Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]




Jornalismo de ouvir dizer

por José Mendonça da Cruz, em 31.03.21

«Uma novidade»: na 2.ª fase as pessoas marcam o sítio, o dia e a hora para serem vacinadas, dizem todos os telejornais. «No site da DGS», dizem eles.

Ora, agora, já não é uma questão de enviesamento; é mesmo uma questão de trabalho medíocre, de informação vazia. No site da DGS? Experimentem lá. Quando? Eles nem dizem, nem perguntaram. Quando é que começa essa vacinação a pedido? Vai começar... um dia destes... Quando é que o site da DGS «disponibiliza» o software para essas marcações? Pois, sabe-se lá, em breve...

Donde, parece-me justo fabricar esta pequena teoria da conspiração, que me parece bastante crível, e que diz assim:

A DGS já não se entende com o número de pessoas que visitaram o site, colocaram lá nome, n.º de utente de saúde, e data de nascimento, e a quem a DGS disse para aguardar um telefonema. De maneira que, como é hábito no actual tipo de governação, passou a bola: «Marquem vocês. Um dia destes. Talvez. A culpa é vossa». 

Matrioska

por Jose Miguel Roque Martins, em 31.03.21

Captura de ecrã 2021-03-31, às 16.23.42.png

Captura de ecrã 2021-03-31, às 16.30.38.png

Captura de ecrã 2021-03-31, às 16.22.04.png

 

 

Não fiquei de todo surpreendido com a ultima enormidade de Francisco Louçã, o caso da galhofa contra a morte pela fome de milhões de Ucranianos nos tempos de Estaline. Mas fiquei radiante por comentadores reconhecidos o estarem (finalmente) a fustigar em jornais de referencia.

Por incrível que pareça, há ainda quem tenha a distinta lata de tentar branquear este triste episódio. Pedro Tadeu, um jornalista do DN, escreve um artigo que me irritou francamente e que poderá consultar aqui. Em síntese, começa por dizer que não viu os comentários de Louçã (?) preferindo centrar a sua discussão no facto histórico em si. A coberto de uma intenção de moderação e contra a "Histeria ideológica", lança-se numa pouco brilhante  diminuição da importância do Holodomor. Tudo somado, a cartilha Leninista completa: Discutir uma questão lateral para desviar as atenções (não as declarações de Louçã mas o tema),  descredibilizar os críticos (são histéricos antissoviéticos),  diminuir o problema (não são 7 milhões de vitimas, mas apenas 3 Milhões), lançar dúvidas sobre o que se passou (a intencionalidade é fundamental e não se pode provar) e desvalorizar a questão (genocídios há muitos, por todo o tipo de regimes) .

Os Leninistas são cada vez mais pequenos, mas pertencem todos à mesma Matrioska, que não parece ( infelizmente) esgotar-se. 

Nós e a conservação da natureza

por henrique pereira dos santos, em 31.03.21

Miguel Esteves Cardoso dedica a sua crónica de hoje, no Público, ao Pinhal dos Ingleses, em Carcavelos.

"Seria magnífico ... [se] se mostrasse aos bichos, às árvores e aos milhões de portugueses que não enriquecem com a destruição da natureza que ainda há quem pense neles".

Esta ideia de que existem uns quantos que beneficiam da destruição da natureza e muitos outros que são prejudicados com essa destruição é uma ideia muito popular, mas tem o pequeno problema de ser uma ideia errada.

De cada vez que comemos, de cada vez que nos vestimos, de cada vez que nos abrigamos em casa, de cada vez que nos deslocamos, de cada vez que escrevemos num papel, de cada vez que lemos um jornal, somos nós, e não outros, que provocamos as alterações na paisagem que, como no caso desta crónica, achamos inconcebíveis e ilegítimas.

Se há muitas casas no litoral é porque há mais gente a querer viver ao pé do mar que em Alcaravelas, não é porque há uns que querem enriquecer com a destruição da natureza e outros que preferiam manter intocado o Pinhal dos Ingleses.

São muito poucos os que querem manter intocado o Pinhal dos Ingleses: se fossem muitos, era fácil arranjar dinheiro para o comprar.

A verdade é que quando, com outros, estive na fundação da Montis, o nosso objectivo era gerir directamente terrenos com objectivos de conservação.

É também verdade que quando decidimos comprar os primeiros terrenos, com recurso a uma subscrição pública, o que não faltaram foram pessoas a dizer que isso em Portugal não funcionava.

É também verdade que quando a Terra Chã procura gerir o território da aldeia de Chãos de forma sustentável, tem muito menos interessados em pagar os queijos que produz do que seria desejável para permitir essa gestão.

É ainda verdade que quando a Terra Maronesa procura quem queira pagar a carne que ajuda a gerir um notável sistema de gestão da natureza, encontra mais palmadinhas nas costas que consumidores dispostos a pagar o custo que essa gestão implica.

É mais verdade que quando os rebanhos da serra do Açor precisam de retorno para o trabalho de gestão de serviços de ecossistema que fazem, facilmente arranjam boa vontade, euros é que é mais difícil.

Quando o Hugo Novo se dedica à Quinta Lógica e outros projectos de gestão do património natural, corre tudo pelo melhor, excepto a tal parte de enriquecer, por falta de quem queira pagar o que produz e é do interesse de todos.

Quando eu persisto em andar à procura de quatro milhões para um projecto de conservação que não me sai da cabeça, é apenas porque sou parvo, sei perfeitamente que levantar quatro milhões para isso é muito mais difícil que para andar a contar bichos mortos ao longo das estradas.

Note-se que a dita Montis tem em curso uma campanha para ver se passamos dos 400 tontos que estamos dispostos a dar 20 euros por ano para ter quem vá fazendo gestão de terrenos com objectivos de conservação e eu nem sequer consigo captar mais sócio nenhum (em minha defesa tenho a dizer que nesses 400 há vários que já não me podem ouvir falar dessa coisa de gastar 20 euros por ano em conservação).

Se alguém tiver dúvidas de que na verdade não queremos saber da conservação para nada, é dar um salto a este despacho sobre a afectação das verbas do Fundo Ambiental e ver como é tratada a conservação da natureza, sem que haja o menor murmúrio sobre o assunto.

