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A revisitação dos antigos processos de reprodução sonora, além de nos conceder o privilégio de experienciar sensações e vivências dos nossos antepassados, obriga-nos a focar-nos num aspecto fundamental da música, que aqui encontramos despida de toda a gulosa parafernália de timbres, matizes e texturas sonoras proporcionadas pela tecnologia moderna: uma boa melodia.
Deve haver quem não goste ou já não se consiga adaptar. Mas a comparação revela um abismo, e a sonoridade dos dias não cessa de diferenciar as duas realidades: a grande cidade e a provincia urbana.
Do amanhecer ao anoitecer, a marca é cada vez mais distinta: na fluidez do tráfego, nas distâncias entre onde se está e para onde se vai, no ritmo de trabalho medido minuto a minuto, enfim, na disposição anímica de quando se reentra em casa.
Antes das drásticas decisões, a modesta opção por um mundo simultaneamente longe e perto. Perto, sobretudo, de nós próprios; longe, essencialmente, de estéreis confusões e perturbações.
Algures entre a pacatez provinciana e o bulício das metrópoles sem alma é onde deverá ficar a alternativa radical da emigração. Por via de regra, um amontoado maior de implacabilidades, de onde os sobreviventes regressam com o seu pé-de-meia ou a heróica menção de uma carreira triunfal. Evidentemente, o que se deseja é que quem vá - retorne convicto de que valeu a pena. Não se trata de apologética, somente de recordar existe vida para além dos grandes desígnios profissionais.
A propósito de alguns infortúnios, tenho ouvido nos últimos tempos nas notícias - e hoje de novo a propósito do acidente na Sertã, a expressão “manifestar solidariedade”. Ora, eu não sei o que isso é ou qual a sua utilidade para os familiares das vítimas. Aqui entre nós, agrada-me que me manifestem simpatia, alguns (poucos) ternura, e em casos trágicos agradeço uma manifestação de pesar.
Suspeito que “manifestar solidariedade” signifique assim mais ou menos uma fórmula laica de rezar por intenção de alguém, mas sem Interlocutor. Uma modernice: bate na parede e não serve para nada.
Grande é a riqueza daquele que abdicou do desnecessário. A verdadeira pobreza talvez seja a dependência que tanta gente tem em relação às suas coisas, aos seus bens, impedindo-se assim de ser livres, prendendo-se por sua vontade ao fútil e temendo, a cada dia, perdê-lo... como se a essência da vida fosse o aparente.
Os pobres são pessoas pacientes. A sua capacidade de acreditar num futuro melhor é a força que lhes ilumina a espera, tornando-os dignos de toda a admiração – mesmo por todos aqueles que querem tudo e... já.
Quando se experimenta uma vida mais austera é com alguma surpresa que se começam a descobrir belezas e prazeres mais puros, mais simples, capazes até de nos fazerem sentir bem melhores do que quando experimentávamos o requinte das ostentações.
É certo que hoje há cada vez mais gente que não tem dinheiro para garantir o essencial, com fome e frio, sem medicamentos, pessoas sempre sós... porque as dores mais profundas não se partilham. Caberá a cada um de nós, a mim que escrevo e ao leitor que lê, ajudar. Nunca conseguiremos ajudar todos os que precisam, mas que isso não nos sirva de desculpa para não ajudarmos ninguém.
É importante ter consciência que um pobre não é, em nada, menos digno que qualquer outro ser humano. Existe, por vezes, uma perversa identificação entre a pobreza e a marginalidade, e entre esta e a maldade. Talvez um certo complexo de culpa pela exclusão dos que nos são iguais.
Perante a pobreza porém, assumimos normalmente o lamento mas não a culpa da situação. Mas, será que somos assim tão inocentes?
Quantas vezes terei eu deixado de fazer o que me cabia quando uma pessoa amiga foi vítima de uma qualquer desgraça, ou infortúnio, e preferi seguir a minha vida como se nada tivesse acontecido, com o secreto argumento que devia concentrar as atenções em mim e nos meus?
Mas quando formos nós a cair em desgraça, e trata-se talvez de uma simples questão de tempo, aqueles que mais provavelmente nos ajudarão são esses mesmos – aqueles que ignorámos – esses de quem nos julgávamos distintos... esses que, com menos que nós, nos estenderão o pouco que têm, porque afinal eles, mais do que qualquer outros, conhecem a natureza da carência. Sabem o valor de uma moeda, de um pedaço de pão, da paz que se sente quando há alguém que nos quer mesmo escutar, do carinho que um sorriso é capaz, do valor da paciência e da partilha que são precisas para enfrentar a dureza da vida...
São pois os pobres que mais ajudam os pobres, com a simplicidade de nada esperar em troca... ao invés de tantos outros que cobram agradecimentos pela mais ínfima simpatia.
Da privação não resulta necessariamente o pessimismo, antes uma sensata consciência de que há que esperar por melhor condição; que tudo é realmente transitório; e que a cada dia cabe a sua própria preocupação... Afinal, ninguém tem o futuro assegurado.
