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A maioria dos portugueses julga que aconteceu alguma coisa nova no dia 18 de maio, mas a comunicação social que temos decidiu que isso agora não interessa nada.
Parece que a Aliança Democrática, a coligação governamental, venceu e saiu reforçada das eleições de dia 18. Parece que conseguiu 31,79% dos votos e 91 deputados.
Parece que seria importante saber que vai agora fazer o novo governo da AD.
E o Chega? Parece ser importante o Chega. Parece que passou a ser a segunda força política, com 22,76% dos votos e 60 deputados, e que o seu líder é o líder da Oposição. Pareceria um bom tema informativo. Mas, tirando ofensas, remoques e gritos de «alerta, a democracia está em perigo», os media acham que não.
Qual é, então, segundo a nossa comunicação social, o grande tema do momento?
Ora essa, os derrotados, o PS, com um dos piores resultados de sempre – 22,83% de votos, 58 deputados e a perda do 2.º lugar. O grande tema, dizem os media, é o PS, fonte de fontes anónimas e avenças, sopro do ventrículo esquerdo do nosso coração, objecto do nosso acrisolado amor.
«Que esperar de José Luís Carneiro?», pergunta-se na pág.2 do Diário de Notícias na segunda-feira, 26?
Que esperar de Luís Montenegro, não seria melhor informação?
A culpa foi toda do Pedro Nuno Santos e de mais ninguém.
Não sabiam? A comunicação social diz que sim.
Não se julgue que PNS tinha um séquito, o apoio do partido em peso que nele votou, um grupo de apoiantes incondicionais. Não, não. Conforme explica o Público de sábado, 24 de maio, na manchete e nas páginas 4-5, o «Núcleo duro de Pedro Nuno Santos foi contra voto que fez cair Governo» (e trouxe a desgraça). Presenças e porta-vozes de PNS na imprensa, nas rádios e nas televisões, afinal nem Mariana Vieira da Silva, nem Ana Gomes, nem Pedro Delgado Alves, nem Carlos César, nem João Paulo Rebelo, aliás, nem ninguém o apoiou no chumbo da moção de confiança. E já antes o atacavam por causa do Orçamento de Estado.
Não sabiam? Num artigo de cinco páginas na Revista E do Expresso de dia 23, Ricardo Costa explica melhor como é que um «jovem líder encadeado» levou o PS «para o seu Alcácer Quibir» (sendo AD, Chega e Iniciativa Liberal os mouros, supõe-se), esse PS que «entronizou um líder que o eleitorado nunca viu como tendo qualidades para ser primeiro-ministro, acabando por ser arrastado para a sua muito pessoal vingança», levado por «vertigem e pulsões de morte» para uma «conjugação fatal».
Pois é, a culpa deve ser mesmo de PNS, toda ela. Porque se não fosse, Ricardo Costa decerto teria escrito sobre os governos do irmão e as consequências que tiveram para este resultado do PS. Mas se conseguiu o difícil exercício de não escrever sobre isso nem uma linha, é porque se calhar foi assim. Foi tudo culpa do PNS.
Será assim, e tudo isto é uma desgraça, mas não se preocupem, isto passa, diz a comunicação social. Que logo deita mãos à obra de «resgatar a esperança», como diz Ricardo Paes Mamede no Público de dia 26, sobretudo porque, obviamente, está «a democracia em perigo».
E lá vão jornais e televisões à uma na sua nobre missão de resgatar a democracia e o PS.
Ah, os «nomes experientes» que estas eleições nos fizeram perder, ah o talento que se foi! O Parlamento, diz o DN desta 6.ª feira 23, nas páginas 10 e 11, ficou sem Luís Graça, do PS (lembram-se?), sem Sérgio Ávila, do PS (lembram-se?), sem Maria Begonha, do PS (lembram-se?), sem Mara Lagriminha, do PS (lembram-se?). Perdemos até uma gémea Mortágua, a Joana (lembram-se?), e Isabel Pires, também do BE (lembram-se?).
No sábado, dia 24, o noticiário da RTP2 dá-nos José Luís Carneiro, depois Carlos César, depois PNS às portas da Convenção; e às 21 horas ouve detidamente Vitalino Canas (do PS) sobre «o partido mais fiável» (o PS), e sobre «o triunfalismo da direita», que parte dela é «revanchista». Segue-se uma entrevista com o autarca socialista de Campo Maior, que estranha ter sido o Chega a vencer ali.
