidade de contactos.
E talvez, nessa altura, finalmente ganhem consciência da barbaridade que é o governo querer controlar as festas familiares, não tendo mais base mais sólida para o fazer que uns dados manhosos passados ao Expresso para justificar a esquizofrenia em que vive, há meses, a Direcção Geral de Saúde e quem a apoia.
Se há coisa que é útil nas Comissões Parlamentares de Inquérito é a revelação pública dos "jogos de poder" que se desenrolavam de forma "oficiosa" na sociedade portuguesa do fim do anos 90 e sobretudo na primeira década de 2000 (até à chegada da troika e do Governo de Pedro Passos Coelho).
Havia as empresas grandes e as suas chorudas tesourarias e essas eram para controlar (com ações e com a escolha de CEO). Havia os jornais e os diretores taticamente escolhidos para uma estratégia de poder. Esses era preciso comprar e contratar (respectivamente). Havia que dar passos certeiros e cuidadosos para não hostilizar os gurus dos media que podiam ser inimigos implacáveis e assim podiam estragar a estratégia de poder.
Havia pessoas que interessava contratar por razões táticas (ou razões políticas ou para tirar de cena).
Cada um destes protagonistas tinha o seu interesse e a sua posição a defender. Havia uma imagem a perservar. Assim juntavam-se em alianças informais numa conjugação de interesses. Gerir egos era o desafio. O risco que corriam estes arautos era verem os aliados de circunstância darem-se ares de independentes e autonómos e desatarem a ter também eles uma estratégia de poder paralela.
O que incomodava era para banir, afastar, contratar ou pôr em prateleiras mais ou menos doiradas.
Como conseguiram financiar isto tudo? Sim, porque para que o poder exista o dinheiro tem de estar acopulado. Crédito e mais crédito bancário. Crédito dado nos gabinetes dos banqueiros. Hoje os bancos estão a pagar essa factura e nalguns casos com peso nas contas públicas já de si frágeis.
Quando a maré baixou, os cabeças de cartaz ficaram no pelourinho e os outros (estrategas mais ou menos de bastidores) saltaram do barco.
Talvez a festa dos 50 anos do Adão e Silva inclua uma cimeira de chefes de Estado, uma ópera, um festival de cinema, outro de teatro, um pavilhão novo no Parque das Nações e uma ida à Lua - eventos é connosco. Talvez assim justifique o orçamento - afinal temos de gastar a massa da bazuca, não é?
Agora a falar a sério: acho um enorme disparate um festejo demasiado ostensivo do regime pelos seus autoproclamados donos. Cada vez é mais evidente a fractura social entre os que pagam e os privilegiados que usufruem economicamente dele - com pensões, empregos e privilégios garantidos. Se assim for, previsívelmente as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril irão resultar ao contrário do pretendido - o nível de rejeição vai ser muito alto, mais ainda se a previsível crise económica post-covid se confirmar para os próximos anos. Somos um país muito, muito empobrecido, dos mais pobres da Europa, pouco preparado para o que aí vem. Por isso é que esta comissão do Adão e Silva é chocante, e uma enorme falta de sensibilidade política.
Estou internado no IPO desde o dia 28 de Maio em resultado da recidiva da leucemia que tive há quatro anos. Há 17 anos entrei pela primeira vez nesta unidade hospitalar com um linfoma. Ou seja, há muito que aqui sou “cliente”. Anos e anos de convivência com os profissionais de saúde e com os procedimentos hospitalares (na óptica do doente). Testemunho a excelência profissional de todos os que me acompanharam e continuam a acompanhar. Não apenas excelência técnica mas também (e sobretudo) cuidado e compaixão pelos doentes. Tenho recomendado a familiares e amigos que caso se confrontem com uma doença oncológica devem procurar o IPO pois é um hospital especializado em oncologia e no qual estão todos (os que aqui trabalham) focados nos doentes com esta patologia.
