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Em boa hora convocou o Papa Francisco os cristãos para o ano de São José, tendo para tal publicado uma carta apostólica intitulada “Coração de Pai” cuja leitura aconselho. O meu entusiasmo em lê-la foi grande, tanto mais que há muito sou um devoto do pai adoptivo de Jesus. Há muitos anos o meu conselheiro espiritual, perante as minhas frequentes dúvidas e angústias existenciais, recomendou-me dirigir a São José as minhas preces, e desde então que o trago comigo no coração, mais concretamente ao peito figurado numa medalha – com Jesus ao colo. São José, explicou-me, é a inspiração para as qualidades da perseverança e da complacência, precisamente as armas mais eficazes para se enfrentar toda a sorte de mal que nos chegue de dentro ou de fora. Desse modo, não foi só por tradição familiar que decidimos baptizar com esse nome o nosso filho, de quem fui pai já perto dos cinquenta anos. De facto foi tardiamente que formei uma família, tendo obtido assim a graça de “herdar” dois enteados que foram um precoce e desafiante estímulo ao desprendimento, atributo fundamental para levar a bom termo o projecto familiar a que me propus.
Os santos são os heróis da Igreja de Pedro, que ao longo da história e a seu tempo foram venerados pelos seus feitos, como acontece a tantas outras figuras que marcaram indelevelmente a história por feitos literários, artísticos, desportivos ou até políticos. Os santos são pessoas como nós, que se superaram a si próprias e suplantaram as suas circunstâncias, no propósito de seguir o exemplo de Jesus Cristo. Nesse sentido, São José, será certamente um dos maiores heróis dos cristãos, eleito que foi por Deus como figura paternal de Jesus, por isso protagonista de destaque no projecto de Salvação de Deus na sua encarnação. Por tudo isso, não nos podemos abster de tentar compreender como terá sido percorrido esse caminho de santidade de São José. Para mais nós os cristãos, talvez ludibriados pelas figurações artísticas dos santos em telas ou esculturas, tendemos a confundir a “Santidade” com “Estado de Graça”. Como refere o Papa Francisco na sua Carta apostólica dedicada ao “humilde carpinteiro desposado com Maria”, é a partir das vicissitudes que se constrói o santo, que «José foi chamado por Deus para servir directamente a Pessoa e a missão de Jesus, mediante o exercício da sua paternidade (…)». Entenda-se vicissitudes neste caso como dor e angústia, nos dilemas em que a sua consciência de homem bom é confrontada, desde logo “com a gravidez incompreensível de Maria”. Se a tremenda dor que terá fustigado o coração de São José no tempo que medeia a chocante notícia até à visita do anjo e ao seu humilde “Sim” é fundamento integrante do seu heroísmo, não o será menos a sua discreta vida de trabalho e constância ao lado de Nossa Senhora. Tal seria suficiente para fazer dele o maior dos santos da Igreja. Estou plenamente convencido de que a santidade se manifesta tanto em eloquentes actos corajosos, quanto na constância e fiabilidade de uma vida discreta que põe o amor ao próximo (à família e à sua comunidade) num plano superior, em que os momentos obscuros e as tentações mesquinhas são paulatinamente superadas tendo em vista um compromisso, por conta de um projecto maior, de metódica construção duma harmonia, que dá sentido à história humana, ou melhor ainda, ao projecto divino da Salvação.
Acresce que a convocação da figura de São José nestes conturbados tempos (alguma vez o não terão sido?), numa sociedade híper-individualista (isso sim uma novidade) com a crescente desagregação das famílias, justifica-se pela necessidade de resgatar a relevância do pai, tantas vezes secundarizado ou simplesmente ausente, como elemento fulcral para a educação das crianças na diversidade dum casal. Constituindo um assunto tabu na nossa cultura niilista, dominada pelas agendas fracturantes dos poderosos lóbis LGBT, trágica vem-se revelando a epidemia do abandono paternal, um verdadeiro fenómeno no Brasil, onde 5,5 milhões de brasileiros não possuem o nome do pai na certidão de nascimento e onde se calcula que mais de 11 milhões de famílias são formadas apenas por mães que criam seus filhos sozinhas. Não é um direito fundamental para a dignidade da criança ter um pai e uma mãe num ambiente familiar salubre e assim se fazer uma boa pessoa?
Tudo razões para saudarmos o desafio do Papa Francisco e olharmos para São José e para o seu exemplo de vida. Pela minha parte continuarei humildemente a rezar-lhe para que me inspire no dia-a-dia familiar, como marido, pai e padrasto. Para que as minhas virtudes consigam compensar os meus erros e desse modo eu consiga levar o meu papel de chefe de família a bom porto. O principal objectivo da minha vida.
Bom ano de São José para todos os meus leitores.
Como diz, e bem, um criativo das Produções Fictícias, e bioquímico, a epidemiologia não é para amadores.
No entanto, os amadores, como eu, não estão impedidos, de dizer as asneiras que quiserem (pese embora haver quem defenda que opiniões médicas são actos médicos e portanto devem ser sancionados os médicos que tenham opiniões médicas fora da ortodoxia, como Marçal, revelando alguma confusão entre opiniões e actos, confusão frequente entre os inimigos da liberdade).
Hoje, por exemplo, deu-me para asneirar sobre os gráficos globais de casos e mortos por Covid (não entrando nas dificuldades relacionadas com critérios de registos e afins).
Olhando para estes dois gráficos ressaltam algumas diferenças sobre as quais vou fazer uns comentários de amador.
