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Em termos do número de testes realizados, os nossos responsáveis não têm poupado: Portugal é o país com mais de 3 milhões de habitantes, que mais testes efectuou proporcionalmente à sua população. No dia 29 de Abril o valor reportado no worldometer é de 37,223 testes realizados por milhão de habitantes.
Os Sul Coreanos, apresentam, na mesma data, 11,980 testes por milhão de habitantes que com menos de um terço dos testes, conseguiram resultados impressionantes. O número de infectados e mortes por milhão de habitantes é de 210 e 5, respectivamente. Muito menores que os valores apresentados em Portugal e de forma geral, pelos países atingidos pela epidemia. Melhor do que os registos acumulados, é o facto de, depois de um rápido surto que transformou a Coreia do Sul no segundo pais mais atingido, as contra medidas tomadas, controlaram muito rapidamente o surto, baixaram drasticamente os novos casos de infecção diária, que, há já algum tempo, ficam na casa de um dígito .
A explicação para tão bom desempenho não pode ser atribuída a medidas de distanciamento social especialmente rigorosas, num pais que nunca retirou amplos direitos aos seus cidadãos, como aconteceu na Europa.
Parece que temos muito a aprender e sabemos quem nos pode ensinar. Só não percebo porque nem nós, outros europeus e norte-americanos o fazem! Será a soberba do Homem branco?
PS: Não apenas a Coreia do Sul, mas muitos outros países asiáticos, contrastam muito positivamente com o que está a acontecer na Europa e América do Norte.
José Miguel Roque Martins
Convidado Especial*
* As opiniões manifestadas pelos nossos convidados são da sua exclusiva responsabilidade.
O costume. A UGT alinhou pelas regras do bom senso, não intentando perturbar a segurança pública. Já a CGTP não nos poupa: cenário montado, na peça só não participam crianças e idosos, mas a manif do 1º de Maio faz-se. É claro, um comunista é imune e sem pais, sem filhos nem netos quando chegar a casa.
Haverá, portanto, a festança da Av. da Liberdade. Ou outra igual, a esforçar-se para ser diferente. Manda a ideologia.
E depois os remoques ao SNS. O PCP necessita sobreviver e o nosso Costa nunca terá cabedal para paralisar a programada marcha da morte. Numa angústia absoluta para ressuscitar a nossa economia, tudo consente, tudo a sua generosa barriga empurra para a frente. Está por minutos a fórmula alquímica por ele descoberta de acordos à esquerda...
(Acabo de saber os números infectados/óbitos referentes a ontem. Estes últimos continua(v)am a decrescer; aqueloutros quase quadruplicaram. É sabido, há um período medido entre a contaminação e o desfecho fatal. Ainda assim, o 25 é o 25 e o 1º é o 1º... Aguardemos estatísticas próximas.)
Como é sabido, o governo impôs uma margem de lucro de 15% a uma série de produtos, incluindo a estrela da companhia, o gel alcoólico.
O Pingo Doce tem hoje nas prateleiras das promoções gel alcoólico garantidamente com 75% de alcool, a 3,99 uma embalagem de 230 ml e 0,94 uma embalagem de 100 ml.
Há quem vote para ter um Estado que controle os preços, com o que isso implica de sobrecarga burocrática associada, ineficiência na alocação de recursos e, em casos extremos, escassez de bens, há quem vote para ter empresas que satisfaçam as necessidades reais das pessoas de forma eficiente.
Há algum tempo que escrevo sobre a covid não sabendo eu nada do assunto.
Já fui mudando de opinião várias vezes, já fui reconhecendo erros de previsão (ao contrário do responsável pelo modelo do Imperial College, que continua a dizer que está tudo a correr como previsto), fui realinhando argumentos, fui refazendo erros ou imprecisões que me convencia (ou me convenciam) que os meus argumentos tinham.
Mas as intuições iniciais - que isto é um processo natural que tem de ser gerido nos seus efeitos, e que a forma de o gerir não pode ser pior que a falta de gestão - têm-se mantido.
A coisa mais estranha que tenho ouvido, não especificamente em relação ao que escrevo, mas em relação a qualquer pessoa que se limite a dar contexto aos números da covid comparando-os com os da gripe, é a de que se pretende desvalorizar a covid dizendo que é só uma gripezinha.
O argumento, em si, é bastante estúpido e não vale a pena perder muito tempo com ele, mas tem um aspecto para que vale a pena olhar com mais atenção, é a ideia de que a gripe é só uma gripezinha.
É difícil saber quantas pessoas morrem de gripe (e complicações associadas) mas a Organização Mundial de Saúde diz que podem ser até 650 mil pessoas num ano, com variações muito grandes de ano para ano (varia entre 350 a 650 mil, se não me engano, mas não fui verificar o número inferior).
O que aparentemente o uso desse argumento demonstra é que uma boa parte das pessoas (eu incluído até me ter metido nesta discussão) desconhece o verdadeiro impacto epidemiológico da gripe e, consequentemente, quando ouve alguém dizer que a mortalidade da covid anda pela mortalidade de um ano mau de gripe (globalmente, localmente há variações importantes, mas isso também é verdade para a gripe), acham que isso corresponde a uma desvalorização da covid, em vez de perceber que se trata é de uma valorização da gripe no que ela tem de importância social, em especial para as pessoas acima de 65 anos.
Quando a poeira assentar, quando passar a ser possível discutir racionalmente o que aconteceu, o que correu bem ou mal na gestão desta epidemia, é bem provável que haja muito mais gente a perceber que a gripe não é só uma gripezinha, é um motor muito relevante da mortalidade acima dos 65 anos (e, ao contrário da covid, também no outro extremo da estrutura etária, embora, felizmente, com menos impacto).
Coronavírus hoje em Portugal – 24.505 casos, 973 vítimas mortais
Não é sem algum incómodo e até angústia que percepciono pelas redes sociais sinais de indignação e resistência ao inevitável retomar da normalidade, que se expressam em diferentes matizes: os rezingões a espreitar da janela as famílias que já se atrevem a sair à rua com as suas crianças, os snobes que bocejam contra o reatamento dos jogos de futebol, e os outros que se sentem ameaçados por uma suposta visão economicista que se estará a sobrepor ao sagrado valor da vida humana, escondida atrás do alívio das medidas de confinamento. Perante isto e a absoluta incerteza quanto à perspectiva duma imunidade ao COVID-19, seja por via natural ou por via de uma vacina disponível para toda a gente, parece-me urgente que cada um assuma a sua responsabilidade no esvaziar da bolha de medo em que comodamente nos instalámos, e na promoção dum retorno progressivo à normalidade. E não me venham com a história de que uma vida humana não tem preço, pois toda a gente sabe que tem, desde logo o sabem as instâncias do Estado que todos os dias rejeitam medicamentos inovadores por avaliação custo vs benefício (o que valem alguns meses de vida para uma pessoa com cancro?).