Ao contrário da ideia de que há milhões de vítimas da ganância de alguns, a gestão que fazemos do nosso património natural é apenas o reflexo das nossas opções, que incluem a opção de se estar nas tintas para o assunto todos os dias e no dia 29 de Fevereiro, a cada ano bissexto, escrever um texto bem radical a acusar os outros daquilo que é apenas responsabilidade nossa, ou de vez em quando ir plantar umas árvores ou arrancar uns eucaliptos, para lavar a alma e expiar os nossos pecados.

Contra ventos e marés, os nossos timoneiros não mudam a rota

por Jose Miguel Roque Martins, em 31.03.21

Captura de ecrã 2021-03-31, às 10.35.21.png

Depois de um erro , nada como acrescentar outros. Já aqui falei sobre o crime económico que os subsídios em espécie são. No caso da habitação, a esse profundo erro juntam-se outros dois: a da incapacidade de prover os bens a preços decentes e à escolha das condições mínimas do que se oferece.

Comecemos pelo óbvio. Casas a 400.000 euros? Qualquer consulta aos portais imobiliários regista dezenas de milhar de casas em Lisboa, à venda, que não sendo palacetes, correspondem a habitações condignas. Por exemplo, a casa de António Costa, que não consta viver num pardieiro, de acordo com o Jornal de Negócios, está à venda por 320.000 Euros.

Como então termos um valor tão alto por habitação? Alguns pensarão em compadrios e negociatas. Eu acredito que, mais do que possível corrupção, estamos no domínio habitual dos bens providos pelo Estado: caros por natureza. Em todos os domínios, o que é provido pelo Estado, é historicamente mais caro do que pelo mercado. Facto explicado pela menor pressão de eficiência que o publico tem relativamente ao privado.

Haverá também uma segunda explicação. O que o Estado considera condigno é normalmente alguns degraus acima da bitola habitual. O que é considerado uma casa razoável, é diferente para o povo e para o Estado, que considera que os seus cidadãos devem beneficiar de mais e melhor qualidade do que a que têm. Em si mesmo, esse desejo de elevar os padrões de consumo nada tem de errado. Pelo contrario, podermos beneficiar de melhores habitações, melhores cuidados, melhor qualidade de vida é muito desejável. Não seria compreensível que a CML advogasse o regresso a uma lógica e arquitectura Estalinista de uma casa de banho para 20 famílias. Mas o óptimo é inimigo do bom. Quando se eleva demasiado a qualidade, menos beneficiários vamos ter. Criando-se o efeito perverso de o Estado contribuir para uma classe de privilegiados, os poucos, os muito poucos, que conseguem ser beneficiários da qualidade “Estatal”.

Os lares de idosos são um excelente exemplo deste fenómeno. As normas existentes são exigentes. A qualidade das instituições que as seguem é bastante boa. Mas os custos associados a esses serviços são elevados e impossíveis de estender a toda a população. Condenando a maior parte das pessoas a lares ilegais com condições muito precárias. Aprofundando desigualdades  e condenando os excluídos ao muito pouco a que conseguem aceder.

Vivemos neste mundo de efeitos perversos. O Estado assume tarefas que não lhe competem e que não tem condições de realizar eficientemente. São estabelecidos padrões elevados na prestação de serviços pelo Estado. Por escassez de recursos, agravada por ineficiência, apenas um pequeno grupo de pessoas podem ser abrangidas pelos benefícios estabelecidos como mínimos. E em nome da igualdade de acesso a bens considerados essenciais, cava-se uma fosso profundo entre os privilegiados ( que têm acesso aos bens providos pelo Estado) e aqueles que não conseguem ser os escolhidos, os excluídos. O Estado é por isso um agente activo, provavelmente o maior, não apenas de ineficiência mas de desigualdade entre os cidadãos.

Um imposto negativo ( subvenção), repartindo os fundos possíveis para apoio social,  por todos os necessitados, que depois recorreriam ao mercado, é uma formula muito mais igualitária e eficiente. Poucos teriam os melhores cuidados. Mas ninguém teria que viver no privilegio da exclusão social feroz. 

Páscoa em liberdade

por João Távora, em 31.03.21

Aqui chegados parece-me evidente que, como aconteceu no ano passado à medida que o bom tempo e calor aumentava, o desconfinamento não está a resultar num aumento de infecções e que a proibição do governo de celebrarmos a Páscoa como pessoas livres resulta num acto de repressão gratuito e inútil - na Alemanha com o número de infectados a subir Angela Merkel viu-se obrigada a recuar nesse intento, que os alemães não são parvos. Tempo de vivermos na clandestinidade, que a vida terrena é curta.

Desinformação à descarada

por José Mendonça da Cruz, em 30.03.21

Da Meios & Publicidade, 26 de Novembro de 2020

«A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) decidiu retirar o título profissional de jornalista a Filipe Santos Costa. Em causa está a realização do podcast Política com Palavra que tem na sua base um contrato de prestação de serviços celebrado entre o ex-jornalista do Expresso e o PS para a realização de uma série de entrevistas a personalidades ligadas ao partido ou ao governo.»

Este Filipe Santos Costa está agora comentador na tvi, a avaliar as qualidades dos candidatos autárquicos do PSD.  Para mais apurado enviesamento, contracena com ele Anabela Neves. Tudo normal; afinal, Nicolau Santos preside à RTP depois de presidir à Lusa.

Mortalidade

por henrique pereira dos santos, em 30.03.21

mortalidade.jpg

O principal indicador para avaliar o impacto de um surto epidémico é a mortalidade excessiva, de tal forma as epidemias são complexas e têm efeitos tão diversos na sociedade.

Desde meio de Fevereiro que a mortalidade excessiva desapareceu em Portugal (e, já agora, em quase todos os países que são aderentes do Euromomo, o sistema de vigilância da mortalidade europeu que é usado, por exemplo, para avaliar os efeitos dos surtos gripais anuais ou o efeito dos extremos meteorológicos) e desde meio de Março que está mesmo abaixo dos quartis dos dez anos anteriores, isto é, estamos com uma mortalidade global abaixo do que seria de esperar para esta época do ano.

