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20 milhões é menos que 70 milhões

por henrique pereira dos santos, em 16.07.23

Recomendo vivamente esta entrevista ao José Miguel Cardoso Pereira, e não é por lá no fim me citar: é normal que estejamos muitas vezes de acordo nesta matéria, entre outras razões, porque fui seu aluno numa disciplina de ecologia do fogo.

Numa dessas partes em que Zé Miguel fala das minhas propostas de pagamento directo aos gestores de terrenos para que façam uma gestão que não tem interesse suficiente para o dono do terreno, mas é do interesse de todos que essa gestão seja feita, retoma a minha proposta inicial, 100 euros por hectare/ ano, quando eu actualmente defendo que se comece por 100 euros por hectare, de três em três anos.

É certo que o que proponho é pouco, mas parece-me que mais vale começar mais devagar para reduzir o risco de criar rendas indevidas, o que permite avaliar como as pessoas respondem a esse incentivo, e vai-se ajustando o valor a essa resposta.

Em princípio, os primeiros a responder a esse estímulo serão os que já hoje fazem gestão de combustíveis, sem que ninguém, para além do mercado, lhes pague (resineiros, pastores, caçadores, produtores florestais competitivos, e mesmo conservacionistas que actuam no mercado da paz de espírito). Depois se avalia se isso é suficiente ou se é preciso aumentar o incentivo.

Em qualquer caso, mesmo com a proposta inicial que corresponde a um estímulo três vezes maior, o Zé Miguel compara o custo dessa opção ao dinheiro gasto com aviões, anualmente: vinte milhões para pagar gestão contra setenta milhões para pagar aviões, por ano. Repito, 20 milhões contra 70 milhões.

Ainda hoje acho que o melhor texto que escrevi sobre gestão do fogo é este, num longínquo ano de 2014, ou seja, um texto que tem nove anos de que trancrevo o parágrafo central: "E repare na diferença. O Canadair é importado, as cabras são de fabrico nacional. O Canadair usa combustíveis fósseis, as cabras são recursos renováveis. O Canadair cria custos de manutenção, as cabras criam cabritos. O Canadair não altera os dados do problema, as cabras estrumam o solo e aumentam a produtividade. E, last but not the least, no fim do seu tempo de vida útil o Canadair dá ainda despesa para o seu desmantelamento e tratamento dos resíduos e as cabras dão chanfanas."

A verdade é que, passo a passo, temos vindo a reconhecer que é preciso abordar o problema de maneira diferente - o Zé Miguel lembra que conheceu pastores presos por fazer queimadas, e hoje é o Estado que tem um programa de apoio às queimadas - mas é tudo muito, muito devagar.

Ouvi recentemente o Senhor Ministro da tutela a dizer que tem por lá três milhões para finalmente experimentar pagar directamente a gestão aos produtores.

Claro que fico satisfeito com o facto de, ao fim de nove anos, já haver a intenção de no futuro fazer qualquer coisa nesse sentido, mas a esperança que tenho de que não seja preciso esperar outros nove anos, e mais uma tragédia, para se fazer alguma coisa consistente, é muito baixa: quase de certeza que vão pegar na ideia, e nos três milhões, e complicar as regras para tentar obrigar as pessoas a fazer o que os técnicos acham que deve ser feito em vez de simplesmente lhes pagar o serviço de interesse colectivo difuso que se pretende que prestem (para quem tiver dúvidas, é olhar para as áreas integradas de gestão da paisagem, que andam há uns cinco anos para trás e para a frente, sem que até agora tenha chegado nada de concreto ao terreno, apesar dos milhões já gastos).

E essa ânsia de controlo é uma das principais razões para a lentidão da sociedade e, consequentemente, do Estado, na adopção de medidas úteis que custam um terço de outras mais espectaculares e politicamente mais simples, como passear aviões e helicópteros - aeronaves de asa fixa e de asa móvel, dizem eles cheios de rigor - por cima de fogos incontroláveis.