Assustadora me parece a passividade com que nas últimas semanas prescindimos da nossa liberdade e do sentido crítico, a facilidade com que tantos vigiam, julgam e denunciam outros mais afoitos, rejeitando liminarmente quem recuse a narrativa dominante, a crise vista da enfermaria. Se ser hipocondríaco é um capricho pequeno-burguês, o resto revela-nos bem como vivemos tão conformadamente os 48 anos do Estado Novo.
O que é facto é que ontem num passeio ao centro de S. João do Estoril constatei que o pessoal está a por a cabeça de fora, que as pessoas comuns que não possuam gordas economias, ou vivam de rendimentos ou pensões, estão em vias de desesperar. E que até aos mais resistentes a psicose do isolamento começa a fazer estragos. É urgente que os poderes mudem a narrativa, corrijam o caminho, pois parece evidente que vamos ter de viver com o coronavírus à porta de casa durante muito tempo e este ambiente de medo não pode prevalecer. Temos de assumir o risco e sair das nossas casas, se queremos voltar a reencontrar os nossos pais vivos e não causar danos irreversíveis às nossas crianças em prisão domiciliária. E obter sustento para levar para a mesa.
E a todos que acreditam que estamos a travar uma guerra, é bom que entendam que em face à devastação ocorrida, será no convívio com o inimigo que teremos de dar início ao movimento de reconstrução das nossas vidas, trabalhos de hércules em que todos somos convocados a participar. Quanto antes.
As conquistas do socialismo revolucionário, fazem levar as mãos á cabeça a qualquer cristão.
José Miguel Roque Martins
Convidado Especial*
* As opiniões manifestadas pelos nossos convidados são da sua exclusiva responsabilidade.
Sim, com certeza há incerteza.
Mas na incerteza há limites de incerteza.
Na ausência de demonstração desses limites, o que se faz é usar o conhecimento existente como hipótese para definir políticas hoje, ao mesmo tempo que se vai reduzindo a incerteza e ajustando as políticas amanhã.
Um caso típico é o da incerteza sobre a imunidade conferida pela infecção.
Não sabemos se existe, mas sabemos que a reinfecções conhecidas, independentemente das dúvidas sobre os casos em concreto, estão num nível estatisticamente irrelevante.
Só que isso não nos diz nada sobre o que se passará daqui a três meses (nota: este facto elimina toda a conversa sobre termos de viver em tempos de excepção até haver vacina. Não sabendo que tipo de imunidade é conferida e por quanto tempo dura, apostar tudo numa vacina como instrumento de gestão da epidemia é jogar na roleta, que para alguns será russa).
Certo.
É aí que entra o que sabemos sobre os primos deste vírus: "How long is immunity to COVID-19 likely to last? The best estimate comes from the closely related coronaviruses and suggests that, in people who had an antibody response, immunity might wane, but is detectable beyond 1 year after hospitalisation."
Ou seja, não sabemos, temos de ir acompanhando o assunto mas, até ver, o que temos de fazer é usar essa informação acima para influenciar as políticas, em vez de dizermos que como temos dúvidas, temos de ser maximalistas no uso do princípio da precaução.
A questão social de fundo é que a precaução em relação a um problema pode ser pura imprudência em relação a outro problema e é por isso que o princípio da precaução deve ser usado com base no princípio da precaução.
O governo acaba de finalmente tornar público o cálculo do Instituto Ricardo Jorge sobre a evolução do Rt
A leitura que é feita oficialmente do gráfico acima é esta:
"O número médio de casos secundários resultantes de um caso infetado, medido em função do tempo [R(t)] deve ser calculado ao longo da epidemia e mede a transmissão ao longo do tempo. Pode ser usado para medir a efetividade das medidas de contenção e atraso. A estimativa do R(t) variou entre 0,94 e 2,49, observando-se uma tendência de decréscimo desde o dia 12 de março (anúncio fecho das escolas), com quebras mais acentuadas em 16 de março (fecho das escolas) e 18 de março (anúncio do Estado de Emergência) (FIG. 3).
A média do R(t) para o período entre 12 e 16 de abril foi de 0,98, significando que, neste período, um caso infetado originou em média menos de 1 caso secundário, o que indica uma redução expressiva da transmissão da infeção desde a implementação das medidas de contenção em Portugal."
Eu abstenho-me de fazer comentários sobre esta leitura do gráfico acima.
"De repente, não mais que de repente", o R entrou no debate público.
No debate mais restrito já entrou há muito, evidentemente, por exemplo, Francisco Rego calcula-o (mesmo que não lhe chame assim, a ideia central, a da taxa de infecção, é a mesma) há já algum tempo e divulga-o aos amigos (no caso desta figura, o cálculo a 25 de Abril, em que se admite que a taxa de contágio começou a descer algures por volta de 1 de Março, quinze dias antes do fecho das escolas e ainda mais antes da declaração do Estado de Emergência).
O Instituto Robert Koch, na Alemanha, não só o calcula, como o inclui nos boletins diários (diz o Observador, eu não fui verificar se era assim) e até o confronta objectivamente com as medidas tomadas, como neste gráfico, o que faz sentido porque as tais medidas não farmacêuticas têm como objectivo reduzir este tal R, ou a velocidade de contágio da doença
Ora em Portugal a imprensa, que até agora tem genericamente ignorado esta discussão - concentrada como está em aterrorizar pessoas - descobriu agora o R, como se vê nesta peça que é a manchete do Observador neste momento, e o Público tem também hoje uma peça mais ou menos igual, ouvindo as mesmas pessoas e usando as mesmas fontes para dizer as mesmas coisas, mais ou menos. São peças que, como no Público, dizem que o Rt baixa por causa das medidas, mas se sobe numa semana de medidas ainda mais restritivas, como na Páscoa, conclui-se que é por causa dos desrespeito pelas medidas, sem que se perceba qual é a informação de base que fundamenta esta gincana lógica.
Não tenho o menor apreço por teorias de conspiração nem processos de intenções, portanto nem me passa pela cabeça a hipótese de que alguém esteja a controlar a informação com objectivos bem definidos (embora o Observador faça eco do risco da populaça ter na mão valores de R "“Nas mãos dos especialistas, o R0 pode ser um conceito de grande valor. Porém, o processo de definir, calcular, interpretar e aplicar o R0 está longe de ser direto. A simplicidade de um valor R0 e a sua interpretação correspondente mascaram a natureza complicada desta métrica”, dizem especialistas dos Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA.").
