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Serviços de ecossistema

por henrique pereira dos santos, em 31.08.19

Uma das coisas que acontecem com a velhice é que vai aumentando a probabilidade dos membros do governo serem umas raparigas e uns rapazes do meu tempo.

Aliás, a época em que fui mais maltratado na administração pública foi mesmo quando tinha mais amigos e conhecidos no governo (não por isso, note-se, é uma coincidência, de alguns dos membros do governo dessa altura fui e continuo amigo).

Isto é tanto mais provável quanto se trabalha num sector relativamente pequeno e muito específico, como é o meu caso.

O resultado é que, não sendo amigo de casa de nenhum deles, sou suficientemente próximo, do ponto de vista pessoal, de três dos quatro membros do governo que são hoje, que voltei para administração pública, a minha tutela política.

E de alguns já ouvi "queixas" (relativas e a rir) de apesar de tomarem medidas que, na opinião deles (geralmente, na minha também) vão ao encontro do que defendo, ainda assim eu lhes dou na cabeça, como é o caso do programa de incentivo ao uso de cabras e fogo controlado na gestão do fogo.

O mesmo se passa com os serviços de ecossistema, em que tenho insistido, e que o governo agora garante que vai começar na Segunda-feira e lá estou eu a protestar com o facto de ser sobretudo propaganda.

Talvez eles tenham razão, seja só má vontade minha, por gosto por ser do contra, de maneira que resolvi tentar explicar que não, não é esse o problema, o problema é achar que as acções concretas que são justificadas com objectivos que partilho, infelizmente, são más ou, no mínimo, muito piores do que seria possível com os mesmos recursos.

E na origem desta divergência está uma visão mais ou menos estatista que vou tentar descrever.

O governo pelos vistos arranjou 3,7 milhões de euros para pagar serviços de ecossistema, para os próximos 19 anos, dos quais, meio milhão em 2019, um milhão em 2020 e o resto nos anos seguintes (bastar-lhes-ia querer e arranjar-se-ia muito mais nos fundos para o mundo rural, mas saltemos por cima disso).

E que decidiu o Governo com esse dinheiro?

Abriu-se às propostas da sociedade para escolher os melhores projectos, com maior possibilidade de disseminação de resultados e replicabilidade?

Não, decidiu que era só para uma pequeníssima parcela do território que o governo escolheu: 1190 hectares na Paisagem Protegida da Serra do Açor e mais 500 hectares no Parque Natural do Tejo Internacional.

Mas como não confia nas pessoas, decidiu que os destinatários eram apenas entidades de gestão florestal (não se pense que é uma definição vaga, está definido na lei e tem de ter o reconhecimento do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (onde agora trabalho), não vá algum maluco gerir terrenos sem o aval do Estado), organizações de produtores e entidades gestoras de baldios para "incentivar uma gestão profissional", embora no Tejo Internacional possam ser privados com menos de 10 milhões de euros de volume de negócios. E, em zonas de minifundio, como é a da serra do Açor, só para áreas entre 25 e 100 hectares, não vá algum proprietário querer gerir os seus três ou quatro hectares com objectivos de conservação, e no Tejo Internacional só áreas entre 30 e 100 hectares (não vá algum grande proprietário querer gerir mais de cem hectares com objectivos de conservação).

Cara Célia e caro João Pedro, não se admirem se mais uma vez, quando nos cruzarmos, eu voltar a dizer que estou mais que de acordo com a remuneração de serviços de ecossistema, mas não podia estar mais em desacordo com as vossas (e do Governo) opções nesta matéria.

E desde já me comprometo a colaborar convosco no seguinte: daqui a cinco anos, avaliamos (logo se arranjará quem pagará essa avaliação, mas isso não será difícil) o efeito real desta vossa opção, e o efeito real da minha opção de colaborar numa associação que não cabe nessas entidadas, que não actua (por acaso) nas áreas que escolheram, que usa métodos de gestão que não estão nas operações iniciais elegíveis (embora estejam nas de manutenção, como se fossem meras operações de manutenção), como o fogo controlado e o pastoreio, que gere entre 150 a 200 hectares.

Veremos então se o dinheiro do contribuintes teria sido mais bem empregue da forma que escolheram, ou da forma que me parece mais útil: procurando os que estão no território, escolhendo os projectos através de processos abertos de candidatura e deixando aos donos e gestores do território (qualquer que seja a sua natureza jurídica) a liberdade para atingir os objectivos definidos da forma que entenderem, desde que legalmente admissível.

Resumindo, confiando nas pessoas e na sociedade, em vez dessa vossa fixação na superioridade intrínseca do Estado para a tomada de decisão.

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O que têm em comum dois daqueles que para mim são dos melhores clássicos da pop “The Lamb Lies Down on Broadway” dos Genesis de 1975 e “OK Computer” dos Radiohead de 1997? Para lá dos diferentes contextos e épocas em que foram produzidos e de serem ambos álbuns duplos com mais de uma hora de boa música, tem em comum uma extraordinária densidade e diversidade melódica, um constante confronto entre a rebeldia e a ternura, a revolta com a mansidão, o épico com o ligeiro. Discos que eu levaria de certeza para a tal ilha deserta, e que irei sempre ouvir como se fossem novos.

Resistência

por João Távora, em 31.08.19

Em tempos de intimidação e de discurso único, a resistência é a última fronteira da dignidade. Preparados para um futuro difícil.

