por Pedro Correia, em 22.03.06
- Aquele filme Colisão fala de um choque frontal, de um choque lateral ou de um choque à retaguarda?
- Choque frontal, acho. Mas porque perguntas isso?
- Se for frontal vou ver. Para choques dos outros já me bastou aquele filme dos cobóis que foram buscar lã e saíram tosquiados.
por Pedro Correia, em 22.03.06
Muitos dos filmes da minha vida são a preto e branco. Manhattan, de Woody Allen. O Touro Enraivecido, de Martin Scorsese. A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. E Casablanca, O Crepúsculo dos Deuses, O Mundo a Seus Pés, As Noites de Cabíria, O Sétimo Selo, Viagem a Itália, M, Viridiana, As Vinhas da Ira, O Tesouro da Sierra Madre, Breve Encontro, A Paixão de Joana d'Arc, Doutor Estranhoamor. Etc, etc. Hoje um filme a preto e branco é uma raridade. Este é também um dos motivos por que gostei tanto de Boa Noite e Boa Sorte.
por Pedro Correia, em 21.03.06
Mike Wallace, o mítico jornalista da CBS norte-americana que deu rosto ao programa
60 Minutes, acaba de anunciar a retirada do serviço activo. Motivo: está prestes a completar 88 anos. “A minha vista e a minha audição já não são o que eram”, justificou Wallace, que popularizou a seguinte máxima profissional: “Não há pergunta que não possa ser feita.” E ele fez muitas, até ao aiatola Komeini, a quem chegou a perguntar se era lunático.
Mesmo em situação de reforma, Wallace manter-se-á nos quadros da CBS como “correspondente emérito”. Sorte dele. Se vivesse em Portugal, teria provavelmente sido forçado há cerca de quatro décadas a abandonar a profissão. A experiência e a memória, em muitas das nossas redacções, são olhadas com crescente suspeição. O que está a dar é a mão-de-obra fresca e verde. Acrítica e baratinha, de preferência. Muito baratinha.
por Pedro Correia, em 21.03.06
- Que versículos leste hoje?
- Os Versículos Satânicos.
por Pedro Correia, em 21.03.06
É um dos grandes filmes "políticos" dos últimos anos. E tem como elemento-chave uma das melhores frases de todos os tempos. Uma frase extraída da peça
Júlio César (acto I, 2ª cena), de Shakespeare:
“A culpa, caro Bruto, não está nas nossas estrelas, está dentro de nós.” As estrelas, de facto, não têm culpa...
por Pedro Correia, em 21.03.06
"O ideal seria não haver limites para nenhum tipo de criatividade. Mas já existem limites para a expressão livre, nas leis contra calúnia e difamação. O que acontece agora é que o medo de sofrer um processo evoluiu para o medo de ser decapitado."
(Luís Fernando Veríssimo, entrevista à Sábado, 16 de Março)
por Pedro Correia, em 21.03.06
Lisboa tem sido por estes dias uma cidade privilegiada para os amantes da cultura. Exposição de Frida Khalo no Centro Cultural de Belém. Reabertura da galeria do DN, com quadros da colecção Berardo - incluindo telas de Warhol e Lichtenstein. Reabertura do Teatro Maria Matos, com uma boa programação. A Gaivota, de Tchekov, prestes a estrear na Cornucópia com tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. A excelente Ópera do Malandro, de Chico Buarque, que electrizou o Coliseu e agora vai para o Porto. Nos cinemas, Match Point (de Woody Allen), Uma História de Violência (David Cronenberg), Munique (Steven Spielberg), O Fiel Jardineiro (Fernando Meirelles), Colisão (Paul Higgis). E essa obra-prima absoluta da Sétima Arte que é O Leopardo, de Visconti - a ver ou rever com o deslumbramento de sempre no Nimas. Por uma vez, podemos estar satisfeitos: eis uma oferta cultural digna de uma capital europeia.
por Pedro Correia, em 20.03.06
- Tens aí uma tesoura para cortarmos esta fita?
- Nada de tesouras. Corto sempre as fitas com uma adaga.
por Pedro Correia, em 20.03.06
OPA. Sigla importada do tecnocratês. É o que Belém se prepara para fazer a São Bento no próximo quinquénio.
por Pedro Correia, em 20.03.06
Tsotsi é um filme sul-africano que chegou a Portugal aureolado com um Óscar. Refiro-me ao Óscar para melhor filme estrangeiro, que em anos anteriores agraciou obras de Fellini e Bergman. São tempos que já lá vão: hoje esta estatueta não premeia a qualidade artística mas a correcção política.
