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Entre Bernardino, deputado do Partido Regenerador, Par do Reino, com o guardanapo que é a bandeira nacional, a da nossa Monarquia que ele abjurou (o próprio, segundo os jornais da época, um «quase conterrâneo» famalicense),
e o Bernardino, o presidente populista, com o cachecol do F. C. Famalicão, após a garantia da subida do nosso glorioso clube à primeira Divisão do futebol nacional.
No meu post anterior, estupidamente, falo de uma coisa no texto (mortalidade infantil) e remeto para outra na ligação (mortalidade materna).
A razão para ter feito esta parvoíce reside no cansaço de estar à procura de um gráfico da mortalidade infantil que fosse mais abrangente que o habitual (que começa em 1961) e de saber que a evolução da mortalidade materna (como da generalidade dos dados de saúde ao longo do século XX) ser bastante semelhante. Mas devia ter assinalado isso.
Os comentários, para além de assinalarem, bem, o disparate, repetem, alguns, a lenga lenga do costume: mas os indicadores em 1974 eram maus, logo, o regime era mau e era responsável pelos maus indicadores económicos e sociais.
De maneira que procurei um bocado mais e neste blog encontrei o gráfico que me servia.
O que é claro no gráfico é que a base de partida no início do Estado Novo era verdadeiramente miserável e que, à semelhança da generalidade dos indicadores sociais, em especial educação e saúde, não são visiveis rupturas na evolução dos indicadores de uns regimes para outros (quer na entrada do Estado Novo, quer na implantação da Democracia).
Esta ausência de rupturas na evolução dos dados é especialmente notada nos indicadores de saúde porque há uma grande componente de evolução tecnológica e científica nessa evolução, mais que na educação, por exemplo, mas também resulta do facto dos governos serem muito menos importantes do que pensam para a evolução dos grandes indicadores económicos e sociais, que dependem mais da economia, da evolução social e tecnologia que das políticas públicas.
O que me interessou nesta sequência de posts foi fazer realçar o facto da vulgata antifascista que apresenta os dados de 1974 como demonstração da iniquidade de um regime que pretendia manter o povo analfabeto e pobre é uma mistificação: a evolução do país ao longo do Estado Novo foi muito grande, quer na economia, quer no rendimento das famílias, quer no desenvolvimento tecnológico, quer na transformação social, quer na saúde, quer na educação.
Em sectores que dependem mais das políticas públicas para garantir o acesso dos mais pobres a melhores condições de vida, como na educação e a saúde, o investimento público para garantir esse acesso foi enorme (mais na educação que na saúde), demonstrando uma vontade clara do regime em alterar as condições de vida miseráveis da generalidade da população, expressa no famoso "viver como habitualmente" de Salazar, que aparece num contexto que não lhe dá o significado mais corrente (o que Salazar queria era manter tudo na mesma) mas sim como complemento da ideia expressa, na entrevista em causa, de que se pretendia um país sem miseráveis e sem grandes magnatas (aquilo a que hoje provavelmente se chamaria o reforço da classe média).
Nada do que escrevi autoriza alguém a dizer que estou a branquear o Estado Novo, a defender ideias neo-salazaristas, a justificar a ditadura pela simples razão de que estou simplesmente a desmontar mitos sobre a evolução da sociedade durante o Estado Novo para melhor se poder compreender o que se passou.
O Estado Novo era ilegítimo por não depender do consentimento expresso dos governados, repito, e isto chega para tornar qualquer regime ilegítimo, independentemente da sua performance económica e social.
Questão diferente é discutir se com mais liberdade, mais envolvimento das pessoas, mais abertura à inovação social e económica não teria sido possível ter melhores resultados. Eu acho que sim, mas é muito mais uma questão de fé nas pessoas que de dados objectivos sobre eventuais modelos alternativos de governação.
É a liberdade e os mecanismos para o seu reforço que é pedra de toque que me faz separar as diferentes formas de governo, não é o facto dos resultados poderem ser favoráveis do ponto de vista económico e social.
Mas se continuamos a falar de mistificações em vez de falar da realidade, torna-se difícil fazer melhor do que fazemos actualmente, e por isso me parece que vale a pena continuar a contestar versões fantasiosas do Estado Novo que, essencialmente, têm servido para dar legitimidade a opções que acham que os resultados podem justificar restrições à liberdade das pessoas e organizações, sob o manto, infelizmente pouco diáfano, do estatismo paternalista e desconfiado de nós em que confiamos.
Os resultados em Espanha mostram-nos a presunção que é acreditar que a revolução nos resultados eleitorais reside nos abstencionistas - o mito da maioria silenciosa. Os espanhóis votaram massivamente e a distribuição desses votos parece previsível e relativamente equitativa - o Vox só vai colher ao PP (e talvez umas migalhas à extrema esquerda), e estou em crer que a grande maioria dos espanhóis votou ao centro. Se eu fosse ao Pedro Sánchez não desenterrava mortos.
"Os meus avós, na sua aldeia, nasceram e passaram 40 anos sem saneamento básico e a beber água das fontes e de poços. Só após o 25 de Abril o tiveram. E eletricidade, nas vésperas, muitos ainda não tinham. Na saúde, recorria-se aos médicos de aldeia, ou melhor das sedes de freguesia, que serviam tanto para pôr pensos, como para tirar dentes. Ir às sedes do concelho para tratamento mais complicados era uma aventura, porque os acessos e transportes eram maus. A grande maioria das crianças nascia em casa, o que provocava uma mortalidade infantil das mais elevadas da Europa. A imensa maioria ficava-se pela escola primária. A maior parte do mundo rural manteve-se primitiva, sem grandes mudanças, durante quase 50 anos de Estado Novo. O salto, nesse mundo, que era a maior parte do país, foi gigantesco em poucos anos. Não me lixem".
Este comentário ao meu post anterior é muito interessante e ilustra bem a dificuldade da racionalidade nesta matéria.
Que na generalidade das aldeias não havia saneamento básico, água corrente e electricidade no dia 24 de Abril de 1974 é um facto. Que Portugal era um país pobre e dos mais atrasados da Europa (se descontarmos vários de Leste), é também um facto. Que a assistência na saúde era frágil, quando existente, é ainda um facto. E que as estradas eram más, é mais um facto.
