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Não é propriamente inédito, broncos com uma licenciatura sempre os houve. Como dizia o meu sogro, médico pneumologista em Sintra, foi com incredulidade que no seu tempo testemunhou alguns terem terminado cursos superiores.
O fenómeno da massificação artificial da instrução implementada nas últimas décadas acabou por ser a forma mais eficaz de acabar definitivamente com qualquer veleidade sobre o mérito ou nobreza da academia.
Definitivamente não era este o sonho daqueles nossos antepassados que idealizaram uma sociedade mais equitativa e livre, justamente porque moldada pela democratização do conhecimento e da erudição. Acontece que o capricho igualitário produziu hordas de inscientes e inúteis licenciados em cursos que sabe Deus para que servem. Revoltados, alguns serão sempre úteis para aderirem a demagógicas quimeras revolucionárias. Sem as mais básicas noções da História do seu país, aritmética ou ortografia. Mas o que me parece mais grave nem é isso: é a constatação de que esta ludibriada geração, através dos modelos de mediocridade pop que lhe são fornecidos pelos Media, jamais terá oportunidade de reconhecer essa sua fatídica circunstância.
Tão recentemente instalado em Lisboa, ainda mal digerindo a sua constante agitação, desculpar-se-á o esquecimento: a narrativa das curiosas circunstâncias em que a conheci. Justamente nessa paragem do eléctrico, dois dias depois da minha chegada e do quarto (limpinho, muito limpinho) prontamente descoberto ali ao Campo das Cebolas.
Foi o tempo de um passeio no Jardim Zoológico. Com todos os matadores, excepto essa tolice do teleférico, onde volta e meia se fica imobilizado, à chuva e ao frio ou à torreira do sol, quando, em alternativa, não se arrisca um salto e uma perna partida ou uma cornada de búfalo. E que diferença, meu Deus!, a bicharada, as diversões - todo um mundo novo, inimaginável nos meus dez anitos. Porque nunca mais voltara ao Jardim Zoológico. Nem ao Castelo de S. Jorge e à sua abundância de pavões, onde decidi prosseguir a minha romagem ao Passado. Sofri então, em plena Rua Augusta, um súbito acesso de moleza, a visão do eléctrico logo ali... Era inverno, os dias curtos... Enfim, estaquei na paragem, vociferava ela a favor dos direitos dos animais.
Que era uma maldade, deviam proibir o cativeiro, as jaulas, as cercas, as gaiolas, essa imundice toda! Pobres bichos, tão mais dignos de liberdade do que a gente! E a amiga (só podia ser uma amiga) ouvindo-a, acenando "sim" com a cabeça, repetidamente acenando "sim", enquanto eu escorregava pela samarra dentro, a ver se a oração me passava ao lado.
Mas não. Ao dar pela minha presença, olhou com desprezo, os alentejanos são altos, tisnados pelo sol, crespos e patilhudos - deve ter pensado, ao reparar no meu cabelo branco, na minha barba ainda mais branca, na minha estatura meã. E, conforme temia, virou o discurso na minha direcção também.
Sucede que era linda. Lindíssima. Resplandescentemente bonita. Tanto que ainda agora sou incapaz de a descrever. E, assim sendo, não voltei as costas à sabatina, aliás quando principiava o capítulo dos assassinatos a tiro. Fácil de perceber na contundência de termos contra os matadores de cervos, muflões, javalis...
(Havia de ver quantos ficaram na última montaria em Tabuaço... - quase me fugiu pela boca fora. Que disparate!, logo me repreendi com severidade: queres espantar a caça ou quê? - usando este falar labrego, mas, diabos me levem!, beleza e elegância deste quilate, nem uma gazela, nem duas vezes na vida...).
De forma que fui ouvindo. Humildemente ouvindo, apenas. Com um olhar de pobre, titubeante, até o fixar - o olhar - na sua carteira castanho-esverdeada, a tiracolo. A rebrilhar de escamas, sissiando no contacto com o casaco, serpenteante. É, é... Belo pedaço de jiboia, hã?! Uma pequena fortuna, em qualquer loja de acessórios femininos, na Baixa... Ou mesmo na estranja.
Ela percebeu. A sua argúcia condizia com a facilidade do seu verbo. E o eléctrico dobrara a curva, parou a um sinal meu. Dei-lhe a primazia nos degraus, enquanto aliviava o pescoço da gola de raposa da samarra. A viagem prosseguiu, o pêlo de mamífero muito junto do nariz da dona da pele de réptil. O eléctrico, essa tarde, ia a rebentar pelas costuras.