A SIC abre o primeiro Jornal com a Convenção (do PS), após o que ouve Ascenso Simões (do PS) e Miguel Prata Roque (do PS), após o que anuncia uma peça sobre «As origens de José Luís Carneiro», a cargo provavelmente da secção de hagiografia.
No Domingo, 25, a CNN enche-se de brios, e às 22 horas oferece uma entrevista de 40 minutos com Augusto Santos Silva, cuja contribuição para o desastre socialista a estação julgará irrelevante. A CNN julga que os portugueses anseiam por beber as palavras de Santos Silva, o qual não se faz rogado e nos presenteia com opiniões sobre o que o próximo governo deve e não deve fazer.
No dia seguinte, a mesma CNN esmera-se e, num arroubo de originalidade, apresenta às 21 horas o programa «A Bússola», com José Luís Carneiro, que surge como «comentador da CNN», e no seu «comentário à situação política» diz que tenciona tornar o PS «o maior partido de Portugal», julgo que não como comentador.
Ainda que fosse na falta de decoro, a CNN acabara de ultrapassar a concorrência. O que terá levado o Público a dar no dia seguinte chamada de capa e página 10 ao mesmo Santos Silva que a CNN repescara.
Depois, por ser fatal que nestas manobras militantes surjam sempre uns minions com excesso de zelo e propensão para o desastre, houve um episódio cómico.
Na 3.ª feira, ao noticiar o encontro de Carneiro com fundadores do PS, uma voz off na RTP1 adiantara que o candidato a líder «revela que ainda não houve contactos com Luís Montenegro». Mas no mesmo dia, na CNN, a mesma notícia surge com o rodapé: «Carneiro revela não ter sido contactado por Montenegro» – o sonho de algum pobre escrevedor que imagina o primeiro-ministro eleito a contactar o líder por eleger do PS para pedir-lhe umas batatinhas.
(Algures, em dia incerto, ainda soubemos da eventual candidatura de Prata Roque à liderança do PS – humor ou fake news, uma das coisas, decerto).
E não há nuvens negras no horizonte?
Sim, há nuvens negras no horizonte da excitação da comunicação socialista, perdão, social.
Pedro Adão e Silva, que por vezes tolda intencionalmente as próprias aptidões intelectuais para melhor servir o seu PS, permite-se ser inteligente e diz-nos que José Luís Carneiro está de passagem. Assim: «Perdido num trauma pós-eleitoral, o PS decidiu que o melhor que tinha a fazer era evitar o confronto (…) e olhar para a frente como se nada tivesse acontecido», com «custos que tendem a revelar-se com o tempo». E «o PS tinha ganhado se tivesse uma disputa interna» e «o novo secretário-geral teria a força adicional de ter sido legitimado num processo aberto e competitivo» (Público, 28 de maio, última página).
E assim não tem.
Se a comunicação social fosse atenta, em vez de cega por parciais entusiasmos, ter-se-ia também perguntado por que razão Fernando Medina, depois de aguardar pacientemente o enterro de Pedro Nuno Santos, resolveu ainda e por agora abster-se em nome da «unidade partidária». Naturalmente, a comunicação social não se perguntou.
Se não podem ter tudo do PS todo para eles durante todo o tempo, então os media desejam ao menos e por agora um Bloco Central com o PS lá dentro.
Cuidado com o Chega, o Chega é fatal, dizem João Vieira Pereira e David Dinis na página 2 do Expresso de dia 23, nada de acordos, não vão por aí. E na página 6, o semanário põe as coisas mais por extenso ao titular «Navegar “pelo meio” e fazer fé no novo PS». Explica o texto que «na AD olha-se com expectativa para o PS, sendo José Luís Carneiro elogiado por Hugo Soares». E diz uma fonte – anónima, é claro – que, eleito José Luís Carneiro, o PSD acha que «mais depressa temos interlocutor». O artigo chega a ser comovente; lê-se como a confissão de um anseio profundo.
Estão a ver?! Era tudo culpa do PNS. Mal PNS saíu porta fora, é só moderados no PS.
O DN pensa exactamente o mesmo, e ninguém expõe melhor o sonho do que Bernardo Ivo Cruz, que na página 4 da edição de dia 26 se propõe «reconstruir o centro (…) num esforço urgente de reinvenção política», já não para salvar o país, apenas, mas «para salvar a Europa».