Do realismo

por João Távora, em 31.08.19

Basta frequentar uma praia suburbana no pico do Verão para perceber que isso da maioria silenciosa não passa de um mito. Daí que não vale a pena aos perdedores engalfinharem-se em masoquista autofagia, resta-nos recolhermo-nos em boa ordem às catacumbas. 

...e só mais uma drageia contra a intoxicação desta noite

por José Mendonça da Cruz, em 29.08.19

Esta noite a Sic, a RTP e a Tvi vão voltar ao «golpe antidemocrático» de Boris Johnson, e darão notícia de uma petição contra a suspensão da sessão parlamentar decerto «assinada por milhões», e até apresentarão uma portuguesa chorosa a dizer que deu a vida por Inglaterra.

A petição tem conseguido percentagens de até 7% nas circunscrições mais posh ou afluentes, e de menos de 2% nas outras. E tem uma passagem muito esclarecedora (que decerto não aparecerá nas «notícias»), exigindo que a sessão parlamentar não seja suspensa nem o Parlamento dissolvido «a menos e até que o período do Artigo 50 seja suficientemente alargado ou a intenção do Reino Unido de abandonar a UE tenha sido cancelada».

Em resumo, o que os democráticos peticionários querem, contra o ditatorial Johnson, é que a decisão dos Ingleses, democraticamente referendada, seja adiada até esquecer ou pura e simplesmente «cancelada». É neste tipo de peticionários que os nossos media se reveem.

Democracia...

por João Távora, em 29.08.19

Remainers think that scheduling a Queen's Speech in the longest Parliament of the modern times is undemocratic because it wouldn't give them the time to frustrate the will of the British people.

Andrea Jenkyns MP

A Amazónia em resumo: as fake news e a realidade

por José Mendonça da Cruz, em 29.08.19

(Como profunda e respeitosa vénia a Charles Moore e Matt Ridley, da revista Spectator do Reino Unido, intensamente citados e copiados)

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Bolsonaro deixa a Amazónia arder? Não. Esta foto é da Bolívia. Mas o chefe de Estado é Evo Morales, socialista e indígena.

 

 

 

Cristiano Ronaldo é um perito de florestas português que joga futebol nos tempos livres e publicou online uma fotografia dos fogos na Amazónia que, dada a sua fama científica, se tornou viral. Com a pressa de sair do laboratório para o relvado, não reparou, porém, que a fotografia era de 2013, e não de 2019. E fora tirada no sul do Brasil, a alguns milhares de quilómetros da Amazónia. Emanuel Macron é um biocientista célebre que nas horas vagas se ocupa da presidência da França. Macron divulgou uma fotografia dos terríveis fogos que devastam a Amazónia. A fotografia datava, porém, de há 20 anos. Madonna é uma famosa biocientista que por vezes se apresenta a cantar em palcos, e que, também ela, publicou uma fotografia alertando para o desastre da queima da Amazónia. Bateu o recorde dos outros três especialistas: a sua fotografia tinha 30 anos.

 

«Os pulmões que produzem 20 por cento do oxigénio do planeta estão a arder», disseram peritos florestais como Macron, Sousa Tavares, Marques Mendes, e, em geral, os media da imprensa, rádio e televisão portugueses.

Na realidade, a Amazónia não produz oxigénio. Como qualquer ecossistema, consome mediante a respiração praticamente tanto oxigénio como o produzido por fotossíntese. O governador da Amazónia já tinha explicado isto há bastantes anos, mas os factos não convêm à «narrativa». (E, já agora, os pulmões não produzem oxigénio).

«A Amazónia está a arder» (mas só a de Bolsonaro)

A Amazónia não está a arder. A grande maioria dos 75 000 fogos ocorridos este ano deram-se em terras de cultivo e áreas já deflorestadas, alguns iniciados por queimadas de que foi perdido o controlo. O número de fogos é muito maior do que no ano passado, mas o mesmo das ocorrências em 2016, e menor do que em 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2010 e 2012. Mas durante a maior parte desses anos o presidente do Brasil era um socialista (e corrupto), pelo que esses fogos não contam. Acresce que sendo o aumento do número de fogos no Brasil de 85% este ano, na Bolívia esse aumento é de 114%; mas, mais uma vez, sendo Morales socialista, os números da Bolívia não valem. O que vale é que pobres ministros de um governo socialista que deixou arder 100 pessoas em fogos ocorridos numa extensão comparativamente ínfima critiquem e ensinem coisas aos brasileiros.

 

Alguém dizia que nas sociedades modernas há muito quem tenha substituído as religiões pela adoração do homem e da natureza. Esta adoração ignorante da Amazónia, traduzida em ataques ao presidente do Brasil, que relevam da pura intoxicação política, e ataques ao Brasil (que resplandecem de intromissão em assuntos da soberania interna e escondem mal uma apetência neocolonialista -- «progressista», agora) repetem o mesmo sombrio caminho das velhas disputas sobre a soberania dos Locais Sagrados, que deram origem a tantos aventureirismos políticos e militares em séculos passados.

A generalidade dos media portugueses, com as televisões à cabeça -- e, dentro destas, a Sic na vanguarda -- não produz hoje informação. O que produz é propaganda, omissão e desinformação, ou seja, o fruto do trabalho dos activistas, serventes e dos pobres diabos sem deontologia nem espinha que, aparentemente, poluem as redacções. Chamemos-lhe, abreviadamente, «a clique».