O problema do comentário aparece quando se conclui: "A maior parte do mundo rural manteve-se primitiva, sem grandes mudanças, durante quase 50 anos de Estado Novo".
É que todos os factos enunciados anteriormente sobre o Portugal do dia 24 de Abril de 1974 dizem muito pouco sobre os dias anteriores, isto é, de onde vínhamos e para onde se estava a andar.
Saltemos por cima do absurdo de se dizer que o mundo rural não teve mudanças durante os quase cinquenta anos do Estado Novo quando é exactamente nesse período que Portugal deixa de ser o último país da Europa em que o PIB agricola era maior que o PIB industrial e em que se esvazia o mundo rural com o movimento migratório dos anos cinquenta e sessenta.
Não percamos tempo a demonstrar o programa de obras públicas, incluindo estradas, do Estado Novo, de tal maneira é conhecido. Saltemos ainda pelo facto de se dizer que a grande maioria se ficava pela escola primária, quando esse é um avanço mais de documentado: antes do Estado Novo a grande maioria nem sequer ia à escola.
Centremo-nos apenas na famosa evolução da mortalidade infantil, que tem nesta ligação dois gráficos muito interessantes.
O que os gráficos mostram é que em 1974 os números portugueses ainda eram maus, mas que mortalidade infantil vinha a cair expressivamente desde o fim da segunda guerra mundial, em especial com uma queda muito rápida na segunda metade dos anos 40, e que não é visível nos gráficos nenhuma ruptura da tendência em 1974, isto é, havia um processo de melhoria e continuou num ritmo semelhante depois de 1974.
É absurdo atribuir esta melhoria ao Estado Novo em si, grande parte desta melhoria resulta do progresso social e da medicina, e ocorreria com ou sem Estado Novo, mas mais absurdo ainda é pretender negar que esta melhoria ocorreu durante o Estado Novo.
Negar factos perfeitamente comprováveis não parece ser o melhor caminho para compreender de onde vimos e para onde poderemos ir no futuro.
O que nos deveria verdadeiramente ocupar era o estudo das razões pelas quais se manteve uma ditadura em Portugal quase cinquenta anos, sem grandes convulsões e sem grande oposição. E mais ainda, por que razão o essencial dessa oposição não provinha de uma crítica liberal e da procura de liberdade, mas de uma outra opção de ditadura e de um caminho alternativo igualmente iliberal.
Que características sociais tem a nossa sociedade que a faz aceitar tão facilmente trocar a liberdade por um pouco de segurança ou de previsibilidade do futuro?
Isso sim, é o que nos devia preocupar, e não a repetição permanente de lugares comuns errados sobre a sociedade que viveu num regime que acabou vai para 45 anos.
Frequentemente, quando tento um mínimo de racionalidade na conversa sobre o tempo do Estado Novo (não, não é sobre o Estado Novo que escrevo, é mesmo sobre a sociedade no tempo do Estado Novo), usando para isso informação concreta, sejam dados primários (as estatísticas sobre a matéria que, no caso do mundo rural, até são a base da minha tese de doutoramente que é sobre a evolução da paisagem rural do Portugal continental ao longo de todo o século XX), sejam os trabalhadores de terceiros que se debruçaram sobre o assunto (Pedro Lains, por exemplo, cuja falta de simpatia pelo Estado Novo é inquestionável), o resultado não é uma discussão racional sobre os argumentos de cada um, mas acusações de branqueamento, de apoio, de glorificação do Estado Novo. Seguido da vulgata que um dos comentários sobre o meu post anterior exemplifica bem: "Neste seu panegírico do salazarismo, não dedica uma linha que seja aos presos político? Ao campo de concentração do Tarrafal e aos que lá morreram por discordarem do regime? Às cadeias dedicadas a quem discordava do regime e às visitas nocturnas aos opositores do regime? Às "eleições" onde até os mortos votavam? Nem uma linha sobre o assassinato de Humberto Delgado? E sobre o assassinato do estudante Ribeiro dos Reis? Foi um dano colateral? E a guerra colonial, não fala nada?".
Aparentemente, para dizer que é simplesmente falso que o Estado Novo tenha feito uma opção a favor do analfabetismo, fundamentando na comparação dos números entre o início do Estado Novo e o seu fim (que ainda se poderia atribuir a uma evolução da sociedade apesar do Estado Novo e não a um esforço do Estado Novo no sentido de acabar com o analfabetismo) e reforçando a fundamentação com os dados sobre o investimento em escolas, em formação de professores, em mecanismos para obrigar as crianças a ir à escola e por aí fora, eu teria de previamente escrever um libelo acusatório a falar dos presos, dos mortos, dos torturados.
Ora eu não tenho de estar sempre a reafirmar a minha vigorosa oposição a todos os regimes ilegítimos, anti-democráticos, repressivos para falar de cada problema social, eu tenho simplesmente de falar desse problema social da forma mais informada e racional que me for possível e, na medida em que isso se cruzar com a natureza do regime, aí sim, referir o seu carácter ditatorial.
Mais que isso, eu tenho um imenso respeito por todos os que, com a sua oposição ao regime, ajudaram a criar as condições para que ele acabasse, em especial aos que foram presos, torturados e mortos, mesmo que, em muitos casos, esses presos, torturados e mortos não fossem de facto combatentes da liberdade mas combatentes por uma ditadura diferente: a falta de amor que muitos deles demonstraram pela liberdade não lhes retira um átomo ao papel favorável à liberdade que desempenharam.
Mas ainda que eu aceitasse que deveria primeiro prestar uma homenagem a todas estas pessoas antes de dizer simplesmente que o maior período de convergência económica com os países desenvolvidos e o período de maior crescimento da riqueza do país nos últimos 200 anos é o período de vai da adesão à EFTA, nos anos 50, até ao primeiro choque petrolífero, em 1973, em pelo Estado Novo, sobrar-me-ia uma pergunta: e por que razão teria de ser assim apenas para o Estado Novo?