(... em S. Pedro de Alcântara)
Vejo frequentemente colocada, em inquéritos a figuras públicas, a questão sobre qual o pior defeito que encontram nas pessoas. A mim, naturalmente, nunca ninguém ma colocou, mas eu - no que é, realmente, um desabafo - vou responder. E não, não respondo com as clássicas falsidade, hipocrisia, meia sapiência… O pior defeito, para mim, é maltratar, abusar, desconsiderar ou trair a confiança dos mais fracos, decorra essa fraqueza da idade ou do estado de saúde, decorra ela da posição social ou profissional, de uma subalternidade ou de uma subordinação. Quem violenta a fragilidade alheia revela, para mim, a mais inominável mesquinhez.
É admirável a pequena exposição Bosch nas Janelas Verdes. As Tentações de Santo Antão são vistas em confronto com dois trípticos holandeses, o das Tribulações de Job e o do Juízo Final, por ordem inversa, da oficina e de continuador do pintor. Claro, com uma lupa o desfrute seria muito maior...
Curiosidade simpática: a folha-volante da exposição foi impressa nas oficinas da Misericórdia de Lisboa e está muito bem.
(... no Guincho)
É universalmente reconhecida a nossa «criatividade» – talvez não apenas nossa... – nos domínios contabilísticos. Os tempos recentes atestaram-na. Como é do conhecimento geral que, já no passado, essa «criatividade» se expressou noutros campos, entre os quais o último número da «l’Histoire», dedicado ao Brasil, salienta a geografia e a cartografia. O tratado de Tordesilhas, que deslocou em mais 270 léguas para oeste o meridiano que dividia o planeta entre portugueses e espanhóis, não terá sido o produto de um capricho inocente ou de um erro de percepção do espaço. D. João II sabia e escondeu aos seus vizinhos a existência das terras de Vera Cruz. O que para mim é um dado novo é que, também em 1750, quando as fronteiras brasileiras já coincidiam, no essencial, com as actuais, o mapa que utilizámos à mesa das negociações do Tratado de Madrid, para a clarificação dos limites dos impérios sul-americanos das duas nações peninsulares, apresentava uma deformação longitudinal significativa, fazendo surgir à direita daquele meridiano todo o território por nós ocupado à sua esquerda, que se alargava até perto dos Andes e às margens do Paraná. Temos, definitivamente, estas «criatividades» na massa do sangue. Por sorte, a História nem todas leva a mal.
A comparação entre a carnificina de Oslo e o atentado de Oklahoma (1995) é decerto o instrumento ideal para concluir que - ou não navegássemos em águas tão frias... - apenas visionamos ainda a ponta do iceberg.
Timothy McVeigh liderava um grupo político armado. Os EUA nasceram de pistolas na mão e assim cresceram e vivem. Está-lhes no sangue, e o seu território é suficientemente amplo para que toda a loucura nele guardada treine e aperfeiçoe à vontade a arte do tiro.
Não assim na Noruega, considerado o mais pacífico país. Os seus fiordes não deixariam de denunciar, prontamente, os ecos alarmantes de qualquer actividade para-militar e ilegal.
Lembremo-nos, no entanto, que a esmagadora maioria das vítimas caiu às balas de Anders Behring Breivir, o homicida confesso. Um empresário agrícola, pretensamente um fanático religioso, xenófobo, ideológicamente posicionado na extrema-direita... Tudo muito vago. Tudo muito apressado, talvez.
Para além de algumas questões logisticas óbvias - e por isso não ocultadas - implicando a fatal existência de cumplices, o facto principal é este: o assassino esteve quase uma hora a disparar uma metralhadora. Matando sempre, nunca se cansando de matar. O que supõe, para além desse sinistro propósito sanguinário, um grau de preparação psicológica que indiciará algo mais do que loucura; e o saber manejar a arma, uma arma de guerra que não se adquire, transporta e utiliza assim como uma bicicleta qualquer.
Dois aspectos mais, a terminar: as organizações islamitas já apelaram a que ninguém, de entre os seus, reclame os atentados. Porquê? E Anders B. Breivir, em tempos vigiado pela polícia norueguesa, foi então considerado inofensivo. Arrisca agora uma pena máxima de 21 anos de prisão - regressará à liberdade ainda a meio dos cinquentas. Assusta, não assusta? Mas a lei, por defenição, tem carácter geral e abstracto; e não dispõe de eficácia retroactiva...
Disposto a sair do BA onde a vida se tornou incomportável à noite e de manhã, tenho dedicado considerável tempo à procura de casa em Lisboa. Teve razão Pedro Santana Lopes, ontem na TVI, quando frisou o inquietante aumento exponencial dos valores do arrendamento diante da quebra do crédito bancário à aquisição de imóveis. Mas a questão não é só essa. A questão é realmente a imensa degradação do nosso parque imobiliário quando testado por indígenas em busca de lugares condignos onde viver. A adjectivação dos anúncios é sempre superlativa: qualquer buraco é um «excelente apartamento»!
