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Ao João Miguel Tavares

por João Távora, em 28.02.19

fica mal (e é desonesto) uma pessoa supostamente culta fazer a afirmação de que é "preciso recuar até ao reinado de D. Carlos para encontrar uma corte com o nível de consanguinidade do governo de António Costa." Ao que é que chamas Corte? À família real? Aos funcionários da Casa Real? O rei constitucional não governava homem; o governo era da responsabilidade do parlamento e dos partidos. Rui Ramos defende até que o que faltou ao Rei D. Carlos foi uma corte com influência nos partidos que o defendesse. Pagou com a vida a sua independência.
Enfim, eu percebo a tentação: "não deixes que a verdade te estrague uma frase engraçadinha".
Mas a ti fica-te mal.

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Do bom jornalismo

por henrique pereira dos santos, em 27.02.19

Com frequência me insurjo aqui com o que me parece ser o mau jornalismo, sobretudo o jornalismo que jamais deixaria que os factos influenciassem as boas histórias que se pretendem contar.

Hoje resolvi destacar Carla Castelo, jornalista de ambiente (na verdade a classificação é redutora, é jornalista de sociedade, com uma atenção permanente a questões ambientais) há muitos anos.

Por trabalhar em conservação da natureza conheço a Carla Castelo pessoalmente e sei a distância que nos separa do ponto de vista ideológico e político em dezenas de assuntos e, mesmo nos assuntos em que as nossas ideias estão mais próximas, a Carla tem normalmente um ponto de vista bastante mais radical que o meu, o que não é difícil porque eu sou um vendido aos interesses, a acreditar no que dizem por aí.

Esta peça de ontem vale a pena ser vista e ouvida.

Eu daria ênfase diferente a vários aspectos, é verdade, eu acho que a peça dá demasiada atenção a opiniões da treta não fundamentadas, mas isso são não só aspectos marginais, como são sobretudo aspectos que se cruzam com a impossibilidade de contar uma história absolutamente neutra, seja quem for que a conte.

O essencial é dar destaque à forma equilibrada, séria, justa como a Carla trata um assunto que raramente é tratado de forma isenta na comunicação social, um assunto que um pequeno grupo de activistas, como agora se chama a quem faz muito barulho sem que se consiga perceber porquê, tem conseguido introduzir histeria permanente, ano após ano, sem que a generalidade dos jornalistas se dê ao trabalho de explicar porque liga a quem continua a dizer coisas que nunca consegue demonstrar, alegando apenas que os interesses assim e os interesses assado.

Das coisas a que, provavelmente, eu daria peso, talvez a mais importante fosse à declaração de uma responsável sobre a diminuição do consumo de glifosato, aparentemente por substituição por produtos com mais riscos toxicológicos.

Das coisas a que daria menos peso, talvez valha a pena exemplificar com as declarações muito sérias de uma senhora que responde ao facto do glifosato ser usado de forma muito extensa há quarenta anos sem sinais evidentes de risco quer para a saúde, quer para o ambiente, com um paralelismo com o tempo que demorou o reconhecimento dos problemas do DDT, supostamente por causa dos interesses.

E daria menos peso porque esse paralelismo é uma verdadeira patetice: o DDT desde o início tinha indícios de problemas toxicológicos, que se entenderam que eram menores que os benefícios associados ao seu uso, mas sobretudo é autorizado para uso comercial nos Estados Unidos no fim da guerra, em 1945, dando origem a um dos mais importantes livros do movimento ambientalista em 1962, Primavera silenciosa, de Rachel Carson, e é proibido no início dos anos 70 nos países desenvolvidos, ou seja, para explicar uma ausência de indícios evidentes de problemas toxicológicos no uso de glifosato em 40 anos, invoca-se o exemplo da influência dos interesses no uso de um pesticida que foi proibido em menos de trinta anos e que, aliás, motivou fortemente o reforço dos sistemas de segurança associados ao licenciamento de fitofármacos, hoje incomparavelmente mais sólidos que em 1945.

Repetindo, isto são apenas aspectos laterais no tratamento exemplar que Carla Castelo faz do assunto, e é justo distinguir o trigo do joio, também em matéria de jornalismo.

De passagem pela Batalha com O. Martins

por João-Afonso Machado, em 25.02.19

CONDESTÁVEL.JPG

A Vida de Nun'Álvares é um bocado de História com movimento, com todas as emoções que Oliveira Martins sabe dar à sua escrita e aos seus personagens. O Condestável, de início um simples escudeiro, viúvo aos 26 anos, dono de metade de Portugal, acabou repartindo a sua riqueza pelos antigos companheiros de armas e enveredar pela ascese no seu mosteiro do Carmo.

«Confiança, a confiança que há na consciência da força, não existia. Mas havia a fé: a esperança num milagre como aquele que o ano passado salara Lisboa, semeando a peste nos arraiais inimigos. Qual seria o milagre salvador de agora? Ninguém podia dizê-lo; mas confiavam todos, que um milagre viria; porque D. João I parecia predestinado, e o seu condestável figurava-se às imaginações atónitas como um anjo vindo dos céus, S. Miguel, ou S. Tiago, armado pela mão de Deus para o combate com energias invencíveis».