Ao entrar aqui na data acima referida fui confrontado com rigorosos procedimentos relacionados com o covid. Estou num quatro com 4 pessoas e estou confinado à cama e ao espaço ao seu redor; ou seja, apenas posso deslocar-me ao quarto de banho. Na primeira semana de internamento não era autorizada a visita presencial fosse de quem fosse. Na semana passada e no sentido de “aliviar” as restrições, foi autorizada a visita de um acompanhante (sempre o mesmo) três vezes por semana e durante 30 minutos. Por muito que custem (e custam) estas limitações percebe-se bem a razão de tudo isto e que tem a ver com o superior cuidado de proteger quem está internado.
Ontem fui surpreendido com desabafos (em surdina) de alguns profissionais de saúde e que percebi que estavam relacionados com a redução do número de médicos e enfermeiros e no que isso estava a provocar em sobrecarga de trabalho (já de si a exigir muito esforço). Li hoje esta notícia e percebi a causa do desconforto para quem aqui trabalha e se entrega de alma e coração a cuidar dos internados. Saíram, no espaço de um mês, 50 profissionais (20 enfermeiros, 13 médicos, 10 técnicos superiores, 4 assistentes e três auxiliares. Segundo a mesma notícia “no IPO são precisos mais 364 profissionais de saúde até ao final do ano. A maior parte deles é de enfermagem – são necessários mais 139 –, o que está a atrasar a entrada em funcionamento das quatro novas salas do bloco operatório”
A saída dos referidos profissionais não foi surpresa pois todos sabiam que finda a limitação de saída do SNS (que vigorou durante a pandemia) seria de esperar o abandono (para outros hospitais, do privado mas não só) de muitos. Foi substituído algum destes profissionais? Nem um! Resultado: sobrecarga e esforço quase desumano para quem ficou e restrições ao apoio dos doentes. Sim, também dos doentes pois dei disso hoje conta: em concreto, uma amigo meu (curiosamente médico no privado) trouxe-me um gelado e, na recepção, foi impedido de o entregar pois tinham entrado novas regras. Ou seja, a partir de hoje os doentes apenas poderão receber géneros (alimentares, roupa, jornais, etc) três vezes por semana e entregues pelo acompanhante autorizado à visita presencial. Nada a ver com o covid mas tudo relacionad com a escassez de recursos humanos
Fui ao site do IPO em busca de um comunicado da Administração e… nada! Algum dos administradores se demitiu? Não! Em qualquer empresa do sector privado (de qualquer sector de actividade), com quadro de trabalhadores idêntico ao do IPO, a saída de 50 funcionários provocaria demissões. Argumentarão os administradores que estão impedidos, pela Ministra da Saúde, de contratar novos profissionais de saúde. Então que se demita a Ministra. Esta, seguramente, invocará o Ministro das Finanças. Então que se demita o Ministro! Ou então o PM que os demita a todos e, também ele, abdique das suas funções!
Como seria de esperar, o post em que falava de uma carta contra a transmissão de touradas pela televisão pública - a minha tese era a de que independentemente da questão de fundo sobre as touradas, era errada a ideia de tentar condicionar conteúdos de um orgão de informação com base nos valores da maioria - deu origem a algumas discussões paralelas sobre touradas, incluindo o argumento recorrente dos valores civilizacionais indiscutíveis numa sociedade moderna.
Não há valores civilizacionais indiscutíveis, nem escravatura, nem opressões várias, nem sequer a vida, que é discutida em dezenas de julgamentos, exactamente porque matar é aceitável em algumas circunstâncias, para além de não ser socialmente consensual que momentos biológicos delimitam a vida como valor civilizacional indiscutível.
Vou deixar de lado as questões relacionadas com o lastro de cultura que todos carregamos, e que tornam os cultos relacionados com os touros e a fertilidade uma constante histórica entre as costas da África do Norte e a Europa do Sul e a Índia, tal vou deixar de lado o sistema de produção de touros de lide como instrumento de conservação da natureza e gestão sustentável do território.
Interessa-me aqui aceitar integralmente os argumentos relacionados com a forma como tratamos os animais e, partindo dessa ideia, discutir a vida dos touros de lide, comparando-a com a vida dos cães e gatos urbanos, pondo em destaque a duplicidade de critérios que usamos para condenar moralmente diferentes actividades.