Acontece que, depois e mais uma vez, eis que vem o excesso de zelo borrar a pintura toda. «Duas das maiores agências de rating preferem Governo da AD com apoio do PS», diz a manchete do DN de quarta-feira, dia 28. «A Fitch e a Moody`s», lê-se na entrada, «sinalizam preferência pela manutenção dos acordos entre AD e PS que permitem, dizem, prosseguir a rota esperada de “políticas prudentes” e “redução da dívida”, excluindo o Chega da equação.» E acrescenta o DN que «o cenário de um Governo de minoria AD com “apoio implícito” do PS em pontos-chave da política económica e orçamental (…) é o preferido dos dois mais influentes avaliadores internacionais».
Há um pequeno pormenor: a notícia é falsa; resulta de mera interpretação abusiva. As duas maiores agências de rating não «preferem» coisa nenhuma, não há «cenário preferido» nenhum. A Fitch e a Moody`s não «sinalizam» porra alguma, com vossa licença. Limitam-se a analisar e a enunciar probabilidades.
A Fitch não «prefere o cenário de um Governo AD com “apoio implícito” do PS». No relatório «Portugal`s Election Outcome Should Not Interrupt Debt Reduction», de 27 de maio, a Fitch apenas considera que esse é o cenário «mais provável» visto que «a AD excluiu uma coligação com o Chega.» E não só a Fitch não prefere nem sinaliza o que o DN diz, como escreve no seu relatório que, seja como for, «a posição da AD como maior partido no parlamento sugere ser provável uma geral continuidade política sob a próxima administração, com foco sobre superavits orçamentais moderados».
O Chega conseguiu 67.826 votos e 1 deputado em 2019; 7,18% e 12 deputados em 2022; 18,07% e 50 deputados. No dia 18 de maio conseguiu 23% de votos, 60 deputados, e a liderança da Oposição.
Mas, diz a comunicação social, isso não pode ser.
Pacheco Pereira e a proverbial reductio ad deplorabilis: «Desesperança, solidão e ignorância» explicam o Chega, escreve ele no Público de dia 24.
É pior, diz o mesmo jornal no dia seguinte: foram «zanga, racismo e medo» que fizeram crescer o Chega em Sintra. E além disso, assegura o editorial na página 6, «é fácil de prever» que o Chega que se diz anti-sistema se vai envolver nas «contas de mercearia do aparelho de Estado».
O Chega é «o caos, a instabilidade permanente», diz Filipe Santos Costa, na CNN, 3.ª feira, 27, ao fim do dia. O Chega «sabe que tem que fazer mais e pior».
É «uma ameaça real para a democracia portuguesa» como a vertigem fascista dos anos 20 e 30, determina Manuel Loft no Público na 4.ª feira; é «uma agremiação de oportunistas sem escrúpulos». Havemos de esperar, remata ele citando Ugo Palheta, «ter pela frente um movimento neofascista triunfante»?
O que me sugere uma reflexão: de quem é afinal «o medo», de quem é a «zanga», de quem é «a raiva»? Do Chega ou destes defensores da democracia, herdeiros do comunismo torcionário e assassino, para quem milhão e meio de eleitores são um perigo intolerável, a eliminar se pudessem?
O Partido Comunista, o Bloco de Esquerda, o Livre, podem conseguir 10, ou 5, ou 1% dos votos, ou trocar entre si percentagens, agora sobes tu, agora desço eu, agora dá cá, agora toma lá. Pouco interessa. O que interessa é que contam com uma garantia: ainda que não cheguem a somar 10% das preferências do eleitorado, a comunicação social que temos, as televisões, as rádios, a imprensa, dedicar-lhes-ão teimosamente espaço e atenção desproporcionados e a todos os títulos injustificáveis. Bloco exige. PC inabalável. Livre garante. PAN quer. Os media têm até um berloque de esquerda novo, exótico e insular, que já chegou da Madeira.
Na sexta-feira, 23, o Público sugere uma união de esquerda para as autárquicas, uma ideia menos ambiciosa do que a daquela jornalista que defendia que se a esquerda tivesse ido unida às eleições tirava deputados a AD, IL e Chega [se os partidos fossem todos unidos, conquistavam 230 lugares, troçava adequadamente alguém].
No mesmo dia, o DN informa na pág.13 que Mariana Mortágua, com a força do seu novo grupo parlamentar de uma só, «denunciou alegadas intenções de PSD, Chega, Iniciativa Liberal de “atacar a democracia”».