Este tipo de intoxicação tem já episódios antigos. Como o de Reagan, um mero «cowboy» de filmes B, que, inconvenientemente, derrubou o império soviético e mudou o mundo; ou do segundo Bush, ignorante por se referir aos gregos como «grecians», palavra que os ignorantes desconheciam existir em inglês, e ser o equivalente do nosso «helénicos». Ou talvez de Kohl, um aventureiro que unificou a Alemanha (coisa que nenhum homem de esquerda faria). Mas estes eram apenas episódios. A intoxicação é, agora, total e generalizada.

É por isto que, a cada vez que, perante a baixa de tiragens, ou audiências, ou vendas, leio ou oiço os porta-vozes das aflições dos nossos media clamar por ajudas e subsídios, eu me sinto extremamente confortado. Por enquanto, ainda não vivemos num país inteiramente socialista; por enquanto, os media ainda dependem da opinião dos consumidores.

É que a maioria dos que ainda consomem o produto da generalidade dos media portugueses, deixaria de consumir se soubesse os erros que a clique divulga, os factos relevantes que a clique ignora, e as verdades que a clique propositadamente oculta.

Infelizmente para a clique dos media, qualquer indivíduo que goste de estar informado tem cada vez maior facilidade em obter informação fidedigna em blogues, sites noticiosos e imprensa internacional, onde dispõe de dados, números, factos relevantes e relatos verídicos, ou seja, aquilo que a clique chama «fake news».

Dois casos apenas. Um amor de estimação e um ódio de estimação (um novo), respectivamente, da clique.

Diz-nos a clique que a activista sueca do ramo de negócio da ecologia, a Greta, é heróica, impoluta e iluminada, a versão secular de uma santa. Tanto que, para evitar poluir o ambiente, viajou de barco para uma conferência em Nova Iorque. A tsf, com total destemor do ridículo, disse até que ela viajava num «iate ecológico». Foi pena não nos terem informado que a rapariguinha e o pai regressarão à Europa de avião; e que quatro indivíduos viajarão agora de avião até aos EUA para trazerem o iate de volta ao Mónaco e às mãos do proprietário, filho da princesa Carolina. Seria evidentemente excessivo pedir à clique que explicasse se é este o futuro que deseja: o dos pobres e remediados quietos em casa, enquanto os ricos e os arautos de causas trabalham ou fazem férias de iate ou fragata, sem o incómodo das multidões e do convívio com a maralha.

O que a clique seguramente deveria ter informado, é que santa Greta padece da síndrome de Asperger, e que, como facilmente aprenderia no site da CUF (são privados, são um horror!), as manifestações mais habituais desse problema são, nomeadamente, «conversas longas mas quase em monólogo, sem perceção se o ouvinte deseja falar ou mudar de assunto (...) obsessão por um ou dois temas muito específicos, como estatísticas de desporto, horários de comboios, meteorologia; incapacidade de compreender ou mostrar empatia em relação aos sentimentos dos outros; (...) atitude inflexível face à mudança».

Já sabíamos que Trump é incompetente politicamente, apesar de ter derrotado santa Hillary, e economicamente apesar de colocar a economia a crescer mais de 3%, o rendimento familiar em alta, os impostos em baixa, e o emprego branco, negro e «latino» em alta recorde, e de ter renegociado com grande vantagem tratados com o México e o Canadá. Trump é, além disso, segundo a clique, um criminoso que conduz o mundo à beira da guerra ao destratar a Coreia do Norte, apesar de ter levado a Coreia do Norte à mesa de negociações, que continuam, e ter sido o primeiro líder mundial a afrontar os abusos monetários e comerciais da China. A clique também nunca contará que, caso as negociações com Pyongyang cheguem a bom termo, Trump cortará os biliões de dólares anuais de apoio à Coreia do Sul (como intenção mediata não está nada mal para um néscio).

Já sabíamos que o Brasil e o seu povo se suicidaram ao eleger Bolsonaro, em vez de mais um corrupto (que, aliás, acaba de ser detido), fruto e filho dilecto de um bando de corruptos.

Mas a clique tem agora um ódio novo, Boris Johnson. Boris Johnson é, para a clique, um ódio mais ingrato, pois tem mais política num dedo do que a clique no corpo inteiro, e mais cultura e educação em 10 g de cérebro do que a clique tem no seu cérebro colectivo (embora alguns palermas da clique se aventurem debalde a sugerir que não é assim). Mas desinformation oblige. Logo...

Logo, soubemos hoje que a decisão de Boris Johnson de «suspender o Parlamento», causou «grande polémica» e suscitou até acusações de «comportamento ditatorial».

Que se passou, de facto, e que se esquece a clique de informar?

-- que Johnson não «suspendeu o parlamento». Nos termos constitucionais pediu a suspensão da sessão parlamentar, que foi autorizada pela rainha;

- que a sessão parlamentar em curso era já a mais longa de toda a história de Inglaterra;

- que é normal a sessão parlamentar ser suspensa antes do discurso da rainha em que exporá as principais medidas do programa de um novo governo britânico (como é o caso do anúncio dos cortes de impostos, do combate ao crime, e dos grandes investimentos em infraestruturas que Johnson já anunciou). 