O que me parece que se passa é a normal fragilidade da nossa Democracia:
1) a nossa falta de exigência - o que não faltam são pessoas preocupadas com a má interpretação que "as pessoas" possam fazer de informação complexa;
2) a falta exigência da nossa imprensa - a forma acéfala como estão a ser repetidas as afirmações parcelares veiculadas pelos politicos e funcionários (para este efeito chamam-se investigadores, especialistas ou cientistas) envolvidos na gestão da pandemia sem a menor exigência de acesso à informação primária que permita o escrutínio independente dessas afirmações;
3) a ideia dos nossos governantes de que se as pessoas "soubessem o que custa mandar, gostariam de obedecer toda a vida", de maneira que o melhor mesmo é ir tomando decisões sem dar muitas explicações para não confundir o povo.
Avaliar o Rt ao longo de toda a epidemia, como faz ali acima Francisco Rego, com base num modelo simples empírico, permite ir avaliando de que forma, e por que razões, este Rt vai variando.
Os nossos jornalistas acham normal que "Ao contrário de outros países (como é o caso da Alemanha, que inclui a evolução do R nos boletins diários), as autoridades de saúde em Portugal não têm divulgado de forma sistemática a evolução diária do número de reprodução do SARS-CoV-2 no país. Este valor, que é calculado pelo INSA, tem sido partilhado apenas com a DGS e o Ministério da Saúde e discutido com os líderes políticos", não lhes suscitando esta diferença de respeito pelas pessoas comuns por parte dos governantes e funcionários qualquer urticária.
No fundo, no fundo, têm razão: para quê avaliar publicamente se as medidas, e quais medidas, estão realmente a ter um efeito no Rt, e qual efeito, se confiando nos nossos governantes teremos a segurança de saber que "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis"?
Adenda: a acefalia do jornalismo nesta discussão ultrapassa tudo o que é admissível. Agora é a moda de olhar para os números de cada dia e relacioná-los com o levantamento de medidas que ocorreu três ou quatro dias antes. Independentemente de tudo o resto, estas medidas só poderiam ter efeitos mais ou menos imediatos no R (mesmo assim são precisos alguns dias para os perceber, mesmo que sejam imediatos), só podem ter efeitos nos novos casos mais ou menos uma semana depois, e na mortalidade mais ou menos quinze dias depois. Relacionar variações de mortalidade (de resto, com muito pouco significado) dos últimos três dias com medidas tomadas há quatro ou cinco, como faz hoje o Observador noutra peça, mas fazem frequentemente outros jornais, não é jornalismo, é mesmo ignorância básica do assunto sobre o qual se escreve
Quando em toda a Europa havia casos registados de infecção com o novo corona vírus, os media portugueses davam notícia de um Portugal incólume à epidemia, acolhiam a garantia da Direcção Geral de Saúde de que o vírus não chegaria cá, e nem sequer colocavam a hipótese de alguma insuficiência de diagnóstico, de algum descaso e impreparação. Eu não tenho qualquer necessidade de media que celebram a nossa suposta singularidade, cegos à mais elementar curiosidade, interrogação ou suspeita.
Quando os primeiros casos foram registados em Portugal, os media portugueses decretaram imediatamente que nenhum país estava preparado para isto, o que é verdade; mas do mesmo passo varriam para debaixo do tapete o facto de alguns países estarem mais impreparados do que outros, como Portugal estava clamorosamente. Omitiram assim os anos de cativações, de diminuição de horário de trabalho e de calotes a pessoal e fornecedores que levaram à ruptura vários sectores do Serviço Nacional de Saúde. Eu não preciso para nada de media que, em defesa do poder, fingem que são iguais situações radicalmente diferentes, e desculpam com catástrofes sanitárias o que resulta sobretudo de incúria, má gestão e satisfação de clientelas.
Eu não preciso para nada de media que admoestam as pessoas por usar máscaras que dão «falsa sensação de segurança», que minimizam a utilidade dos testes por eles não estarem acessíveis, que fazem descaso das luvas pelas mesmas razões de «falsa sensação de segurança». Eu não sigo nem respeito media que admoestam as pessoas para que usem máscaras, e ponham luvas, e façam testes, logo que o poder muda de ideias.
Quando se tornou evidente a tragédia económica que resultará da tragédia sanitária, os media portugueses esqueceram-se da primeira. Esqueceram-se dos anos de aumento ininterrupto da dívida pública – cujo disfarce falsário em «diminuição em percentagem do PIB» sempre tinham engolido –, esqueceram-se da baixa taxa de crescimento e do empobrecimento relativo do país – cujo disfarce enganoso em «aumento acima da média da EU» sempre tinham celebrado – e passaram a apontar dedos e discursos excitados a uma Europa imaginariamente cruel e egoísta, que se preparou, foi previdente, e agora não quer pagar a perdulários e ideologias falidas. Eu nunca terei qualquer falta destes media que torcem a realidade para incensarem o poder que os subsidia.
Quando as entidades oficiais divulgam números da pandemia com um pico diário de 1500 infectados a seguir a uma infecção diária de 300 e antes de um dia com 500 infectados, os media papagueiam os números e transmitem-nos como se fossem fiáveis e sérios. Eu não tenho a menor necessidade de media que levam a falta de questionamento e escrutínio a este grau zero de profissionalismo. Não preciso, dispenso e desprezo media que recusam a pluralidade; recusam a pluralidade política, e recusam a pluralidade científica, não debatem nem se interrogam sobre nada, não são curiosos, não estudam nem perguntam, apenas promovem unicidade e pânico.
Quando o poder decide colocar todo o país em quarentena e fechar toda a gente em casa, os media portugueses assumem prontamente a missão de correia de transmissão do poder, seus arautos, seus justiceiros. Ralham com os portugueses, a que chamam «desequilibrados», ou «ignorantes», ou «irresponsáveis». Vêem pessoas ser «detidas» sem sequer se interessarem sobre porquê, e onde, e como, e com que fundamentos, e em que termos e com que destinos. Eu indigno-me com media que celebram os excessos autoritários de autoridades com o rei na barriga, ou que criticam 20 portugueses por passearem esparsamente num areal de 3 quilómetros. Eu tenho nojo de media que assumem esta vocação presunçosa e estúpida e ameaçadora de pastores e vigilantes do povo, em nome do poder que incensam.
Agonia-me a reverência dos media perante primeiro-ministro e governo, a passividade e falta de contraditório com que acolhem todos os ditames; e enoja-me que disfarcem o seu comportamento ovino e acrítico arvorando-se em heróis do escrutínio e do contraditório (e da patetice) em relação a chefes de governo e de Estado de outros países que não o deles.