Pois bem, com mortalidades abaixo do que seria de esperar para esta época do ano, com os serviços de saúde dentro do que é normal (acho extraordinário que se pretenda que o país pare para que os serviços de saúde consigam trabalhar normalmente durante um surto epidémico, como se não fosse normal os serviços de saúde trabalharem excepcionalmente durante períodos sanitários excepcionais), continuamos concentrados em olhar para a árvore covid em vez de olhar para a floresta social, que tem árvores covid, com certeza, mas tem muitas outras coisas para que é necessário olhar.

Note-se que esta mortalidade abaixo do que seria de esperar nesta época do ano tem sido justificada com a vacinação covid, e em parte essa explicação será válida na medida em que a vacinação prevenirá grande parte da mortalidade que possa ser atribuível à covid (em qualquer caso, neste momento, anda bem abaixo dos 5% da mortalidade global), mas o mais natural é que se relacione com a elevada mortalidade excessiva de Janeiro, que levou muitos dos mais frágeis e mais susceptíveis.

Se assim for, o surto epidémico de Janeiro teve o efeito que seria de esperar numa doença cuja mortalidade se concentra nos grupos etários mais altos e mais fragilizados, antecipando em algumas semanas mortes que seriam de esperar ao longo do ano.

Espero que não me interpretem mal, seria bom que pessoas que morreram em Janeiro pudessem ter morrido antes em Outubro, pelo menos em grande parte dos casos, mas esqueçamos o argumento de que estamos a salvar vidas porque, na verdade, estamos a prolongar vidas (algumas com muito pouca qualidade de vida) por algumas semanas.

Há riscos no levantamento da generalidade das restrições que pretendem diminuir os nossos contactos sociais? Eu acho que não há muitos - as regiões do mundo que o fizeram não demonstram nenhuma relação forte entre esse levantamento de restrições e a evolução da epidemia - mas a minha opinião é irrelevante: mesmo que o risco seja razoável e eu esteja enganado, o facto é que as consequência sociais parecem ser marginais face às consequências sociais da situação actual.

A estratégia de abertura a conta-gotas, que nunca teve fundamentação científica e técnica sólida, parece não ter também fundamentação empírica, continuando a ser o que sempre foi: a gestão política de expectativas dos que mais se fazem ouvir na imprensa, à custa do sofrimento dos que não têm voz no espaço público.

Tão miseráveis uns como outros.

por Jose Miguel Roque Martins, em 29.03.21

É verdade que o Governo não faz normalmente o que diz. Muito breves foram os tempos de promessa dada, palavra honrada. Normalmente, tenta sempre parecer que faz mas não faz. Como aconteceu no caso dos apoios sociais que foram promulgados pelo Sr. Presidente da República e que correspondiam ás promessas publicas do Governo. Uma lastima.

Mas o que dizer de Marcelo e dos outros partidos?

Num ímpeto reformador e independente, atropelam a constituição e a sua lei travão de despesas não orçamentadas. Em nome de nobres princípios sociais. E no futuro em nome de outras coisas. Um desastre.

Tão miseráveis uns como outros.

Receita de sucesso.

por Jose Miguel Roque Martins, em 29.03.21

Captura de ecrã 2021-03-29, às 09.58.45.png

São muitos os desejos que são comuns a quase todos os Portugueses. Uma lista de desejos partilhados por todos, incluiriam facilmente algumas metas do tipo:

Aumentar o salário mínimo para 1500 euros;

Diminuir as horas de trabalho sem diminuir rendimentos;

Acabar com listas de espera no SNS;

Diminuir a idade da reforma e aumentar as pensões;

Pagarmos menos impostos;

Não haver excluídos;

Fazermos o que queremos.

 

Sabemos o que queremos, a forma de o conseguirmos, mas não cuidamos de perceber como o conseguir.

Queremos que todos ( e nós próprios) vivam melhor e sabemos mais ou menos como poderíamos consegui-lo. O problema é todos sabermos que não é possível atingir esses objectivos de imediato. É claro que existem caminhos que nos permitiriam atingir rapidamente , pelo menos em parte, esses desejos. Noutros países já acontecem, porque seguem políticas diferentes das nossas. Nomeadamente preocuparem-se em que haja condições para criar riqueza e não a desperdiçar com uma maquina Estatal imensa e ineficiente.

No nosso caso a abordagem é diferente. Apostamos numa via alternativa, que me lembra o orgulhosamente sós.  Uma economia de mercado poucochinha e um estado ineficiente e demasiado presente. Há que por isso encontrar explicações, para a diferença entre a excelência do nosso modelo e a mediocridade dos resultados.

Os ricos que paguem a crise, é a melhor síntese que conheço da nossa forma de

resolver problemas.

A divida é para não se pagar. E, cá dentro, a culpa é apenas da corrupção, do grande capital, dos ciganos, e de mais uma dúzia de pequenos grupos de malfeitores. Até a pandemia teve, como principais responsáveis, os miúdos que se encontravam e os poucos malandros que não cumpriram regras, sobrecarregando o SNS, que só teve um ano para se preparar.

Enquanto nos divertirmos a encontrarmos a pequena mão cheia de delinquentes responsáveis pelos nossos infortúnios, não abandonaremos a nossa “receita de sucesso”. Nem vamos conseguir o que queremos.

 

 

Duas coisas para ler

por henrique pereira dos santos, em 29.03.21

"Repare-se que a inclusão dos professores na lista de prioridades contradiz não só o que o Governo sempre defendeu – que as escolas não eram locais de contágio – como cria o risco de se abrir uma caixa de Pandora. Se os professores são prioritários, porque não os funcionários do comércio alimentar? E os empregados dos restaurantes que fazem “take away”? E os que transportam a comida até à casa das pessoas? E os cabeleireiros? A lista ia crescendo, na lógica de “é só mais um”, até que o grupo que grita mais baixo, os idosos, acabasse a ficar em último".