De onde vem a legitimidade do silêncio sobre o sofrimento dos muitos milhares (entre meio milhão e um milhão) dos que foram expulsos das suas terras estritamente por serem brancos (há de outras cores neste grupo, é certo, em especial grupos igualmente mal queridos pelos novos poderes instalados, com destaque para os de origem indiana, mas a maioria foi mesmo por serem brancos)? Talvez com a excepção de Helena Matos, e poucos mais, onde estão os artigos de imprensa que respeitem o sofrimento dessas pessoas?
Sim, eu sei que a conversa é a desqualificação moral sob a acusação de que eram colonialistas, mas essa conversa é falsa, colonialista era o Estado Novo, estes de que falo eram, na sua maioria, pessoas normais que viviam vidas normais em terras que consideravam suas, há duas, três, quatro gerações, sem qualquer ligação à terra dos seus ascendentes, sem qualquer vontade de sair da pátria que consideravam sua (muitos deles claros simpatizantes, e às vezes militantes, da independência da terra que consideravam, legitimamente, sua), alguns foram mortos, outros foram roubados de tudo o que tinham e quase todos foram postos fora da sua terra pelo crime de terem uma pele mais clara.
Onde estão as longas introduções sobre os mortos e o sofrimento destas pessoas?
Não falo de mim, o meu pai foi adulto para África, foi funcionário colonial durante quase toda a sua vida, mas sempre considerou que a sua terra era aqui e preparava-se para se reformar e voltar à terra que considerava sua (provavelmente aceitando que alguns dos filhos não quereriam sair das terras que consideravam suas, eu era demasiado novo para ter ideias claras sobre o assunto mas apesar disso ainda hoje não consigo responder de forma clara quando me perguntam de onde sou ou qual é a minha terra, não tendo qualquer pinga de simpatia por qualquer nacionalismo), e fui um privilegiado, mas para muitos outros, a esmagadora maioria, a situação não era esta, eram mesmo angolanos, moçambicanos, guineenses que nunca conheceram outra terra que não essa, independentemente de serem brancos, amarelos, indianos, pretos, mulatos e todos os tons de pele em que se queira pensar.
Respeitar os perseguidos pelo Estado Novo não é repetir os estribilhos gastos da propaganda, respeitar os perseguidos pelo Estado Novo é procurar ter um espírito suficientemente crítico sobre as ideias e as práticas inimigas da liberdade, independentemente dos desempenhos dos regimes sobre questões sociais ou económicas, o que pressupõe o esforço de informação e racionalidade que é necessário para conhecer as sociedades tal como elas foram e não tal como a propaganda, de qualquer dos lados, as descreve.
Infelizmente, no espaço público em Portugal, não há muito espaço para que se possa dizer, tranquilamente e sem receio de ser acusado de tudo e mais um par de botas, que o tempo do Estado Novo não era o que frequentemente se diz que era, e que a democracia trazida pelo 25 de Abril também trouxe com ela muitos inimigos da liberdade, como seria sempre inevitável.
Dizer isso não afecta minimamente a defesa da superioridade da democracia: a existência de liberdade.
...é este o número de Otelo Saraiva de Carvalho. Otelo e o seu grupo terrorista, FP-25 de Abril, assassinaram dezassete portugueses nos anos 80. Um bebé está entre as vítimas. Querem saber o seu nome? Nuno Dionísio, tinha quatro meses. Querem saber mais nomes dos outros dezasseis? Agostinho Ferreira, Diamantino Pereira, Gaspar Castelo-Branco. Querem saber o nome de baleados que sobreviveram? João Mesquita ou João Oliveira. Juízes, magistrados e polícias portugueses arriscaram a vida para prender Otelo. Pelo menos um polícia perdeu a vida. Querem saber o seu nome? Álvaro Militão, inspetor da PJ, que morreu durante uma perseguição a membros das FP-25, uma organização que funcionava como qualquer outra organização criminosa e terrorista: extorsão, roubo, assassínios à bala e bomba. Este rol de atrocidades não se passou lá fora ou no nosso passado remoto. Passou-se nos anos 80. Nuno Dionísio foi assassinado a 30 de abril de 1984. Este terror não pode ser esquecido, não pode ser branqueado. Não, Otelo não é uma espécie de avô cantigas da democracia. Aliás, Otelo lutou sempre contra a democracia. Quis destruí-la antes, durante e depois das primeiras eleições livres; quis destruí-la antes, durante e depois da primeira assembleia constituinte.
Este insalubre branqueamento das FP-25 de Abril não existe por acaso. É a consequência óbvia de duas exigências da corte mediática e política que nos apascenta. Primeira exigência: os fantasmas da esquerda não existem ou são notas de rodapé; um homem de esquerda não pode ser um assassino ou terrorista; a esquerda não tem pecado, a esquerda é pura, prístina, primordial, a esquerda é a virgem intocável, a nossa senhora laicizada; a esquerda não assassina, limpa; a esquerda não dispara sobre rótulas, a esquerda “ajoelha fascistas”.
(...) Se tivessem sido assassinadas por um grupo de extrema direita composto por “retornados” ou “católicos”, aquelas dezassete pessoas seriam hoje mártires nacionais. Como foram assassinados por um gangue de esquerda, as dezassete vítimas de Otelo não existem na foto da memória coletiva. Alguém queimou os seus rostos com a ponta do cigarro “progressista”.
Henrique Raposo no Expresso, a ler na integra aqui
Leitura dos Actos dos Apóstolos
Pelas mãos dos Apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo. Unidos pelos mesmos sentimentos, reuniam-se todos no Pórtico de Salomão; nenhum dos outros se atrevia a juntar-se a eles, mas o povo enaltecia-os. Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres aderia ao Senhor pela fé, de tal maneira que traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles. Das cidades vizinhas de Jerusalém, a multidão também acorria, trazendo enfermos e atormentados por espíritos impuros e todos eram curados.
Palavra do Senhor.
Tenho muitas dúvidas de que o Vox possa ser considerado de extrema direita, que tradicionalmente é contra a democracia liberal e representativa: parece-me antes o outro lado do espelho dos nacionalismos separatistas e dos devaneios fracturantes da extrema-esquerda em Espanha. Quando muito é populista, mas quanto a isso, aquele partido que não cede a essa tentação em campanha eleitoral que atire a primeira pedra. Um partido como o Vox no mínimo tem a virtude de reposicionar a espinha da direita moderada que por cobardia vai capitulando na defesa das suas causas tradicionais.