Um touro de lide é um animal de vive qualquer coisa como quatro anos, em quase liberdade (sim, tem cercas, mas são muito, muito amplas), com respeito completo pela sua natureza intrínseca, sendo dono das suas acções em matéria de alimentação, reprodução e interacção social.
A larga maioria dos cães e gatos urbanos vivem totalmente condicionados, no espaço, na alimentação, na reprodução - que frequentemente inclui a esterilização - e interacção social, pela vontade e circunstâncias do dono, incluindo o condicionamento de necessidades fisiológicas básicas que ficam sujeitas às opções do dono ou actividades como ladrar, que são condicionadas pela educação do animal.
O respeito pela natureza intrínseca destes animais é bastante limitado, eles são, por natureza, extensões dos donos, que os tratam melhor ou pior, com mais ou menos atenção à sua natureza, mas são inegavelmente extensões dos seus donos.
Por isso são recompensados com uma morte lenta e medicalizada, tão isenta de sofrimento quanto possível, ou são eutanasiados, quando os donos entendem que não faz sentido prolongar a sua vida (evito sequer falar dos milhares de donos irresponsáveis que os tratam como brinquedos que se abandonam quando se gastam nessa função).
Pelo contrário, o touro de lide paga quatro anos de vida principesca e livre com uma tarde de lide.
Resumindo, é razoável discutir se nós - sim, nós, não os toiros, não os animais - deveremos ou não aceitar fazer espetáculos públicos que, para muitos, ferem a sua sensibilidade. Pessoalmente impressiona-me mais o esforço sobre-humano a que sujeitamos os ciclistas, e muitos outros atletas de alta competição, para já não falar do boxe, que uma tourada - que não frequento, apesar do esforço de associações como a Animal e partidos como o PAN em me empurrar para as touradas como forma de me defender do seu ataque às liberdades públicas -, mas compreendo as dificuldades sentidas na forma como nessa tarde tratamos o touro, tenho sobre isso sentimentos ambivalentes.
Agora se queremos discutir o respeito pela natureza intrínseca dos animais, tenham paciência, é muito mais lógico defender a proibição de detenção de animais domésticos com excepções bem definidas, que proibir touradas: a falta de respeito pela natureza intrínseca dos animais é incomparavelmente maior na generalidade dos cães e gatos urbanos que em todo o ciclo de vida associado às touradas.
Leitura do Livro do Génesis
Depois de Adão ter comido da árvore, o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?». Ele respondeu: «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me». Disse Deus: «Quem te deu a conhecer que estavas nu? Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?». Adão respondeu: «A mulher que me destes por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi». O Senhor Deus perguntou à mulher: «Que fizeste?». E a mulher respondeu: «A serpente enganou-me e eu comi». Disse então o Senhor Deus à serpente: «Por teres feito semelhante coisa, maldita sejas entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens. Hás-de rastejar e comer do pó da terra todos os dias da tua vida. Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Esta há-de atingir-te na cabeça e tu a atingirás no calcanhar».
Palavra do Senhor.
Na verdade, nem sou grande aficcionado. Uma touradazita por ano... e o serão televisivo. Mas há quem consiga trazer-me à pregação em prol da tauromaquia, tal a ditadura a que nos pretendem condicionar.
Tudo a propósito de um certo blog que não identifico por não querer oferecer-lhe publicidade gratuita. A sua dona, num misto de puritanismo americano e proletarismo maoísta, usualmente refere-se aos apreciadores da "festa brava" como - «trogloditas» e «mentecaptos». Isto quando não se excita e se sente rodeada de «boçais», «ignorantes», «primários», enfim, seres que se opõem ao seu projectado «mundo novo», por acaso também vegetariano.
É dotada de boa técnica. Se lá vou, educadamente, rebater os seus argumentos, estou a proporcionar-lhe um bom momento para aliviar o seu pesado saco de adjectivos (vd. supra).
Se replico, sublinhando a sua agressividade, a sua brejeirice de termos e a falta de respeito pela opinião dos outros, já não publica este comentário.
Ao invés (e estou a pensar numas infelicíssimas considerações que fez sobre a morte de um forcado e sobre o «atraso» da Terceira), se simplesmente essa rapaziada mais assanhada a insulta no blog, a freirinha publica tudo. Vitimiza-se. Prega-se numa cruz como Cristo padecente.