1) Em primeiro lugar convém ter em atenção que os critérios e números de teste variaram muito ao longo do tempo, portanto os números de casos não podem ser lidos sem um filtro que faça notar que os dados da primeira época de doenças pulmonares infecciosas não dizem o mesmo que os dados da segunda época de doenças infecciosas e do Verão do hemisfério Norte;
2) Ressalvando o ponto 1, o que se verifica é que há três períodos de subida brusca de casos positivos. a) Março; b) Junho/ Julho (menos brusco) e Outubro/ princípios de Novembro, e que as subidas de mortalidade apresentam um padrão substancialmente diferente. Na mortalidade há claramente a subida da entrada em cena de uma nova doença, uma oscilação em Junho/ Julho e uma subida, bem mais suave que a primeira, do meio de Outubro a meio de Dezembro;
3) Ainda estamos longe do fim da segunda época de doenças pulmonares infecto contagiosas (ainda nem estamos na semana 1 do ano de 2021 e essa época costuma ir até à semana 19), portanto não sabemos se a subida que terminou a meio de Dezembro (entrou num planalto desde essa altura, com uma subida lenta no caso da mortalidade e esqueçamos a ponta direita dos gráficos porque o Natal baralha os números) vai retomar o seu curso agora de Janeiro a Maio, ou se o facto de ter sido antecipada a época habitual das doenças pulmonares infecciosas limita o crescimento no resto da estação, ninguém pode dizer nada sobre isso porque não há informação;
4) O relevante é que estes padrões são o que é de esperar de uma doença infecciosa nova: um rápido crescimento da mortalidade inicial, e uma progressiva "normalização" no curso da doença;
5) Note-se que, se se desagregarem geográficamente os números, este padrão é ainda mais evidente, com as áreas mais afectadas na primeira época a terem mortalidades menores na segunda época. Em países com mortalidades semelhantes, como a Itália, há diferenças internas que parecem mostrar maiores mortalidades agora em áreas antes poupadas, ou o caso dos Estados Unidos, que tem os seus três Estados mais populosos no Sul, em latitudes sem grande correspondente na Europa. O tal "sun belt" americano foi mais afectado no Verão, com mortalidades médias, e que agora apresenta um grande número de casos e alguma mortalidade relevante, de que o exemplo mais interessante é a Califórnia, o estado americano com medidas mais restritivas de combate à epidemia, mas um dos que estão mais afectados neste momento. O mesmo se poderia dizer da Europa de Leste, incluindo o Leste da Alemanha.;
6) Ou seja, o grande consenso inicial sobre o padrão de uma curva epidémica, sem medidas - subida rápida, seguida de oscilações progressivamente mais pequenas - parece estar a verificar-se, só que entretanto esse grande consenso se desfez e agora há uma grande quantidade de gente que rejeita esse padrão, interpretando todas as variações das curvas epidémicas com base nas medidas tomadas (ou, quando as medidas não batem certo com o que se verifica na evolução da curva, no cumprimento das medidas por parte da população, uma abstracção impossível de medir de forma objectiva sem um esforço brutal, e recursos quase ilimitados);
7) Esta alteração não deixa de ser interessante, porque a linha de fractura entre as duas formas principais de olhar para a gestão da epidemia não punha em causa esse consenso científico, situava-se mais à frente, entre os que entendiam que tomando medidas radicais era possível alterar a evolução da curva epidémica, e os que entendiam que a gestão de uma epidemia se fazia sobretudo na contenção de danos na sociedade e não tanto fazendo de aprendiz de feiticeiro;
8) Veremos o que o futuro nos reserva, mas para já, uma das principais vítimas da epidemia, é o consenso científico sobre a evolução de uma epidemia, ao ponto de haver uma quantidade enorme de gente que nega um facto perfeitamente verificável: todas as epidemias anteriores à vacinação (e à loucura das medidas assentes na ideia de que é possível parar os contactos sociais pelo tempo necessário ao controlo de uma epidemia, sem que os efeitos sociais negativos sejam maiores que os provocados pela epidemia em si) pararam algures, como mais ou menos mortes, com mais ou menos tragédias, como mais ou menos efeitos na sociedade, a verdade é que pararam sempre;
9) No incêndios é conhecida a famosa defesa de Jaime Marta Soares em relação à qualidade dos bombeiros portugueses: "nunca um incêndio ficou por apagar" e suspeito que ao longo de 2021 irão aparecendo vários Jaime Marta Soares das epidemias a explicar que nunca um surto ficou por resolver.
Adenda: esqueci-me de fazer notar que a diferença entre o pico de casos da Primavera e de agora é de mais de sete vezes, mas a diferença dos picos de mortes anda pelo dobro, o que também era o normal esperar-se que acontecesse, antes de se ter rompido o consenso científico sobre o que é o comportamento de uma epidemia
"uma outra ideia, defendida até por gente respeitável, segundo a qual seria possível atingir a imunidade de grupo sem uma vacina, o que não tem fundamentos nem precedentes", escreve o bioquímico e criativo nas Produções Fictícias David Marçal. num ensaio hoje publicado no Público, criticando epidemiologistas de Oxford, Stanford e Harvard, e muitos outros epidemiologistas, como Gabriela Gomes, por exemplo.
"A epidemiologia não é uma ciência para amadores", escreve no mesmo ensaio em que, pouco depois, explica o que é o efeito Dunning-Kruger: "Quando as pessoas são demasiado incompetentes, não conseguem sequer reconhecer a sua própria incompetência".
Eu, por acaso, acho que a epidemiologia, como qualquer outro campo do conhecimento, é também para amadores, para além de defender que o direito à asneira é sagrado, mas achei tão delicioso este ensaio que resolvi resumi-lo nos dois parágrafos anteriores, mesmo discordando do que lá está escrito.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor. Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo». O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia, tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.
Palavra da salvação.
Tenho andado a hesitar escrever sobre a Torre Bela, quer porque já tenho gente que chegue que me insulta, quer porque de alguma maneira alguém poderia achar que tenho algum conflito de interesses por trabalhar onde trabalho.
Quanto ao conflito de interesses, poderia haver, de facto, mas não há pela simples razão de que apesar de trabalhar no ICNF ninguém me pediu para olhar para o assunto profissionalmente, não conheço o processo e não tenho qualquer informação para além da que circula publicamente. E é duvidoso que venha a ter qualquer intervenção profissional no assunto.
Quanto ao resto, foi desbloqueado por uma peça da Lusa sobre a morte de Wilson Filipe, uma peça reproduzida pelo menos no Público e no Observador, com uma série de asneiras e idiotices impressionante, e que tem o parágrafo que me fez decidir escrever sobre a Torre Bela:
"Até ao 25 de Abril, a agricultura portuguesa não era valorizada a nível político nem económico, estando integrada no Ministério da Economia como Secretaria de Estado, uma situação que o 25 de Abril veio alterar, com a criação não só do Ministério da Agricultura mas também do Instituto da Reforma Agrária."
Este parágrafo é um bom retrato da imprensa e a imprensa é um bom retrato da sociedade, uma sociedade que lê um parágrafo destes e não se pergunta quem raio escreveu, quem raio decidiu difundir, quem raio decidiu publicar isto sem que, no meio da cadeia, alguém se tenha perguntado qual era a importância da agricultura para o Estado Novo, alguém se tenha perguntado se ninguém ouviu falar da campanha do trigo, das célebres campanhas de florestação, do imenso programa de investimento em regadio (incluindo Alqueva, que já estava pensado no anos 50 do século XX), da célebre campanha de comunicação "beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses", da criação e desenvolvimento de escolas agrárias, do investimento nos silos de armazenamento de cereais, nos grémios de lavoura e, last but not the least, na forte presença do sector agrário no regime.