Helena Garrido disse o que eu tencionava escrever sobre a inqualificável vacinação prioritária de professores. Só ficou de fora, e eu percebo que assim seja, um comentário sobre o papel da imprensa que faz referências imensas à fantástica operação de logística que é a vacinação de professores sem que, em quase nenhum momento, se pergunte por que raio estão os professores a ser vacinados primeiro que grupos de risco muito mais elevado.

"A primeira é o facto de fazer pouco de um acontecimento histórico que é reconhecido pelo país onde é Conselheiro de Estado, Portugal, no documento Nº 233/XIII, 2 de Março de 2017, votado no Parlamento, que reconhece o Holodomor de 1932-1933 como genocídio do povo ucraniano".

Aline Beuvink diz meia dúzia de coisas acertadas sobre o inimputável Louçã e eu não consigo deixar de me perguntar: se algum conselheiro de estado fizesse sobre o holocausto a piadinha desonesta que Louçã fez com base no holodomor, continuaria ser conselheiro de estado no dia seguinte?

O que 90 anos de vida produtiva aturam

por José Mendonça da Cruz, em 28.03.21

Rui Nabeiro faz hoje 90 anos e a tvi dedica uma reportagem de vida ao grande industrial, empregador e benemérito de Campo Maior. «Senhor Rui», começa o repórter...

 

Do leitor Jorge Sousa, em comentário a este post:

Se fosse só isso... E deixar o Sr Nabeiro  atarantado dizendo-lhe que ele não paga dividendos porque não se preocupa com o lucro? É de bradar ao céu! Ao que este respondeu: " Bem,  eu divido o lucro com os trabalhadores "
Este jornalistazeco esqueceu-se, ou não sabe, que a empresa é propriedade da família; e, por outro lado, quis fazer valer a ideia de que as boas empresas - bem geridas - não pagam dividendos porque não se movem pelo lucro. Portanto os accionistas duma determinada empresa - a Nestle, por exemplo - investem o seu capital, correm o risco de o ver diminuir ou até de o perder, mas não devem ser remunerados!  Espantoso!  Só falta defender que os cidadãos depositem o seu dinheiro nos bancos e não recebam um cêntimo de juros. Que belo Tratado de Economia! 

Coronóia2020 e liberdade de andar a 200

por henrique pereira dos santos, em 28.03.21

A discussão sobre a epidemia e a melhor forma de a gerir parece estar bloqueada.

De um lado temos os partidários da Coronóia2020, ou da fraudémia, do outro os que acham, como Pacheco Pereira (compro todos os dias o Público, mas raramente o leio, li desta vez por causa de um comentário num post anterior), que quem se manifesta em defesa da liberdade está a defender a liberdade de andar a 200 Km à hora.

Sobre os partidários da coronóia2020 acho que não vale muito a pena dizer grande coisa porque estão na mó de baixo, são uma minoria, não têm impacto relevante nas nossas vidas e, por muitas asneiras que digam - uns dizem, outros nem tanto -, são muito úteis para nos lembrar, por exemplo, que é verdade que existem falsos positivos e é incompreensível, agora que há muitos testes, que o protocolo não seja alterado na definição do que é um caso positivo, em especial agora que parece que vamos embarcar na loucura dos testes em massa, sem indicação clínica prévia. Comprimir liberdades é um assunto sério e não basta um teste laboratorial positivo com fortes probabilidades de ser um falso positivo para essa compressão, sobretudo porque passar a definição para a melhor de três testes reduz a uma expressão insignificante a probabilidade de falsos positivos, sem grandes custos sociais.

Já sobre os outros vale a pena perder alguns minutos.

É fácil, é prático, dizer que a liberdade não é um valor absoluto (a vida também não, é por isso que existe a legítima defesa e as atenuantes e agravantes num homicídio, incluindo o homicídio por negligência ou sem dolo, e existem protocolos médicos para triar doentes) e que a liberdade de cada um acaba na liberdade de terceiros. E depois dizer que quem defende a liberdade numa epidemia está a pôr em causa a vida em comunidade, a levar ao extremo o individualismo e a pretender ter a liberdade de andar a 200 à hora na estrada, sem consideração para o risco que daí advém para terceiros.

Só que não é de nada disto que se trata, mas sim de lembrar que a liberdade é um assunto sério e a sua ponderação nas medidas de saúde pública é tão importante como a ponderação das implicações sanitárias de qualquer acção individual.

Parece óbvio (mesmo para mim, que passo a vida a dizer que o óbvio é uma coisa muito subjectiva) que defender a liberdade de andar a 200 não é o mesmo que defender a liberdade das crianças andarem de baloiço ou a liberdade de acesso ao ensino.

Andar a 200 não faz parte das liberdades básicas de ninguém, é intrinsecamente perigoso e nas nossas sociedades há mecanismos razoavelmente consensuais de limitação dessa liberdade. Apesar disso, pode-se andar a 200 em alguns países, pode-se andar a 200 em algumas circunstâncias (em situações de urgência ou em provas desportivas, por exemplo), mas não passa pela cabeça de ninguém proibir o tráfego automóvel para garantir que ninguém anda a mais de 200, apesar da proibição do tráfego automóvel gerar milhares de mortos todos os anos, por muitas razões, incluindo andar a mais de 200.

Já andar de baloiço ou aceder à escola sim, são liberdades razoavelmente consensuais nas nossas sociedades e a compressão dessas liberdades deve ser seriamente ponderada, pondo de um lado da balança os benefícios sanitários daí decorrentes, e do outro os efeitos sociais negativos da privação dessas liberdades.

Eu sei que dá muito jeito procurar enfiar todos os que não desistem da discussão da liberdade no contexto de uma epidemia no grupo da coronóia2020 (como canhestramente Manuel Pinheiro tentou fazer comigo para defender o jornalismo que escreve hoje "Números parecem estabilizar nos Estados Unidos depois de uma subida exponencial de casos e número de mortos" quando qualquer pessoa pode, com meia duzia de cliques, verificar a estupidez desta frase sem qualquer relação com os factos), mas era o que mais faltava deixar passar em claro essa tentativa de desqualificação dos que pensam de forma diferente.