Analisei o blog. Verifiquei que os meus comentários foram depois eliminados. E, ultimamente, tem surgido misteriosos e anónimos apoiantes da sua causa, depois de lhe ter feito notar (em comentário não publicado...) que, a esse nível, havia ali um deserto enorme.
Em uma das suas tiradas, chegou a dizer-me (cito de memória) «o touro é um animal como eu, mas mais humano do que eu». Claro que não editou o que escrevi em resposta...
Pois direi aqui: faria muito bem à elevada carga de fanatismo e de arrogância desta militante a maior e mais humana cornada de um touro no seu corpo de virgem forçada.
E a conclusão final - de resto a única que importa - é só uma: caminhamos aceleradamente para a ditadura. Uma ditadura diferente, exercida sobre as mentes, incapacitante da vontade e das escolhas, impeditiva da liberdade de expressão, e orquestrada por gentinha assim.
Eu percebo que a associação Animal promova esta carta, querendo acabar coercivamente a transmissão de touradas num canal de televisão, até porque a associação Animal nunca teve muito apreço pela liberdade e pela democracia.
De resto, toda a lógica de defesa dos direitos dos animais é uma lógica totalitária, no sentido em que há umas pessoas que decidem o que é o melhor interesse dos animais, sem que os visados, claro, possam discutir essa definição, o que inviabiliza qualquer discussão racional sobre limites e ponderações de direitos e deveres.
Como entre os seus subscritores estão várias pessoas que conheço e respeito, não deixa de me fazer confusão a confusão que é feita entre defender o fim das touradas e defender o fim da liberdade de programação de um canal de televisão.
Quando digo que conheço alguns dos subscritores nem me estou a referir à Vera Kolodzig que não via há anos e com quem me cruzei no ano passado num estacionamento de praia - contra todas as minhas expectativas, quando me ouviu cumprimentá-la pelo nome, hesitou cinco segundos com cara de quem não está para aturar mais um chato, antes de finalmente me perguntar se não era o pai de fulana (durante anos eu praticamente não tinha nome, era sempre o pai de alguém) - mas cujas ideias sobre o que quer que seja desconheço.
Também não me refiro à minha amiga de infância Natália Luiza, que sei bem melhor o que pensa sobre o mundo, mesmo não falando com ela há anos.
Há duas pessoas nessa lista, no entanto, que conheço bem profissionalmente, e que provavelmente são um bom exemplo do que me parece ser um equívoco fundamental sobre o valor da liberdade.
Carla Castelo e Adolfo Luxúrias Canibal (na verdade quem conheço bem profissionalmente é Adolfo Macedo, meu colega no ICNF e um dos mais criativos juristas com quem trabalhei, com um mais que sólido bom senso na escrita de diplomas legais) são duas pessoas que respeito imenso, independentemente de terem ideias sobre o mundo bem diferentes das minhas.
Não estranho nada que sejam contra touradas, bem pelo contrário, é o que esperaria de qualquer um deles.
O que estranho é que perfilhem a ideia de que um canal de televisão deve ser condicionado, pela força da lei, a definir o seu conteúdo a este nível.
Note-se que a lei já condiciona muitas das opções das televisões, não permitindo alguma publicidade em algumas circunstâncias, não permitindo a transmissão de alguns conteúdos sem indicação de que são violentos, ou inadequados a determinados públicos, etc., mas o que se pede é um bocado mais que isso e está longe, muito longe, de ser matéria consensual: a proibição de um determinado tipo de espectáculos.
A associação Animal, com a forma absurda como tentou impedir a realização de touradas em Portugal, é co-responsável por um aumento de espectadores num espetáculo que estava a agonizar por falta de público Ao dar motivos para que algumas franjas da população para as quais a tourada não tinha grande interesse a passassem a encarar como um símbolo da defesa de um mundo rural minoritário, que tenta resistir ao rolo compressor das culturas urbanas, criaram razões para mais pessoas frequentarem mais frequentemente touradas.
Penso que esta carta será mais uma acha para a mobilização de algumas pessoas para a defesa das touradas, não está portanto em causa, para mim, o efeito prático desta carta.