Aparentemente, para quem escreveu a peça, para quem viu a peça, para quem decidiu publicar a peça e para quem a vai lendo, tudo isso não tem a menor importância, a questão é que não havia um Ministério.
É aqui que estamos e é a partir daqui que talvez seja útil tentar compreender o barulho à volta do que se passou na Torre Bela.
Comecemos por olhar para outro assunto para perceber melhor.
Cristina Rodrigues, deputada com quem me cruzei duas ou três vezes, de quem me separam divergências políticas insanáveis, mas que estimo pessoalmente, propos um dia destes um grupo de trabalho para tratar do problema da relação entre as gaivotas e as pessoas.
Foi alvo de chacota generalizada, mas Cristina Rodrigues estava a identificar um problema real, independentemente de lhe estar a pegar pelo lado errado: o excesso de gaivotas é um problema social sério em alguns lados, por exemplo, na Caparica, e é um problema ecológico sério também. Ao pegar no problema tendo como pano de fundo as suas opções sociais e políticas assentes nos direitos dos animais, Cristina Rodrigues matou qualquer hipótese de uma intervenção útil para resolver os conflitos sociais e ecológicos resultantes do excesso de gaivotas.
Ora esse é um dos problemas principais na discussão do abate de animais na Torre Bela.
De repente, muita gente que come animais frequentemente, o que implica toda uma criação intensiva a montante, com o consequente abate industrial de animais, ficou moralmente abalada por ver animais abatidos.
Uma jornalista do Observador, "que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor" falava no abate de animais encurralados, como se dois hectares por animal permitisse falar de animais encurralados.
O abate de animais, nos termos em que foi feito na Torre Bela, pode levantar questões éticas, pode levantar questões legais (não vejo bem que questões são essas, mas não tenho informação suficiente para ter opinião consistente sobre isso), dizem que pode levantar questões criminais - embora até agora ninguém tenha explicado convincentemente de que crime potencial se está a falar -, mas não levanta nenhuma questão ambiental e de sustentabilidade séria e muito menos levanta questões sobre o bem estar animal.
O que está em causa é a transformação de um eucaliptal intensivo numa central solar e o abate de animais que cresceram livres e morreram em pouco tempo.
Pessoalmente acho que o Estado se mete demasiado nos preços da produção de energia, incluindo fazer uns leilões para venda de licença de produção solar, o que naturalmente cria distorções de mercado que, muitas vezes, subestimam os efeitos negativos sobre factores que são desvalorizados no processo de decisão, como os efeitos na alteração do uso do solo que se verificam neste caso, limitando a competitividade de soluções descentralizadas e assentes nas superfícies urbanas, como telhados, estacionamentos e etc..
A manutenção de animais em casas, muitas delas sem espaços exteriores, para único benefício dos seus donos, impedindo os animais de desenvolver a sua natureza intrínseca, permanentemente sujeitos às vontades e necessidades dos seus donos, levanta muito mais questões éticas que manter animais em liberdade (ainda que numa propriedade vedada de que não podem sair) por toda a sua vida, mesmo considerando um abate deste tipo como o fim da sua vida.
E o mesmo tipo de questões se levantam em relação aos animais estabulados cuja única vida que lhes é permitida é a produção e um abate asséptico num matadouro.
Pessoalmente convivo bem com essas questões éticas, mas percebo quem adopte posições éticas radicais e seja consequente com isso, o que não percebo são os que se recusam a comer animais por questões éticas, ao mesmo tempo que são donos de outros animais a quem negam a expressão da sua natureza intrínseca.
Pessoalmente a caça não me interessa e detestaria ter de trabalhar num matadouro, mas não me esqueço de uma mulher a quem dei boleia na organização de um seminário, uma mulher interessantíssima, com uma vida de trabalho dura e comprida, em trabalhos geralmente duros e mal pagos, que me falava do gosto que tinha quando trabalhou, por longos períodos, no abate de animais. Nem ponta de sadismo, nem ponta de prazer no sofrimento dos animais, nem ponta de gosto em ver a morte surgir pela sua mão todos os dias, não era nada disso que estava em causa quando falava no gosto que tinha nesse trabalho.
Compreendo perfeitamente os que dizem que caça não é nada do que se passou na Torre Bela e os caçadores, conheço bastantes, que me dizem que o que verdadeiramente os motiva é o caminho, não é o destino.
O que todo o barulho sobre a Torre Bela revela é o rolo compressor de culturas urbanas sectárias que perderam qualquer ligação com a terra e o trabalho para que produza o que nos permite andar por aqui a escrever em computadores.
O que se vê na discussão sobre a Torre Bela, maioritariamente, é a prevalência da visão do indivíduo sobre a espécie, a recusa em olhar para a morte como parte integrante da vida, é o triunfo de Walt Disney sobre os labregos que produzem o que comem.
Sim, eu sei que haverá sempre quem queira fazer o juízo moral sobre os que pagaram balúrdios para participar nesta caçada, ao ponto de Richard Zimler fazer um comentário que, para lá da abjecção moral, é talvez o comentário mais estúpido que vi sobre toda esta questão da Torre Bela - "quantos euros pagariam para matar imigrantes nem quero especular" - mas aí, havendo questões éticas e de valores em aberto, estamos claramente dentro da liberdade individual: eu não tenho de exigir a estes caçadores a adopção dos meus valores, limito-me a achar que, ao nível de cada pessoa, há uma discussão possível sobre esses valores, mas espero bem que as pessoas envolvidas continuem a ter a liberdade de viver de acordo com os seus padrões morais, sem terem de aturar a minha eventual superioridade moral.
O papel do Estado nisto?
O Estado poderia comprar a propriedade e geri-la como área de interesse para a conservação, se achasse que haveria lá valores que o justificassem.
Ou ao menos, do ponto de vista fiscal ou de outra forma, poderia favorecer os indivíduos ou grupos que quisessem comprar terras para as dedicar à conservação.
De resto, se se deixasse de fazer juízos morais sobre o assunto já não era mau, tanto mais que foi o fracasso do Estado na defesa da propriedade privada que esteve na origem da história recente da Torre Bela.
Uma história triste, isso parece-me inegável.
Logo de início, seria bom entender o que se passou na Torre Bela e, assim, enfrentar aproveitamentos que rapidamente se fizeram sobre a caça e os caçadores, conduzidos à reles condição de assassinos.
A Herdade da Torre Bela conta com 850 hectares de terra totalmente murada de pedra com 3 a 4 metros de altura. Necessariamente, os animais sem asas dali não fogem, uma vez fechados os portões.