Dum lado temos a cidade antiga quase toda ela por restaurar, onde a cada dia surgem apartamentos mal recuperados, por empreitirozitos de imenso mau gosto e despudor, tudo feito sobre o joelho e bem ao estilo de serviços mínimos, apartamentos esses que foram postos no mercado sem vistorias que exijam qualificação técnica da obra (só pode!) e requisitos médios de habitabilidade; e do outro, temos edifícios novos, construídos com padrões arquitectónicos e equipamentos aceitáveis a pensar no mercado de venda, e que agora vêm ocupar posições no de aluguer, mas estão a preços dos olhos da cara. Algures no meio, dois ou três andares inesperados, mas a cuja recuperação faltou claramente capacidade financeira (como somos pobres, caramba!) para lhes dar o devido padrão que mereciam. A imagem testemunha um desses casos. A 1000 euros mensais, e com uma planta que desanima qualquer um!
O que mais me constrige é a panorâmica que tenho tido da baixa qualidade estética-arquitectural do edificado lisboeta. Símbolo sem dúvida duma lenta decadência, compatível aliás com a reduzida expectativa e consciência das pessoas quanto a qualidade da vida. Nas suas próprias casas, como nos seus próprios lugares de trabalho, onde muitos passam mais de um terço dos seus dias, mas acerca dos quais nunca se ouviu uma reivindicação, um debate, uma vontade de melhorias.
É realmente o que temos e somos! Será também o que quereremos ser?
O caso do norueguês de 32 anos responsável pelo hediondo ato de terror em Oslo que vitimizou 92 pessoas, um europeu loiro de olhos azuis que se reclama cristão, constitui em si mesmo uma parábola cuja moral que não devemos menosprezar: o fanatismo e a alienação, não são exclusivos de muçulmanos maltrapilhos ou comunistas desgrenhados. O diabólico esconde-se por detrás de qualquer aparência, e assume qualquer discurso, que é um mero pretexto para desacreditar a Obra de Deus. Por estes dias somos todos noruegueses.
(... no Parque das Nações)
Fui, há pouco, informada de que um conjunto alargado de elementos das nossas forças policiais, em protesto contra o castigo de dois colegas, decidiu boicotar o serviço, mas tratou de apresentar outros tantos atestados médicos falsos para se poupar aos concomitantes cortes salariais. Quem pratica esta forma de protesto «enviesado» – muito frequente em processos grevistas -, quem não assume todas consequências dos seus actos afigura-se-me completamente desprovido de verticalidade. Assusta-me, por isso, saber que a minha segurança repousa – pelo menos em parte – no arbítrio de invertebrados.
A vitória eleitoral de António José Seguro era mais do que previsível: era certa. Pela simples e incontornável razão de que Seguro não arrisca. É olhá-lo, ouvi-lo, observá-lo e concluir o óbvio.
Há já muito tempo adivinhara a queda socrática no precipício. Afastou-se então, para terrenos mais consistentes. Foi aparecendo o menos possivel, dizendo apenas o indispensável e, evidentemente, preparando as estruturas locais do PS para depois do desastre.
Ressurgiu ainda Sócrates não esfriara na urna dos votos. No mais conseguido estilo socialista: o fatinho à medida, o discurso redondo com pretensões a didactismo, a sobrancelha arqueada ao peso dos seus rigores éticos. E um tratado imenso, lido e explicado aos portugueses, sobre a revelação dos segredos e mistérios democráticos.
Francisco Assis é o oposto de Seguro e por isso estava condenado a perder. Invariávelmente sem tempo para compor o nó da gravata e barbear-se convenientemente, com os argumentos e as palavras na ponta da lingua, nem mesmo a sua derrota eleitoral na Câmara do Porto o ajudou a entender que será sempre carne para canhão. Um oportuno chefe de grupo parlamentar. Ou um comicieiro destemido, homem que se envia a Felgueiras, onde perdeu os óculos e quase perdia a pele às mãos dos apoiantes de Fátima.
Enfim, dois vultos diametralmente opostos. Onde num reside o calculismo e a rejeição do improviso, no outro vive plenamente a espontaneidade. A grande questão estará em saber qual o menos prejudicial à acção governativa, infeliz mas necessáriamente impopular. A consciência civica de Seguro estar-lhe-á sempre na oratória. E nas decisões e nos actos?