O que não deixa de me espantar é a facilidade com que profissionais habituados a lidar com os limites legais da liberdade, se mobilizam para concidionar a liberdade editorial de um canal de televisão.
Se a carta fosse para parar todo o financiamento público a canais de televisão, encantado, por mim, nada contra, agora a pretexto de que há dinheiros públicos envolvidos pretender condicionar conteúdos, não entendo como não se vê nisso uma desvalorização evidente da liberdade de expressão.
A evidência e o óbvio são coisas muito subjectivas.
Ontem, Parque do Alvito.
À entrada, um solícito e bem educado funcionário manda-me pôr uma máscara porque é obrigatório o uso de máscara. A explicação é a de que a capacidade do parque é de mil pessoas - número que suponho que ninguém controla verdadeiramente - e portanto, se estiver cheio, não se consegue manter o distanciamento e, por isso, o uso de máscara é obrigatório (felizmente às crianças deixam-nas em paz e andam normalmente por ali, aos adultos é que se exige o uso de máscara).
Note-se que não há nada de anormal nisto: em todo o lado se passou a considerar normal impôr regras absurdas sem dar grandes explicações e sem ponderar adequadamente a proporcionalidade da regra em relação ao objectivo pretendido. Aliás, sem grande esforço de cumprimento das regras, na verdade, depois da admoestação à entrada, nunca mais apareceu ninguém a dizer às dezenas de adultos que não usavam correctamente a máscara, para usar um eufemismo.
Hoje Rui Tavares volta a insistir na ideia de que Portugal confina bem, mas desconfina apressadamente (sem surpresa, explica que a responsabilidade é dos tabloides que moldam as opções do eleitorado conservador), sem perder tempo a explicar o que considera desconfinar apressadamente.
As bebidas alcoólicas passaram a poder ser vendidas até às nove da noite e dever-se-ia ter mantido o horário anterior, até às oito da noite? O comércio passou a poder estar aberto até às sete da tarde aos fins de semana e deveria ter mantido a obrigação de fechar à uma da tarde? Os parques infantis deixaram de estar fechados (não sei bem, no Parque o Alvito, o bloco dos mais pequenos estava fechado, sem grandes explicações, será que seria por razões de segurança, ou é mesmo por causa da covid?) e deveriam ter continuado fechados? Os restaurantes passaram a poder servir refeições no interior, mas deveriam continuar a só servir nas esplanadas, mesmo quando não têm esplanadas?
Confesso que tenho dificuldade em entender esta ideia, bastante popular, de que estamos a desconfinar apressadamente, atendendo a que não existe mortalidade excessiva no país desde o fim de Fevereiro (lembram-se? Naquele fim de semana em que esteve um tempo magnífico e que foi toda a gente para a rua e o resultado se iria ver quinze dias depois, quando a mortalidade excessiva deixou de estar em valores normais para estar abaixo dos valores normais, como tem acontecido desde então?) e continuamos a ter de pôr máscaras para frequentar parques ao ar livre cheios de espaço.
Na quarta-feira eram um virologista Celso Cunha que se entretinha, no Contra-corrente do Observador, a perorar sobre o objectivo de ter um Verão economicamente relativamente mais próximo do que era antes da epidemia (matéria que se estuda profundamente em virologia, como se sabe) e, por isso, defendia que era preciso garantir que não incomodávamos o governo britânico aumentando a incidência da covid, independentemente de isso não ter a menor relevância sanitária, para garantir uma actividade turística razoável vinda do Reino Unido, por isso era preciso ser muito prudente - "as medidas são sempre as mesmas e as únicas eficazes" -, evitando novas aberturas, para as quais é muito cedo avançar (como se sabe, a ponderação do peso económico do turismo britânico, versus o peso económico de manter as restrições que existem, é uma matéria central na formação de um virologista).
Aparentemente, o governo do Reino Unido ter-se-á servido da variante nepalesa para equilibrar a concorrência dos diferentes destinos turísticos britânicos, protegendo o mercado do turismo interno e até há uns quantos cientistas britânicos a explicar que há uma responsabilidade dos britânicos no sentido de não espalhar as suas variantes pelo mundo, segundo diz o Público, de maneira que Portugal saiu de uma lista verde e foi para outra lista qualquer.
