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A festa de Islamabad
Uma das piores formas de analisar um assunto distante é aplicar a lógica que rege o nosso próprio mundo. Pelo que tenho lido, houve em Portugal uma interpretação sobre os resultados eleitorais paquistaneses com doses desta distorção. A narrativa é a seguinte: a democracia triunfou nas legislativas e o ditador perdeu um referendo ao seu poder e terá de sair.
Penso que as coisas foram um bocadinho mais complicadas. O Paquistão é um país instável, com uma história de derrotas. Os partidos não são democráticos, mas oligárquicos, tendo na base do respectivo poder elites ocidentalizadas.
Enquanto for o garante da estabilidade, Musharraf estará no poder. Aliás, não pode ser derrubado por via Constitucional. A única situação em que isso seria possível era ficar tão fragilizado que o exército aceitaria a sua queda.
Em 2001, pouco depois do 11 de Setembro, o país vivia numa dessas fases de incerteza. Em Rawalpindi, grande cidade nos arredores de Islamabad, o ambiente era de tensão, embora eu ainda tivesse visto nada (no Baluchistão, onde os partidos islamitas têm força, havia quase uma rebelião dos que apoiavam os talibãs afegãos, de etnias baluche e pastune).
Um senhor muito rico, que vivia numa mansão com vista para o palácio presidencial (a casa pertencera a um ditador militar) organizou uma festa para correspondentes internacionais e tive a sorte de ficar com um dos convites. Ele forneceu os transportes dos hotéis e seguiu-se uma cena memorável. De súbito, desembarcávamos num bairro chique de Londres e falávamos com empresários e doutorados formados em Oxford, os quais nos diziam, enquanto provavam acepipes, que os islamitas não eram significativos. A mensagem era clara: eles não têm importância e nós temos a assunto sob controlo.
Na sala, em estereofonia, a aparelhagem debitava suaves melodias de Julio Iglésias. Apesar de tudo, fiquei com a sensação de que aquele era um mundo fora da realidade, cheio de medo, uma espécie de fortaleza de poderosos alheios ao tumulto lá fora. Lembrava o ancien régime antes da catástrofe.
O tempo passou. Nas últimas eleições paquistanesas aconteceu algo que não foi muito comentado: os fundamentalistas foram afastados do parlamento. Não foram derrotados nas urnas, mas desapareceram. E acho que isso só aconteceu porque era necessário. E lembrei-me daquela festa em Islamabad, que talvez tenha sido, afinal, um pequeno vislumbre do poder.
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