Bárbara Reis, do Público, anda muito preocupada com "os adolescentes baralhados sobre a ditadura de Salazar".
Fica escandalizada quando "fala-se de analfabetismo e respondem que Salazar fez escolas nas aldeias", por exemplo.
E então propõe-se "abanar" estes adolescentes citando cartas de amor escritas durante o salazarismo "Meu muito querido Mário, mais um domingo sem sol e sem ti".
O facto de Bárbara Reis preferir falar das vidas de dois proeminentes membros das classes dominantes e privilegiadas , como Mário Soares e Maria de Jesus Barroso, em detrimento da vida das pessoas comuns, para abanar adolescentes baralhados com o regime de Salazar é uma opção exótica, mas mais exótico é pretender fazê-lo repetindo tretas sobre a sociedade anterior ao 25 de Abril, como aliás boa parte da imprensa fez por estes dias.
Estou convencido de que só o facto dos jornalistas que escrevem as peças que li serem muito novos, e portanto 1974 ser anterior ao paleolítico para eles, os impede de perceber o ridículo de publicarem o que publicam quando há ainda tanta gente que estava lá, viu directamente, e portanto sabe perfeitamente que usar calças à boca de sino, por homens ou mulheres, era perfeitamente banal.
Na verdade a repetição das fantasias que habitualmente acontece nesta altura, assenta na recusa de consulta das fontes, uma estranha opção do jornalismo actual "O pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda portuguesas. A moda unissexo começava a surgir. Tanto mulheres, como homens começaram a frequentar as mesmas lojas, usavam cabelos longos ou curtos, calças de ganga e de boca-de-sino, blusões de cabedal, adornos variados" (A Moda e as Modistas em Portugal durante o Estado Novo – As mudanças do pós-guerra (1945-1974)".
Que os números do analfabetismo em 1974 eram maus, isso é inquestionável, mas eram incomparavelmente melhores que os de 1926. Só durante o Estado Novo se atingiu a taxa de escolarização anterior ao Marquês de Pombal, cujas opções reduziram o número de alunos das escolas em 90%, estupidez repetida pela primeira república (de forma muito mais mitigada) ao expulsar os jesuítas e pela segunda vez destruir o melhor ensino do país, e de que este governo, de forma ainda muito mais mitigada, resolveu assumir-se como herdeiro ao acabar com contratos de associação que permitiam menos despesa para o contribuinte e melhor ensino para os utilizadores, outra vez com os argumentos anti-clericais, agora disfarçados. Dizer que o Estado Novo fez escolas em aldeias é uma tontice face ao esforço de escolarização feito, passando dos 15% para os quase 100% de escolarização em trinta anos, mais ou menos.
Citando Rui Ramos: "temos, por exemplo, as comparações ignorantes entre o Portugal de 1974 e o de hoje. Sim, hoje os portugueses vivem melhor do que em 1974. Mas em 1974, também viviam melhor do que em 1926. O 25 de Abril aconteceu num país que estava a passar por uma transformação social e económica que começara antes e que continuou depois. Antes de 1974, o país industrializava-se, o “Estado social” (já era assim que Marcello Caetano lhe chamava) expandia-se, o futuro SNS já tinha os seus alicerces, e pela primeira vez na história toda uma geração frequentava a escola. Portugal até já iniciara a integração europeia, com a adesão à EFTA em 1960 e o acordo comercial com a CEE de 1972. Reconhecer isto, porém, passa por crime de louvor à ditadura. Mas o que justifica uma democracia não é a prosperidade – é a liberdade".
Cara Bárbara Reis (e restante jornalismo militante) deixe-se de grandes explicações sobre a superioridade económica e social do pós 25 de Abril de 1974, o que é preciso é dizer uma coisa simples: o Estado Novo era um regime ilegítimo por haver Governo sem consentimento expresso de governados, é só isto e nada mais.
Se entra por comparações "ignorantes" (para citar Rui Ramos) o mais natural é que os adolescentes fiquem mais "abanados" em relação à confiança no que dizem os jornais que em relação ao regime anterior ao 25 de Abril.
A liberdade é um bem em si mesmo, não precisa que torturemos os dados sócio-económicos até que eles digam o que queremos que digam, e o 25 de Abril justifica-se simplesmente pela liberdade, o que já não é pouco.
O 25 de Abril de 1974 cujo aniversário curiosamente este ano se celebra numa madrugada de quarta para quinta-feira como há quarenta e cinco anos, teve seguramente um grande impacto na minha vida, ao despertar-me aos doze anos para o valor primordial da Liberdade. Até àquela idade eu não tinha a mais pálida noção da realidade política em que vivia, a não ser uma vaga ideia de que vivíamos numa república e que isso não era muito dignificante. Nos dias seguintes à revolução, para lá da desconfiança do meu erudito Pai cuja mundividência alcançava outras eras, fui levado através do convívio com os meus familiares e amigos a acreditar que o tempo era de celebração e de expectativa (sim, também eu trauteei muita cantiga de “intervenção”). Celebração essa que, passado pouco tempo, se tornou em suspeita e de seguida virou receio e sobressalto: no final do ano de 1974, com 13 anos, já eu me envolvera na política e militava no Partido da Democracia Cristã de Sanches Osório e me apercebera que a minha gente era “non grata” à facção extremista que se apoderara do novo regime e da minha Liberdade - o partido, que não sendo de esquerda ou de centro era moderado, foi banido a 11 de Março de 1975. No espaço de um ano estive várias vezes sequestrado, apanhei pelo menos uma sova (no liceu) e houve um período em que com a família vagueei na clandestinidade em casas incógnitas com os passaportes nos bolsos para a eventualidade de termos de fugir do país. Só com o 25 de Novembro nos foi possível retomar uma vida com alguma normalidade.
É por tudo o que atrás referi que posso afirmar sem qualquer hesitação de que foi o 25 de Abril que me ensinou a dar valor à Liberdade e a respeitar os outros e a diversidade das suas ideias e perspectivas. Não há muitos valores pelos quais eu sinta que valha a pena dar a vida, mas por conhecimento de experiência feito, sei que a Liberdade dos meus filhos é um deles. Ironicamente, essa lição devo-a ao 25 de Abril.