- que é normal a sessão parlmentar ser interrompida para férias, embora eu acrescente que nunca por um período tão longo (assim tentando eu demonstrar que não é preciso omitir o que não nos convém para discutir um ponto).

- que a senhora que classificou Johnson de «ditador de pacotilha», a senhora Sarah Wollaston, tem a grande autoridade moral de ser a mesma que em poucos meses abandonou o Partido Conservador em favor do Change UK, e depois o Change UK em favor dos Liberais Democratas, sem nunca achar que precisava de perguntar alguma coisa aos eleitores da circunscrição por que foi originalmente eleita.

O que a clique, de qualquer forma, recusa informar, é que a «polémica» de Johnson é apenas alta política: a redução do tempo de conspiração dos críticos do no-deal Brexit e dos remainers (que, de qualquer forma, já dispuseram de 3 anos); que as principais medidas do programa de governo são uma arma poderosa em caso de eleições (que Johnson quase proclama que deseja); que quanto mais crível for um Brexit sem acordo mais a UE tenderá a negociar.

O que a clique nunca informará é que uma Inglaterra livre da UE poderá negociar um tratado bilateral com os EUA que além de vantajoso, pode atirar o Tratado Intercontinental para as calendas ou para o lixo; que um Brexit sem acordo escancara uma porta que os burocatas de Bruxelas receiam ver sequer entreaberta; que sejam quais forem para a Inglaterra as consequências económicas do divórcio com a UE, as consequências económicas no continente terão neste consequências políticas (os agricultores franceses que perderem o seu principal cliente ainda votarão Macron? Os polacos e os húngaros sob sanções da UE não terão novas ideias? Os partidos entre eurocéticos e euroalérgicos de França, Alemanha, Itália e países nórdicos não terão novo alento?)

Tudo isto seria mais esclarecedor, mais complexo, mais informativo? Pois seria. Mas a clique não quer esclarecimento, nem complexidade, nem informação. A clique quer apenas uma vulgata e uma agenda. Elas resumem-se na velha descrição certeira: «a filosofia do falhanço, o credo da ignorância, e o evangelho da inveja».

O supremo interesse da criança

por Corta-fitas, em 27.08.19

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Há coisas que é de toda a conveniência, e mais encantador, que sejam mistas, ou seja, abertas a homens e mulheres. Por exemplo, os restaurantes, os coros, a patinagem artística e, sobremodo obrigatoriamente, a família. Há coisas que não convém que sejam mistas. Por exemplo, as equipas de futebol, as prisões, as consultas de urologia ou ginecologia. Também os urinóis.

As ideologias (aqueles pensamentos imperialistas que detestam a realidade e a violam) preferem os argumentos aos factos. As ideologias redobram os seus esforços contra a realidade inventando uma linguagem que violenta a razão. Para a gente da ideologia a liberdade, em abstrato, será sempre mais importante do que as pessoas livres, em concreto.

A ideologia detesta que existam homens e mulheres. Dai decretar que cada um pode ser o que quiser. Querem proteger minorias muito militantes, contra maiorias muito passivas - pessoas comuns parecem aceitar “tudo” desde que isso não signifique pagar mais dinheiro ao Estado…

Convém acrescentar, que a lei é muitas vezes o método mais fácil para exercer a tirania.
Foi, e é, com a lei nas mãos que todas as policias politicas perseguiram os que desobedeciam ao Estado…

De igual modo, será bom ter em atenção que uma criança só ensinada na escola pública é uma criança mal-educada! Pior, tenderá mesmo a ser uma criança traumatizada: com medo crescente de não ser igual à ideologia dominante.

Um desejo: que bom, seria se os mais pequenitos fossem ajudados a crescer, de preferência por gente que não fosse mais pequenina ainda do que eles.
Antes demais no que diz respeito ao bom senso!

Padre Pedro Quintela
Fonte: Folha Paroquial (Monte da Caparica) | 25-8-2019

A agenda LGBT

por João Távora, em 27.08.19

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O governo francês anunciou ontem um projecto de lei sobre bioética onde se propõe que filhos de casais de lésbicas constem com “mãe e mãe” no registo de nascimento, a ser discutido no parlamento já em Setembro.
Pensar que não há muitos anos, tendo em vista o superior interesse da criança foi considerado um avanço civilizacional a obrigatoriedade da identificação do pai de qualquer filho "natural"... Mas irónico mesmo é constatar que a mesma malta que verbera contra as tradições católicas esteja agora plenamente convencida de que um indivíduo pode ser filho de dois pais ou filho de duas mães, a ponto de exigir que isso fique legislado...

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O despacho

por henrique pereira dos santos, em 26.08.19

Talvez seja melhor ir directo ao que venho: quem pensa que um despacho muda o mundo, pensa mal.

Portanto o despacho interessa-me relativamente pouco, o que me interessa é falar sobre a degradação do debate público.

Há um problema, ultra-minoritário, sim, mas que tem o tamanho da vida para quem o tem, cabendo-nos a todos, os de boa vontade (somos todos, não é?), fazermos o que estiver na nossa mão para aligeirar o fardo de quem o carrega. Isto parece-me razoavelmente consensual.

O que cada um faz por isso, cabe a cada um, ninguém tem nada com isso.

Mas o que os poderes públicos fazem por isso, sim, já é um assunto de todos.

No caso, um governo legítimo, tomou uma decisão legítima, apoiado por um conjunto de associações ligadas ao problema mas cuja representatividade ninguém sabe qual é.