Muito se tem especulado sobre quem são os seus proprietários e quem explora a propriedade. Sabe-se, sim, que um qualquer negócio relacionado com a energia fotovoltaica está relacionado com o abate de árvores ali efectuado. E com a sua desmatação, em geral.
Ora isto deixou os animais de grande porte sem quaisquer refúgios. E, ao que parece, eles eram muitos.
A famigerada "montaria" (convém pensar que as "montarias" se fazem nos montes, e não em terrenos planos, como é o caso) foi o modo encontrado para banir esses incómodos "moradores", neste novo e moderno projecto fotovoltaico. Além do mais, rendia dinheiro pela inscrição, a preços elevados, dos participantes.
Vale dizer: a leva de tantos veados ou javalis para outro local mais de acordo com o seu habitat natural, dava trabalho e não rendia.
Foi uma matança de inocentes sem defesas nem esconderijos. Ninguém falou nisso ainda, mas foi também um perigo público - porque, nesta prática, se usam carabinas, capazes de furar uma pessoa a mil metros de distância, e a possibilidade do ricochete é muito grande, com as suas inequívocas consequências.
Seguiram-se, enfim, as fotografias da praxe onde se alcançam os fatinhos comprados em boutique da especialidade, as senhoras de cabelo louro e botas altas, as gravatas verdes pintalgadas de espécies de caça; chapéus de abas e óculos escuros, sorrisos e tudo o mais que compete a uma "Meia Desfeita" devidamente actualizada.
Como não acontece com os verdadeiros caçadores. Esses que se esfalfam um dia a andar com o seu cão, por algumas perdizes. Que têm o gosto de treinar o seu companheiro para um jogo de equipa, e matam o que é de matar com sentido: a caça tem a sua ancestralidade e, se hoje é um desporto, antes foi uma necessidade. Mas o desporto não pode esquecer as suas origens: um caçador atira a um animal em movimento, nunca parado; um caçador atira a um animal que depois come, não ao primeiro que lhe apareça pela frente. E quando o animal é daninho - caso dos javalis, dos coelhos - redobradas razões explicam o tiro.
Caço desde os meus 15 anos. Comecei com o meu Pai. Ai de mim se atirasse às espécies que não fossem para isso! São as razões por que condeno em absoluto a carnificina da Torre Bela e, serenamente, me mantenho caçador. Agora revoltado - porque ainda há dias discuti com uma senhora que propagandeia uma "Nova Humanidade", em que todos serão vegetarianos...
Era o que me faltava! E o bacalhau do Natal (aliás, pescado e morrendo aos poucos, sufocado, no convés do navio...)?
(...) É cada vez mais difícil preencher decentemente os cargos políticos, do topo à base, ou de prover os altos cargos públicos administrativos. Salários demagógicos, funções desprestigiadas, responsabilidades sem recursos, escrutínio devasso, lapidação certa — sem proveito, nem honra, nem glória. O regime não definha por falta de quem queira alçar-se às suas desconsideradas magistraturas: definha pela deserção dos que efetivamente lhes fazem falta. Os que deviam ser representantes preferem ser representados.
Joseph de Maistre, reacionário bilioso e inspirado, refocilava de gozo com o sistema representativo. Dizia que era este uma maravilha de espantar: incapaz de mobilizar os mais aptos para servir, o sistema bastava-se com a promessa de que todos os franceses poderiam ser representantes e não apenas representados, em suaves ciclos de 60 mil anos.
Estamos a dar razão ao grande advogado do antigo regime: o sistema renova-se, mas renova-se para baixo, nunca para cima.
Sérgio Sousa Pinto no Expresso
Há uns séculos atrás, quando a escuridão nas noites dependia dos astros, o sustento dependia das colheitas, a saúde dependia da sorte, a distância dependia do andar, o comércio dependia das tréguas, a luz irradiada pelo Deus Menino em cada Natal era incontestável. Tento imaginar como nesses tempos ancestrais, na noite fria de Natal, se engalanavam os templos iluminados e aquecidos de gente, que eram pólo de encontro das comunidades, um verdadeiro consolo para os nossos antepassados, que numa pausa dos trabalhos agrícolas se juntavam a celebrar o grande acontecimento. Imagino as refeições melhoradas, os caminhos entre povoados ponteados por pequenos grupos de pessoas para se juntarem nas casas umas das outras em festejo. Acredito que dadas as circunstâncias, sob um céu estrelado e silencioso era então mais fácil a devoção à Natividade, o mistério da encarnação de Deus que do seio da Virgem Maria num recôndito estábulo de Belém vem comungar com a humanidade os seus padecimentos e desse modo libertá-la da corrupção da carne. Era então por certo mais evidente para cada um a importância da vida espiritual e da oração, fonte preciosa da esperança que move montanhas e conforta as aflições. Já as pessoas, na sua humanidade, eram intrinsecamente como nós. O Natal repetia-se a cada ano graças a Deus.
Passados alguns séculos, com o livre arbítrio ensinado nos Evangelhos - porque só o Amor verdadeiro colhe - do crescente conforto e abundância que o Homem tanto tinha suplicado e recebido de Deus, vieram outras luzes que as conquistas técnicas e científicas eram deslumbrantes. Muitos foram os que então se encandearam, e alguns se iludiram. Afinal o Natal não era de Deus, era “quando o homem quisesse”, que era para si que afinal os pastores e os reis sempre deveriam ter prestado culto. Equivocados, julgaram que era homem o princípio e o fim de todas as coisas, único dono das suas acções e destino, cuja “boa vontade” não se deveria circunscrever a uma data. Alguns mais afoitos quiseram mesmo acabar com a festa e até experimentaram um novo calendário – o banho de sangue foi o que se viu.
Claro que já ninguém se espanta que, chegados à maravilhosa modernidade, quando a comida já nasce nos supermercados, dominámos a natureza, e somos desafiados a viver para sempre sem susto e sem dor, a maioria já não reivindique o Natal “quando o Homem quiser”. O Natal passou a ser “o que cada um quiser”: elfos e gnomos, comidas e bebidas, chifres de renas nas cabeças, barretes e luzinhas a piscar, que a vida seja um interminável carnaval de sensações e suspeita-se que muitas depressões medicadas. Chamam-lhe progresso.