Eu considero irresponsáveis, e abúlicos, e serviçais e estúpidos os media que papagueiam que não vai haver austeridade (que nunca deixou de haver), que lamentam a morte do bom registo dos «essenciais» da economia (que nunca passaram de artifício), e do mesmo passo ignoram – ignoram em absoluto, omitem crapulosamente – as situações de desemprego, fome e falência que acontecem no país, agora mesmo, debaixo dos seus olhos com palas, agravados pela incúria de 5 anos.
Eu não preciso para nada de media que se alvoroçam contra «fake news» e «redes sociais» onde, porém, se encontra todos os dias informação, dados, perguntas, dúvidas, debate, críticas que escapam aos media, miseravelmente.
No «Dia da Voz», o pivô do telejornal diz que a voz já era comemorada no hino nacional «quando refere os egrégios avós» Eu dou de barato que ele talvez saiba que se trata dos «egrégios avós», e não de «egrégios a voz». Mas registo que não compreendeu que a voz dos avós de que fala o hino é mais do que as cordas vocais, é, sim, o exemplo e o legado. E registo ainda que o pivô escolheu para celebrar a voz o relato de um comentador desportivo aquando da vitória de um português numa etapa da Volta a França. Escolheu isto quando teria escolhas sobre vozes para todos os gostos: a voz do «band of brothers» ou de «o meu reino por um cavalo»; a voz de Luís XIV ou dos enciclopedistas; a voz do sonho de Luther King ou do «império do mal de Reagan»; a voz vil de Hitler ou a voz heróica de Winston Churchill; a voz de Carreras ou Domingo ou Amália ou Araújo. Ficou-se pelo relato excitado de um feito desportivo. Eu dispenso em absoluto esses media que pairam a este grau zero de cultura.
*Abro excepção de tudo o que escrevo para o Observador, e não por escrever para lá, episodicamente, mas porque é um dos poucos órgãos de informação onde sobrevive a curiosidade, a serenidade, a pluralidade e o escrutínio.
Tinha prometido a mim mesmo, num ato de bom senso, não dar o meu ponto de vista sobre a solução da pandemia. Não resisto, no entanto, a fazê-lo.
O meu lado otimista lembra a possibilidade de o vírus simplesmente desaparecer das nossas vidas num futuro próximo. Penso, também, que temos que ser justos e reconhecer que tivemos sorte. Bem vistas as coisas, o vírus podia ser muito mais letal do que, aparentemente, é. Imagine-se uma taxa de mortalidade próxima de um Ébola!
O meu pesadelo é o cenário em que a epidemia e as medidas de confinamento, mais ou menos restritivas, se prolongam por meses a fio. É um pesadelo irreal, tanto mais não seja, porque as finanças públicas simplesmente não aguentariam o embate de uma economia amordaçada. A realidade é que quem não tem dinheiro, não tem vícios, nem que sejam virtuosos, como a saúde pública. Mas não sendo possível prolongar a agonia económica durante anos, é possível assumi-la durante preciosos meses.
Entretanto, politicamente, elegemos a prevenção de infecções como o objectivo inquestionável. O que é um erro. As infecções, em si mesmas, não têm qualquer importância - as vítimas mortais sim.
O confinamento, quando surgiu, foi uma resposta prudente á nossa ignorância e uma medida destinada a impedir o desastre que vimos em Itália, em que o serviço de saúde pura e simplesmente entrou em colapso, e muitas pessoas morreram por falta de tratamentos básicos. Hoje, é anunciado como o instrumento que nos impede de ficar infectados, supostamente o objectivo primordial de todas as políticas!
Apesar da nossa ainda grande ignorância, já podemos ter como certo que o vírus é sobretudo perigoso para classes muito restritas da população: os grupos de risco. Para a maioria da população, basicamente quem não seja portador de morbilidades e seja menor de 60 anos, aparenta ser relativamente benigno.
Já passaram mais de 45 dias e a experiência do SNS melhorou muito e os equipamentos disponíveis para ajudar á recuperação foram reforçados. Em breve teremos estimativas mais corretas para o número de infectados e, por isso, saberemos com mais precisão a taxa de mortalidade e a taxa de infectados que carecem de hospitalização ou de cuidados intensivos, ambas por grupos etários. Estima-se que sejam muito menores do que aquelas que são obtidas por divisão aritmética dos dados de infeções comprovadas.
No meu pesadelo, a vacina e um medicamento milagroso, como previsto pela generalidade dos especialistas, não irá aparecer tão cedo. E, como tal, só quando existir imunidade de grupo - quando todos os que tiverem que ser infectados o forem - é que acaba o coronavírus.
Com confinamentos agressivos e permanentes, o único objectivo que se atinge é uma morte lenta dos que têm que morrer. A troco de um sacrifício económico e psicológico dantesco para o resto da população - nem o pai morre, nem a gente almoça.
A solução parece simples: até ao limite da capacidade do SNS, infetar tantas pessoas e tão rapidamente quanto possível dos grupos que não são de risco, por forma a acelerar o processo de imunidade de grupo. Atingindo-se a normalidade e o fim do confinamento, para todos, com rapidez. Registando-se um número semelhante de mortes da solução estendida no tempo, mas concentrada no período de infecção. Idealmente, simultaneamente, os grupos de risco permaneceriam confinados, diminuindo-se a letalidade real do vírus, muito baixa fora dos grupos de risco.
Esta proposta, esta estratégia, não tem nada de original. Muitos foram em Portugal e pelo Mundo, os defensores deste tipo de abordagens pragmáticas. Parece, no entanto, que subsiste um enorme pudor em abandonar o discurso da saúde a qualquer preço. E o confinamento permanece como o grande instrumento ao serviço da saúde.
Mesmo o atual movimento de desconfinamento não se percebe, se não for justificado pela lógica apresentada: todos sabem que menos confinamento não vai produzir menos infecções. A falta de clareza nos propósitos arrasta as medidas que vamos vendo, em que nem se acelera o processo de infecção/imunidade, nem se restabelece o funcionamento da economia. Ainda não vi nenhuma senhora meio grávida. Com a economia é quase a mesma coisa: ou está a funcionar em pleno ou não. Caso, por grande sorte nossa, durante o processo, o vírus se extinga, melhor. Caso se descubra que a taxa de mortalidade é suportável, melhor. No entretanto não perdemos tempo em salvar a nossa saúde psicológica, nem desperdiçamos enormes recursos económicos.
Custará assim tanto assumir que nem existem meios para salvar todas as vidas, como acontece desde sempre, e que a morte não é necessariamente evitável, mesmo com os maiores e melhores esforços de qualquer sociedade?!