Um conjunto de pessoas, representando-se a si próprias, resolveram contestar esta decisão dos poderes públicos, o que é igualmente legítimo.

A questão me interessa (mas suponho que interessa a muito pouca gente) é se a decisão pública é a melhor maneira de responder ao problema concreto que existe.

Laurinda Alves acha que não, di-lo num artigo de que não gostei (não é novidade, de maneira geral não gosto muito do que escreve Laurinda Alves) em que usa uma expressão equívoca, fala de minorias de estimação, e assenta a sua argumentação numa metafísica que a mim me diz pouco.

Para qualquer pessoa sem ligação emocional ao tema, o que a expressão pretende dizer (até conhecendo o estilo suave de Laurinda Alves, se fosse eu seriam mais compreensíveis interpretações mais abrasivas) parece-me razovelmente claro: há minorias, no caso as ligadas à disforia de género (e, por arrasto, apesar de serem assuntos bem diferentes, as ligadas aos movimentos LGBT), que o governo estima e protege, e há depois um conjunto de outras minorias (pobres, deficientes, por exemplo, diria eu) por quem o governo não demonstra a mesma estima.

Eu compreendo que o artigo é feito com pouco cuidado para com o fardo daqueles a quem o problema diz mais directamente respeito mas é um artigo de opinião, que se pode discutir sem problema.

E também compreendo que Rita Alves tenha feito uma interpretação menos bondosa da expressão e tenha achado que Laurinda Alves estava a fazer um trocadilho para achincalhar os que carregam o fardo, mas compreender isso não me impede de ler a carta toda de Rita Alves e a achar imensamente mais agressiva, injusta e, aqui e ali, bem mais preconceituosa (a forma como se refere à falta de dignidade da sala dos autistas chocar-me-ia se eu fosse de me chocar com o que as pessoas dizem no calor de uma discussão) que o artigo de Laurinda Alves (compreendo bem por que razão boa parte da imprensa apenas a cita parcialmente, lida no seu conjunto é um texto muito pouco digno). Eu sei que lá vem o Brecht a dizer que considera o rio violento o que dirá das margens que o oprimem, mas agradeço que me poupem a essa parte que eu já sei.

Só que estou proibido de escrever o que escrevi em cima sem me cair um anátema na cabeça: eu sou incapaz de empatia pelo sofrimento de Leonor, anátema que liquida qualquer discussão racional sobre a tal decisão pública e liquida qualquer campo comum que nos ajude a todos a aligeirar o fardo de Leonor.

Não se trata de nada disso, o facto de eu achar que não são despachos de um governo central a dizer às escolas como devem gerir a diferença na escola que resolvem os problemas das escolas e, concretamente, achar este despacho muito pouco útil, não tem qualquer relação com a minha empatia para com a Leonor, é apenas uma opinião política, de quem acha que as escolas devem ter autonomia para tratar cada pessoa como ela é, e as pessoas devem ter recursos e meios de se defender das decisões iníquas do escola, se elas existirem, começando pela liberdade de escolher a escola em que querem estar. Por exemplo, a questão relevante do nome decorre do facto do Estado português não facilitar a mudança de nomes, nesta ou noutra situação qualquer, não permitindo que o senhor Zimmerman se passe a chamar Dylan só porque gosta mais, não é uma questão escolar.

Se fosse um despacho do Governo a libertar dinheiro para ter casas de banho decentes nas escolas, desde logo para a maioria dos alunos (que geralmente só as frequentam in extremis), mas também para as muitas minorias para quem ter casas de banho decentes poderia ajudar bastante (os pobres que poderiam poupar o banho em casa, os deficientes que se debatem permanentemente com barreiras inacreditáveis, os pudicos, os que têm medo de ser encurralados na casa de banho por quem lhe faz permanentemente a vida num inferno, ou seja quem for), eu acharia bem, mesmo tendo a opinião que exprimi acima sobre a autonomia das escolas.

Mas um despacho que é uma declaração platónica de amor pela escola inclusiva e de qualidade, francamente, não entendo como vai melhorar a felicidade da Leonor (por alguma razão, Rita Alves, se abstem de explicar, o que seria natural e útil, como é que em concreto o despacho melhora o quotidiano da Leonor).

Por alguma razão as tais associações, ou pelo menos parte delas, bem dizem que o que interessa no despacho é a parte da formação, provavelmente porque acreditam nos milagres que se conseguem com doutrinação (seja qual for o conteúdo dessa doutrinação) e acham que conseguem mudar a forma como uma escola funciona dando formação a quem lá está todos os dias, a lidar todos os dias, não apenas com o problema que conhecem bem, mas com todos os outros problemas que existem no meio de um grupo grande de pessoas numa idade em que se é particularmente cruel para alguns dos que estão à mão de semear.

Eu, que andei anos e anos até conseguir (mais ou menos) que os meus filhos deixassem de pôr os cotovelos na mesa, e insistia na doutrinação todos os dias, tenho menos fé nesse instrumento: a educação é um processo lento e volitivo, não vai lá por despacho, nem por decreto.

