
Afinal, espero que as leituras mais sinuosas do discurso de Cavaco Silva estejam certas, que ele nunca tenha realmente dito que não empossaria um governo apoiado por PCP e BE.
Afinal, espero que Passos não fique em gestão, e que António Costa e o seu governo sejam empossados rapidamente.
Quero ver os Seguristas, os Assisistas, os Gamistas, os Belezistas rendidos, submetidos e envergonhados com a aventura (os socratistas como Costa não se envergonham com nada).
Quero ver os cérebros com bolhinhas dos urbanos avançados a tornarem-se receosos e perplexos sobre como é que uma ideia tão gira, tão moderna, tão progressiva (e tão inofensiva, porque as bloquistas são tão engraçadas, tão prá frente, e têm uns olhos tão verdes) lhes está a desanimar as noites, o ambiente e a carteira.
Quero ver a legião de pendurados no Estado, que optaram por quem defende que os seus privilégios não terão avaliação nem limite e que o dinheiro cresce nas árvores -- quero vê-los postos perante a constatação e a consequência de que não há dinheiro nem árvores das patacas, e que a inconsciência pode produzir miséria até para os pendurados no Estado.
Quero ver os zangados com a coligação, os que até votariam na coligação, mas, ai, foram tão insensíveis, tão pragmáticos, tão tecnocratas, a contorcerem-se e a zangarem-se sob os efeitos das políticas que recusam o pragmatismo e a realidade.
Quero ver os pesporrentes que apodam de bafientos todos os que têm memória dos horrores e da ruína dos regimes comunistas (com apoio de casos bem presentes), quero ver os que se imaginam a saltar Muros da Vergonha para o lado do totalitarismo a estatelarem-se na tirania e na miséria.
Quero ver os intelectuais e os comentadores chiques, que acham a jogatana política uma coisa emocionante e nobre, e que escarnecem e riem sempre que se fala de economia, a sofrerem com o primado da economia, demonstrado pelos disparates de quem como eles a despreza.
Quero ver as elites, os que conviveram tão bem com gente tão interessante, os que defenderam um Costa tão polido e fluente ou um Centeno tão bem formado e valoroso ou até um Sousa tão telúrico e simpático -- quero vê-los a arrepender-se amargamente do convite, da admiração e daquele lugar à mesa.
Quero ver os liberais imaculados, que recusam o mal menor e se abstêm em toda a pureza, a gozarem na sua plenitude uma governação que considera a liberdade económica um demónio, os mercados um casino, e o mérito um opróbio.
Quero ver os patrões que têm sempre a acrescentar ou contrapor uma correcção, um inuendo, um «mas», uma reserva, uma equidistância, um cuidado -- quero vê-los a fazerem planos de negócio impossíveis num ambiente inimigo da iniciativa privada, quer vê-los a sonhar e a necessitar daquele investimento estrangeiro que afinal não veio nem vem proximamente.
Quero ver os imbecis que julgam que a austeridade é um credo e não uma consequência, quero ver os demagogos que se propõem «virar a páginada austeridade» e fazer chover «crechimento» por magia -- quero vê-los gregos e vergados à inevitabilidade de uma austeridade mais dura.
Quero ver os semiletrados e iletrados que nunca vislumbram as consequências dos actos, que acham que o dinheiro aparece sempre, que acreditam que amanhã resolve-se, que defendem que depois vê-se -- quero vê-los a constatarem pessoal e patrimonialmente que a riqueza é escassa, que ignorar os problemas só os agrava, e que se persistirem as coisas podem sempre ficar piores ainda.
Quero ver os abstencionistas, os que ficaram em casa ou tinham mais que fazer, os que acham que «eles» são todos iguais -- quero vê-los a experimentarem um novo resgate, uma austeridade ainda mais apertada (outra vez, mais uma vez, de novo) e talvez a aprenderem dolorosamente alguma coisinha.
Tudo isso me entristecerá (e empobrecerá, obviamente), mas nada disso me dará azia. Acredito que até os povos menos sábios conseguem aprender alguma coisa através da repetição. Afinal sou um grande fã da pedagogia.