Será assim tão grave pôr em causa uma resposta, o confinamento, que só apareceu por pânico induzido pelo desconhecimento e por causa da incapacidade de resposta dos SNS?! E que todos os que se manifestam contra a sacrossanta inevitabilidade do confinamento, como, neste blog, Henrique Pereira dos Santos e o omnipresente André Dias, só não sejam literalmente apedrejados, graças ás medidas de confinamento social em vigor.
Será que o concurso de gradualismo e cautelas, serve verdadeiramente os interesses da população?! Será que alimentar receios injustificados da população não é uma menorização injustificada dos cidadãos a todos os títulos inaceitável?!
No outro dia li que o fim deste episódio trágico só será conseguido com investigação científica. Eu acredito que a verdadeira e mais humana solução para a pandemia serão a serenidade e o bom senso.
PS: Como já defendi, respeito o direito dos cidadãos dos grupos de risco, nomeadamente os mais velhos, a prescindirem dos benefícios do confinamento. Sendo maiores, racionais e preferindo aceitar os riscos de uma vida livre, não percebo que a sociedade tenha direito de os impedir. Apenas poderão ser avisados que, nesse caso, não terão prioridade nos tratamentos.
Também defendo que quem se queira confinar, depois do levantamento do confinamento pelas autoridades, o possa fazer. Desde que não seja subsidiado pelo Estado.
José Miguel Roque Martins
Convidado Especial*
* As opiniões manifestadas pelos nossos convidados são da sua exclusiva responsabilidade.
Desde que me comecei a interessar pelo assunto da epidemia em curso que estranho a quantidade de pessoas, especialmente das que têm formação em ciências biológicas e afins, das quais discordo na forma de lidar com este surto epidémico.
Um excelente artigo de João Pires da Cruz fez-me ver as coisas de forma mais clara e perceber melhor a raiz dessas divergências, de muito do medo instalado e do apoio generalizado à adopção de medidas não farmacêuticas que ofendem direitos fundamentais das pessoas, sem que exista evidência sólida da utilidade de cada uma delas.
Lavar as mãos, de longe a medida não farmacêutica sobre a qual existe maior consenso e evidência empírica da sua eficácia, quase não aparece nas discussões, quando comparada com a ideia maluca de que passear cães é uma justificação mais válida para os Estados deixarem pessoas sair de suas casas que passear crianças.
Finalmente percebi os dois pontos fundamentais em que assentam as diferentes abordagens do problema.
A primeira, muito evidente no artigo que citei acima, é o diferente valor que atribuímos ao facto do contágio da doença se fazer através de um processo em que o vírus não passa directamente de uma pessoa para outra, mas sim através de um período em que o vírus tem de estar no meio exterior, que lhe é hostil, entre infectante e hospedeiro.
Já tinha uma ideia de que a desvalorização deste passo justifica muitas divergências, mas só quando li o artigo percebi até que ponto condiciona a visão da coisa, ao ver que como este passo está totalmente ausente do artigo em causa, levando à conclusão de que só mexendo na forma como as pessoas se relacionam se pode lidar com a epidemia.
O segundo ponto fundamental só o consegui perceber bem hoje de manhã: para a esmagadora maioria das pessoas, a percepção é a de que a principal via de contágio da doença é o facto de duas pessoas partilharem o ar que respiram.
A verdade é que não parece ser assim, muito pelo contrário, excepto em circunstâncias especiais como o contexto hospitalar (mais precisamente, para citar directamente o que Organização Mundial de Saúde diz: "In the context of COVID-19, airborne transmission may be possible in specific circumstances and settings in which procedures or support treatments that generate aerosols are performed; i.e., endotracheal intubation, bronchoscopy, open suctioning, administration of nebulized treatment, manual ventilation before intubation, turning the patient to the prone position, disconnecting the patient from the ventilator, non-invasive positive-pressure ventilation, tracheostomy, and cardiopulmonary resuscitation").
O que parecem ser as vias mais importantes de contágio são outras: a proximidade em relação a quem, estando infectado, tosse, espirra ou fala em cima de outra pessoa e, sobretudo, acima de todas as outras (existe também bibliografia para outros coronas que dão indicações nesse sentido), o toque em superfícies previamente contaminadas, seguida do toque das mãos com a boca, olhos e nariz.
A diferente consideração por estes dois factos (que há um passo desfavorável ao vírus entre infectante e hospedeiro e que a principal forma de contágio não é a partilha do ar que respiramos, mas o contacto com superfícies onde se depositam vírus) é a origem de formas diferentes de olharmos para a gestão da epidemia: a mim não me parece que seja o contacto directo a questão central e temos de nos concentrar em reduzir o risco do contacto com superfícies contaminadas, especialmente em espaços confinados, mas quem não atribui importância a estes dois factos e está mesmo convencido de que nos infectamos muito pela partilha do ar que respiramos, é natural que ache que o fundamental é não partilharmos o ar que respiramos.
E não admira a ferocidade das discussões das divergências: conceder ao Estado o direito de não nos permitir partilhar o ar que respiramos é uma experiência social radical, corrosiva para os fundamentos da nossa humanidade e da nossa vida em comum.
"Outras proibições e impedimentos hão-de vir, porque eles lhe tomaram o gosto, descobriram que nada põe o Zé Povinho tão depressa de joelhos, calado, sem vontade de refilar, como o medo da infecção."
Coronavírus hoje em Portugal – 23.864 casos, 903 vítimas mortais
Ontem dia 25 de Abril de 2020 um artigo de Francisco Louçã sobre democracia fez capa da revista do Expresso e ninguém se sobressalta, ninguém questiona. Estamos enterrados na porcaria até ao pescoço mas achamos normal. A isto chama-se síndrome de Estocolmo. Aqui na praceta onde moro a efeméride passou ao lado, às 15,00hs fui à janela e népias: os meus vizinhos têm a noção do ridículo. Um amigo, confrontado com o silêncio na sua rua do centro de Lisboa, telefonou-me a alertar que na televisão tinham anunciado que “os portugueses tinham cantado o Grândola à janela”. Ainda bem que existem noticiários para nos chamar à razão.
Entretanto cá por casa a vida segue uma rotina saudável, hoje assistimos em família à missa pela televisão e fiz uma lasanha para o almoço. Comprámos máscaras que usei ontem pela primeira vez quando fui ao supermercado. O truque para as usar é baixar os óculos no nariz para não embaciarem. Acreditamos que em Maio a vida vai normalizar um pouco, as autoridades já avisaram a retoma de venda de passes sociais. Gostava que os miúdos retomassem as aulas, principalmente o mais pequeno, pois desconfio que o confinamento para ele seja especialmente prejudicial por causa dos jogos electrónicos em demasia. Eu já me decidi, vou voltar a trabalhar do meu escritório em Cascais, também na expectativa de sinais de alguma retoma – pelo menos arejo a cabeça. Suspeito que um efeito colateral desta crise em Portugal seja a consolidação do socialismo e de mais pobreza. Nestas alturas é que me calhava um emprego no Estado…
Na entrada da semana 18, pareceu-me útil fazer um balanço visto que tenho admitido a hipótese de que André Dias (já agora, e muitos outros mais do que às vezes se pretende fazer crer) tenha razão em muito do que diz e, se assim for, o surto estaria a fechar na semana 19 do ano.