As variantes, aliás, são um caso interessante: sempre existiram, como existem sempre neste tipo de doenças, desde o início, mas só se tornaram preocupantes quando outras preocupações desapareceram, como sejam a falta de uma vacina ou a sobrecarga dos serviços de saúde ou a mortalidade.
Esqueçam a racionalidade camaradas, o principal problema de uma epidemia é a irracionalidade induzida pelo medo, e por mais qualificações académicas ou institucionais que se tenham, nada nos livra dos efeitos do medo generalizado, muito menos quando são os principais responsáveis por saber disso que cavalgam o medo e o potenciam, porque o acham uma ferramenta útil de gestão da epidemia.
Os delírios são delírios, e não é possível combatê-los com a racionalidade (toda a gente sabe que dizer a alguém que está em pânico para ter calma só agrava o descontrolo emocional), vamos ter de conviver com isto por muito tempo, seja sob a forma de regras absurdas, seja sob a forma de avisos sobre variantes, seja sob a forma de conversas paternalistas sobre a prudência necessária para não afectarmos o turismo.
A Solenidade do Corpo de Deus é, antes de mais, a Festa da aceitação do corpo que somos bem como da nossa participação no tecido social: Deus vem ao meio de nós, fazendo-se presente na Igreja, nesta comunidade que avança e progride por estradas e caminhos sempre múltiplos e sempre diversos para dar a saborear aos homens e mulheres de cada tempo e de cada lugar o Sentido da Vida Nova e a urgência de compreender com profundidade crescente o que realmente somos: corpos singulares, modos diversificados de comunicação e comunhão. A Solenidade do Corpo de Deus, portanto, deve ser vista como o que ela realmente é: um formidável diagrama do que, no concreto da nossa realidade corporal e social, constitui a razão de ser da nossa Esperança e da nossa Alegria, mostrando-nos de forma renovada a relevância, existencial e social, daquilo que para nós permanece o facto mais inquestionável e urgente de compreender, a saber, que o Amor de Deus se fez, faz e fará, Corpo vivo presente no meio de nós para nos ensinar a viver e a amar no respeito pelas dinâmicas da nossa própria corporalidade, seja ela individual ou social, e assim nos elevar ao que de melhor nos seja dado experimentar em nossa condição. A Festa do Corpo de Deus é a celebração pública do Amor incondicional que Deus é e tem por cada um/a de nós. A importância de celebrar o Mistério da Eucaristia, que é o da Presença Real no meio de nós do Cristo Total, do Senhor do Universo em Corpo e Alma, do Senhor feito um de nós, e ao mesmo tempo Servo de todos, Peregrino da História e Companhia Real das nossas vidas, passa, por isso, pelo reconhecimento de como no concreto da nossa existência, graças a Ele, podemos dar sentido ao Futuro, ou seja, encontrar, e assimilar, a razão de ser da nossa melhor Esperança. Jesus-Eucaristia é o Pão Vivo da nossa Reconciliação, a força e a razão de ser da nossa melhor Alegria! Confinados ou não, este é o sentido da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Festa do Corpo de Deus.
Estava há bocado a ouvir o Rui Ramos no programa “E o resto é história” a desmontar falácia por falácia o celebre ensaio “A Causa da Decadência dos Povos Peninsulares” (deu-me tanto gozo, meu Deus!), tão bem escrito pelo mestre da prosa que foi Antero de Quental, suportado nos mais cientificos e estruturados preconceitos republicanos da época, terminando o historiador por asseverar que a historiografia actual reconhece que em termos relativos Portugal foi muito mais avançado nos séculos XVII e XVIII. Foi quando me apercebi da inquietação em que ficou o João Miguel Tavares e fiquei a pensar como estamos sempre a cair na mesma esparrela da arrogância de querer encaixar a realidade complexa em explicações simples e convenientes que tranquilizem e caibam na nossa cabeça quadradinha.