Uma enorme vergonha alheia é o que se sente quando se lê esta notícia: ontem o Presidente da Câmara de Lisboa tentava fazer passar discretamente um protocolo de colaboração com uma recém-formada Associação dos Amigos dos Cemitérios de Lisboa (!), cujos corpos sociais junta um friso de insaciáveis socialistas e seus familiares – desta vez foram apanhados. A suprema lata e impunidade com que eles usurpam os escassos recursos públicos, um protocolo aqui outro ali, a ver passa à socapa e garantem mais umas rendas para a sua insaciável estirpe.
Não se indignem que não é preciso, eles são de esquerda…
Enfim, depois de muitas buscas na Comunicação Social (TV's e jornais), lá consegui encontrar no Observador notícia e imagens que fizessem luz sobre o incidente no aniversário do PS.
Em suma, Costa discursava e um jovem - daqueles magrinhos, de puxo no cucuruto da cabeça, - quis apossar-se do microfone para informar o mundo de uma qualquer hecatombe ecológica iminente. O dito jovem, acrescente-se, foi insistente qb e, ao que se sabe, pertence a uma organização próxima do Bloco.
O interessante do episódio consiste no breve, mas incisivo, olhar de Costa para uns camaradas engravatados, fardados de escuro, perto de si. O rapaz foi levado dali na forma mais indiscreta, vale dizer, apanhado de pernas e braços, aos baldões pelo palco abaixo. Desse-se a ocorrência com Passos Coelho ou com Víctor Gaspar e as suas origens ficariam plenamente justificadas, as suas consequências rotular-se-iam da mais sinistra violência. Qualquer jornal ou telejornal repetiria a notícia até à exaustão. Assim, não.
Aliás, Costa,recentemente, não se conseguiu esquivar a uma cachaçada de um "lesado do BES", em espera que lhe fizeram esses que, agora, além de lesados, se encontram ainda mais desesperados pelas muitas e costumeiras promessas não cumpridas. Também nesta "matéria" a Esquerda do "Povo Unido" nada se tem indignado.
Para rematar, a greve dos trasportadores de combustível, o auto-proclamado "sindicato democrático" que a promoveu, e Costa enfiado no buraquinho de rato em que se consegue encolher. Deixando para as pombinhas da Catarina o delírio de responsabilizar os anos da Troika por essa quase imobilização do País.
Mas vivemos a mais justa, equitativa e eficaz democracia! Isto é: vamos ainda a caminho do "25 de Novembro". Falta-nos percorrer o "Verão Quente"...
Não deixa de ser irónico eu estar a escrever este artigo sobre a bolha social em que vivem jornalistas, políticos, comentadores, intelectuais e outros ocupadores do espaço público mediático (como eu) a partir de uma peça jornalística (mesmo sendo um artigo de opinião) que rompe essa bolha mediática.
Praticamente todos os dias saio de casa por volta das sete da manhã (desde que o quiosque deixou de ter jornais a partir das cinco e meia, o café passou a abrir só por volta das seis e meia e o meu médico me mandou dormir mais tempo) e à porta do serviço público aqui ao pé, que abre às nove da manhã, está uma bicha de várias dezenas de metros, com gente sentada onde em calha, alguns embrulhados em mantas, às vezes com os filhos ensonados que não têm onde deixar.
Do outro lado, não a essa hora, mas um bocado antes do horário das visitas, as famílias dos presos esperam numa outra bicha indigna, à porta da cadeia, faça sol, faça chuva, sem que o Estado português tenha a delicadeza de encontrar uma solução humanamente aceitável para que as famílias dos presos esperem pela hora das visitas em condições minimamente digna, dentro do edifício enorme em que esperam entrar.
Eu sei, quer num caso quer noutro, uma boa parte das pessoas que ali estão são pobres, são pretos, mulatos, indianos, brasileiros, ucranianos, são gente pobre ou desenraizada que desconhece os caminhos que conduzem aos tais jornalistas, políticos, comentadores, intelectuais e outros ocupadores do espaço mediático.
Das únicas vezes que vi jornalistas interessados no que se passa no exterior desse serviço público foi quando a CGTP e os sindicatos respectivos fizeram greves, apitando desenfreadamente na rua, violando a lei do ruído para disfarçar a encenação que lhes serve para fingir influência social que na verdade existe mais nos jornais que na vida das pessoas comuns.
Fazer o que é feito neste artigo de opinião, ir à procura das pessoas concretas, da utilização concreta dos serviços públicos, das tretas das vacas voadoras, confrontar os anúncios do governo e da oposição (e dessa coisa híbrida que é ao mesmo tempo governo e oposição que agora anda por aí sob os nomes do PC e BE) com a vida real de pessoas reais, isso é uma canseira.
Para quê ir conversar com as pessoas que estão nas bichas dos serviços públicos, não para encher de emoção irracional os jornais com directos de pessoas inevitavelmente pouco objectivas naquelas circunstâncias, mas para compreender melhor a vida real das mulheres da limpeza que estão em nossas casas, deixando os filhos às cinco da manhã porque o metro só abre às seis e meia e é preciso sair mais cedo, quando se pode ligar ao assessor do ministro e ao assessor da CGTP para fazer uma peça para encher o espaço do jornal, garantindo o contraditório?
Uma boa maneira de celebrar o 25 de Abril talvez fosse entrevistar a Isabel em vez de Ferro Rodrigues: é que francamente, o que Ferro Rodrigues tem a dizer sobre o 25 de Abril não acrescenta nada à nossa compreensão do mundo, mas falar da dura vida da Isabel talvez nos obrigue a pensar dois segundos no que poderíamos fazer melhor para lá da nossa bolha social, claramente minoritária e privilegiada.
As minhas desculpas por alguma demagogia neste post, mas dê-se-lhe um desconto.
Não vi nem sei de que se trata, mas contam-me que a Sic foi hoje ouvir um tipo qualquer indiciado como corrupto e vigarista para criticar o ministro da Justiça do Brasil, o que limpou vários vigaristas e corruptos lá. Não acredito que a Sic descesse tão baixo.