Tsotsi é um bom exemplo disso: a sua ténue linha ficcional gira em torno de um preto pobre, que segue os trilhos do crime por ser vítima de uma sociedade assimétrica. Mata, rouba, estropia – mas no fundo é um bom sujeito. Basta um pouco de atenção, um nada de carinho para o implacável criminoso se transformar num bebé chorão.
Não há verosimilhança que resista a esta sociologia de pacotilha.
Tsotsi procura imitar
Cidade de Deus, mas na obra-prima de Fernando Meirelles os garotos de rua eram retratados com uma implacável autenticidade: nenhum mau da fita surgia travestido de menino de coro. Hollywood, como o Padre Américo, não acredita na existência de rapazes maus.
Pero que los hay, los hay. E em nada se assemelham ao que este filme mostra.
As grandes obras de arte não se fazem com bons sentimentos.
Tsotsi fica-se pelos bons sentimentos. Não tem mais nada para dar.
por Pedro Correia, em 20.03.06
A inacção de Jorge Sampaio em Belém, durante uns intermináveis dez anos, fez mais pela popularidade da monarquia em Portugal do que todas as proclamações de D. Duarte Pio e do seu pitoresco grupo de amigos.
por Pedro Correia, em 20.03.06
Eles odeiam-se. Em privado, não perdem uma oportunidade para dizerem cobras e lagartos um do outro. No partido, todos sabem disto. Mas em público, neste congresso do PSD, dialogaram amenamente, sorriram, abraçaram-se para as televisões mostrarem. Se os portugueses viram costas à política, também é por coisas destas.
por Corta-fitas, em 20.03.06
Inspirados nos incidentes que têm abalado a França, muitos comentadores referiram, sobretudo nos jornais, que a crise francesa corresponde a um impasse que ameaça paralisar a Europa. Discordo desta visão pessimista.
A França está em transição e a sua situação política só ficará clarificada em meados do próximo ano, depois das eleições presidenciais. Nicolas Sarkozy, um populista de direita é a figura em melhor posição para vencer essas eleições. Se a direita vencer, as reformas económicas serão inevitáveis, apesar da tradição de contestação na rua. Sobre este ponto, vale a pena lembrar que estamos a falar de um país com opinião pública muito politizada. Nos últimos dois séculos, com ciclos quase simétricos a rondar 30 anos, houve períodos de choque externo seguidos de mudança acelerada, culminando em reforço da autoridade central do Estado: Maio de 68, Frente Popular, Comuna de Paris, Revolução Liberal, para citar apenas exemplos de reacções epidérmicas da sociedade francesa a grandes alterações que estavam a ocorrer no mundo e na economia.
A França enfrenta uma mudança económica que está a questionar o confortável modelo social construído nos últimos 50 anos. É evidente que os economistas e os sociólogos sabem isso muito bem e há reformas em curso, mesmo se os Governos as fazem cada vez mais discretamente. Além disso, não está provado que certos elementos do modelo social que desaparece não possam sobreviver. Falo dos elementos centrais, como serviços públicos eficazes, protecção no desemprego e na velhice, educação e justiça para todos ou segurança no emprego.
por Corta-fitas, em 20.03.06
Neste conflito é a segurança no emprego que está em causa. Este foi um dos argumentos mais importantes no debate sobre a Constituição Europeia, que o eleitorado francês rejeitou por temer o chamado “canalizador polaco”, referência a uma directiva europeia que teria consentido a empresas polacas operarem em território francês sob regulamentação polaca, o que os franceses viram como uma ameaça aos padrões elevados do seu mercado.
Acho que os comentadores liberais sobrevalorizam a importância do argumento segundo o qual leis de emprego precário aumentam o número de pessoas empregadas. Sim, mas criam empregos de má qualidade e mal pagos. Quando os serviços públicos se degradam e diminui a protecção no desemprego, a maioria das pessoas vê na precarização uma promessa de empobrecimento. E o que tem a perder uma pessoa que protesta nas ruas contra uma iniciativa que a vai prejudicar?
Também se diz que os avanços na Europa estão comprometidos. Discordo fortemente que a crise francesa seja uma crise europeia. Pelo contrário. Quem impede a Irlanda ou a Finlândia de terem robustez económica? Irlanda ou Estónia são livres de não adoptar o modelo francês. Além disso, não existe harmonização social ou fiscal na UE, portanto o facto de haver países que introduzem reformas eficazes torna-se mais uma razão para outros Estados tentarem adoptar medidas semelhantes ou, no mínimo, estudarem o assunto. A Europa é suficientemente flexível para permitir experiências distintas. A França, estando integrada num conjunto onde existe um arco de países com grande pujança, estará obrigada a fazer as reformas que considerar necessárias, mas numa dose que ninguém lhe pode impor.
por Pedro Correia, em 19.03.06
Em Espanha, há três décadas, os jovens lutavam pelo direito à liberdade. Agora lutam pelo direito ao garrafão. Darwin tinha razão. Ou talvez não.
por Pedro Correia, em 19.03.06
"O amor! Fogo durante um ano, cinzas durante trinta..."