Acontece que ainda hoje alguns de nós nos juntamos numa igreja iluminada para a Missa do Galo, mesmo no meio da cidade enlouquecida de idolatrias e alienações. Com cânticos de festa, vestidos a preceito para celebrar o nascimento do Jesus Menino, na senda duma esperança verdadeira e a pedir o seu império no nosso coração endurecido. Porque por detrás de tanta ciência e arrogância afinal somos todos irmãos na fragilidade e na aventura desta peregrinação terrena e arriscamo-nos a morrer sozinhos, que a vida gasta-se num instante em caminhos perdidos. Afinal o Criador não pede licença para existir e a realidade, para contrariedade de muitos, existe apesar de nós, apesar do nosso olhar. Permitamo-nos então que nos consolemos com o mistério da Sua vinda que nos foi dada, e que, aqui entre nós, é nossa a última esperança. Que o nosso coração se deixe iluminar pelo milagre do nascimento de Cristo inscrito na História para sempre – mesmo quando algum homem não queira.
Feliz Natal a todos os leitores do Corta-fitas, são os meus votos!
Na imagem: A Adoração dos Pastores – Gerrit van Honthorst - 1622
25%? Porquê 25%, perguntam-me a propósito do post em que propunha um acordo para que os catatrofistas que andam a anunciar que o pior está para vir se deixassem disso se a meio de Janeiro o número de casos não fosse maior que o número do dia 24 de Dezembro em pelo menos 25%, já que andam a anunciar um efeito do Natal que vamos pagar caro em Janeiro.
Na verdade não há uma razão concreta para eu ter usado 25% em vez de 24 ou 26%, por exemplo, usei um número ligeiramente acima do que se verificou a meio de Dezembro nos EUA, depois de Fauci (entre outros) ter anunciado uma explosão de casos depois do Thanksgiving, sobretudo tendo em atenção a enorme movimentação de americanos.
O facto é que desde 9 de Dezembro, sensivelmente dez dias depois do Thanksgiving, exactamente quando os especialistas previam uma explosão de casos (naturalmente se houvesse uma explosão de contágios no fim de semana do Thanksgiving e Black Friday, os números só o reflectiriam a partir do quinto dia e mais expressivamente ao fim de uma semana), os EUA entraram num planalto de casos.
O fim de semana do Thanksgiving corresponde à queda momentânea no gráfico, do lado direito, que tanto se verifica nos casos como na mortalidade e que corresponde ao facto de muita gente não trabalhar nesses dias e, consequentemente, haver menos processamento e registo de dados, não corresponde a qualquer alteração real na curva de casos, que se mantém em subida, impávida e serena, sem nenhuma aceleração visível de casos, muito menos a explosão de casos reiteradamente prevista.
Claro que amanhã pode haver de facto uma explosão de casos, o que já não faz sentido é atribuir essa alteração de tendência ao que se passou no fim de Novembro, princípio de Dezembro.
Claro que uma visão agregada dos Estados Unidos mascara a sua imensa variedade geográfica, e há muitos sítios onde é possível manter a ideia de um aumento de casos por causa do Thanksgiving, só que esta celebração, e os movimentos de pessoas a ela associados, são transversais a todo o país, portanto, a haver um efeito relevante no número de contágios, a curva agregada do país, com maior ou menor expressão, com certeza o mostraria.
Só que não há sinal de nenhuma ruptura da curva.
Agora olhemos então para o Natal em Portugal, à luz deste precedente.
Independentemente de nos próximos dias ser perfeitamente possível haver um aumento expressivo de casos por causa do aumento expressivo de testes, em consequência da prática, aliás compreensível, das pessoas se testarem antes de estar com alguns membros da família com quem não estão habitualmente, vamos admitir que no dia 24 de Dezembro, amanhã, estaríamos em tornos dos 4 mil casos (a média anda agora pelos 3500 a 3700, sendo menos nos números divulgados no Domingo, Segundas e Terças, e maior nos restantes dias, portanto hoje, quarta, haverá com certeza uma subida em relação a ontem que pode bem ficar acima dos 4 mil casos, sem que isso signifique alteração de tendência).
Os tais 25% de aumento até meio de Janeiro significariam mais mil casos, estaríamos portanto nos cinco mil, de média.
Já lá estivemos, portanto podemos admitir que a mortalidade associada andaria pelos 90 (depende muito do que se passa nos lares a mortalidade descer ou subir mais ou menos), o que corresponde a 20 mortes diárias acima do que temos agora.
20 mortes diárias a mais durante três ou quatro dias, das quais metade a dois terços seriam de pessoas com escassa esperança de vida (é impressionante como na avaliação dos efeitos sociais desta epidemia se omite, quase sistematicamente, o facto de metade a dois terços dos mortos registados com covid dizer respeito a pessoas que têm uma esperança de vida de menos de um ano).
Este seria então o preço a pagar pelo Natal menos confinado e que os defensores de medidas férreas de contenção de contactos quereriam evitar.
Para decidir é agora preciso pôr no prato da balança os efeitos de um Natal fortemente restritivo nos restantos aspectos que contam: saúde mental, solidão e abandono, sobretudo dos mayores, mas é bom não esquecer a crueldade de tribunais que pretendem impedir jovens de ir a casa pelo Natal para se perceber que é muito mais gente que os mayores, pobreza, deslaçamento social, etc..
O que posso dizer é que ainda bem que não tenho de ser eu a decidir, o que estranho é haver tanta gente que, também não tendo de decidir, faz campanhas inacreditáveis para influenciar esta decisão, para além dos que apoiam a decisão com a informação que produzem, esquecendo-se de escrever bem claro, nos seus relatórios, que apenas produzem uma informação parcial que não tem em linha de conta os custos associados às propostas que fazem.
Os 25% que usei é um número arbitrário, tem apenas a virtude de permitir estabelecer uma referência que torna mais difícil discutir o assunto abstractamente, em que num lado estão as afirmações demagógicas de que "todas as vidas contam e ninguém pode ser deixado para trás" para justificar medidas que deixam milhares de pessoas invisiveis para trás.
E permite discutir, a partir do meio de Janeiro, o que fazer da vez seguinte em que, mais uma vez, Pedro disser que vem lobo.
Catarina Martins, fiel a si própria e ao bloco, mais uma vez insiste: o subsidio de desemprego deve ser substituído por emprego obrigatório nas empresas que ainda não dão prejuízo. Como é o caso da Galp que, vergonhosamente, ainda tem lucros, distribui dividendos e mesmo assim, insiste em despedimentos. Só porque não tem trabalho para eles e se recusa a inventar uma ocupação, provavelmente tipo OTL, para os manter ocupados e na folha de pagamentos.
Ainda não divulgou a obrigatoriedade das empresas terem que contratar funcionários até deixarem de dar lucro. Ou até mais além, já que no limiar da falência, o Estado salvador e director, interviria para manter as empresas e os empregos ( não se sabe com que dinheiro) . Mas essa excelente iniciativa deve estar pensada para depois, apenas para quando for garantido impedir qualquer tipo de despedimento.