É preciso escolher bem a fim de sermos livres, dizer não a tudo o que nos prende.
Neste sentido, somos todos pobres. Embora alguns, trocando o real pelo aparente, julguem que têm mais valor do que aqueles que lhes pedem esmola.
A pior das misérias é a falta de humildade.
Aqueles que carregam as insignificâncias a que chamam riqueza ficam sempre demasiado pesados para voar.
Aceitar serenamente a pobreza essencial da nossa existência eleva-nos – e leva-nos a Deus.
(publicado no jornal i - 26 de janeiro de 2013)
imagem daqui
O título é bem escolhido. A série, quase excelente (não ficariam mal umas imagens de arquivo sobre a destruição das sedes do CDS, já que à do PCP em V. N. de Famalicão foi dado o maior enfase...).
Mas o drama dos retornados - afinal, como eles sempre sublinhavam, refugiados do Ultramar- é muito conseguidamente desenhado. A perda dos seus bens, as longas filas de desespero ante o Banco de Angola, o nada que se fez para lhes dar emprego e subsistência, vem lá tudo. Confirmadamente, após dois episódios, na RTP1 aos sábados à noite.
Foram muitas centenas de milhar de portugueses as vítimas de Rosa Coutinho & Cª. A sua integração, tortuosissima, na nova vida a que os obrigaram, uma vez mais um dos expoentes altos do E Depois do Adeus.
Acresce o salutar e oportuno olhar sobre os lados mais ridículos e caricatos da Revolução, mundo insano de kamaradas.
Há-os - dos mais responsáveis - ainda vivos e impunes. Bem falantes, bem instalados, bem consigo e com as suas consciências a quem não pesam as muitas mortes e a muita miséria de que foram causa.
Ainda assim, tudo poderia ter sido pior. Não truinfasse a coragem de homens como Jaime Neves, que hoje partiu e está numa vida melhor. A quem deixo, por isso, uma obvia palavra de homenagem.
Regressar aos mercados significa emitir mais dívida. Como é que isso pode ser motivo de alegria? Nós só sairemos da corda bamba quando tivermos uma governação que ataque as causas profundas da doença. E até agora nada de estrutural mudou. O dinheiro das privatizações não serviu para reformarmos o Estado mas para abastecer a tesouraria. Os ministros foram incapazes de distinguir o trigo do joio no funcionalismo. No mapa das câmaras municipais não se mexeu. As PPP continuam de pé. A Segurança Social continua a ser uma bomba ao retardador. O contribuinte continua a viver numa Sodoma fiscal. Ora, este esforço fiscal só faria sentido se o regresso aos mercados encontrasse Portugal menos dependente do crédito da, da dívida, dos mercados, do socialismo local financiado pelo capitalismo global. Mas a realidade é bem diferente. Passos quer manter o status quo. Ou seja, as brigadas indignadas deviam ser as primeiras a beijar a mão de Passos, a mão que marcou este golinho à Vata.
Henrique Raposo ontem no jornal Expresso.
Evangelho segundo São Lucas
Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram os que, desde o início, foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado. Naquele tempo, Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito, e a sua fama propagou-se por toda a região. Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos. Foi então a Nazaré, onde Se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou na sinagoga a um sábado e levantou-Se para fazer a leitura. Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías e, ao abrir o livro, encontrou a passagem em que estava escrito: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor». Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se. Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga. Começou então a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
Da Bíblia Sagrada
Ave Maria - Schubert por Tino Rossi 1938 a tocar num HMV "modelo 7" de 1920.
Portugal foi ao mercado, eu voltei do supermercado. É um vai e vem e cada um é para o que nasce.
Ao longo das décadas o percurso de milhões e milhões. A guardar na memória bem viva desses outros tempos dos eléctricos, para cá e para lá, uma enfiada de carreiras vindas dos quatro pontos cardeais, confluindo na Cedofeita que se esvai esquecida. Como o mundo era mais largo! Com ambos os sentidos, todos os sentidos, e um espaço onde se circulava, estacionava e calcorreava. Prenhe de lojas e comerciantes vergados ao peso de gerações de comércio. Cedofeita encarnava o Porto, desde que ele transbordou das muralhas da cidade.
No inverno, as luzes, a boa guarida num cafezito qualquer. Crescendo os dias, aquecendo o ar, a visão de sempre no fim da tarde: o burguês posto na janela, já desengravatado, envergando qualquer coisa parecida com um casaco de pijama. A mirar o trânsito e os transeuntes. Era o merecido relaxe, após um dia inteiro de balcão no andar inferior.
As vidas não iam além disto. Desde a juventude, por todo um corredor terminando só nos dolorosos anúncios dos falecimentos. A igreja não ficava longe, nada era afinal muito demorado. E, como escrevia Ruben A., os eléctricos continuavam tangando via Carvalhosa... Enquanto os doidivanas dos estudantes riam e cantavam, esses estarolas!
"Neste livro caem os mitos que giram em torno de Salazar, Cunhal e Soares, as três figuras mais maquilhadas e desmaquilhadas pelas narrativas do costume na análise da História de Portugal."
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