D. Fabrizio, Príncipe de Salina/Burt Lancaster
em
O Leopardo, de Luchino Visconti (1963)
por Pedro Correia, em 19.03.06
O Martim já escreveu (bem) sobre o assunto no
Mau Tempo no Canil. Mas não é de mais voltar ao tema. Devia Cavaco Silva ter convidado um representante do PCP a integrar o Conselho de Estado? Só por hipocrisia política esse convite seria feito. E só por hipocrisia política seria aceite. Evitemos equívocos. Falta clareza na nossa vida política: se os comunistas não acham o novo chefe de Estado sequer digno de aplauso protocolar no momento em que toma posse (e o artigo de Vítor Dias no
Público de sábado ajuda a explicar porquê), o que os leva agora a reivindicar um convite de um presidente que não elegeram e a quem atribuíram a pior das famas durante a recente campanha eleitoral?
por Pedro Correia, em 19.03.06
"Acho que era o engenheiro Sócrates quem dizia ser um animal feroz. Pois vamos também nós [PSD] ser ferozes. Vai passar a ser um zoo, isto."
(Alberto João Jardim no congresso do PSD, 18 de Março)
por Duarte Calvão, em 19.03.06
Vivi uns anos no Rio de Janeiro e voltei a Lisboa em 1985. Já na altura éramos recebidos por criminosos no Aeroporto, que nos queriam extorquir no taxímetro, ou nos ameaçavam, ou nos insultavam por não sermos turistas estrangeiros e não irmos até um hotel em Cascais onde lhe pagariamos a fortuna que mereciam. Hoje, 21 anos passados, continuamos a ser recebidos por criminosos no Aeroporto, apesar de um ou outro ser ocasionalmente preso. Entretanto, passaram presidentes da república a falar de turismo de qualidade, governos a falar de turismo de qualidade, ministros a falar de turismo de qualidade, presidentes de Câmara a falar de turismo de qualidade, autoridades policiais e de todo o tipo a garantir que vivemos num país civilizado. Ninguém faz nada que resolva um problema que está à vista de todos e alguns até o acham compreensível, com uma certa atitude Robin Hood perante os estrangeiros endinheirados que nos visitam. Eu, depois de ter quase chegado às vias de facto com dois ou três desses criminosos, resolvi a questão indo sempre apanhar táxi às Partidas. Nunca mais tive um único problema. Mas uma sociedade que, ao longo de mais de 20 anos, não consegue encontrar solução para uma coisa tão prosaica e consensual como esta não pode ser capaz de vencer qualquer "desafio".
por Corta-fitas, em 18.03.06
Centenas de jovens estudantes franceses que o ministro do Interior classificou de anarquistas só interessados em bater-se nas ruas ou hooligans sem outro interesse além da violência envolveram-se em incidentes com a polícia nas proximidades de um dos santuários do saber na Europa, a Sorbonne. Estes casseurs são da classe média e vivem numa das sociedades mais livres e prósperas do mundo. Alguns deles serão a futura elite da França. Verdadeiros privilegiados, afinal, com acesso a educação de primeira qualidade.
Em Granada, 20 mil jovens, aparentemente de todas as classes sociais, participaram num chamado “Botellón”, uma bebedeira colectiva em protesto contra restrições à venda de álcool a menores de idade. Houve manifestações semelhantes em várias cidades de Espanha, convocadas por sms. A Espanha tem uma das economias mais dinâmicas da Europa e é um dos países mais ricos do mundo. Estas pessoas parecem não encontrar melhores motivos para exercerem a sua indignação.
Cerca de 750 jovens americanos combatem há três dias numa cidade a norte de Bagdad. A batalha de Samarra é uma das mais violentas em três anos de um conflito que já matou o mínimo de 30 mil iraquianos (há quem fale em 100 mil), 2200 americanos e mais de cem ingleses. Cerca de 140 mil soldados americanos servem de alvo à insurreição no Iraque. Alguns não voltarão para casa. São todos muito jovens e, se não estivessem a defender o Império, estariam a enfrascar-se na sua cidade natal ou a protestar nas imediações de uma universidade. Ou, pura e simplesmente, não teriam nenhum motivo para se indignarem.
Falando em nihilismo contemporâneo, parece-me que estas três histórias não estão relacionadas. Mas, se estão, não imagino qual seja a moral da história.