O Bloco e Catarina Martins, parecem apostar em tornar o PCP aparentemente num partido neoliberal.
Os ricos que paguem a crise já não é útil. Depois de décadas de esforços, os ricos são uma espécie em vias de extinção, que merecem preservação, em nome da diversidade animal e como referencias do mal. Resta explorar a próxima etapa : as empresas que paguem a crise.
Não falta muito tempo (e o que é isso do tempo?) para sermos esquecidos destas ruas que um dia palmilhámos em busca de quem. Porque foi só com os outros que existimos. Aquela música que já não toca para nós, da janela ninguém nos espreita, ninguém nos espera, como quando fomos esperança de alguém e nos guardou numa moldura empoeirada. Enquanto a memória durar, enquanto os nossos mais queridos permanecerem, que também eles se irão embora, corrompidos pelos anos em que a saudade se esvai, por troca de rugas fundas de estranheza. Não se aguenta muito tempo demasiada saudade. A culpa foi toda nossa que quisemos um sentido para viver. Virão dias luminosos indiferentes à nossa ausência. Ofuscantes, tudo por resolver e a desordem também. As ondas geladas a rebentar nas rochas, as mesmas em que um dia nos sentámos, a conversar a vida, fazer projectos e balanços. E tantos outros antes de nós... Fomo-nos todos embora, e o vento levanta-se arrogante, alheado.
No fim é o Mistério que nos salva - e está para durar (o que é isso do tempo?), que é maior que uma feroz clarividência madrugadora, despida de humanidade, mesquinha e traiçoeira. Enquanto houver o Natal, enquanto houver uma casa.
Imagem: Noite Santa, - Antonio da Correggio 1489 - 1534
Estes últimos vestígios do governo de Passos Coelho, foram finalmente esmagados! O que é nosso é para nós. Acabou-se a pouca vergonha de vendermos a alto preço casas a estrangeiros. Obrigando os pobres Portugueses com mais de 500.000 euros para dar por uma casa, a ir morar para mais longe do que queriam. A enriquecer proprietários , miseráveis especuladores, que poderiam vender a preços que se vissem. A acabarmos com o excesso de habitação construída e obrigar os desgraçados dos trabalhadores a terem que construir novas casas. A obrigar lojistas a aturar novos clientes. E sobretudo, a diminuir o ritmo da nossa miséria colectiva.
Palavra dada é palavra honrada. Tudo de bom que foi feito no breve consulado de Passos Coelho está em vias de acabar! Aleluia!
Retirei isto de um video muito interessante (está na página da wikipedia sobre a pandemia na Alemanha) sobre a evolução da incidência de casos ao longo do tempo, na Alemanha.
Preferia usar a mortalidade, em vez do número de casos porque o número de casos em Março/ Abril não pode ser comparado com o número de casos actual, dado que nessa altura não se testava como testa hoje.
O interesse destes dois bonecos não é, pois, a sua comparação directa, mas o peso relativo, em cada momento, de cada "concelho".
Parece evidente que não se pode falar de duas ondas, uma da Primavera outra agora, na Alemanha, porque na realidade se trata de incidências geograficamente disjuntas, dentro do mesmo país.
Só se pode falar de ondas quando se amalgama tudo num país, tomado como unidade geográfica, em vez de se adoptar uma unidade geográfica que nos dê mais informação.
Pico da Primavera
Pico (ou quase, não sei) actual.
Espero contribuir para reforçar a ideia de que falar em países quando a incidência é por surtos razoavelmente localizados, é adoptar um mau instrumento de análise.
A principal força que levou ao nascimento da CE, foi geopolítica. Depois de duas guerras que, em 30 anos, devastaram a Europa, tudo o que pudesse reforçar a impossibilidade de uma nova guerra, merecia todos os esforços.
A segunda vaga de entusiasmo na construção Europeia, foi a constatação de que um mercado comum, era mesmo uma boa ideia. E que todos beneficiavam. Uma motivação económica que também servia os interesses da paz no Continente, ao tornar interdependentes todas as economias e alargando prosperidades.
A terceira grande vaga que reforçou a ideia de Europa, foi a de que, no mundo actual, potências médias continuariam a ser médias, mas deixariam de ser potências á escala global. Que apenas através de uma união, de um enorme mercado a uma só voz, seria possível sobreviver num mundo de gigantes. Como ter poder em negociações com antigos, novos e futuros colossos como os EUA, a Rússia, China, Índia, Indonésia ou Paquistão? Não parece questionável que a união faz a força. Ainda recentemente o Canada e o México foram obrigados a um humilhante ( embora substancialmente identico) acordo comercial com os Estados Unidos que, unilateralmente, forçaram a uma nova Nafta.
O problema acontece quando os custos da permanência na CE aumentam e os seus benefícios parecem ser agora menos determinantes.
A memoria dos riscos da guerra deixou de estar presente na Europa. Ninguém acredita em conflitos na Europa “ocidental” até porque a CE está presente no continente. É a lógica das vacinas a funcionar. Se todos estiverem vacinados então, quem não o é, beneficia da imunidade de grupo. Já em termos mais vastos, sempre competiu à NATO, providenciar a verdadeira segurança.
O livre comercio, embora esteja a atravessar um período menos fulgurante, veio para ficar. E as economias funcionam cada vez mais em termos de concorrência perfeita: todos tendem a querer que todos os mercados lhes estejam abertos e disponiveis a atribuir reciprocidade. A recente constituição da RCEP , uma associação de comercio Ásia-Pacifico que congrega 1/3 da economia mundial, incluindo a China e muitos dos países com quem existem diferendos no seu mar do Sul, é um exemplo de como, num mundo crescentemente pragmático e focado na economia, é possível estabelecer parcerias com inimigos potenciais. Em tese, cada vez mais se acredita poder continuar a fazer negócios praticamente debaixo de uma chuva de obuses nos dois sentidos. Um exemplo que reforça o interesse de zonas de comercio cada vez mais livres, mas que não impede que independentemente delas, o comercio internacional seja, em qualquer outra circunstância, cada vez mais livre, entre uma zona de comercio e qualquer pais terceiro. Os custos aduaneiros são cada vez mais irrelevantes e as especificações e requisitos administrativos de um produto podem, sendo interessantes, ser copiadas.
Já uma integração política, obriga a transferências de soberania. Ferindo orgulhos, mas também interesses específicos. E num mundo com menos crescimento, começou a pesar a factura da solidariedade e da burocracia para os países contribuintes líquidos.
É neste contexto que surge o BREXIT.