É o que se lê logo na primeira página do capítulo dedicado a Aljubarrota. Onde, quase juraria, ouvimos ainda agora o entrechoque das armas, as invectivas dos capitães, o relinchar dos cavalos espetados nos piques. O milagre, afinal, foi o excesso de confiança dos castelhanos, a sua soberba, e o génio e a coragem, a força de Nun'Álvares.

Recentemente canonizado. Confesso, esse não é para mim o mais importante do que foi o grande Homem. Canonizado estava ele, há muito, na sua estátua na Batalha. Porque ali não se retrata um combatente, antes uma chefia, um carácter forte, toda a tranquilidade de quem sabe defender uma causa justa. 

Domingo

por João Távora, em 24.02.19

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas 


Naquele tempo, Jesus falou aos seus discípulos, dizendo: «Digo-vos a vós que Me escutais: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos injuriam. A quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica. Dá a todo aquele que te pedir e ao que levar o que é teu, não o reclames. Como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também. Se amais aqueles que vos amam, que agradecimento mereceis? Também os pecadores amam aqueles que os amam. Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto. Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Então será grande a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, que é bom até para os ingratos e os maus. Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados. Dai e dar-se-vos-á: deitar-vos-ão no regaço uma boa medida, calcada, sacudida, a transbordar. A medida que usardes com os outros será usada também convosco». 


Palavra da salvação. 

O urso e nós

por henrique pereira dos santos, em 23.02.19

Carlos Aguiar, seguramente um dos mais sólidos botânicos portugueses (declaração de interesses, sou seu amigo, não de casa, mas amigo, e foi um dos co-orientadores da minha tese de doutoramento) resolveu fazer o que ele próprio, com humor elegante, acabou por classificar como uma experiências sociológica: publicou um post curto no seu Facebook, com uma fotografia, dizendo que na fotografia estavam pegadas de um urso, identificação confirmada por especialistas espanhóis que não identifica, e que a observação era do seu primo, que identificou.

Fez depois um segundo post, com o resultado da experiência, referindo que já tinha feito posts com plantas que não eram identificadas em Portugal há dezenas de anos, com plantas novas para Portugal, mas nada disso tinha tido o imenso impacto do post do urso: centenas de partilhas, chuva de pedidos de amizade no Facebook, jornalistas ansiosos e várias peças jornalísticas, para além das dezenas de comentários no próprio post, uma divertida comédia realista sobre a nossa dificuldade em lidar com os nossos preconceitos (incluindo o preconceito de classe, como disse o Carlos num dos comentários, se o post tivesse sido feito pelo seu primo, que vive numa aldeia do Barroso, teria meia dúzia de likes da família e amigos, alguns comentários a mangar com o homem e pouco mais, mas como era um post de um respeitado botânico (esta classificação é minha, o Carlos é pouco dado ao auto-elogio) que se move no meio da conservação, fosse para arrasar o post, fosse para pedir mais informação, fosse para expressar dúvidas, a verdade é que o post foi levado a sério).

Conhecendo o Carlos suficientemente, sabia que não era apenas aquela fotografia (que nunca poderia ser conclusiva) a informação que o Carlos tinha e portanto não tive, nem tenho, a menor hesitação em dar crédito ao que é dito.

Na verdade veio a confirmar-se que o que estava em causa não era uma conclusão a partir de uma fotografia, mas sim o relato de um avistamento de urso, feito por um bom naturalista, pouco dado a invenções, com uma descrição precisa e consistente do avistamento, de que a fotografia é apenas mais um elemento de sustentação, isto é, a fotografia não demonstra a presença do urso, a fotografia é um elemento adicional por ser uma possível pegada de urso, na descrição de um avistamento consistente.

O interessante nisto é que pessoas como o Carlos (ou como eu) que confiam em naturalistas e nas pessoas comuns (grande parte das coisas mais originais que escrevi sobre paisagem não resultam de nenhum processo científico canónico, mas sim de conversas com pessoas como o Sr. Afonso, de Sirvozelo, o António dos cavalos, o Frazão, o Francisco Barros, o João Acabado, o Jaime Pinto, o Manuel do Rato e centenas de outros de que nunca soube o nome e com quem passei horas à conversa sobre as suas vidas, para espreitar os indícios de gestão da paisagem que estavam em segundo plano da conversa, um bocado como a delação premiada no processo crime, que não vale por si, mas abre a porta à investigação objectiva de indícios que dificilmente se obtêm de outra forma) facilmente lidam com estas observações e integram-nas no quadro geral de conhecimento de evolução dos sistemas naturais que têm.

Não é por acaso que mais facilmente se encontram botânicos, como o Carlos, ou paisagistas, como eu, a aceitar tranquilamente esta informação cinzenta para trabalhar a partir dela, que zoólogos especialistas nas espécies em causa, ou espécies afins, a dar crédito a estas "evidências contingentes", é apenas porque concentrados nos elementos de topo de processos complicados de entender (como são sempre os processos naturais), e conhecendo os muitos factores que podem influenciar a sua dinâmica, acabam por estar menos despertos para a dinâmica essencial da paisagem em que esses elementos se encaixam.