7 comentários

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De Tiro ao Alvo a 16.07.2023 às 09:37

Eu sugeriria, como experiência, a implementação da medida que propõe, mas em termos anuais, nos concelhos onde morreram mais vítimas. Depois se avaliariam os benefícios da medida proposta, que parece ter grandes vantagens para os fins em vista: reduzir substancialmente a dimensão dos fogos florestais, com custos suportáveis, quer para o Estado, quer para os privados. 

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De balio a 16.07.2023 às 09:49

A ânsia de controlo é uma das caraterísticas mais marcadas do Estado português.
Trata-se de um Estado que - com muita razão, aliás - desconfia da sua população e por isso quer controlar, muito cuidadosamente, tudo aquilo que ela faz.
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De Zé raiano a 16.07.2023 às 10:07

Millôr
Se merda fosse dinheiro, pobre nascia sem c. · "Bosta não é tinta, dedo não é pincel, pra limpar o c, favor usar papel." · "Cagar é uma arte estilo barroco."



aguardo a chegada do movimento MÃOS LIMPAS
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De anónimo a 16.07.2023 às 11:39

Excelente informação. Mesmo que o Ministro em causa se atrevesse a apresentar em Conselho de M. um projecto algo semelhante a este, levaria uma nega. Os interesses establecidos, os lóbies -não as populações, os eleitores-, mandam nos partidos.
Se os deputados fossem eleitos pelos cidadãos das regiões afetadas então sim, tudo seria bem diferente.
Ninguém no Governo se atreveria a descurar a opção 20 milhões e cabras. Simples.
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De balio a 17.07.2023 às 09:32

Se o Governo pusesse em prática tal medida - pagar 100 euros ao proprietário de cada hectare que estivesse limpo de mato - certamente que isso seria um poderoso estímulo para o cadastro correto das terras. É que há muitas terras cujos proprietários cuidam delas, mas não as têm corretamente cadastradas - e correriam a fazê-lo se soubessem que podiam passar a receber subsídios.
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De Elvimonte a 18.07.2023 às 02:17

"20 milhões é menos que 70 milhões" - La Palisse não o diria melhor.


Ora eu (e outros), para me limparem terrenos pago cerca de 100 Euros por cada 1000 m2. Como 1 hectare corresponde a 10 000 m2, não me importo de pagar 150 Euros por hectare, mesmo que não receba os tais 100 Euros de subsídio. De preferência a empresa constituída por burocratas, daqueles para quem "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem",  que se tenham demitido de algum inútil instituto público para abraçar a oportunidade única da limpeza de terrenos a 150 Euros/hectare, esse negócio do século.  


É que 150 Euros/hectare é menos que 100 Euros/1000 m2 e La Palisse não o diria melhor.


Sobejam-me contudo algumas questões:


I) Como se vai fazer prova da limpeza do terreno?
II) Como se vai fiscalizar se a limpeza foi efectuada?
III) Como se vai verificar se a área limpa corresponde à declarada?
IV) Como se vai processar o pagamento do subsídio?
V) Existe algum estudo sobre o assunto (semelhante a um estudo de mercado) em que se esclareça:
a) o universo potencial de área abrangida;
b) o universo potencial de proprietários abrangidos;
c) a percentagem estimada de aderência em termos de área e número de proprietários;
d) a percentagem estimada de aderência entre os proprietários que já limpam os terrenos e a correspondente área percentual;
e) a percentagem estimada de aderência entre os proprietários que não limpam os terrenos e a correspondente área percentual; 
f) a área média dos terrenos referentes a d) e e);
g) a rentabilidade média anual dos terrenos referentes a d) e e).
VI) Relativamente ao destino a dar ao material combustível resultante da limpeza:
a) foi equacionada a sua entrega a centrais de bio-massa?
b) foram equacionadas as hipóteses de produção de briquettes de bio-massa, pirólise e produção de briquettes de carvão vegetal com aproveitamento do gás pobre resultante para alimentação de caldeira ou forno?
VII) Considerando a utilização de cabras sapadoras, quem toma conta delas?


Nem vale a pena referir o que eu e outros como eu pensam deste tipo de propostas. Mas posso afiançar que os modelos marcianos não têm aplicabilidade terrena, a menos que se pretenda concluir que a realidade está errada.
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De henrique pereira dos santos a 18.07.2023 às 07:42

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