Logo a seguir ao contrafogo literal, veio Bernardo Ferrão (outro jornalista que se suspeita ambicionar o tipo de carreira e o respetivo prémio de Nicolau Santos) com o «Polígrafo» a fazer contrafogo a quem criticar os socialistas. O «Polígrafo» diz que faz fact-checking. Eis um exemplo de hoje: António Costa recusou falar sobre pensões com um deputado do PSD poeque ele, acusou Costa, escrevera um artigo em que falava da «a peste grisalha». Ou seja, Costa usara uma expressão fora do contexto, tirada de um artigo que criticava a falta de atenção ao envelhecimento da população e a indiferença perante a velhice, para acusar um deputado de chamar «peste» aos idosos.
Costa mente despudoradamente. E para o Polígrafo e Ferrão, Costa Mente? Não, para eles Costa «diz a verdade, mas».
E, em reverência a Costa, Ferrão e a geringonça do Polígrafo dedicaram-se seguidamente a citar fora do contexto, a interpretar ao contrário, e a fazer juízos com um sorrisinho entendido sobre o que eles julgam ter sido as decisões de Bolsonaro.
Este Polígrafo serve tão bem para fiscalizar o poder socialista como um pedófilo serviria para julgar um pornógrafo infantil.
Conhecedoras dos melhores métodos de combate aos incêndios, as empresas decelulose conseguem com notável e repetido sucesso evitar que os fogos nunca afetem mais que parcelas muito limitadas das suas florestas. O contrafogo é um dos métodos.
Poderia ser uma lição.
Mas, obviamente, a Sic prefere fazer uma reportagem sobre o mau uso do contrafogo, sobre o «contrafogo sem regras» e os que a ele recorrem sem perguntar ao Estado socialista, sem pedir licença ao Estado socialista, sem exigir «formação» do Estado socialista, sem chamar alguma comissão, ou comité, ou autoridade, ou familiar ou encartado do Estado socialista.
Nem com uma tempestade de fogo se curaria o pendor socializante, normalizador, castrante e castrado que a Sic ama e adora.
Desde que me lembro que me lembro de fazer propostas parvas.
Em determinada altura era preciso encontrar medidas compensatórias para impactos de parques eólicos sobre a população de lobos a Sul do Douro (a minha opinião sobre esses impactos era irrelevante porque os funcionários públicos são pagos para aplicarem a lei os procedimentos, não para usarem o Estado para imporem as suas opiniões à sociedade).
Tendo em atenção a natureza das medidas compensatórias a definir no contexto da aplicação da Rede Natura 2000 - um conceito muito mal compreendido, nomeadamente por quem tem de o aplicar - era preciso que fossem medidas que impactassem positivamente a população de lobo na mesma medida (pelo menos) dos impactos negativos causados pelos parques eólicos.
Identificada a falta de alimento como um factor limitante que actuava negativamente sobre esta população, e não sendo realista esperar que as medidas para a expansão de corço tivessem resultados no curto prazo em que se notariam os impactos negativos, resolvi (naturalmente a decisão foi escrutinada e validade em vários níveis, mas neste caso fui mesmo eu que fui responsável pela medida existir) que a proposta mais razoável era obrigar cada produtor a ter duas cabras por cada megawatt instalado.
Com razão, quer a medida, quer eu, fomos alvo de muita chacota, mas como só havia autorização com o nosso parecer positivo, lá começaram a perceber que não era uma piada, era só uma proposta parva. E porque todos sabíamos ser uma proposta parva (embora exequível e perfeitamente razoável no contexto), a proposta tinha um acrescento: ou qualquer outra proposta feita pelos promotores que cumprisse o mesmo objectivo e fosse aceitável.
Os promotores, cujo negócio não é apascentar cabras para servirem e alimento a lobos, acabaram por propôr a criação de um fundo para a conservação do lobo ibérico, alimentado pelo valor de duas cabras por megawatt, e com um regulamento de aplicação muito restritivo (infelizmente depois alterado, desvirtuando-o). O cuidado no regulamento de aplicação do fundo justificava-se porque o normal é alguém pegar no dinheiro e gastá-lo em estudos (que os lobos nao lêem) e em centros de educação ambiental (que os lobos não frequentam), com muito mais proveito para os estudiosos do lobo que para os lobos em si.
E hoje esse fundo existe e financia a conservação do lobo (a Montis, associação de que sou presidente, até beneficia desse fundo, cinco mil euros por ano aplicados na gestão de 100 hectares, contra demonstração do trabalho feito, mas gostaria de deixar claro que entre a história que contei acima e o benefício de uma associação de que sou presidente passaram mais de dez anos, se não estou enganado, não há qualquer hipótese de que a decisão em causa tivesse sido em causa própria).
Em relação a esta coisa da sustentabilidade, da descarbonificação e mobilidade suave já há tempos fiz uma proposta que agora reitero, tão parva como a proposta das cabras.
Acredito que seja uma proposta muito menos mediática que as propostas de Greta Thundberg, que acredito que sejam óptimas mas desconheço em absoluto porque nunca ouvi nada do que disse nem leio nada sobre as suas actividades. Não vejo grande utilidade em ouvir uma criança de 16 anos a falar sobre um assunto tecnicamente complexo, economicamente problemático, socialmente desafiante e politicamente sensível sem ter formação científica, sem saber alguma coisa de economia, ter alguma experiência do mundo e ter alguma vez tido a responsabilidade de tomar uma decisão política.
A minha proposta é mesmo simples: o Governo que faça a sua parte nos roteiros para a neutralidade carbónica tomando a decisão, e aplicando-a de forma escrutinável, de que 10% das deslocações oficiais dos seus membros (incluindo membros dos gabinetes), pelo menos, sejam feitas em transportes colectivos (excluindo avião), a pé ou de bicicleta.