É também por isso que se preocupam mais com elementos que na verdade não influenciam tanto essas dinâmicas, como estradas, fogos, perseguição directa, que pontual e localmente podem ter alguma importância, mas que na escala da paisagem perdem muita da sua importância face ao peso que tem um factor bem mais dificil de estudar: a produtividade das fêmeas e a probabilidade das crias não morrerem antes de chegar à idade reprodutiva (é por isso que digo frequente e ironicamente, que os biólogos da conservação, em especial os zoólogos, vivem tão fascinados com a morte que se esquecem de dar o devido relevo à vida).

Esta clivagem entre os que relevam sobretudo o que se vê e nos emociona (o animal atropelado ou morto com um tiro) e os que fazem um esforço brutal de racionalização para conseguir entender o que não se vê e não se sente directamente (o animal que morre de fome, ou a fêmea que não consegue ter êxito na reprodução porque a falta de comida não lhe permite estar nas melhores condições fisiológicas para a maternidade) não é uma clivagem dentro de escolas de conhecimento, é uma clivagem social profunda que se reflecte transversalmente em tudo o que fazemos, seja na comparação da vida de um touro de lide com a vida de um cão de apartamento, seja na subida visível de um salário mínimo por contraste com o invisível acréscimo de dificuldade de uma pessoa pouco qualificada em arranjar trabalho, seja na proibição dos despejos dramáticos por comparação com a invisível dificuldade em arranjar casa porque os senhorios não têm a segurança da lei para se defender dos incumpridores.

Mais que isso, dependendo da nossa sensibilidade e do ponto de vista que temos sobre o mundo, essa clivagem existe em todos nós, que nuns assuntos pensamos com as emoções e noutros assuntos não.

Certo, certo é que a racionalidade resulta de um esforço voluntário, não é um dado adquirido, ao contrário das emoções.

Neste caso do urso, cuja presença em Portugal através de animais divagantes (populações reprodutoras é outra coisa bem mais complicada e distante) é consensual que esteja iminente (para uns) ou tenha sido verificada agora ou antes (para outros), é fascinante ver como as emoções resistem à simplicidade do que está em causa: o relato de um avistamento que parece consistente, atestado por uma fotografia inconclusiva mas coerente com a descrição do avistamento.

Este acontecimento simbólico altera alguma coisa na dinâmica do urso, que está em expansão na Península Ibérica há muitos anos, e que é visto perto da fronteira portuguesa correntemente?

Não, não altera, do ponto de vista substancial este observação ser verdadeira ou falsa não altera nada, a única coisa que pode mudar é a nossa percepção de como estão a evoluir os sistemas naturais.

E isso, essa percepção, não é nem irrelevante, nem inconsequente: a conservação da natureza precisa de drama e proximidade para ter relevância política e social que aumente os recursos disponíveis para a gestão do território, o que faz com que algumas pessoas se assustem com a ideia de que, afinal, a natureza não precisa que a salvemos, o mundo não precisa que o salvemos, nós é que agradecemos a possibilidade de gerir as coisas da forma que nos parecer mais útil para todos.

O que, para mim, inclui a possibilidade de ter ursos em Portugal, sem dramas e sem espanto. E também a maior diversidade possível de plantas, insectos, fungos, etc..

A ética siciliana

por João-Afonso Machado, em 21.02.19

Especialmente gozosa a crónica, no JN, de Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto, versando a inefável ética republicana. Explicando, nas suas contradições, essa ética que pressupõe duas Éticas, uma - a dos republicanos - superior à outra, a dos inquestionáveis valores primordiais.

Nuno Botelho ilustra a impagável ética republicana com o Governo de Costa. Com os Cabritas, os Vieiras da Silva, os Cravinhos - descobriu-se agora: os Zorrinhos também - os Soares e quantos mais, tudo ao monte e fé no Supremo Arquitecto.

Assim - desde sempre assim - a República se explica. Aos costumes (à costumeira vozearia) redarguirei com o cunhado do Rei de Espanha, a cumprir pena de prisão. E com Carlos César, num último dizer antes de embarcar para o Continente - a César o que é de César. E lá ficou a sua família, zelando pelos seus interesses. Não há dúvida, assim nasceu a República, assim subsistirá, entre punhais e veneno, compadrios e intrigas, nepotismo e revanches - perseguições políticas em que Salazar apenas se evidenciou um bocado mais do que os outros.

"Não houve fantasma nenhum – o socratismo despesista existiu mesmo, teve implicações catastróficas para o país, e é imperdoável negá-lo, ou andar a fazer ironia com a página política mais dramática de toda a nossa democracia: a dívida pública portuguesa passou de 96 mil milhões no primeiro trimestre de 2005 para 195 mil milhões de euros no primeiro trimestre de 2011. Em apenas seis anos, o governo de José Sócrates agravou a dívida em 100 mil milhões de euros, cerca de 44 pontos percentuais do PIB (de 67,4% em 2005 para 111,4% em 2011). São números estratosféricos."