Essencialmente a tese é a de que há um padrão das doenças infecciosas pulmonares que consiste em duas ou três semanas de subida exponencial, um pico (ou planalto) e duas ou três semanas de descida até ao zero estatístico. Nesta hipótese o pico ocorre, de maneira geral, até à semana 12 do ano, e todos os surtos estão fechados na semana 19 do ano.
Associada a esta hipótese, mas autónoma, há a hipótese de que o impacto da covid-19 não será essencialmente diferente de um surto de gripe forte e, consequentemente, as medidas mais radicais adoptadas são uma reacção excessiva a um problema de saúde, que cria muito mais problemas sociais que os que resolve.
Ao contrário da caricatura que se faz desta tese, não se trata de dizer que é só uma gripezinha - a covid-19 é uma doença nova que não se confunde com a gripe em muitos aspectos - mas sim que o seu impacto na sociedade, se quisermos, o seu impacto epidemiológico, é semelhante ao de um surto forte de gripe.
Consequentemente, ninguém põe em causa a utilidade de medidas proporcionais de redução do impacto da doença nos serviços de saúde e, muito menos, a necessidade de protecção dos grupos de risco. O que está em causa não é a opção entre não fazer nada ou fechar países, o que está em causa é a discussão das medidas razoáveis, racionais e proporcionais de resposta a um surto epidémico sobre o qual se sabe menos do que seria necessário para decisões seguras, sendo necessário tomar medidas em contexto de incerteza.
O que eu (e outros) contestam é a ideia de que quaisquer medidas que pareçam ter resultados úteis para gerir o surto epidémico devem ser adoptadas sem consideração pelos seus efeitos sociais secundários.
Parece-me ser aqui que a discussão deve ser centrada.
Os dados mais objectivos que existem para fazer um balanço do que hoje sabemos são os dados da mortalidade global (ver aqui este artigo de Fernando Leal da Costa para perceber melhor a opção de base para este balanço).
O gráfico acima representa a mortalidade na Europa (nem todos os países europeus, na verdade, mas grosseiramente podemos dizer que é na Europa), em números absolutos, entre a primeira semana de 2016 e a semana 16 de 2020.
É claro o pico de mortalidade decorrente da Covid-19, é claro que esse pico é 20 a 25% maior que o pico da gripe de 2017 (mais ou menos 15 a 20 mil mortos a mais, na semana do pico, veremos no conjunto do surto o que isso representará no fim, já que o número de semanas que duram os surtos variam bastante). Ou seja, globalmente na Europa, a sobrecarga para os serviços de saúde será os 20 a 25% mais pessoas afectadas na doença, a que terá de se somar o facto da Covid-19 ter tempos de internamento bastante maiores que a maior parte das gripes. Dificilmente poderemos falar numa pressão maior que o dobro da gripe no pico do surto (longe, evidentemente, dos 25 para um calculados pelo modelo do Imperial College que influenciou grande parte da opinião pública e, consequentemente, dos decisores políticos).
Se fizermos um zoom para este ano (reparo agora que começa na semana 3, mas é irrelevante) temos umas percepção mais clara do pico da semana 14 (ou seja, duas semanas depois da hipótese inicial de que os picos ocorrem até à semana 12), uma descida suave na semana 15 e uma queda acentuada da mortalidade na semana 16. Confesso que antes de olhar para este boneco acharia que estaria fora de causa a mortalidade entrar no intervalo da mortalidade esperada na semana 19 (a que começa de hoje a oito dias), e ainda estou convencido de que as duas semanas de atraso do pico poderão atirar o fim do surto para as semanas 20 a 21, mas olhando para o gráfico não me parece impossível uma evolução nas semanas 17 e 18 incompatível com a entrada na mortalidade esperada na semana 19.
Visitar o site de onde tirei estes números é muito instrutivo, permite manipular os gráficos em função da informação que se pretende obter. Por exemplo, no primeiro boneco estão números absolutos da mortalidade, mas se se reparar, há um separador no canto superior direito que permite ver qual é a diferença, em percentagem, face à mortalidade esperada, o que acentua os picos dos surtos tardios, como este, porque a base da mortalidade esperada é já mais baixa que em Janeiro e Fevereiro. Este aspecto deve ser tido em conta quando se olha para os gráficos das mortalidades por países, que só são apresentados em relação à mortalidade esperada, o que faz com que, por exemplo, o gráfico do Reino Unido seja especialmente impressionante porque o seu pico parece ocorrer na semana 16 (falta confirmar a semana 17, naturalmente), ou seja, comparando com uma mortalidade base bastante mais baixa que a dos picos de Espanha e Itália.
Com os gráficos que começam a dar informação relevante sobre as curvas verificadas nos diferentes países (que não vou reproduzir aqui), relacionando-as com o tempo em que foram tomadas medidas, sobretudo o fecho das economias e o confinamento das pessoas, não é ainda possível saber o que influenciou ou não o andamento das curvas, sendo possível admitir que a curva teve o seu desenvolvimento natural, independentemente das intervenções, sendo também possível admitir, em alguns casos (há outros, como na Alemanha, em que as medidas mais radicais de 23 de Março são posteriores aos picos de contágio, portanto não podem ter influenciado esse pico, mas há outras medidas tomadas nas semanas anteriores) foram essas medidas de fizeram diminuir os contágios, havendo ainda a terceira hipótese de que as medidas, não tendo um papel fundamental na evolução, anteciparam a entrada no pico que iria acontecer por esses dias (o facto das descidas estarem a ser mais lentas que as subidas, arrastando a descida para mais que as duas ou três semanas esperadas, parece-me um indicador nesse sentido).
Claro que se agora, com o desconfinamento e a abertura da economia, voltar a haver novos surtos, a hipótese inicial que tenho admitido como base é posta em causa, se isso não acontecer, nenhuma das duas hipóteses fica invalidada e teremos de estudar mais para perceber melhor o que funcionou ou não.
A minha impressão mantém-se, para já: medidas como lavar as mãos, distanciamento social voluntário, reforço do teletrabalho, reforço da desinfecção de locais fechados de aglomerações de pessoas, restrição de grandes ajuntamentos em locais fechados, máscaras e etc., podem contribuir para gerir a epidemia sem grandes consequências sociais negativas, atingindo o principal objectivo pretendido: garantir a capacidade de resposta dos serviços de saúde.