Miguel Bastos Araújo, que foi meu co-orientador de doutoramento, e com quem me dou bastante bem, independentemente das divergências que com o tempo têm vindo a crescer (eu serei um vendido aos interesses, provavelmente), levou-me a esta peça do Expresso, escrita por Carla Tomás (que também conheço).
Como penso que é evidente, as causas ambientais vão passando pelos jornais em revoadas e as estufas do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina algarvia estão na berlinda, à conta da COVID.
Como é normal no movimento ambientalista, o que é preciso é cavalgar o momento, e de repente os impactos das estufas nos valores naturais presentes na área voltaram à ribalta.
Já se fala neles há uns trinta anos, estão sempre a extinguir-se até à campanha seguinte em que se volta a dizer que os valores que estavam a extinguir-se agora é que vão mesmo extinguir-se, às vezes variam, ora são os charcos temporários, ora é a águia pesqueira, o petróleo, os portinhos de pesca, as lontras que tomam banho no mar, enfim, existem variações, mas o certo é que (escolher a ameaça de que se fala no momento) vai extinguir os valores que lá estão (e que afinal não se extinguiram com a ameaça anterior).
Sabendo disto tudo, o artigo a que liguei acima não me faz reagir por aí além: a mera leitura do título explica o que se pode esperar: "Estufas extinguiram os últimos cinco charcos que serviam de habitats prioritários na costa sudoeste". É um título surrealista, quer porque não se sabe o que quer dizer "charcos que serviam de habitats prioritários" (ou são, ou não são habitats prioritários) e estes são cinco de entre 133 levantados no estudo citado, vários deles, provavelmente, em melhores condições ou mais facilmente conservados, ou seja, a peça não acrescenta muito ao contexto que referi acima.
O interessante é um comentário do Miguel: "a minha opinião é muito simples: existe incompatibilidade entre os objetivos de um parque natural e os da agricultura intensiva e este é um exemplo extremo desta incompatibilidade".
A questão que é levantada é uma questão muito interessante e talvez eu precise de ir um bocado atrás para explicar o seu interesse e dificuldade de resposta.
Quando os primeiros parques nacionais foram feitos - pelo departamento do interior dos EUA, através de decisão do Senado - a ideia central era a de manter intocado um determinado território, parecendo por isso evidente a necessidade de separar a actividade humana e a conservação da natureza.
Quando esta ideia se procura aplicar em paisagens velhas como as da Europa, rapidamente se percebeu que a conservação dos valores e paisagens existentes eram incompatíveis com esta separação entre actividade humana e processos naturais - embora existam alguns exemplos, de maneira geral feitos em ditadura, como o Parque Nacional de Plitvice, na Croácia, que é hoje lindíssimo, mas implicou a deslocação de várias aldeias e o fim da actividade humana na área, com excepção do recreio e da musealização de uma aldeia que ficou lá a fazer de cenário, se bem me lembro - e portanto a ideia evoluiu para a conservação de formas de gestão do território que estavam em risco, assentes em actividades tradicionais.
Só que nenhuma das duas ideias anteriores asseguravam os processos ecológicos mais amplos (para além de que a ideia inicial de manter as coisas intocadas se revelou impossível, a natureza evolui sempre), sendo claro que a criação de ilhas de natureza no meio de paisagens humanizadas não garantia a conservação de muitos processos naturais a que estava associada a conservação das espécies.
Usando as espécies migratórias como ponta de lança - não é possível conservar uma espécie na zona de Invernada se não houver boas condições na zona onde passa o Verão - foram-se desenvolvendo processos internacionais que foram forçando a integração cada vez maior entre conservação e actividade humana, ao ponto de hoje, grande parte dos valores europeus protegidos nas directivas aves e habitats, serem valores que dependem da gestão activa para manter o grau de perturbação adequado - mais uma vez, também aqui se aplica o velho princípio de Paracelso de que a diferença entre veneno e remédio está na dose.
No caso do Parque do Sudoeste Alentejano (não vou distinguir aqui área protegidas e rede natura, é irrelevante para o argumento que estou a desenvolver), as figuras jurídicas e regulamentares, mas também os recursos mobilizados para a conservação dos valores presentes, são todas posteriores ao perímetro de rega que lá existe.