Figuras tristes

por João Távora, em 20.02.19

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É importante que se perceba que quem rejubila com o retorno às luzes da ribalta de Bruno de Carvalho é a comunicação social que vive de conteúdos baratos e “sensacionais”… e os adversários do Sporting que se banqueteiam com o suculento pratinho assim caído do céu. Antigamente havia o circo de horrores, com o homem elefante, o gigante, o anão, o gordo e a mulher de barba que faziam as delícias de plateias cheias de voyeuristas. Ufanos, lampiões meus amigos já se propuseram oferecer-me o livro do destituído. Definitivamente é feio gozar assim com as misérias dos outros: podiam ter um filho assim.

Uma garrafa de Cave Real, Bruto natural...

por henrique pereira dos santos, em 19.02.19

… que era o que havia cá em casa para comemorar logo ao jantar.

É tão raro ter razão em relação ao futuro que acho que desta vez mereço.

Há uns anos, o então presidente do Instituto de Conservação da Natureza, João Menezes, que foi um excelente presidente talvez por não ter grande ligação ao assunto mas saber ouvir, apareceu com ideias para comunicarmos a política de conservação da natureza usando o urso.

Eu, como todos os técnicos de conservação, dissemos-lhe que era uma ideia absurda, não havia ursos há demasiado tempo em Portugal e não se fazia a menor ideia de quando haveria de novo.

Depois disso, estudei mais o assunto e a evolução dos sistemas naturais e concluí que João Menezes tinha razão, começando a falar (e a escrever) na entrada de ursos em Portugal, num prazo de dez a vinte anos.

Desde então tenho ouvido muitos comentários trocistas, incrédulos, agressivos, enfim, os mais variados, sempre que repetia a ideia de que a existência de ursos em Portugal (animais divagantes, não populações estabilizados) poderia ser realidade num prazo de dez a vinte anos.

Foi hoje que me disseram que foram detectados ursos divagantes em Portugal, as pegadas foram fotografadas e confirmadas por especialistas espanhóis.

Enganei-me sim, mas foi só porque a natureza reagiu mais rapidamente do que pensei.

Domingo

por João Távora, em 17.02.19

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios 


Irmãos: Se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, porque dizem alguns no meio de vós que não há ressurreição dos mortos? Se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados; e assim, os que morreram em Cristo pereceram também. Se é só para a vida presente que temos posta em Cristo a nossa esperança, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas não. Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram. 


Palavra do Senhor. 

As vítimas colaterais

por João Távora, em 16.02.19

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O realce dado pela investigação do Observador a abusos sexuais ocorridos na Igreja Católica em Portugal, provoca em mim, como católico, uma inusitada revolta: talvez por terem acontecido mais perto da minha porta, cada novo capítulo publicado foi como uma nova sessão de tortura que não consigo evitar enfrentar. Mas a dor que sinto não pode toldar-me o raciocínio – aquilo que está em questão não é o mensageiro que, com mais ou menos competência fez o seu trabalho, mas a mensagem. E a mensagem é uma aberração. A minha vergonha e repulsa são inteiramente devotadas ao pseudo-sacerdote que trai de forma escandalosa e cobarde os seus votos, usando-se da preponderância outorgada pela sua função de serviço à Igreja de Pedro para praticar as suas obscuras perversões carnais sobre seres vulneráveis - podia ser o meu filho, podia ser o seu filho. Apesar de saber que a corrupção é impossível de erradicar do ser humano, deposito grandes espectativas na reunião convocada pelo Papa Francisco para o Vaticano de 21 a 24 de Fevereiro para o debate deste problema com os bispos de todo o mundo, que dela saiam medidas de profilaxia e procedimentos para uma rápida expulsão e denúncia dos elementos prevaricadores às autoridades civis.

Mas há uma outra injustiça que emerge de todo este pesadelo que me amargura profundamente e que merece de todos, quanto a mim, uma profunda reflexão (e dos crentes também muita oração): refiro-me ao profundo padecimento que tudo isto causa à esmagadora maioria do clero, gente de infinita generosidade e incansável entrega ao exigente exercício da mensagem de Cristo, que lideram paróquias recondidas, ensinam nas escolas, dão apoio espiritual e material aos mais pobres e aflitos, e que na nossa cultura, cada vez mais anticlerical, sofrem com a estigmatização e preconceito de quem, mais ou menos inocentemente, confunde a árvore com a floresta. É essa grande maioria de homens (e mulheres) de Deus, às vezes em missão nos mais inóspitos cenários, que devemos saber acarinhar e proteger daqueles traidores que tanto nos envergonham, e de quem também são vítimas - os nossos padres (e freiras). 

Destino fatal

por João Távora, em 16.02.19

E depois há a misteriosa atracção que Santana Lopes exerce sobre os jornalistas "de referência"... para mais tarde, assim que puderem, o estraçalharem com requintes de malvadez.