Medidas de reforço da capacidade de resposta dos serviços de saúde com certeza são bem vindas.
Medidas mais radicais como fecho de escolas e locais de trabalho, tenho dúvidas que representem ganhos significativos para os danos sociais que causam.
Se tudo o que me parece (sentado aqui na minha posição de ignorante) estiver errado e as coisas forem como são descritas (não há sazonalidade, o risco é igual em Janeiro ou Agosto, não se pode contar com imunidade nenhuma, isto só para com medidas radicais ou quando atingir 60 a 70% da população, etc.), então as medidas radicais de supressão do surto são mais perigosas do que benéficas porque apenas adiam o momento em que o surto vai fugir do controlo (a Coreia do Sul e Singapura parecem apontar nesse sentido), com um custo social brutal noutros aspectos que não o estritamente sanitário.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Dois dos discípulos de Jesus iam a caminho duma povoação chamada Emaús, que ficava a duas léguas de Jerusalém. Conversavam entre si sobre tudo o que tinha sucedido. Enquanto falavam e discutiam, Jesus aproximou-Se deles e pôs-Se com eles a caminho. Mas os seus olhos estavam impedidos de O reconhecerem. Ele perguntou-lhes: «Que palavras são essas que trocais entre vós pelo caminho?». Pararam, com ar muito triste, e um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único habitante de Jerusalém a ignorar o que lá se passou estes dias». E Ele perguntou: «Que foi?». Responderam-Lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; e como os príncipes dos sacerdotes e os nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e crucificado. Nós esperávamos que fosse Ele quem havia de libertar Israel. Mas, afinal, é já o terceiro dia depois que isto aconteceu. É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos sobressaltaram: foram de madrugada ao sepulcro, não encontraram o corpo de Jesus e vieram dizer que lhes tinham aparecido uns Anjos a anunciar que Ele estava vivo. Alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas a Ele não O viram». Então Jesus disse-lhes: «Homens sem inteligência e lentos de espírito para acreditar em tudo o que os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer tudo isso para entrar na sua glória?». Depois, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que Lhe dizia respeito. Ao chegarem perto da povoação para onde iam, Jesus fez menção de ir para diante. Mas eles convenceram-n’O a ficar, dizendo: «Ficai connosco, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite». Jesus entrou e ficou com eles. E quando Se pôs à mesa, tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e entregou-lho. Nesse momento abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-n’O. Mas Ele desapareceu da sua presença. Disseram então um para o outro: «Não ardia cá dentro o nosso coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?». Partiram imediatamente de regresso a Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os que estavam com eles, que diziam: «Na verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão». E eles contaram o que tinha acontecido no caminho e como O tinham reconhecido ao partir o pão.
Palavra da salvação.
João Vasconcelos Costa dispensa apresentações e tem escrito sobre a epidemia.
Neste caso interessa-me sobretudo este artigo.
E interessa-me por ser uma análise lúcida da armadilha em que nos metemos.
Vou tentar fundamentar esta minha ideia.
1) Em primeiro lugar fixemos isto: "Não sou especialista e confio nos sanitaristas. Mas, assim como aconteceu na imposição de medidas, em que houve necessariamente muita decisão por sentido comum ou por influência do que parecia estar resultar noutros casos, provavelmente o mesmo se vai fazer agora, ao inverso. Não houve evidência científica para fundamentar as medidas, que se basearam principalmente no bom senso. Também não há evidência científica para fundamentar o alívio.".
2) Em segundo lugar, fixemos também a ideia central de que o que estamos a fazer não é procurar achatar a curva, mas sim suprimir a epidemia, através de medidas radicais cujo fundamento se pode procurar no ponto anterior.
3) Quando nos metemos neste caminho do confinamento, a promessa era de que se queria achatar a curva para conseguir gerir a procura de serviços de saúde, evitando o seu colapso. O que tinha uma implicação clara: uma vez assegurada a capacidade de encaixe dos serviços de saúde, poderíamos voltar às nossas vidas, com os cuidados que se entendessem.
4) Ninguém sabe o momento em que saímos deste caminho e nos desviámos para o caminho da supressão da epidemia, ninguém anunciou a mudança de estratégia e, sobretudo, ninguém anunciou o que isso significava.
5) O artigo que me serve de base a este post é muito elucidativo a esse respeito. Esquecendo todas as minhas divergências a respeito da leitura da evolução da epidemia, tomando como bons todos os pressupostos, incluindo os tais de bom senso que substituem a informação científica, o que temos é uma situação em que se a supressão funcionar com base nas medidas não farmacêuticas, isso significa que ficamos reféns de quaisquer ressurgências da epidemia.
6) Ao contrário do que nos é dito, se fizermos tudo bem não nos livramos mais rapidamente destas restrições, se fizermos tudo bem, ficamos dependentes de novos surtos.
7) Isso mesmo foi escrito num paper de vários professores de Harvard (aliás citado neste artigo e que quando saiu teve muita repercussão). Pessoalmente não lhe liguei grande coisa porque sempre tive tendência para não dar demasiada importância a coisas absurdas, por mais lógicas que sejam: viver com um sistema de vigilância permanente em que a economia se abre e fecha ao sabor das ressurgências de uma doença, e em que as pessoas são privadas de direitos individuais básicos, durante meses ou anos, pode ser muito lógico para quem só olha para a epidemia, mas é uma completa estupidez para quem olhar para a sociedade como um todo.
8) Resumindo, se eu estiver totalmente enganado, se o surto infeccioso não se controlar a si próprio (nunca aconteceu na história, mas vamos saltar por cima desse pormenor), se o vírus não tiver uma actividade relacionada com as estações do ano, se toda a evolução da epidemia for controlada pelas medidas não farmacêuticas adoptadas (nunca demonstrado como possível em lado nenhum, mas saltemos por cima desse pormenor), o resultado final da adopção das medidas não é resolver o problema, é apenas criar condições para uma gestão social e economicamente insustentável, isto é, de acordo com os pressupostos em que assenta a tomada de medidas, o mais que conseguimos é sermos levados para uma armadilha em que tentaremos passar o tempo a jogar ao gato e ao rato.
Que isto seja aceite pacificamente, sem que sequer se discutam os objectivos desta política, e as alternativas possíveis, a mim faz-me confusão
Tenho-me abstido de falar da actuação do governo na gestão da epidemia: a situação é muito complicada, uma sociedade apavorada é assustadora, sobretudo quando tem a sua imprensa transformada em máquinas de aterrorizar pessoas.