Eu gostava de saber as razões sanitárias para os alunos do secundário poderem estar numa esplanada a partir de 5 de Abril, mas não na escola, para ser proibida a venda de alcoól depois das vinte, para ser proibido o consumo de alcoól no espaço público, para estarem parques infantis vedados, para não poder entrar numa loja deserta, para não poder passar de um concelho para outro, para não poder fazer um pic-nic com os meus irmãos, etc., etc., etc..

Não levar a sério a discussão dos fundamentos sanitários da maior parte das normas sanitárias em vigor - que são tão científicas que variam enormemente de país para país, quando não de região para região - , confrontando esses fundamentos com a razoabilidade da compressão das liberdades individuais associadas, está tão próximo do pensamento mágico como a coronóia2020.

Que tanta gente que se afirma defensor das liberdades individuais as abandone à mínima alusão a um elusivo benefício sanitário, é deprimente, muito deprimente.

Domingo

De Ramos

por João Távora, em 28.03.21

Evangelho segundo São Lucas

Naquele tempo, Jesus seguia à frente dos seus discípulos, subindo para Jerusalém. Quando Se aproximou de Betfagé e de Betânia, perto do monte das Oliveiras, enviou dois discípulos e disse-lhes: «Ide à povoação que está em frente e, ao entrardes nela, encontrareis um jumentinho preso, que ainda ninguém montou. Soltai-o e trazei-o. Se alguém perguntar porque o soltais, respondereis: ‘O Senhor precisa dele’». Os enviados partiram e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. Quando estavam a soltar o jumentinho, os donos perguntaram: «Porque soltais o jumentinho?». Eles responderam: «O Senhor precisa dele».
Então levaram-no a Jesus e, lançando as capas sobre o jumentinho, fizeram montar Jesus. Enquanto Jesus caminhava, o povo estendia as suas capas no caminho. Estando já próximo da descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos começou a louvar alegremente a Deus em alta voz por todos os milagres que tinham visto, dizendo: «Bendito o Rei que vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas!». Alguns fariseus disseram a Jesus, do meio da multidão: «Mestre, repreende os teus discípulos». Mas Jesus respondeu: «Eu vos digo: se eles se calarem, clamarão as pedras».

 Da Bíblia Sagrada

A democracia disfuncional

por Jose Miguel Roque Martins, em 28.03.21

Na sua crónica do Expresso desta semana, Henrique Monteiro, fala de alguns exemplos que custaram biliões aos Portugueses, por inépcia do Estado.

Por estranho que pareça, pela enormidade dos montantes envolvidos, não são estes casos o maior prejuízo que sofremos, todos os dias, todas as semanas meses e anos, ás mãos da nossa “vontade colectiva”.

As denuncias de Henrique Monteiro, justas, evidentes, enormes, nada são comparadas ás consequências das pequenas e anónimas mordaças que são impostas permanentemente ao bom funcionamento da Economia.

Se tivéssemos o mesmo rendimento per capita de Espanha, já corrigido das paridades de poderes de compra, temos um prejuízo colectivo de cerca de 11.000 Milhões de euros anuais.

A mesma comparação com a Irlanda, hoje um campeão do bom funcionamento económico, daria uma perda anual de 308.000 milhões de Euros.

Uma aproximação simplista? Com certeza. Mas como poderemos de outra forma explicar o nosso atraso? Por sermos preguiçosos ou pouco inteligentes? E sim, existe uma correlação estatística forte entre o desempenho dos países e o seu grau de liberdade, que suportam este tipo de comparações. Não são por isso balelas as comparações apresentadas.

O nosso prejuízo não pode ser apenas medido pelo produto que podíamos ter e não temos. A essa diferença adiciona-se outra perda: quanto mais é o Estado a escolher como se gastam os recursos, ao invés de dar a liberdade aos cidadãos para escolherem eles próprios como gastar o seu dinheiro, menos satisfação o mesmo rendimento permite. Eu queria comprar uma bicicleta. Mas afinal dão-me uma trotineta electrica, que até custa o mesmo, mas não é o que queria.

Não é apenas a economia que está amordaçada. São também as escolhas dos cidadãos.  Cada vez mais a liberdade de como se gasta o que se produz é decidido pelo Estado. Cada vez mais, a população beneficia menos de cada euro produzido.

Ainda vivermos em relativa democracia, é um milagre. Mas a nossa democracia, é cada vez mais disfuncional.

Tudo mal, tudo normal

por João-Afonso Machado, em 27.03.21

E um milhão de tugas lá se antecipou a Costa e foi à terra (a medida fornecida: um raio de 100 km percorridos desde o domicílio), passar a Páscoa com os seus! É de supor - eles supuseram! 

Supuseram o cerco fechado às zero horas de ontem, sexta-feira, e anunciado já no limite do tempo. Era tarde, já tinham saído, já lá estavam, de olhos no cabrito e no pão-de-ló. O preço? - eventualmente um dia de férias.

Está mal, está bem? Nem sei se pior, se melhor. Sei apenas somos nós, a nossa idiossincrasia, uns habilidosos. Adiante as estatísticas falarão do resultado da proeza.

Importante é conhecermo-nos. Irredutíveis, quando não loucos, amontoados em bairros de qualidade suspeita. E fieis de Fátima, seja o que Nossa Senhora quiser - dizem, por norma, os de territórios mais arejados.

Mas Costa só poderá ficar calado. A arte das manigâncias e do contorcionismo muito lhe deve. A família directriza os filhos, a política os cidadãos.

Em isto tudo, a - oxalá errada - percepção, a pandemia veio para ficar, em todos os altos e baixos dos seus gráficos. Ganham os jornais, sequer ao menos, no catastrofismo das notícias.

Tudo isto vem de antigamente, e a República, mesmo orfã de Afonso Costa, poderá esperar muito, menos milagres. Para acabar: onde está o estadista português capaz de mobilizar a Nação neste, ou em outros apertos? Não está! E assim vamos todos, cantando e rindo, cantando e rindo, sim.

Ben-U-Ron

por Jose Miguel Roque Martins, em 27.03.21

benueon.jpg

 

Ontem fui a uma parafarmacia comprar uma caixa de Ben-U-Ron 1000. Fiquei a saber, pela senhora da loja, que só se vende nas farmácias. Já nas parafarmacias, podemos comprar paletes de Ben-U-Ron 500.