No caso específico dos charcos temporários, que são pequenas ilhas num território vasto, a sua conservação é relativamente contida, do ponto de vista geográfico, não exigindo grandes áreas como a conservação dos grandes mamíferos, por exemplo.
A conservação de um charco em concreto é incompatível com a criação de uma estufa no mesmo local, sendo por isso perfeitamente defensável dizer-se que se tomou uma decisão errada - não sei, não conheço o processo, estou a discutir em tese - ao permitir instalar uma estufa naquele sítio em concreto, onde havia circos charcos (não tenho informação para saber se eram ou não habitats prioritários, não tenho informação sobre isso, mas eram com certeza charcos que, geridos correctamente com esse objectivo, tinham potencial para evoluir para habitats interessantes e, provavelmente, essa teria sido a obrigação do Estado português e, já agora, da sociedade).
Só que a existência de um conjunto de estufas naquela zona não é incompatível com a conservação dos charcos, implica com certeza negociação, implica com certeza recursos, implica com certeza mais trabalho para conciliar os dois interesses - igualmente legítimos - e a directiva habitats tem mecanismos para que isso seja possível.
Mais interessante ainda, se desde o princípio se tivesse considerado que havia essa incompatibilidade - e os sectores ligados à agricultura sempre o defenderam, por isso sempre se opuseram ao Parque Natural, à Rede Natura e aos instrumentos de ordenamento e conciliação inerentes - hoje não haveria quase nenhuns valores para conservar porque há muito teriam sido destruídos.
O que existe neste momento, incluindo a conflitualidade inerente à permanente tensão entre interesses contraditórios, é a solução mais simples e a solução ideal?
Não, seguramente não é, o que é agravado pelas deficiências de toda a administração (e da sociedade, curiosamente não vejo movimentos, quer das empresas da região, quer dos ambientalistas, para comprar os charcos mais importantes para os dedicar à conservação, sem o risco de serem entregues à exploração intensiva) na gestão de um problema complexo.
Pessoalmente, não conheço soluções simples para problemas complexos, este é um problema complexo e exigirá sempre soluções complexas, por isso achei, e acho, a questão levantada tão interessante, ao contrário das proclamações quase diárias de ambientalistas sobre o assunto que, de maneira geral, são intelectualmente confrangedoras.
Estranho é encontrar tanta gente convencida que era possível convidar os ingleses para vir ver a bola e beber uns canecos ao Porto e obrigá-los (à bastonada?) a usar máscara e a circular com distanciamento. Na sua habitual crónica no Jornal Público, João Miguel Tavares explica explica como o governo inglês recusou a realização da final da Liga dos Campeões que este ano se realizava entre duas equipas inglesas em Wembley, um estádio neutro, por rejeitar as isenções de quarentena exigidas pela UEFA. Tenho para mim que a razão terá sido outra, o ónos político duma "experiência social" deste calibre, assustada que anda a opinião pública britânica. Já o governo português aceitou o risco (político, não sanitário, evidentemente) de trazer cá os bifes “como se o país fosse uma casa de câmbio desesperada pela liquidez da moeda estrangeira” e António Costa, “um empregado de pastelaria da praia da Oura, nos anos oitenta” a destratar os portugueses. Ou seja, o que o cronista releva essencialmente é que somos muito pobres e que, quarenta anos de socialismo depois, talvez com um pouco mais de sofisticação, continuamos a ser um país de hoteleiros, uma gigante esplanada da Europa à beira-mar - melhor que nada. E salienta que as restrições relativas ao Covid-19 são uma panaceia de gente rica, que não está ao alcance do nosso bolso enquanto a economia dos portugueses for tão dependente do turismo – só ontem aterraram em Portugal 53 voos vindos de Inglaterra – “condenados” a receber muitos milhares de turistas para alívio dos empresários e da autoridade tributária. Desconfio que quase tão difícil quanto nos libertarmos do socialismo que nos oprime, vai ser reaprendermos a viver em liberdade, sem restrições, que o pessoal habitua-se a tudo. Ou então, como já reclamam as carpideiras hipocondríacas, estaremos nós condenados neste Verão a morrer na praia infectados com a estirpe indiana?
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