Moção de Censura

por João Távora, em 15.02.19

Assunção Cristas.jpg

Há quem critique Assunção Cristas pelo anúncio da Moção de Censura ao governo da geringonça que o CDS irá entregar no parlamento, por considera-lo tacticista. Já ouvi de um comentador na TV a interpretação de que a sua finalidade é tão só a clarificação das águas no PSD de Rui Rio, mas eu vejo mais vantagens: a clarificação das águas dentro da própria geringonça num período em que os partidos da extrema-esquerda estão a fazer um esforço comunicacional de descolagem com o governo de António Costa, utilizando um discurso muito duro e a colocarem no tabuleiro a artilharia dos sindicatos para marcação de terreno eleitoral com mais e mais protestos. Faz bem Assunção Cristas com esta jogada de política pura e dura. Assim como assim, quem vem sendo taticista há 3 anos para cá é o desgoverno PS, a navegar à vista, sem qualquer programa ou estratégia duma recuperação económica com futuro para o País, que se encontra absolutamente impreparado para enfrentar o arrefecimento económico mundial que se prenuncia: foram as 35 horas, o IVA da restauração, foram os impostos indirectos em cima dos outros para pagar as “devoluções” às clientelas, o desinvestimento público e as cativações; tudo por um prato de lentilhas que os mantivesse no poleiro. Afinal de que serve a estabilidade se ela é usada para comprometer o futuro do nosso País?

 

Imagem Público

A ASAE e o crowdfunding

por henrique pereira dos santos, em 15.02.19

Sou um radical apoiante do crowdsourcing, quer na chamada economia da partilha (Uber, AirBnb, RAIZE e todas essas actividades estritamente empresariais), quer no financiamento colaborativo (crowdfunding), quer na ciência cidadã (Biodiversity4all), quer no voluntariado (mobilização da força de trabalho da multidão), quer na inovação (Patient Inovation) e todas as variantes possíveis em que seja possível mobilizar as pessoas comuns para obter resultados socialmente mais eficientes e que aumentam a liberdade de que gozam.

Acresce que conheço a PPL, a principal plataforma de crowdfunding portuguesa praticamente desde o início (uma das primeiras campanhas da PPL era de uma das minhas filhas), os seus fundadores foram professores e colegas do MBA da minha filha mais velha, tendo sido nesse contexto que nasceu a plataforma, e desde o princípio fiquei fascinado pela ideia e uso-a frequentemente (já devo ter organizado ou participado na organização de mais de meia dúzia de campanhas, estando mais uma na calha).

O Estado, com a mania de nos querer proteger de nós próprios, resolveu legislar sobre o assunto e chamar a si um poder regulatório que não fazia grande falta.

O que é mais arrepiante é que tenha decidido usar essa poder de forma absurda, sem que a generalidade da imprensa, que há muito deixou de defender a liberdade como a primeira e única das causas a que um jornalista deveria estar vinculado, se inquiete e faça meia dúzia de perguntas, a saber:

1) Onde está o despacho que determina a fiscalização da ASAE à plataforma de crowdfunding, quem o assina e com que fundamentação?

2) Sendo o poder da ASAE assente na legislação que enquadra a actividade de crowdfunding, a que propósito fiscaliza campanhas e não o funcionamento da plataforma?

3) Sendo uma campanha, qualquer campanha de crowdfunding, uma actividade privada entre doadores que voluntariamente confiam noutro privado e lhe entregam livremente recursos, a que propósito o Estado investiga uma campanha, com que objectivo e com base em que suspeita de ilícito?

4) Por último, que eventual ilícito na actividade económica de crowdfunding se pretende fiscalizar com o acesso à identidade e dados pessoais dos doadores, que diferença legal pode haver em o doador ser o Joaquim, Vladimir Putin, a Cuf Saúde ou António Costa?

5) Qual é a legitimidade do Estado para querer saber se eu contribuí ou não para a montar tabuleiros para gaios como forma de fomentar a expansão de carvalhais (o exemplo não é fictício, estive envolvido numa campanha de crowdfunding para isto mesmo)?

Pois bem, os nossos jornalistas, que questionam a transparência do crowdfunding, aparentemente estão confortáveis com a opacidade com que o Estado usa o seu poder para condicionar a liberdade dos cidadãos pedirem ou darem dinheiro para o que quer que seja.

Estranho jornalismo este que em vez de estar do lado da liberdade, está do lado da força que permite o uso discricionário e abusivo do poder do Estado para condicionar a liberdade das pessoas comuns.

Bons augúrios

por João-Afonso Machado, em 13.02.19

Costa não pode garantir que o aeroporto do Montijo é uma certeza por que esperou quase 60 anos; e no dia seguinte, matreiramente, afirmar não haverá esse aeroporto sem um prévio estudo do impacto ambiental

(a não ser conheça de antemão as conclusões do mesmo, circunstância não impossivel na reinação socialista...),

não pode Costa, dizia, perfeitamente sabedor de que mente, e habituado a mentir sem pudor, continuar a enganar os portugueses. Dando sempre uma no cravo, outra na ferradura, em nome do seu vício particular, o poder político.

A este propósito, o auto-afastamento de uma vintena de bloquistas, pelas razões que são deles, mas radicam nesta ambiguidade, vale muito mais do que vinte votos. Vale a rejeição da Esquerda, na sua coerência própria, vale um sinal claro de que, afinal, talvez Costa não tenha descoberto a galinha dos ovos de ouro, isto é, não se perpetue no governo deste pobre País.