Eu sei, é uma proposta parva, mas tem a vantagem de ser simples e de apenas depender da vontade do governo fazer a demonstração prática daquilo que pretende (e, devo dizer, bem) para os outros.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
No primeiro dia da semana, ao romper da manhã, as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia foram ao sepulcro, levando os perfumes que tinham preparado. Encontraram a pedra do sepulcro removida e, ao entrarem, não acharam o corpo do Senhor Jesus. Estando elas perplexas com o su¬cedido, apareceram-lhes dois homens com vestes res¬¬plandecentes. Ficaram amedrontadas e inclinaram o rosto para o chão, enquanto eles lhes diziam: «Porque buscais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui: ressuscitou. Lembrai-vos como Ele vos falou, quando ainda estava na Galileia: ‘O Filho do homem tem de ser entregue às mãos dos pecadores, tem de ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia’». Elas lembraram-se então das palavras de Jesus. Voltando do sepulcro, foram contar tudo isto aos Onze, bem como a todos os outros. Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago. Também as outras mulheres que estavam com elas diziam isto aos Apóstolos. Mas tais palavras pareciam-lhes um desvario e não acreditaram nelas. Entretanto, Pedro pôs-se a caminho e correu ao sepulcro. Debruçando-se, viu apenas as ligaduras e voltou para casa admirado com o que tinha sucedido.
Palavra da salvação.
Ilustração: pintura de Raffaellino del Garbo (1466 - 1524)
Esta Semana Santa tem sido pródiga em declarações de esperança de que a catedral de Notre Dame pode ser ressuscitada. É esta a lição da Páscoa: que a vida pode surgir da morte. Ao contrário da Torre Eiffel, o outro grande símbolo de Paris, Notre Dame, proporciona aos franceses a evidência de que a sua república moderna e secular tem as fundações profundamente enraizadas na Idade Média. Notre Dame foi sempre mais do que um conjunto de pedra e vitrais. É também um monumento a um passado especificamente Cristão.
No verão passado, um dos cientistas mais conhecidos a nível mundial, um homem famoso pelas suas polémicas contra a religião e pelos seus escritos sobre biologia evolucionária, sentou-se noutra catedral, Winchester, a ouvir os sinos. ‘Muito melhor que o som agressivo de “Allahu Akhbar”,’ partilhou no Twiter Richard Dawkins. ‘Ou será apenas a minha formação cultural?’ Uma preferência por sinos da igreja face ao som dos Muçulmanos a rezar a Deus não surge por magia. Dawkins — sendo agnóstico, secularista e humanista – partilha em absoluto os instintos de uma pessoa criada numa civilização Cristã.
Talvez então a dívida do Ocidente contemporâneo à Cristandade seja mais profundamente enraizada do que muitos - crentes e não crentes – possam pensar.
Hoje, à medida que a maré de poder e influência do ocidente se esvazia, as ilusões dos liberais Europeus e Americanos estão em risco de ficar encalhadas. Muitos dos que procuraram classificá-las como universais, provaram nunca ter sido nada disso. Os livres pensadores, que fazem troça da própria ideia de Deus como uma fada do céu, um amigo imaginário, ainda mantêm tabus e costumes que derivam evidentemente do Cristianismo. Em 2002, em Amesterdão, o Congresso Humanista Mundial afirmava ‘o valor, a dignidade e a autonomia do indivíduo e o direito de cada ser humano à maior liberdade possível compatível com os direitos dos outros’. No entanto esta — apesar da ambição referida pelos humanistas de proporcionarem ‘uma alternativa à religião dogmática’ — não era mais do que uma declaração de crença. O pressuposto humanista de que o ateísmo e uma preocupação pela vida humana são complementares é apenas isso: um pressuposto. Que base – além da mera sentimentalidade – existe para o defender? Talvez, como referido no manifesto humanista – através da ‘aplicação dos métodos da ciência’. No entanto, isto é tanto um mito como a história bíblica de que Deus criou a humanidade à sua imagem. Não é a verdade que a ciência oferece aos moralistas, mas um espelho. Os racistas identificam-se com valores racistas; os liberais com valores liberais. O dogma primordial do humanismo — ‘que a moralidade é uma parte intrínseca da natureza humana e uma preocupação para os outros’ — não encontra mais corroboração na ciência do que o dogma dos Nazis de que qualquer pessoa que não fosse apta para a vida devia ser exterminada. A fonte dos valores humanistas não reside na razão, no pensamento baseado na evidência, mas no passado, e especificamente na história do modo como um culto inspirado pela execução de um criminoso obscuro num império há muito desaparecido surgiu para se tornar – como o grande académico Judeu Daniel Boyarin o apresentou - ‘o mais poderoso dos sistemas culturais hegemónicos na história do mundo’.
A história da Páscoa centra-se no coração desta narrativa. A crucificação, na opinião de intelectuais Romanos, não era um castigo como os outros. Era particularmente adequado aos escravos. Ser crucificado nu, sem poder afastar os pássaros que gritam, ‘numa agonia prolongada’, como o filósofo Séneca o apresenta, ‘tumefacto, com marcas horrendas nos ombros e no peito’, era o pior de todos os destinos. No entanto, na exposição do crucificado ao olhar do público residia um paradoxo. O odor da sua desgraça era de tal forma fétido que muitos se sentiam contaminados só por ver uma crucificação. Certamente, poucos paravam para pensar sobre isso em detalhe. A ordem, a ordem amada pelos deuses e cumprida pelos magistrados investidos com toda a autoridade do maior poder na terra, era o que importava — não a eliminação dos vermes que a punham em causa. Algumas mortes eram tão vis, tão sórdidas, que o melhor era passar completamente um véu sobre elas.
A surpresa, então, não se prende com o facto de termos tão poucas descrições pormenorizadas na literatura antiga do que uma crucificação poderia realmente envolver, mas antes de termos algumas. No entanto, entre o silêncio generalizado, há uma excepção principal que comprova a regra. Quatro descrições detalhadas do processo pelo qual um homem podia ser condenado à cruz, e sofrer o seu castigo, sobreviveram da antiguidade. Estas descrições são encontradas, claro está, no Novo Testamento. Não há razão para duvidar dos seus pontos essenciais. Mesmo os historiadores mais cépticos tendem a aceitá-las. Nas palavras de um dos mais conceituados, Geza Vermes, ‘A morte de Jesus de Nazaré na cruz é um facto estabelecido, possivelmente o único facto comprovado sobre ele.’