Eles não gostam, mas nós insistimos no tema

por João Távora, em 25.08.19

Portanto, com base numa apreciação feita não se sabe em que termos começa um processo, não se sabe coordenado por quem e muito menos se percebe com vista a quê. Pode, por exemplo, a escola decidir que a criança deve mudar de género? Que poderes, competências, saberes têm as escolas para desencadear um processo destes? E quem é que numa escola pode ser obrigado a assumir responsabilidades num processo desta natureza: os professores? Ou vai franchisar-se esse trabalho para aquelas associações já contratadas para leccionarem Educação para a Cidadania e que podem passar da redacção de questionários para a produção de ordens sobre a vida das crianças?

A ler a Helena Matos

Domingo

por João Távora, em 25.08.19

Leitura da Epístola aos Hebreus 


Irmãos: Já esquecestes a exortação que vos é dirigida, como a filhos que sois: «Meu filho, não desprezes a correcção do Senhor, nem desanimes quando Ele te repreende; porque o Senhor corrige aquele que ama e castiga aquele que reconhece como filho». É para vossa correcção que sofreis. Deus trata-vos como filhos. Qual é o filho a quem o pai não corrige? Nenhuma correcção, quando se recebe, é considerada como motivo de alegria, mas de tristeza. Mais tarde, porém, dá àqueles que assim foram exercitados um fruto de paz e de justiça. Por isso, levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos vacilantes e dirigi os vossos passos por caminhos direitos, para que o coxo não se extravie, mas antes seja curado. 


Palavra do Senhor. 

«Ai o género é tão giro, sei lá...»

por José Mendonça da Cruz, em 24.08.19

«O meu Martim escreve hoje...»

«Ai o meu Salvador também anda activíssimo...»

«Mas o meu Martim escreve hoje na coluna dele do Expresso que o Miguel Morgado é incendiário, não achas giríssimo?»

«Mas porquê?»

«Ele finge que não percebe que aquela coisa das casas de banho é para impor aquela coisa da ideologia de género, e diz que as críticas do Morgado é que são horríveis. Não achas superinteligente?»

«Mas ele fingiu mesmo ou não percebeu?»

«Olha lá, fingiu, claro. Senão era um idiota útil.»

«Ai o meu Salvador é tal qual...» 

 

A Amazónia ainda vai ter muito que agradecer a Bolsonaro

por henrique pereira dos santos, em 24.08.19

Foi num comentário de Frederico Lucas que vi pela primeira vez a ideia (depois vi várias pessoas a dizer o mesmo) de que a Amazónia parece ter muito a agradecer a Bolsonaro: o desmatamento da Amazónia, um grave problema ambiental do ponto de vista da perda de biodiversidade e de relação com as alterações climáticas, ocorre desde os anos setenta, teve picos algures lá atrás, algum abrandamento posterior, mas pelos dados dos últimos anos, tem estado a aumentar (os dados deste Agosto são maus, mas menores que os de 2012 e 2014, menos de metade dos de 2007, embora quase o dobro de 2012, se se consultarem estes dados, que são coerentes com os da Nasa, medidos a partir das emissões, que indicam 2019 como estando mais ou menos na média dos últimos quinze anos).

O NASA Earth Observatory é claríssimo, na análise até ao dia 22 de Agosto: "As August 16, 2019, an analysis os Nasa satelite gata indicated that total fire activity across the Amazon basin this year has been close to average in comparison to the past 15 years (The Amazon spreads across Brazil, Peru, Colombia, and parts of other countries). Though activity appears to be above average in states of Amazonia and Rondonia, it has so far appeared below average in Mato Grosso and Pará, according to estimates from Global Fire Emissions Database , a research project that compiles and analyzes NASA gata" (obrigado Paulo Fernandes pela referência). 

E, no entanto, Macron quer o G7 a discutir os fogos na Amazónia (sem a presença dos países implicados), a ONU já falou no assunto, o Papa disse qualquer coisa e anda por aí um enorme frisson.

O que mudou de essencial este ano (visto que as variações nos números parecem relacionar-se mais com as normais variações meteorológicas anuais, mesmo que neste caso não se esteja a falar de fogos brutais de áreas favoráveis ao fogo, mas sim de queimadas conduzidas pelos agricultores e criadores de gado, numa região muito pouco favorável ao fogo)?

O que mudou foi Bolsonaro.

Talvez o mais evidente sintoma disto seja a monumental hipocrisia do Bloco de Esquerda e de Catarina Martins que, em 2017, pedia que chovesse para resolver os fogos de Pedrogão e criticava a instrumentalização política de tragédias com origens complexas (e muito bem), mas dois anos passados não tem o menor pudor em apontar o dedo a Bolsonaro como responsável por uma tragédia com origens complexas, e com forte expressão muito anterior a Bolsonaro.

A primeira palavra do título do destaque de ontem do Público, sobre os fogos na orla da Amazónia (o chamado arco da desmatação, que vai muito para lá do Brasil. incluindo uma forte actividade de desmatamento na Bolívia de Evo Morales, sem que ninguém lhe peça contas) é "Bolsonaro".

Manuel Carvalho, no mesmo Público, faz um editorial criticando o sectarismo da discussão sobre o desastre da Amazónia, sem no entanto deixar de escrever, contra os dados, "Será assim tão difícil reconhecer que não, o problema da desmatação da Amazónia não começou com Jair Bolsonaro e que sim, desde que Bolsonaro está no poder que a desmatação atingiu o ritmo mais alto em muitos anos" (a mim não me custa nada reconhecer as duas coisas, os dados existentes é que são um bocado relutantes em reconhecer esta última parte).