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Era evidente que uma auditoria à CGD que abrangesse 15 anos ia apanhar praticamente todos os gestores de bancos (banqueiros) do país. Portugal é um bidé. Todos se conhecem e se não se conhecem já "ouviram falar", toda a gente é parente mais próxima ou mais distante de alguém, toda a gente é amiga ou amiga de um amigo de alguém.

No caso concreto da Caixa Geral de Depósitos, há meia dúzia de bancos que dão emprego a uma geração de administradores, ou mesmo duas, e a probabilidade de  ter no currículo a passagem pela CGD (a mais recente liability do sistema financeiro português) é enorme. Só a idade e uma carreira estável de largas décadas (o que já não existe) num qualquer banco evitariam estar agora na quadratura do círculo dos administradores da Caixa Geral de Depósitos de 2000 a 2015. 

É fácil ver incompatibilidades na outra banda.

O governador do Banco de Portugal, diz-se que, tem um conflito de interesses porque esteve na administração da CGD naqueles 15 anos abrangidos pela auditoria da EY. Também já se tinha posto a questão das "suspeitas de falta de independência" quando se descobriu que tinha sido o responsável pelas offshores quando era quadro do BCP.  

A vice-Governadora Elisa Ferreira tem o marido que foi vice-presidente da La Seda, uma das empresas com o maior incumprimento de crédito à CGD. Mais uma acha para a fogueira das incompatibilidades.

Gabriela Figueiredo Dias, presidente da CMVM, é filha de um administrador do BPI (pediu escusa para assuntos relacionados com o banco).

Mas a questão das "suspeitas de incompatibilidades" é uma espiral sem fim. Paulo Macedo esteve no BCP ao lado de Armando Vara na administração liderada por Carlos Santos Ferreira. Armando Vara que por sua vez está preso.

Também se pode olhar de soslaio para o facto de Carlos Tavares, que foi durante anos presidente da CMVM, agora estar no Montepio.

Não acabam os exemplos de "potenciais incompatibilidades".

Portugal é um país pequeno, de poucos empregos e baixos salários, como escapar a este circulo fechado e limitado de empresas e de relações? Será que a independência implica ausência de qualquer contacto? É um caso a pensar nesta caça às bruxas.

Por exemplo Berardo pediu dinheiro emprestado à CGD e deu ações como garantia. Ora isso era o pão nosso de cada dia nos bancos até 2007. Todos os bancos davam crédito assim. Todos emprestaram para comprar ações (talvez se exceptue aqui o BPI). Desde o insuspeito Santander Totta até à suspeitíssima CGD. Talvez a diferença que é importante salientar é quem, ou que banco, é que executou os colaterais quando as ações que serviam de garantia começaram a cair a pique, e quem é que o não fez e porquê? 

Por falar em incompatibilidades. Mais um exemplo de que este país é um bidé. Como é possível que em 46 operações de crédito e mais umas operações de mercado, identificadas pela EY na auditoria à CGD não tenha havido pelo menos um dos escritórios de advogados de referência a trabalhar com alguma destas empresas. Incompatibilidades? Não há escritório de advogados, que se preze, sem elas. Os advogados são caros e difíceis de contratar em Portugal. A CGD revelou que teve de contratar três escritórios (e pode não ficar por aqui) para analisar os atos de gestão daquele período para, eventualmente, colocar ações de responsabilidade civil sobre ex-gestores. Isto é o que acontece a um país com as caraterísticas do nosso.

Depois há outro tipo de "incompatibilidades", menos formais, chamemos-lhe assim. Mário Centeno é "independente de espírito" face ao Governador do Banco de Portugal que o seu ministério tutela? Pode levantar-se sempre a questão da histórica má relação entre ambos quando trabalharam juntos no Banco de Portugal.

Pode-se questionar tudo e vamos acabar a não chegar a conclusão nenhuma.

Somos um país de incompatibilidades, conflitos de interesses ... e de salários baixos.

O crucifixo na sala de aula

por João Távora, em 10.02.19

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"A fé dos outros não me diz respeito; aquilo em que acredito ou não acredito já é um trabalho a tempo inteiro. Mas admito que me faz alguma impressão a total indiferença religiosa. Não a indiferença à fé ou às igrejas, mas ao sagrado enquanto facto antropológico e alegoria do humano. Entendo, e às vezes acompanho, as críticas às intolerâncias e iniquidades das religiões organizadas, incluindo as cristãs, mas sempre achei bizarro que alguém declare, por exemplo, que nunca leu a Bíblia porque é ateu, como se a Bíblia fosse imprestável para incréus.