Uma economia, um mercado, que pela sua dimensão não é desprezível para ninguém. O que por interesse próprio dos outros países e blocos comerciais, conduzirá, nem que a prazo, a negociações comerciais satisfatórias.Claro que há sempre perdas: o mercado financeiro de Londres, a ultima das jóias do Império Britânico, deverá sofrer um atropelo. Que os optimistas pensam compensar só com a oferta de serviços de fuga fiscal na Europa continental. Há, como sempre, os riscos de as coisas correrem mal, dado que ninguém domina o funcionamento detalhado e complexo de milhares de industrias, actividades e serviços.Há sempre imprevistos.
Certos são os benefícios: deixar de pagar as contribuições, e a perda de soberania. Incerta e provavelmente improvaveis, a relevancia dos custos.
Fico triste com a partida de um contribuinte liquido e com um país que sempre se bateu por conter o aumento do despesismo Europeu. Uma má noticia para os paises perifericos e mais pobres da CE, como Portugal. Mas não deixo de perceber a estratégia e as suas justificações.
Vamos ver como corre!
Vejo por todo o lado, das pessoas mais qualificadas às menos qualificadas, afirmações peremptórias de que vamos ter uma explosão de casos em Janeiro por causa das regras laxistas para o Natal.
Eu tenho uma proposta de acordo.
Se a 15 de Janeiro os casos aumentarem mais de 25% em relação a 24 de Dezembro, podem continuar a prometer o apocalipse para amanhã e a tomar medidas radicais para o evitar.
Se o aumento de casos ficar abaixo dos 25%, quer dizer então que um Natal com regras laxistas (questáo diferente é o comportamento das pessoas, que é largamente independente das medidas coercivas tomadas) não teve um efeito por aí além, as coisas ficaram dentro da capacidade de encaixe do sistema de saúde e podemos parar com as promessas do apocalipse para amanhã e com as medidas que impactam radicalmente a vida das pessoas, sem grande efeito na progressão da epidemia.
Começando por enterrar definitivamente qualquer hipótese de fecho de escolas (mesmo à maneira dos políticos do centro da Europa que para acalmar os seus eleitores resolveram fechar as escolas durante as férias de Natal, prolongando-as um bocadinho).
Quando Bismark introduziu, pela primeira vez, as pensões de reforma, a idade de referencia foi de 72 anos. Eram tão poucos os que chegavam a essa idade, que foi depois decidido baixar a idade para 65 anos. Ainda hoje, uma referencia mítica quando falamos do tema.
Chega-nos hoje um estudo da OCDE, que alerta para que, em Portugal, em 30 anos, a idade da reforma tenha que passar para os 72 anos, de forma a tornar o sistema solvente.
Estas previsões, que dependem de projeções de fertilidade, esperança de vida, imigração, produtividade e crescimento económico, com base em tendências, não têm nada de ideológico e são o resultado de aritmética simples.
Se as previsões se concretizarem, muitos direitos adquiridos ou expectáveis terão que ser corrigidos em função da brutal realidade da falta de meios para que assim não seja.
A diminuição da população e baixos crescimentos económicos, os principais factores que condicionam estas projecções, não são inevitabilidades.
Uma política de imigração pode resolver parte do problema. Mas se não conseguirmos inverter a nossa mediocridade económica, nem conseguiremos atrair migrantes, nem conseguiremos inverter um aumento brutal da idade da reforma.
Se soltarmos a produtividade com políticas que não agridam permanentemente o mercado, se passarmos a ter um Estado menos ineficiente, não será necessário passar por um aprofundamento das nossas dificuldades e perda de qualidade de vida.
É difícil mudar, mas se não o fizermos, depois não poderemos queixar-nos de que, em vez de Natal teremos muitos dias de finados. Essa será a nossa escolha.
Gosto de Carlos Antunes.
Não concordo nada com a sua interpretação da evolução da epidemia - Carlos Antunes resume tudo a medidas para a frente e medidas para trás e eu acho que há muitos mais factores em jogo, sendo o efeito das medidas muito discutível e, quiçá, pouco relevante - mas tem uma qualidade rara: dá atenção a toda a gente que comenta o que escreve, nunca o vi perder o registo racional e cordial na resposta às objecções, etc..
Desta vez, de acordo com mais uma peça de campanha do Observador, terá dito o que transcrevo: "“É uma decisão política que resulta do peso de dois aspetos: a reparação económica ou a saúde pública. A decisão cabe à instância política, mas qualquer decisão terá um preço a pagar. Se a reparação económica pesa mais, a consequência serão mais casos, mais internamentos e mais mortes”, diz o investigador, que trabalha com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes no aconselhamento científico ao Governo."
A peça em si não me merece muito comentário, tanto mais que a única especialista em epidemias que o Observador foi consultar (os outros são especialistas noutras coisas, medicina familiar, medicina intensiva, matemática aplicada, enfim, coisas úteis para produzir informação que permita gerir uma epidemia, mas são são especialistas em epidemias, como um especialista em borracha não é especialista em fórmula um mesmo que os pneus dos carros sejam fundamentais para o seu desempenho) é afinal favorável a uma gestão equilibrada do Natal.
O que me interessa é mesmo a frase de Carlos Antunes de que qualquer decisão terá um preço a pagar, a adaptação à epidemia da célebre ideia de que não há almoços grátis.
Para tomar uma decisão, ou mesmo para ter uma opinião, seria preciso saber qual o preço a pagar pelas diferentes decisões, visto que todas têm um preço.
Carlos Antunes diz que celebrar o Natal com as medidas em vigor em Portugal tem um preço em mais casos, mais internamentos e mais mortes.
Sensatamente não nos é dito quantos mais casos, quantos mais internamentos, quantas mais mortes.
Mas convém ter a noção de que o preço estabelecido por Carlos Antunes para a ausência de medidas anteriores foi manifestamente acima do que se verificou, em casos, em internamento e em mortes.
Já agora, o preço que Fauci estabeleceu, em casos, internamentos e mortos, para os Estados Unidos, por causa do thanksgiving também foi manifestamente exagerado.
Pelo contrário, o preço que se conseguiria diminuir no Reino Unido e na Alemanha com as medidas tomadas no início de Novembro, não se verificou, estando o preço a ser bem mais alto do que o previsto.
Daqui não se pode concluir nada sobre a qualidade do trabalho destas pessoas todas, a única coisa que se consegue concluir é que a margem de erro associada a este tipo de previsões é altíssima (por exemplo, as previsões das autoridades suecas sobre o Outono/ Inverno e sobre a imunidade de grupo, com base numa abordagem substancialmente diferente, também se revelaram muito pouco precisas).