Mais controversas, claro, são as histórias sobre o que aconteceu a seguir. Que as mulheres, indo até ao sepulcro, encontraram a pedra da entrada movida. Que Jesus, ao longo dos 40 dias seguintes, apareceu aos seus seguidores, não como um fantasma ou um cadáver reanimado, mas ressuscitado numa nova forma gloriosa. Que subiu ao céu e deverá voltar um dia. O tempo viu-o aclamado, não apenas como homem, mas como Deus. Ao enfrentar o destino mais angustiante que se possa imaginar, tinha conquistado a própria morte. ‘Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todos os nomes, para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra…’
A completa estranheza de tudo isto, para a grande maioria das pessoas no mundo Romano, não reside na noção de que um morto se pode tornar divino. A fronteira entre o celeste e o terrestre era vastamente considerada permeável. A divindade, no entanto, era para os maiores entre os grandes: para vencedores, e heróis, e reis. A sua medida era o poder para torturar os seus inimigos, e não sofrer a tortura por si próprio. Mesmos os Cristãos nos primeiros anos do culto, poderiam vacilar ao encarar de frente a forma da morte de Jesus. Tinham as mesmas conotações da crucificação que todos os outros. Paulo, o mais bem sucedido e influente dos primeiros missionários, descreveu prontamente a execução de Cristo como um ‘escândalo’. A vergonha foi sentida por muito tempo. Apenas séculos depois da morte de Jesus começou a sua crucificação a surgir como um tema aceitável para os artistas. No ano de 400 DC a cruz começava a deixar de ser vista como uma coisa vergonhosa. Banida como um castigo décadas antes por Constantino, o primeiro imperador Cristão, a crucificação começou a ser encarada pelo povo Romano como um sinal de triunfo sobre o pecado e a morte. Um artista, ao esculpir a cena em marfim, poderia representar Jesus com tanga esfarrapada como um atleta. Não parecendo derrotado, seria apresentado não menos musculado ou dilacerado que os deuses antigos.
Nós somos os herdeiros de uma forma posterior, mais inquietante, da crucificação de Cristo. O Jesus pintado ou esculpido por artistas medievais, torcido, ensanguentado, a morrer, foi uma vítima de tortura, tal como os carrascos originais teriam reconhecido. A reposta ao espectáculo, foi retirada da mistura de repulsa e desdém que tinha sido atribuída pelos antigos à crucificação. Os Cristãos na Idade Média, quando viam uma imagem do seu Senhor na cruz, com os pregos cravados nos tendões e ossos dos pés, com os braços estendidos de tal forma que pareciam arrancados dos ombros, com a cabeça coroada de espinhos caída sobre o peito, não sentiam desprezo, mas compaixão, pena, e medo. Que o Filho de Deus, nascido de uma mulher e condenado à morte como um escravo, tivesse morrido sem reconhecimento dos seus juízes, era uma reflexão digna de fazer parar mesmo o monarca mais poderoso. Este conhecimento não podia deixar de introduzir nas consciências dos Cristãos medievais uma suspeita visceral e extraordinária: que Deus estava mais próximo dos frágeis que dos poderosos, dos pobres que dos ricos. Qualquer pedinte, qualquer criminoso, poderia ser Cristo. ‘Assim os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.’
O Cristianismo tinha revelado ao mundo uma verdade extraordinária: que ser a vítima poderia ser uma fonte de força. Ninguém nos tempos modernos viu isto mais claramente que o crítico mais brilhante e mais implacável da religião. Foi devido ao Cristianismo que Friedrich Nietzsche escreveu, ‘a medida da compaixão de um homem pelos humildes e pelo sofrimento passa a ser a medida da elevação da sua alma’. Os lugares do poder da cultura ocidental podem agora estar ocupados por pessoas que descartam o Cristianismo como superstição; mas os seus instintos e pressupostos não deixam de ser menos Cristãos por isso. Se Deus está de facto morto, então a sua sombra, imensa e terrível, continua a cintilar mesmo com o seu cadáver já frio. O Cristo ressuscitado não pode ser evitado simplesmente recusando acreditar nele. Que os perseguidos e desfavorecidos têm queixas face aos privilegiados — amplamente dado como certo hoje em todo o Ocidente — não é remotamente uma verdade evidente. As condenações do Cristianismo como patriarcal, ou repressivo, ou hegemónico decorrem de um conjunto de valores que em si próprios não são nada se não forem Cristãos.
A familiaridade com a história da Páscoa dessensibilizou-nos face ao que Paulo e Nietzsche, de duas formas muito diferentes, reconheceram instintivamente naquela: um escândalo. A cruz, a ferramenta antiga do poder imperial, permanece o que sempre foi: o símbolo apropriado de uma transfiguração na história da humanidade tão profunda e vasta como qualquer outra na história. ‘O que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte.’ É a audácia – a audácia de descobrir num cadáver torcido e derrotado a glória do criador do universo – que serve para explicar, com mais certeza do que qualquer outra coisa, a completa estranheza do Cristianismo e da civilização à qual deu origem.
Hoje, o poder desta estranheza perene está tão vivo como sempre esteve. É manifesto no aumento das conversões que varreram a África e a Ásia no último século; na convicção de milhões e milhões de que o poder do Espírito, como um fogo vivo, ainda arde no mundo; e, na Europa e na América do Norte, nas convicções de muitos mais milhões que nunca pensariam em descrever-se a si próprios como Cristãos. Somos todos herdeiros da mesma revolução: uma revolução que tem, no seu cerne, a imagem de um Deus morto, depois de ser torturado.
"Thank God for western values" Tom Holland in The Spectator
Tradução Carlota Cambournac
(...) A Europa de hoje é de uma beleza arquitetónica notável. No entanto, à semelhança de tantos edifícios belos, a UE é oca no campo espiritual e narrativo. A sua beleza é só racional, falta o resto, falta o essencial: o sentimento de pertença histórico e metafísico. E esse sentimento só pode ser dado pelo cristianismo. Sem o chão comum de São Paulo, a Europa cairá no pesadelo pagão, secular e relativista: a Babel nacionalista do sangue, do solo, da kultur. A cristandade é o único elemento partilhado por todas as vinte e sete tribos de UE — o único. Olhando para trás, para a história, a fé cristã é a única argamassa histórica que liga as vinte e sete sagas. Olhando para cima, para a transcendência, a cristandade é a única metafísica capaz de criar uma abóbada por cima dos vinte e sete solos. (...)
Henrique Raposo aqui no Expresso
Foto daqui
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