Em si, mesmo nada disto é um drama. Basta tomar dois comprimidos em vez de um. Mas é um exemplo da nossa intrincada, estúpida e paralisante regulamentação.

Logo depois, soube que, também em Portugal, vamos regular o trabalho dos motoristas de UBER, com a criação de uma presunção de laboralidade. Uma regulação que continua a ser estúpida, mas ao contrario da do Ben-u-Ron, tem consequências. Menos emprego, menos bem estar social, como postei aqui, quando saiu a primeira decisão deste tipo em Inglaterra.

Parece que não temos ainda  Estado e ineficiências mais do que suficientes, para podermos continuar alegremente a destruir a riqueza da sociedade e arruinarmos a económica de mercado.

Nada de novo. Continuamos a aprofundar o que está mal .

 

 

Covilhã

por Miguel A. Baptista, em 26.03.21

Covilhã.png

Esta semana fui à Covilhã ver os meus pais. Não os via desde o Verão. Nos 51 anos de vida que já cá cantam nunca tinha tido um período tão longo sem os visitar. No Natal hesitei se lá iria, mas a prudência sobrepôs-se à tradição. Fui lá agora, após ambos terem sido vacinados.

Ir “à terra” comporta sempre um conjunto de emoções relativamente forte. Aqueles que viram o filme Cinema Paraíso lembrar-se-ão da nostalgia, e da carga emotiva, do momento em que Salvatore (Toto) regressa à sua terra natal. Ainda que, eventualmente, de forma mais suave é esse o tipo de sensação que tenho.
 
A infância, e a juventude, são lugares estranhos. São momentos de muitos afectos e emoções, no meu caso não porque tenha vivido de forma muito intensa, a minha vida até era relativamente calma e monótona, mas porque senti de forma muito intensa. Era um rapaz tímido, de óculos, com poucos amigos, mas com um mundo interior fervilhante. Ainda agora, algum excesso de imaginação que tenho vem-me da capacidade de ideação, devaneio e sonho que na altura desenvolvi.
 
O lugar, o palco, onde vivemos essas emoções fica-nos, de forma indelével, colado à pele. Eu sei que é uma banalidade, mas é verdade que nós podemos sair da nossa terra de infância, mas esta nunca sairá de nós.
 
A idade trouxe-me algo, que ainda não entendi se é uma bênção ou maldição, a capacidade de relativizar. Ou seja, a capacidade de saltar para fora do meu mundo e vê-lo como se se tratasse de um filme em que o protagonista era outro que não eu.
 
E pronto, ia escrever um post para falar da candidatura, anunciada ontem, do Pedro Farromba e do Adolfo Mesquita Nunes à Câmara da Covilhã, mas tenho os planos alterados. Como isto resvalou para um registo intimista e não pretendo misturar, demasiadamente, sentimentalismo e política essa reflexão ficará para um outro escrito.
 
(Banda sonora do post aqui)

A agonia das esquerdas e direitas clássicas

por Jose Miguel Roque Martins, em 26.03.21

Tropecei recentemente num gráfico simples na Wikipedia que me parece muito revelador das tendências partidárias politicas na Europa.

As ultimas décadas demonstram de forma clara que as coisas não estão a correr bem na Europa, nem para as populações nem para as esquerdas e direitas clássicas.

Captura de ecrã 2021-03-24, às 13.09.44.png

Em 30 anos, os socialistas/sociais democratas e os conservadores europeus, não param de perder expressão. Em 1979, representavam 70% do eleitorado, em 2019, perto de 45%. Ainda são os grupos mais importantes. Mas a tendência de queda é clara. Os dois blocos inquestionavelmente maioritários no passado, entre si, não garantem hoje uma maioria.

Não parece que a ideologia seja o principal motivo de tamanha alteração no quadro político. Com exceção dos liberais, são partidos de causas ( como os verdes) ou radicais ( sobretudo nacionalistas) que têm vindo a crescer. Não temos novas ideologias que ganharam espaço. Temos o protesto com os resultados reais sentidos pelos cidadãos a ter consequências.

O descontentamento das populações parece ser a principal razão para um afastamento das duas famílias politicas que têm sido o poder alternativo nos países  Europeus. E por isso, os principais responsáveis pelo Estado de coisas actual são, com naturalidade, também os grandes perdedores.

Outras tendências parecem claras:

1) A esquerda está agonizante. Num mundo que parece começar a entender que os países não são de esquerda porque são pobres, mas são pobres porque são de esquerda. Também as novas causas fraturantes distintivas ( é difícil continuar a apostar contra a economia de mercado), não parecem funcionar. Os mais revoltados foram para a direita, enquanto a esquerda radical definha. As 3 forças de esquerda, incluindo radicais e os Verdes ( progressistas), representam pouco mais de 1/3 do eleitorado, quando em 1989 eram maioritários;

2)  Os liberais crescem, mas parecem estar condenados a serem uma força de segunda grandeza. A insistência num Estado mais contido e mais liberdade individual, em oposição ao defendido por todos os outros partidos, não aparenta colher uma adesão significativa. A sua oportunidade de influencia surgirá da necessidade de proceder a coligações num espectro político cada vez mais fraturado;

3) A direita radical, ganha expressão e afirma-se, sem uma ideologia estruturada. Muito diferenciados entre si, os partidos defendem  um conjunto de economia de mercado, Estado poderoso, Nacionalismo e causas normalmente em oposição ás proposta de esquerda dos últimos anos. A fragilidade ideológica, torna estes partidos particularmente vulneráveis á transferência de votos para novas propostas politicas. Enquanto "grupo", parecem ter ainda espaço de crescimento. Não virámos á direita. Virámos para o radicalismo. 

4) A era de maiorias parlamentares parece ter passado. Numa fragmentação cada vez mais evidente, entrámos na era das coligações. Ou dos impasses.

5) A narrativa de esquerda continua dominante. Os radicais de esquerda, são "ala esquerda", os de direita, são "extrema direita".