E depois, duas páginas depois, no mesmo Público, temos mais uma declinação do monumento à hipocrisia que é a posição do bloco de esquerda por Pedro Filipe Soares, e Rui Tavares na última página, a responder ao director do Público que sim, eles têm mesmo dificuldade em reconhecer que o problema do desmatamento da Amazónia é mesmo um problema antigo que tem atravessado governos de todas as cores e feitios.

Até agora o que parece ser a grande contribuição de Bolsonaro (saltando por cima da retórica do próprio e olhando para os dados que existem) é o facto de se ter criado um alvo que toda a gente pode criticar, abrindo espaço para que o problema global do desmatamento da Amazónia seja de novo um tema central para tanta gente, deixando de ser escamoteado ou desvalorizado como tem sido há muitos anos a esta parte.

Para quem, como eu, acha sempre que os governos influenciam muito menos os processos sociais do que pensam, mas ainda assim os influenciam, Bolsonaro não me aquece nem arrefece nesta matéria (aliás, até hoje, para além de uma retórica frequentemente infantil, de vez em quando passando para a grunhice pura e dura, ainda não percebi o que Bolsonaro tem feito com o poder que lhe entregaram), mas é bem provável que a remoção do escudo protector que a superioridade moral da esquerda tem criado em relação à discussão do que faz a esquerda com o poder que lhe é entregue, seja uma excelente, embora involuntária, contribuição de Bolsonaro para uma gestão mais sensata do problema do desmatamento da Amazónia.

E isso seria motivo para que a Amazónia, se tivesse consciência, agradecesse profundamente a Jair Bolsonaro.

Ao Miguel Pinheiro

por Corta-fitas, em 23.08.19

Aprecio por regra o Miguel Pinheiro mas aqui não concordo minimamente com a sua interpretação. Desconheço se o Miguel Pinheiro é jurista mas o que escreve não é, de todo, o que está no despacho.
O despacho refere que intervenção dos pais e encarregados de educação releva para os procedimentos previstos nas várias alíneas do nº 1 do artº 5 que claramente tem um regime diferente do regime previsto nas alíneas 2 e 3 do artº 5º.
O nº 1 do artº 5 regula as situações das crianças e jovens transgénero (parece que são apenas 200 num universo de mais de 2000 escolas). E nesses casos o acompanhamento dos pais está previsto.

Já os números 2 e 3 do artº 5ª que estabelecem o direito da criança autoatribuir um nome, ou de escolher as casas de banho aplicam-se à todas as crianças e não às em situação de transição de género e sem a necessidade de intervenção dos pais.

De acordo com o despacho apenas o nº 1 se aplica a situações de crianças transgénero e a alínea C do nº1 do artº 5º é clara ao determinar que a vontade dos pais é relevante para as situações previstas apenas nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 5º do Despacho. Convém ler o despacho.

Uma coisa são medidas de proteção das características sexuais de cada pessoa e de combate à discriminação. Outra coisa é o estado obrigar todas as escolas a determinar medidas de promoção de autodeterminação sem o envolvimento dos pais.

Já sabemos que para o PS os despachos e as leis não podem ter interpretações literais. Que o Secretário de Estado queira tentar tentar iludir os portugueses interpretando agora o despacho contra o que está escrito não me surpreende. Que o Miguel Pinheiro não tenha tido o cuidado de perceber que o regime previsto nos nº2 e 3 do artº5º é expressamente diferente do nº1 já me surpreende.

Finalmente se foi engano da Secretaria de Estado não há problema todos nos enganamos e os despachos estão todos os dias e ser alterados. O Secretário de Estado tem uma solução muito fácil. Altera o Despacho e transforma os nº2 e 3 do nº5 em alíneas do nº1 e a actual alínea c) do nº 1 passa para o final do despacho e fica o problema resolvido.

Pedro Pestana Bastos

Da apropriação do combate à violência de género – combate que todos partilhamos — passou-se uma linha também ela violenta. E que linha é essa? A de que em matéria de educação, a liberdade tem de ceder diante de ideias que são no mínimo discutíveis. A linha de que basta a autoridade para se impor um caminho que assenta numa determinada concepção do corpo, da pessoa, da vontade e da liberdade. A de que o Estado se pode intrometer nas questões mais vitais, como se estivesse melhor colocado e soubesse avaliar melhor o que é bom para cada criança.

É natural que este combate indigne tantas famílias, pois o que está em causa são direitos elementares das crianças, que à família, em primeiro lugar, cabe proteger. É a Declaração Universal que determina que a família tem direito a ser protegida diante do Estado, Estado que, ao contrário do que estabelece a Constituição da República Portuguesa, está mesmo a programar a educação segundo diretrizes filosóficas, políticas e ideológicas.

A ler na integra o Filipe Anacoreta Correia, aqui.