Uma refutação veemente desse tipo de recusas encontrei-a num artigo que a escritora italiana Natalia Ginzburg (1916-1991) publicou no jornal comunista “l’Unità” a 22 de Março de 1988. Nascida numa família laica de origens judaicas, filiada no PCI, Ginzburg interveio inesperadamente na polémica sobre os crucifixos nas escolas. Não é a questão concreta que aqui me interessa, até porque defendo que num Estado não-confessional os edifícios públicos não devem ter símbolos religiosos; mas impressionou-me a valorização simbólica que a escritora faz da cruz de Cristo, que ela não interpreta exclusivamente como um artefacto religioso. Admitindo que, se fosse professora, preferia ter a cruz na sala de aula, Ginzburg assevera que “o crucifixo não gera nenhuma discriminação” E que é, bem pelo contrário, a imagem de uma revolução, a “revolução cristã que espalhou pelo mundo a ideia de igualdade entre homens”. E, então, pergunta: vamos negar que essa ideia mudou o mundo? E vamos negar que é justo celebrá-la?

Pode contrapor-se que a cruz simboliza para muita gente alguns aspectos do cristianismo bem menos benévolos. Mas o argumento do artigo é que o crucifixo é igualmente um símbolo de todo o sofrimento humano. Os pregos e a coroa de espinhos e a cruz evocam a dor, a solidão, a morte, males aos quais ninguém está imune. Quem é aquele condenado na cruz? Filho de Deus para uns, judeu perseguido para outros, é para tantos a imagem viva de um homem martirizado pelo amor a Deus e ao próximo. E esta ideia do “próximo” não pode ser indiferente nem a um ateu, muito menos a um progressista. Jesus na cruz representa todos aqueles que sofreram e morreram pelos outros, escreve Ginzburg, e esclarece logo que não vê escândalo nenhum nessa afirmação: “Porque antes de Cristo ninguém tinha dito que todos os homens são iguais, e irmãos; todos, ricos e pobres, crentes e não-crentes, judeus e não-judeus, negros e brancos; e ninguém tinha dito que no centro da nossa existência deve estar a solidariedade entre os homens. E ser vendido, traído, martirizado e morto por causa da fé é uma coisa que pode acontecer a todos. Acho que é bom que os rapazes, as crianças, aprendam isso nos bancos da escola”.

A autora de “Léxico Familiar” [livro recenseado nesta edição] diz que olhamos para o crucifixo como coisa muda que está numa parede ou faz parte da parede, mas que o crucifixo não é mudo nem inócuo: é um símbolo que traz consigo palavras. Palavras cristãs mas que há muito fazem parte da consciência colectiva, palavras como “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados”. Pergunta Ginzburg: “Como e onde serão saciados? No Céu, dizem os crentes. Enquanto os outros não sabem nem quando nem onde, mas estas palavras fazem com que sintam, sabe-se lá porquê, a fome e a sede de justiça de forma mais severa, mais ardente e mais forte”."

 

Pedro Mexia na Revista do Expresso desta semana

Domingo

por João Távora, em 10.02.19

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas 


Naquele tempo, estava a multidão aglomerada em volta de Jesus, para ouvir a palavra de Deus. Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré e viu dois barcos estacionados no lago. Os pescadores tinham deixado os barcos e estavam a lavar as redes. Jesus subiu para um barco, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Depois sentou-Se e do barco pôs-Se a ensinar a multidão. Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes». Eles assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se. Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para os virem ajudar; eles vieram e encheram ambos os barcos, de tal modo que quase se afundavam. Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos os seus companheiros, por causa da pesca realizada. Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens». Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus. 


Palavra da salvação

Fazer género

por João Távora, em 08.02.19

Gostei particularmente da argumentação do PCP contra a lei da paridade hoje aprovada no parlamento que obriga à inclusão de 40% de mulheres nas listas eleitorais, proclamada pela voz de Rita Rato que reclama não acompanhar “a ideia de que aquilo que determina a opção política de cada eleito seja o seu sexo e não a sua opção ideológica” (...) “Queremos registar que ainda na anterior legislatura houve uma presença muito significativa de mulheres no parlamento” que não impediu as “medidas tomadas por ex-ministras de Pedro Passos Coelho, como Maria Luís Albuquerque e Assunção Cristas” (que eram mulheres), rematou a deputada comunista. O PCP preferia uma lei que impusesse uma quota maioritária e significativa de deputados(as) de esquerda, já se vê.
Já Assunção Cristas podia suportar-se no facto do CDS ter actualmente um grupo parlamentar com 44% de mulheres (e liderado por uma mulher) para demonstrar a inutilidade desta lei.

Saco azul, Ana Sá Lopes?

por henrique pereira dos santos, em 08.02.19

"O facto dos enfermeiros estarem a ser pagos por um crowdfuding secreto, uma espécie de saco azul com contribuições sabe-se lá de quem - e quem sabe se dos grupos de medicina privada, que são quem está a lucrar efectivamente com esta greve - é um fenómeno novo que mancha o exercício do direito à greve.

Infelizmente, por muitas razões que tenham - e têm - os enfermeiros em greve estão a sujeitar-se à pior das suspeitas, a de que poderão estar a servir interesses concorrenciais com o Serviço Nacional de Saúde. Em nome da transparência, o mínimo era divulgar a lista de doadores."

Ana Sá Lopes, que é jornalista, resolveu suspeitar que a greve dos enfermeiros é financiada pelos grupos privados de saúde com o objectivo de destruir o Serviço Nacional de Saúde.