Leitura do Primeiro Livro dos Reis
Naqueles dias, o Senhor apareceu em sonhos a Salomão durante a noite e disse-lhe: «Pede o que quiseres». Salomão respondeu: «Senhor, meu Deus, Vós fizestes reinar o vosso servo em lugar do meu pai David e eu sou muito novo e não sei como proceder. Este vosso servo está no meio do povo escolhido, um povo imenso, inumerável, que não se pode contar nem calcular. Dai, portanto, ao vosso servo um coração inteligente, para governar o vosso povo, para saber distinguir o bem do mal; pois, quem poderia governar este vosso povo tão numeroso?». Agradou ao Senhor esta súplica de Salomão e disse-lhe: «Porque foi este o teu pedido, e já que não pediste longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu desejo. Dou-te um coração sábio e esclarecido, como nunca houve antes de ti nem haverá depois de ti».
Da Bíblia Sagrada
Não pode haver qualquer magnanimidade com terroristas. Ser terrorista não é um imperativo de moda ou um impulso irreprimível de esquizofrenia colectiva. Ser terrorista é uma opção pessoal e - arriscaria – vitalícia. Quem não hesita em matar dezenas ou centenas dos seus semelhantes, mesmo que a coberto de uma ideologia, mesmo que em resposta a um comando, não o faz porque o mundo não lhe oferecia outros caminhos, mas porque escolheu esse caminho, porque odeia tudo e todos, e porque não resiste à volúpia de dispor da vida alheia. Estas pessoas, felizmente poucas, são uma ameaça que não dorme. Enquanto existem, não desistem. Para estas pessoas, que estremecem as minhas convicções na bondade da razão humana, seria capaz de defender a pena capital.
O Ministério da Administração Interna fez as contas e obteve os resultados: os colegas da tesouraria terão de lhe disponibilizar 200 milhões de euros só para assegurar o funcionamento da GNR e da PSP até ao fim do corrente ano. Ponto final
Trata-se dos fundos indispensáveis para aliviar a dívida acumulada e, sobretudo, para garantir o pagamento dos salários!
Mais precisamente, algo mais de 100 milhões de euros destinam-se a isso mesmo: à remuneração e aos suplementos atribuidos ao pessoal. Em cerca de 94 milhões se avolumam os créditos dos fornecedores, não pagos e vencidos já em 30 de Junho passado. Portanto, restará ainda acrescentar as despesas correntes - actuais - com bens e serviços: os cuidados de saúde com os membros daquelas corporações, a higiene e a limpeza dos seus quarteis ou esquadras, as refeições, as comunicações, o combustível para as viaturas...
De notar que, já há anos, os Santos Silva cá do nosso Tugal iam remendando o buraco com sucessivas alienações do património imobiliário das duas instituições. Acontece, porém, que este não é elástico e os tempos não correm de feição para o negócio...
A situação é, pois, esta. Precisamos urgentemente de 200 milhões de euros. Para nós próprios, para velar pela nossa segurança. Como? Não sei. Talvez à americana, liberalizando as licenças de uso e porte de armas de defesa. É receita firme nos cofres da Estado e será ainda algum desafogo na árdua vida dos agentes já quase com salários em atraso.
Isto não é maneira de fazer oposição, seja ela política ou religiosa.
(... no Parque Eduardo VII)
O noticiário televisivo apresentou, esta noite, uma peça de fôlego sobre a questão que dominou a comunicação social na última quinzena: a questão do «desvio colossal». A peça aprofundava as origens da expressão, a fidedignidade das fontes, as deduções dos analistas – merece registo, pela sua espantosa ousadia especulativa, o entendimento de uns quantos de que o Governo, ao cabo de um mês, já falava a duas vozes – as críticas das oposições, o «turmoil» político, a mentira da verdade, a verdade da mentira, etc., etc., etc. A peça dava ainda – um pouco a contragosto... – a questão por resolvida e a ordem, a quantidade, as propriedades e as relações das palavras empregues cabalmente esclarecidas. Com o que o país, de respiração suspensa durante a quinzena, pode, enfim, suspirar de alívio. Pela minha parte, vejo no processo uma enorme virtude: a de ter contribuído para arrancar às páginas esquecidas dos dicionários de língua portuguesa o único adjectivo, «colossal», capaz de caracterizar a dimensão da toleima de algum do nosso jornalismo.
"Pedro Rebelo de Sousa em Dezembro do ano passado disse ao Expresso que: "Advogados não devem estar em órgãos sociais de empresas clientes". Como presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), falava do estado da governação das empresas em Portugal, dos protagonistas da crise e do papel dos advogados nas instituições. O que foi visto como recado para os outros advogados dos grandes escritórios. Pois bem, o dito Pedro acaba de ser nomeado administrador da Caixa Geral de Depósitos.."
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Muito bem, nada a apontar
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