Se eu soubesse o que sei hoje

por João Távora, em 21.08.19

Fonte-urinol-Marcel-Duchamp-1917.jpg

Na segunda metade dos anos setenta, no meu gira-discos, nas festas de garagem ou do liceu, tocavam as mais excêntricas batidas e desconcertantes sentenças bramidas por bandas que fariam corar de vergonha os mais atrevidos millennials que por aí deambulam a consumir “experiências”. Respaldado por uma família bem estruturada, debaixo de um ambiente político ainda dominado pelos militares e pela ortodoxia do conservadorismo comunista, a estética insolente e luxuriosa do Rock e de alguma música contestatária que então ecoava proveniente de Inglaterra e dos EUA, constituíam uma saudável fenda numa cultura profundamente castradora que era o “mainstream“ que sobreveio ao Estado Novo. Naqueles anos loucos, neste jardim à beira mar plantado, havia muros verdadeiramente por derrubar e limites por explorar, a moda explodira cá com 10 anos de atraso. A desconstrução é um processo crítico de reinvenção que funciona quando o objecto combatido é experimentado, sólido e tem pilares firmes. O que é trágico é que hoje já não há instituições tradicionais para desconstruir, não se desconstrói o que está feito em cacos. Se é certo que uma família consegue assimilar um “excêntrico” no seu seio, demasiados excêntricos arruínam uma família e receio que o mesmo suceda com uma cidade ou com uma civilização. Pela parte que me toca, a liberdade que experimento hoje, foi construída com o pão que o diabo amassou, em cima de muitas escolhas equívocas e até de erros crassos. Mas o facto é que quando foi necessário, tive uma alternativa, um caminho de volta, proveram-me um atalho de volta a “casa”.

Aqui chegados, a barafunda de referências que as novas gerações encontram parece-me letal. Os corpos intermédios, fundamentais para darem massa crítica a uma comunidade, os chamados contrapesos, estão cada vez mais fragilizados. Se o esvaziamento do interior, das antigas vilas e aldeias, é compensado pelo crescimento das grandes metrópoles, aí predomina o hiperindividualismo, uma sociedade profundamente fragmentada. Nelas sobrevivem com dificuldade as velhas paróquias, clubes de bairro e as associações culturais. A família, que deveria ser a célula base da sociedade, já viu melhores dias: Portugal é o país com a taxa de divórcios mais alta da Europa com 64,2 divórcios por cada 100 casamentos, os quais como sabemos são pouco fecundos – cada vez nascem menos crianças; os casais são eternos namorados e muitos contentam-se com a companhia de um animal de estimação. Cada vez mais as pessoas nascem e crescem isoladas e sem pertença, formadas para dependerem em tudo do Estado, que tudo regula e a todos domestica, com regras viciadas para a tribalização da comunidade, promovendo toda a sorte de excentricidades e aberrações numa lógica de dividir para reinar.

Lembrei-me disto tudo a propósito do Despacho dos Secretários de Estado da Igualdade e da Educação que saiu na semana passada com medidas administrativas para as escolas promovem a “autodeterminação de género”, com base na tal doutrina que afirma ser o género uma questão de vontade individual e não um desígnio biológico. Pretendem eles em última análise, que haverá tantos géneros quanto pessoas e as suas sensibilidades, ou seja, não há nenhum. Estranho é que este despacho tenha sido publicado enquanto o Tribunal Constitucional aprecia o pedido de fiscalização sucessiva de duas normas da Lei a pedido de 85 deputados liderados por Miguel Morgado.
Que estes caprichos adolescentes tenham sido cantados por bandas dos anos 60 e 70 eu percebo, em função do contexto e da época. Hoje, esta história de quererem fazer da Escola um acampamento do Bloco de Esquerda cheira a esturro, a não ser que eles tenham perdido de vez a vergonha, e queiram mesmo deitar isto tudo abaixo para dar lugar ao tal Homem Novo, criado, domesticado e regulado pelo governo, sem filhos, sem família, sem Deus ou ligação. Todos com um chip na cabeça, que será a única fórmula de controlar a rapaziada num balneário universal.

Imagem: Fonte, Marcel Duchamp (1917)

Dito de outra forma...

por João Távora, em 21.08.19

Se nada fizermos, não se admirem de ainda no nosso tempo vermos o Estado a querer fechar as escolas católicas por não seguirem a cartilha da ideologia de género. Eles não descansam enquanto não tomarem conta de nós do berço ao caixão, e esperarem-nos um chip na cabeça. No mínimo assinem esta petição

O museu da II República

por João-Afonso Machado, em 21.08.19

S. COMBA DÃO.JPG

Andam em pânico as hostes ético-republicanas. E percebe-se porquê - já havia museus, estátuas e túmulos dourados para os seus próceres, os seus deuses de cartolinha. Mudaram a seu jeito os nomes da avenidas e das pontes. Mais só querem uma esponja passada sobre o tempo da História em que eles foram genuinamente eles. Não pode ser.

Contas feitas, temos 16 anos de ditadura parlamentar; mais 48 de autocracia corportiva; e 45 de demo-plutocracia.

Todos se dão bem com todos, os netos não renegam a herança dos avós, mas quanto aos pais, a actual geração (que já vai nos 70-80) - vira-lhe as costas.

Como se os historiadores pudessem ignorar o proceso histórico na sua dimensão plena!

Salazar foi um autocrata? - Foi. Portugal marcou passo no seu consulado? - No cômputo geral marcou. Somos salazaristas? - Não! Somos costistas ou socratistas? - Também não.

A História é que é a História. Sem uma vírgula a menos. Tem de bom e tem de mau. É uma ciência, não a política partidária no terreno, ideologizada, de papel em punho à cata de assinaturas para a petição.

Mais: Santa Comba Dão também é Portugal. E lá mandarão as suas gentes. Eu não preciso de fazer profissão de fé anti-salazarista para lhes reconhecer o direito de quererem o seu museu.

 

 

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