6) A direita clássica perde neste período,  quase 40% da sua expressão. Valor próximo do sofrido pelos socialistas/sociais democratas. A sua maior vantagem, neste novo mundo, aparenta ser a sua maior facilidade de estabelecer coligações. Desde alianças com os sociais democratas, como acontece na Alemanha, até a partidos radicais de direita. Nada de diferente acontecendo, a sua perda de peso vai continuar, até por assumir o fardo do poder.

Muito já mudou, mas não parece razoável pensar que não vai mudar mais. Só para onde realmente vamos continua a ser a incognita. 

Nesta fase, honestidade intelectual seria bem-vinda

por Miguel A. Baptista, em 25.03.21

Na vida vamos criando agendas e compromissos. Tal pode-nos condicionar, de modo consciente ou inconsciente. Por vezes, sobre certos assuntos, é difícil imaginar qual seria a posição de uma pessoa se fosse possível aferi-la “no vácuo” de uma mente virgem e pura. Ok, o conceito de “mente virgem e pura” não é o melhor porque é uma extrema abstração, ninguém vive no vazio. Pondo a questão de uma forma mais terrena, diria que por vezes é difícil saber qual seria a posição de uma pessoa se ela tivesse uma honestidade intelectual total. 

No entanto, há casos em que conseguimos intuir qual a posição “verdadeira” da pessoa, se ela já a exprimiu num contexto em que estava completamente descomprometida. Este raciocínio, um pouco elaborado, ocorreu-me quando li hoje que o Governo, com os seus aliados à esquerda, equaciona a criação de mecanismos de maior rigidez no mercado laboral. Nesse contexto, lembrei-me de um livrinho que Mário Centeno, enquanto técnico e antes de abraçar a política, escreveu. 

Centeno escreveu um livro intitulado “O Trabalho, Uma Visão de Mercado”, em que abordava o mercado laboral português. O livro é um daquelas pequenas brochuras da FFMS que se vendem no Pingo Doce. Já agora, a talhe de foice, diria que o nível geral dessas publicações é francamente bom. 

 Ora bem, nesse livro em que Centeno não tem compromissos políticos e que suponho que a sua agenda seja unicamente a da promoção de um país melhor, o autor defende tudo, menos mais rigidez para o mercado laboral. 

A economia portuguesa precisa de descolar do torpor em que estava e que a crise pandémica acentuou. Neste cenário, tudo o que sejam mecanismos de rigidez e de combate às formas mais flexíveis de trabalho é má. Nesta fase é importante que quem possa criar postos de trabalho não tenha qualquer hesitação em o fazer. Eu não defendo um modelo de total flexibilidade, como existe nos Estados Unidos. Pelo menos não o defendo dissociado de um robusto sistema de segurança social, como existe na Dinamarca. As pessoas precisam de algum quadro de estabilidade, e confiança, para tomar decisões de impacto dilatado no tempo, como comprar casa, ou constituir família. No entanto, e como disse, nesta fase o esforço da economia portuguesa deve ser “por o avião no ar”, ou seja, criar empregos e riqueza. Servir bom catering a bordo, ou seja, a exigência de condições “mais complicadas” para a criação de riqueza e emprego, não pode ser a prioridade actual. Ela poderá acontecer quando a economia estiver mais robusta, com uma baixa taxa de desemprego e com a oferta de salários francamente melhores do que os que temos neste momento. 

A ideia de uma recuperação conduzida fundamentalmente pelo Estado, de costas voltadas para as forças vivas da economia, como é plasmada no Plano de Recuperação e Resiliência, está, infelizmente, em sintonia com a receita que nos tem conduzido à mediocridade. 

Conforme procurei demonstrar, por vezes as soluções técnicas até podem ser relativamente consensuais e quase de bom-senso. No entanto, é importante que uma visão política, ainda que legítima, não sacrifique totalmente a validade destas em nome de estratégias que tem como único objectivo a manutenção do poder e o desenvolvimento do ecossistema pantanoso em que estamos. 

Obrigado, Miguel Pinheiro

por henrique pereira dos santos, em 25.03.21

Adenda: Vários dos meus amigos falam da coragem de ter escrito o que escrevi sobre o Observador. Gostaria de dizer duas coisas sobre isso: 1) não é preciso coragem nenhuma para escrever um texto qualquer num jornal, não vivemos em nenhuma ditadura e não me acontece nada de especial por causa do que escrevo, coragem é Navalny voltar para a Rússia; 2) a haver alguma coragem, ela está do lado de quem decidiu publicar o texto no Observador, não só por ser precisa alguma coragem para aceitar dar publicidade a críticas tão ácidas, como o mais natural é que essa publicação seja uma fonte de problemas dentro da redacção do Observador

Hoje o Observador publica um texto meu, acidamente crítico da cobertura que o Observador faz da epidemia (o que digo sobre o Observador é, em grande medida, extensível ao resto da comunicação social, mas o Observador merece-me mais respeito que uma boa parte do resto da imprensa).

Gostaria em primeiro lugar de sublinhar o fair play que o Observador demonstra ao publicar este texto: eu perceberia perfeitamente se fosse recusado.

Miguel Pinheiro, director executivo do Observador não resistiu ao habitual abuso de posição dominante que consiste em atribuir sempre ao jornalista a última palavra, e publicou ao mesmo tempo a sua resposta às minhas críticas.

Talvez por inépcia minha, não encontrei maneira de fazer comentários a qualquer dos textos, e por isso não pude agradecer no sítio adequado a deferência de Miguel Pinheiro dar importância suficiente ao que escrevi para, excepcionalmente, responder a um texto de opinião que faz paralelismos entre o Secretariado Nacional de Informação do Estado Novo e a redacção do Observador (no que à epidemia diz respeito, claro).

Embora eu tenha procurado fundamentar claramente o paralelismo que estabeleci, talvez agora possa ser mais claro usando uma citação da enciclopédia britânica sobre o totalitarismo: "The totalitarian state pursues some special goal, such as industrialisation or conquest, to the exclusion of all others. All resources are directed toward its attainment, regardless of the cost. Whatever might further the goal is supported; whatever might foil the goal is rejected. This obsession spawns an ideology that explains everything in terms of the goal, rationalising all obstacles that may arise and all forces that may contend with the state. The resulting popular support permits the state the widest latitude of action of any form of government. Any dissent is branded evil, and internal political differences are not permitted. Because pursuit of the goal is the only ideological foundation for the totalitarian state, achievement of the goal can never be acknowledged.".