Mas o mais estranho no que é dito por Carlos Antunes - e por todos os outros com excepção de Elisabte Ramos - não é o facto de ignorarem a incerteza nas suas previsões, mas não considerarem o preço a pagar por se adoptarem as medidas que defendem, nas outras dimensões do problema, a principal das quais é o aumento da pobreza, quer da pobreza mitigada a que as nossas ricas sociedades conseguem ir dando resposta - pela primeira vez a Unicef distribui apoio alimentar de emergência no Reino Unido - quer a probreza extrema que se verifica maioritariamente em países do terceiro mundo, com estimativas entre 50 a 100 milhões de pessoas a voltarem a ter de viver abaixo do limiar da pobreza extrema.
A pobreza mata e para tomar decisões equilibradas é preciso saber, em relação a cada medida, se os seus efeitos globais têm um saldo positivo ou negativo.
À boa maneira do pensamento mágico que apenas olha para a facturação das empresas e não para os custos, estamos a tomar decisões com o objectivo de melhorar o desempenho de uma das componentes do problema, sabendo que o grau de incerteza sobre o seu efeito é altíssimo, ao mesmo tempo que decidimos, conscientemente, ignorar todos os custos associados às decisões tomadas.
Já não falo, sequer, na forma como vários médicos falam do assunto pondo a tónica no seu cansaço e na capacidade de encaixe dos serviços de saúde, como se a capacidade de encaixe dos serviços de saúde, e o cansaço dos seus profissionais, não fossem consequências de opções políticas de gestão do sector, incluindo coisas espantosas como a permanente oposição da Ordem dos Médicos à liberalização do ensino de medicina em Portugal, achando normal que para defender o status quo no sector, todo o resto da sociedade deva empobrecer e aguentar sacrifícios que estão muito para lá do exigível.
Honra seja a Elisabete Ramos, a única especialista em epidemiologia que o Observador resolveu ouvir, que insiste em que as decisões sejam tomadas olhando para os dois pratos da balança.
Marcelo Rebelo de Sousa é um homem que funciona a solo. Nas mais diversas dimensões (política, académica, social, …) é alguém que não trabalha em equipa. Não tem “comissão política”, decide no seu recanto e vai a todo o lado onde viva um português mas sempre, sempre sozinho. Esta característica associada à sua inteligência e cultura superiores tornam este homem num personagem invulgar. Com todos os defeitos associados: mestre da intriga política, natural capacidade de afirmar algo e o seu contrário e visão carregada de interesse pessoal no que faz e no que afirma.
Muitos criticam a falta de ideologia. De facto, a sua ideologia é a do momento. Ou seja, sem ideologia. Outra crítica é a de ter enfraquecido a direita pois sendo ele, originalmente, do centro-direita, tem secado toda esta área (é quase como um “eucalipto político”) mas também é verdade que a direita está em estado de colapso eminente e por responsabilidade que não se pode, apenas, atribuir a Marcelo.
Aplaudi as suas intervenções em vários momentos chave da vida nacional (incêndios, o início do combate à pandemia, a rejeição da regionalização...) nos últimos cinco anos mas em muitos outros (o recente caso do ucraniano morto pelo SEF, o excessivo alinhamento com o Governo de Costa, ...) não o acompanhei de todo.
Isto dito, em quem vou votar? Em República temos de tomar posição sobre a escolha do Chefe de Estado e nesta perspetiva qualquer das alternativas ao Marcelo é muito, mas mesmo muito, má. Por outras palavras, Marcelo é o melhor candidato que temos. Resta apenas, em alternativa, a posição dos monárquicos: votar em branco ou não votar mesmo.
Vou votar em Marcelo mas tenho um amargo de consciência que hoje se reforçou com esta notícia: a eutanásia. Caso Marcelo não envie a lei para o Tribunal Constitucional e opte pela sua aprovação, então o meu voto será em branco. Serei então monárquico? Não! Ficarei num beco!
Evangelho segundo São Lucas 1,26-38
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era descendente de David. O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?».
O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
Palavra da salvação
No Expresso desta semana, Luís Aguiar Conraria, apresenta um artigo sobre os dilemas entre as escolas publica e privada. Lembrei-me de uma citação de George Clemenceau e do COVID. A citação, "Um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja um socialista aos 40 não tem cabeça." Do Covid, pela aparente surpresa da redescoberta que uma doença pode deixar sequelas.
Não conheço Aguiar Conraria, mas tenho-o por um Homem de boa vontade e inteligente, o que não é pouco. Suspeito agora, de um passado de esquerda, que deixou sequelas. Partir de falsos pressupostos, leva a conclusões erradas ou a hesitações sem sentido.
No artigo, que se pode ler aqui, em síntese, Aguiar Conraria reconhece a superioridade do ensino privado, lembra como a existência de um sistema misto ( privado para uns/publico para outros) dificulta o elevador social, a igualdade, e questiona-se sobre qual a solução para este dilema. Um sistema publico ou privado.
No caso da educação, parece óbvio que o objectivo essencial deveria ser a melhor educação possível para todos. Como já é evidente, para quase todos, o ensino privado é superior ao publico. A competição pelos cheques educação fariam, necessariamente, elevar o nível da educação. Não é por acaso que os colégios privados são procurados ( apesar do seu custo) e sejam possíveis focos de eternização de “castas”. Seria, ainda, possível baixar os custos com educação por parte do Estado, um resultado colateral que não é insignificante. Ou aumentar a qualidade do ensino, para o mesmo investimento.
A hesitação na resposta ao problema educativo, só existe, porque é introduzido a temática da igualdade social, uma das vacas sagradas da esquerda, que confunde, baralha e distorce questões objectivas, princípios prioritários, quando é elevada a valor supremo.
E se a igualdade de oportunidades fosse o valor supremo, seria exactamente a resposta contrária à que deveria ser tomada: proibir a escola privada e apostar tudo na escola publica. Nivelar por baixo. Garantir um ensino pior a todos. Garantir que os mais ricos ou os mais pobres, tenham as menores qualificações possíveis e enfrentem tão desprotegidos quanto podermos, o resto do mundo. No limite, haverá ainda que, aos mais inteligentes e trabalhadores, em nome da igualdade, serem cuidadosamente programados para não serem melhores do que os outros. Nos casos extremos, porque não lobotomias ? Mal preparados mas uniformes!
Faz algum sentido? A igualdade de oportunidades nunca será atingida. Nem é desejável que o seja, se representar mediocridade geral e violência aos que se distinguem naturalmente. Será um valor a ter em conta e a perseguir. Mas nunca deverá ser o objectivo ultimo do que quer que seja.
Uma tecla repetida milhões de vezes, até pode passar a parecer inquestionável. Mas não é.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
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