No Expresso, no mesmo dia, Rui Tavares indigna-se por se falar de revisão constitucional, um tema de que não se falou na campanha – e faz por não se lembrar se na campanha de 2015 alguém falou da geringonça negociada nas sombras.
À noite, na RTP2, volta Mariana Mortágua, que discursa sobre o que ela chama «a extrema-direita e a direita extrema» (um desarrincanço, pensará), e lamenta «o discurso que impuseram ao país».
Vem depois Raimundo, segundo o qual «as eleições agravam a instabilidade».
E depois Inês Sousa Real, que diz mais alguma coisa olvidável.
«Resistimos e isso está-lhes atravessado», ri Raimundo na RTP, à hora do almoço de domingo. Após o que Mariana Mortágua anuncia que «uma ampla maioria» no seio do Bloco rejeitou a sua demissão. (Compreendo a dúvida, mas esclareço: Mortágua disse de facto que tinha «uma ampla maioria». Agora já podem rir.)
«A revisão constitucional é populismo» decide Real do PAN, logo a seguir. Era um argumento exótico, mas não tão extremado como o de Pedro Tadeu que nessa mesma semana, no DN, escrevia que o caminho para uma sociedade socialista não podia ser cortado da Constituição, não por falta de uma maioria, não por falta de consenso, não por razões ideológicas, mas porque lá fora inscrito em determinada fase da evolução pós 25 de Abril, e retirá-la seria falsear a história. Quando pensávamos que havia limites…
Findo o recato do fim-de-semana, o Público de 2.ª feira informa, tremendista e na última página, que o «PCP não se resigna e avisa: “Vamos para cima deles”». E mais informa o Público que o PCP informa que os que votaram na direita vão ser os primeiros a arrepender-se.
Depois há futebol e Ucrânia.
Não sabemos nada de Javier Milei, que não é de esquerda; não temos uma notícia da Argentina ou da sua governação. Nada, excepto uma foto no Público de dia 23, sob o título de «ZOOM ARGENTINA», sobre um «protesto semanal dos reformados contra as políticas de austeridade do Presidente Javier Milei, em Buenos Aires».
Não sabemos nada de Giorgia Meloni, que não é de esquerda; não sabemos nada da sua governação, não temos uma notícia de Itália. Nem uma, excepto que, como já há meses pensava o Expresso, ao fim de 2 anos de governo «aumento da repressão e salários mais baixos assustam italianos».
Não sabemos nada da Hungria, não sabemos nada de Viktor Orban. Nada, excepto que, lamentoso, o Diário de Notícias noticiava em abril que o «Parlamento húngaro aprova emenda constitucional em nova ofensiva contra LGBT+»
É pouco. É enviesado. É medíocre. É afinal desinformação. Mas, e Portugal? Mas, e o Governo de Luís Montenegro e da AD, acabado de sair reforçado das eleições, com a esquerda reduzida a uma curta fatia? Não seria um tema importante para os media – para imprensa, rádio e televisões?
Será que o putativo primeiro-ministro vai fazer uma remodelação governamental? Profunda ou de pormenor? Ficam todos os ministros ou alguns? E quais? Quais serão as primeiras e mais importantes medidas do novo governo? Retomará medidas cujo alcance foi forçado a encurtar para conseguir o apoio dos socialistas? Como será na saúde, mais PPPs, e que mudanças? Como será com a imigração? E a Defesa? E a habitação? E os transportes? E as pensões? E o investimento? E os impostos? E a TAP e a CP? E os serviços públicos? E a justiça?
Pareceriam temas importantes, mas, por inclinação ou preguiça, os media acham que não.
Por falta de fontes, ou por incompetência, ou por desinteresse, ou por enviesamento, os media acham que não, embora eu tenha a certeza e lamente que dentro de pouco tempo – como fizeram na campanha eleitoral, ao preocuparem-se apenas com questões de lana caprina, para depois lamentarem que a campanha tivesse tratado de lana caprina, apenas –, dentro de pouco tempo os mesmos media, televisões, rádios e jornais, virão desculpar-se da sua própria preguiça ou intenção, proclamando ou escrevendo que a culpa de não terem reparado no elefante se deve à AD e a Montenegro. Foram Montenegro e a AD, foram eles que «se remeteram ao silêncio», dirão.
O despudor é assim.
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