A minha opinião é de que o essencial do que é dito acima caracteriza a cobertura que o Observador faz da epidemia, o que está muito longe de querer dizer que a redacção do Observador, e muito menos o Observador, são totalitários, ou defendem qualquer totalitarismo - não é de mais sublinhar o facto de terem publicado o meu texto.

Sobre isso, o que tem Miguel Pinheiro a dizer?

1) Que eu confundo as opiniões dos jornalistas sobre a actualidade com jornalismo. É verdade, neste ponto Miguel Pinheiro tem toda a razão, eu, e a generalidade das pessoas, acham que se há um programa em que os jornalistas analisam a actualidade, isso faz parte da oferta informativa, mas Miguel Pinheiro tem razão na distinção formal entre isso e a publicação de notícias. O corolário da aceitação dessa distinção formal é a de que não se compreende para que raio convidam jornalistas para fazer programas de opinião sobre a actualidade se não é jornalismo mas opinião, e a sua condição de jornalistas é irrelevante, não havendo outra que os qualifique para emitir opiniões sobre o que quer seja.

2) Miguel Pinheiro pretende que eu sou um conspiracionista, baseando-se numa interpretação abusiva do que escrevi. Miguel Pinheiro diz que sugiro que a redacção do Observador tem um comando central que determina a forma como a redacção cobre a epidemia. Simplesmente isso não está no meu texto - eu limito-me a constatar que a redacção adoptou o princípio base de pôr toda a gente com uma única ideia na cabeça, em lado nenhum sugiro, sequer, que isso resulte de qualquer comando na redacção e não da livre opção de cada um dos jornalistas, é o que habitualmente se chama "jornalismo de rebanho". Não há nada de conspiracionista nisto, é uma mera opinião que pode facilmente ser contestada mostrando onde estão as peças da redacção do Observador que saiam do padrão geral em que se chega a afirmar que uma variante com uma letalidade de 4% é mais letal que outra variante com uma letalidade de 5%. Sobre isso, Miguel Pinheiro, aos costumes disse nada.

3) Miguel Pinheiro, em vez de responder aos meus argumentos, passa grande parte do texto a fazer comentários pessoais, alguns bastante estranhos como dizer que colaborei brevemente com a redacção do Observador quando fiz parte de um painel de não jornalistas que conversavam sobre ambiente num programa da Rádio Observador. É verdade que na única reunião que tive com Miguel Pinheiro, no âmbito da preparação desse programa, essa foi uma das promessas de Miguel Pinheiro aos participantes no programa - alguma interacção com a redacção do Observador para mútuo benefício no tratamento de questões ambientais - mas sucede que isso nunca aconteceu, portanto nem percebi a que propósito essa conversa aparece no texto de resposta ao que escrevi.

4) Miguel Pinheiro entra depois num registo bem mais grave. No meu texto digo que não se entende por que razão, ao fazer um livro branco sobre a epidemia, o Observador não escolheu nenhum epidemiologista com provas dadas. É uma crítica geral aos métodos da redacção do Observador, não faz a menor referência aos conteúdos expressos por esses especialistas. Miguel Pinheiro confirma que quatro dos cinco especialistas ouvidos não são epidemiologistas - sem perder tempo a explicar esse estranho critério de elaboração de um livro branco - e refere um quinto como sendo mesmo epidemiologista e, evitando dizer de quem fala, acrescenta "aliás, é membro do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge". Por exclusão de partes, devo conluir que se trata de Ricardo Mexia, que é médico de saúde pública (sim, eu sei que se apresenta também como epidemiologista), ou seja, Miguel Pinheiro, em vez de explicar por que razão o único epidemiologista ouvido é Ricardo Mexia, não só tem o desplante de omitir o nome do visado, como me atribui a mim intenções escusas ao fazer uma pergunta simples: que critérios usa o Observador para ouvir quem ouve e para escolher quatro não epidemiologistas e meio, mais meio epidemiologista sem trabalho reconhecido pelos pares nessa especialidade, para apoiar um livro branco sobre a epidemia? Não, meu caro Miguel, não se trata de eu gostar ou não gostar das opiniões das pessoas escolhidas (por exemplo, gosto imenso de ouvir Roberto Roncón, sobretudo naquilo em que tem verdadeira competência, e é perfeitamente justificado que o ouçam no capitulo sobre a resposta do SNS à epidemia), trata-se da obrigação do Observador explicar por que razão, na elaboração de um livro branco sobre a epidemia, resolve não ouvir epidemiologistas com provas dadas. E convenhamos que é ridículo dizer que ao referir "com provas dadas" eu esteja a querer dizer "com os quais concordo". Trata-se de um truque de retórica de Miguel Pinheiro para manter o seu registo de comentários sobre mim, para responder a uma opinião sobre o Observador, fugindo ao que seria útil: discutir os argumentos de substância que estão no meu artigo, como por exemplo, erros crassos (sempre no sentido da catástrofe) ou a escolha da citação de Henrique Oliveira, em assuntos que não fazem parte das suas competências e que as conclusões do livro branco contrariam de forma muito sustentada.

Em síntese, obrigado Miguel Pinheiro pelo grande fair play em publicar o que escrevi e, mais ainda, muito obrigado pela eloquente demonstração do que digo no meu artigo que a sua resposta é.

Pág. 1/4



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • O apartidário

    Continuação Para esta manipulação do parlamento co...

  • O apartidário

    A 29 de Julho de 1976 o comunista José Rodrigues V...

  • Carlos

    Vou fazer uma lista com as asneiras, só as grossas...

  • balio

    Será necessária uma nova, delicada, definição de c...

  • anónimo

    As divisões territoriais históricas são diferentes...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2014
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2013
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2012
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2011
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2010
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2009
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2008
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2007
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2006
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D

    subscrever feeds