Ter de tomar decisões nestas circunstâncias é mesmo muito difícil e eu tenho respeitado essa dificuldade, por isso escrevo sobre a sociedade onde isto se passa, e não tanto sobre os governos que, mal ou bem, fazem o que sabem e lhes deixam.
Mas o que é demais é moléstia.
Algures num ministério, usando um modelo que não é conhecido publicamente, fazendo referências a cálculos não escrutinados, há um conjunto de pessoas que nem sempre são nomeadas, que decide que o seu mandato é gerir uma epidemia com medidas não farmacêuticas, uma opção que toda a bibliografia diz ser uma impossibilidade, decidindo que o resto da sociedade pode ou não viver as suas vidas, em função de parâmetros que são inferências de realidades mal conhecidas.
Neste momento nem me interessa a discussão sobre se realmente as medidas (quais? com que medida de proporcionalidade?) estão a conduzir a epidemia ou é a sua evolução natural que está em curso, Mesmo partindo do princípio de que a epidemia está a ser controlada socialmente, subsiste a pergunta: com que objectivos? com que custos sociais? com que efeitos secundários?
Na sequência, o governo decide que toda a gente não pode sair do seu concelho durante três dias.
Com que objectivos concretos? A epidemia está espalhada pelo país, com padrões regionais que ninguém sabe explicar, proibir as pessoas de sair do seu concelho tem que objectivos de gestão da epidemia?
Lembro-me de ter visto vários campeões da democracia protestar contra o facto do governo ter dito que seguiria o parecer do Conselho Nacional de Saúde Pública sobre o fecho de escolas, achavam inadmissível que essa decisão, que é política, fosse tomada por um conjunto de pessoas não escrutinadas politicamente pelos cidadãos.
Devo dizer que partilho inteiramente dessa opinião, eu também acho que os técnicos não têm de decidir em nome das pessoas, os técnicos informam, os que têm responsabilidades de decidir assumem a responsabilidade de seguir os seus pareceres ou não, e prestam contas por isso.
É assim a democracia.
Infelizmente estes campeões da responsabilidade política têm estado calados que nem ratos para defender o que seria útil defender agora: a liberdade.
Limitar gravemente direitos individuais como o que está ser feito e se prevê para o fim de semana de 1 de Maio é uma opção política que deve ser politicamente escrutinada.
Escondê-la atrás de uns supostos modelos secretos, manipulados (sem qualquer sentido pejorativo, é mesmo no sentido original do termo, preparado com as mãos) por funcionários que estão claramente a ultrapassar o seu mandato é um péssimo serviço prestado à liberdade e tenho pena que a esmagadora maioria de nós aceitemos isto mansamente, sem discussão, sem protesto e sem sombra de desobediência civil a uma ordem iníqua, prepotente e sem qualquer base técnica sólida de gestão de epidemias que a justifique.
É assim porque o governo decidiu que quer ter as pessoas em casa e entende que qualquer meio para as obrigar a isso é legítimo.
Mas não, não é.
"Acho mais importante vigiar o Estado que as praias. O controlo das praias não é uma medida razoável, não é uma medida proporcional, é um pouco absurdo impedir as pessoas de irem para a praia que é desfavorável ao vírus, na medida em que os viris são cadeias de RNA protegidas por um lípido, lípido esse que é muito sensível aos raios ultravioletas. Acontece que os governos não estão a gerir a epidemia, estão a gerir o medo da epidemia."
Henrique Pereira dos Santos, daqui
Um dos factos mais impressionantes desta epidemia, na Europa, são os cálculos sobre a percentagem de mortos que estavam em lares: 40 a 50% (sem grande certeza sobre estes números, é o que tenho visto consistentemente ser referido, mas não fui verificar).
Salto já pelo que isto significa de falhanço das políticas de confinamento (poucos grupos sociais estão tão confinados como os que estão nos lares), salto também sobre os juízos mais ou menos severos sobre o que isto poderia significar de políticas erradas (esta percentagem é consistente em grande parte dos países europeus, independentemente das suas políticas, portanto a interpretação mais simples é a de que é um problema complicado para o qual ninguém tem soluções eficazes, para já, e a que se julgou eficaz, o confinamento, nas suas mais variadas formas, falhou em todo o lado).
Vou directo para a história do senhor que estava claramente nas suas últimas horas de vida, sem covid, e tinha o filho à porta do lar, desesperadamente à espera que a humanidade das pessoas que podiam decidir se sobrepusesse à frieza das regras instituídas em nome da protecção do seu pai.
Suspeito que, não faço a mínima ideia se foi assim, estando nós em Portugal, o filho se poderá ter despedido do pai, mas sei que na fria Alemanha as regras contemplam esta situação e integram a excepção óbvia para qualquer pessoa com um pingo de humanidade: as famílias podem visitar quem está a morrer.
O que me interessa é protestar, é disso que se trata, com as regras que, a pretexto da protecção das pessoas mais frágeis, as apartam do mundo, as condenam ao isolamento e à solidão, sem sequer lhes deixar a decisão sobre os riscos que estão dispostos a correr.
Eu sei que a proibição das visitas aos lares, para defesa dos mais frágeis, foi uma decisão quase consensual e adoptada em todo o lado - é bem possível que eu a tenha defendido e tenho quase a certeza de que teria decidido nesse sentido se tivesse a responsabilidade de o fazer - mas hoje, francamente, com o que vejo passar-se nos lares, acho mesmo que fomos pela solução preguiçosa e o que estamos a fazer é verdadeiramente desumano.
Reparei também, ontem, que mesmo num lar em que a infecção tinha grassado livremente e infectado quase toda a gente (suspeito que os que não testaram positivo era simplesmente porque já tinham tido a infecção antes, mas não tenho nenhuma base sólida para o dizer), levando à deslocação de todos os utlizadores para unidades de saúde, as visitas continuavam proibidas para os que, tendo testado antes positivo mas totalmente recuperados (dois testes seguidos negativos), estarão em condições de imunidade durante uns tempos (não sabemos quanto, é certo, mas quando não se sabe, o melhor é partir do princípio de que a situação é a que seria de esperar, e decidir em função disso, avaliando frequentemente em que medida afinal o caso concreto se afasta do padrão).
Que raio de pessoas somos nós, que raio de sociedade somos nós que nos deixamos dominar pelo medo de tal forma que, mesmo em circunstâncias destas, temos dúvidas e, porque temos dúvidas, achamos normal a desumanidade de condenar estas pessoas à solidão e ao isolamento, apesar de sabermos que pouco lhes resta na vida para além da relação com as pessoas que as fazem sentir vivas?
Eu não me conformo com isto, eu não me conformo com isto, eu não me conformo com isto.
Há vida para aquém da morte e, por mais dificuldades que tenha, não é a antecipação da morte em vida que devemos aceitar como padrão moral.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
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