Pessoalmente acho uma suspeito profundamente estúpida (a suspeita, não Ana Sá Lopes, evidentemente) porque não vejo como esta greve destrua o Serviço Nacional de Saúde, não consigo perceber como os enfermeiros se poriam de acordo em destruir os seus postos de trabalho para beneficiar os accionistas privados dos grupos de saúde e não vejo a lógica empresarial de financiar o aumento dos custos do trabalho dos meus concorrentes que, por arrastamento, vai implicar o aumento dos meus custos de trabalho.

Mas saltemos por cima da minha opinião sobre a suspeita, admitamos que seria uma suspeita razoável, e discutamos o que seria normal um jornalista fazer quando tem essa suspeita, partindo do que diz Ana Sá Lopes no editorial do Público de hoje.

Diz Ana Sá Lopes que a greve é financiada por um crowdfunding secreto, demonstrando desconhecer por completo o que é um crowdfunding (é o problema de ter jornalistas com a cabeça no século XIX a escrever sobre o século XXI).

Como se pode ver aqui, o crowdfunding é tudo menos secreto, qualquer pessoa, incluindo Ana Sá Lopes, pode ir à página da campanha. E aqui tem a segunda campanha.

Se Ana Sá Lopes fizesse o seu trabalho de jornalista, em vez de se sujeitar à pior das suspeitas que pode pairar sobre um jornalista, a de que, consciente ou inconscientemente, está simplesmente ao serviço de interesses políticos que pretendem manipular os seus leitores, em vez de estar ao serviço dos leitores, abriria as páginas on line das campanhas num separador que diz "comunidade".

Aí poderia ver que houve 14 415 doações a financiar 360 297 euros, o que dá uma média de 25 euros por doação, das quais apenas 178 doações foram superiores a 100 euros (para a segunda campanha, os números são os seguintes 10 842 apoiantes, a financiar 423 945 euros, o que dá uma média de 40 euros por doação, das quais só 636 foram superiores a 100 euros).

Mais relevante para discutir a suspeita levantada por Ana Sá Lopes (muito bem acompanhada por muita gente com medo dos movimentos orgânicos da sociedade que fogem ao controlo do Estado ou das instituições que rodam à sua volta, como os mais que opacos sindicatos cuja representatividade é activamente escondida com o argumento da confidencialidade necessária à manutenção da liberdade sindical e à protecção dos trabalhadores) é verificar que o tal crowdfunding secreto, com doações sabe-se lá de quem, só tem 2 983 doadores anónimos (na segunda campanha, 2 318) podendo facilmente Ana Sá Lopes, se quiser fazer o seu trabalho de jornalista, e se tem estas dúvidas excruciantes, pegar nos outros milhares de doadores não anónimos e verificar, por amostragem, se correspondem ou não a pessoas concretas (diz-me quem fez isso que não encontrou ninguém que não fosse quem dizia ser, como aliás é normal nas campanhas de crowdfunding, seria completamente estúpido montar uma campanha de crowdfunding, que obriga ao registo de todos os participantes, incluindo o registo de todas as transferências de dinheiro, quer na plataforma, quer no sistema financeiro, para financiar secretamente o que quer que seja).

Se Ana Sá Lopes se quiser informar sobre a novidade da criação de fundos de greve, pode começar por ler um post de Raquel Varela sobre o assunto, onde facilmente descobrirá que o financiamento de greves pela comunidade tem alguns cem anos, pelo menos.

E se está mesmo preocupada com a saúde do Serviço Nacional de Saúde, o melhor mesmo é ir falar com os verdadeiros responsáveis pela sua degradação real: António Costa, que é o primeiro ministro responsável pelo subfinanciamento do sistema, em especial no que diz respeito ao investimento, Mário Centeno, que é responsável por executar uma política enganosa de inscrição de verbas no Orçamento de Estado e posterior cativação com escasso escrutínio público (incluindo de jornalistas fortemente empenhados em escrutinar o que por natureza é transparente), Marta Temido, que resolve reduzir a qualidade do serviço e aumentar o custo, como no caso do hospital de Braga sem que Ana Sá Lopes lhe pergunte insistentemente pelos estudos que justificam a decisão, os responsáveis pela ADSE que alimentam a quimera de que o Estado está a financiar os privados através da ADSE, quando o dinheiro da ADSE não é do Estado, é um fundo integralmente pago voluntariamente pelos trabalhadores do Estado que aceitam descontar 3,5% do seu ordenado para não estar estritamente dependentes de um Serviço Nacional de Saúde que pagam através dos seus impostos, mas que nem sempre corresponde às suas necessidades (o que significa que no dia em que a ADSE deixar de entendida como uma vantagem, por ser apenas usada para financiar o SNS, a ADSE deixa de ter dinheiro porque os seus utentes a abandonam), etc..

Saco azul, Ana Sá Lopes?

Saco azul foi que o Belmiro de Azevedo instituiu para financiar o Público, isso sim, é um saco azul que, por respeito pela grandeza de Belmiro de Azevedo nesse gesto, lhe competiria a si homenagear fazendo o seu trabalho de jornalista com o mínimo dos mínimos de profissionalismo e dignidade, em vez de escrever o que escreveu neste editorial.

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