por Pedro Correia, em 31.03.07
Chego a casa cansado, de noite. Afundo-me no sofá, ligo a televisão num canal ao acaso. Aparece-me a RTP-N, está a começar um programa que nunca vi: a Liga dos Últimos – ideia de Daniel Deusdado, apresentação de Álvaro Costa. Dois ou três minutos depois, estou conquistado: é um programa brilhante. Contrariando toda a lógica das emissões “desportivas” da TV, que só sabem lançar os holofotes sobre os primeiros, esta Liga dos Últimos vai à procura dos clubes que estão no fundo de todas as tabelas. Em Portugal e até no estrangeiro.
Esta original ideia materializa-se aqui num jornalismo de qualidade. Que nos mostra um retrato pitoresco do País – não o País que figura nos telejornais, o dos casos de sucesso ou o que grita nas ruas. É um país humilde, de gente incapaz de triunfar mas que nem por isso deixa de disputar desafios. O país dos jogos Atalaia 3-Pedra 2 e Anços 0-Santa Iria 1. Um futebol onde se contam tostões em vez de se ganhar milhões. Um futebol onde é possível o treinador perder todos os jogos e mesmo assim manter-se em funções porque é simultaneamente o presidente do clube. Um futebol onde o jogo que se pratica é tão mau que os escassos espectadores desistem de olhar para a bola.
- Porque é que está de costas para o jogo? – pergunta a jornalista.
- Porque estou mais interessado na bifana – responde o desiludido tifoso, entre duas dentadas.
É um futebol de mães desiludidas com a prestação dos próprios filhos.
- Porque está aqui?
- Porque o meu filho pertence aqui à bola. O meu filho é aquele alto que está lá dentro.
É um país espontâneo, sem truques nem maquilhagens. Um país em que um dos frustrados futebolistas amadores, cantoneiro de profissão, se apresenta desta forma defronte das câmaras:
- Sou Xuxu, um dos melhores jogadores da equipa. O problema é que chega-se ao jogo, começa logo tudo a discutir, e assim não há motivação para ganhar.
Um país em que um treinador-de-trazer-por-casa, depois de levar cinco secos, desabafa assim:
- Qual é a motivação que um treinador tem em vir para aqui à chuva para treinar quando só seis jogadores aparecem para os treinos? Além de treinar, tenho também que apanhar bolas, tenho que abrir o balneário, tenho que fechar o balneário.
É um país que vê passar os comboios. Literalmente.
- Já ganhámos cá um jogo porque a equipa adversária nunca tinha visto um comboio e quando passou o comboio começou a olhar para o comboio e nós ganhámos – lembra um fervoroso adepto do Anços.
É um país que não escolhe as palavras para dizer o que pensa:
- Esse árbitro é um passarinho e o bandeirinha é um passarão. Não são capazes...
- Porquê?
- Se fossem árbitros capazes, não vinham para aqui.
Este programa conquistou-me como nenhum outro o tem feito de há muito para cá. Os últimos, neste caso, são os primeiros.
É Portugal no seu melhor.