por Francisco Almeida Leite, em 29.11.06
O referendo ao aborto deverá ser marcado para dia 11 de Fevereiro. Mas aguardemos pelas declarações de Cavaco Silva, a partir das 20h, sobre o que fundamenta a sua decisão. Não será ainda desta vez, com toda a certeza, que o
Presidente da República dará algum sinal sobre o que são os seus princípios éticos, morais e também políticos na matéria. Cavaco Silva fará apenas o enquadramento jurídico-constitucional que o levou a decidir-se pela marcação da consulta. Nada mais. Arrancar uma palavra que seja ao Presidente sobre o assunto até Fevereiro será muito difícil, ou mesmo impossível. Apesar de todos sabermos que o PR foi associado a movimentos do "não" - a um em particular, onde militavam vários cavaquistas - no referendo de 1998. Agora é diferente. Cavaco está em Belém e a partir dali qualquer expressão fora do contexto irá colocar o principal e o primeiro órgão de Estado na luta referendária. O que certamente não se deseja. Mas os discursos, as intervenções, as aparições públicas serão analisadas à lupa, em busca de uma tirada, uma frase fora do contexto, nem que seja meramente indicativa. Cavaco Silva será, em certo sentido e em larga medida, um Presidente vigiado até ao dia 11 de Fevereiro, se a data se vier a confirmar.
O prazo é curto. Sobretudo para os defensores do "não", que, a avaliar pelos estudos de opinião, têm uma desvantagem a combater. Há o Natal, o Ano Novo, as festas, as idas para o estrangeiro, para a terrinha, há todo um alheamento que beneficia o "sim", mas que faz com que quem esteja do lado do "não" deva arregaçar as mangas desde já e partir para o terreno. Porque desta vez não há um PSD e um CDS/PP (sob as lideranças de Marcelo e de Portas) tão empenhados como em 1998. O PSD de Mendes irá partir-se ao meio entre o "sim" e o "não", enquanto José Ribeiro e Castro poderá ficar demasiado isolado na luta. Bem intencionado, irá para a rua quase sozinho, como presidente do CDS e como partidário dos movimentos do "não". Nenhum dos dirigentes do antigamente (muito menos Paulo Portas) irá com ele para o terreno, sob pena de estarem a ajudá-lo a ficar ao leme do partido. Na primeira consulta, Portas e Nobre Guedes criaram dezenas de pseudo-movimentos de cidadãos, todos com nomes diferentes, muitos
made in Largo do Caldas. Agora os cidadãos terão que valer por si. Nos blogues, nos jornais, em conferências, jantares e almoços. Nas ruas, enfim. Contra um secretário-geral do PS e primeiro-ministro muito empenhado no "sim" (em 1998 Guterres estava do lado oposto e não fazia campanha), contra metade do PSD, contra o PCP e o Bloco. Com a ausência dos notáveis do CDS. Mas com a Igreja, que, domingo a domingo, poderá ajudar a tentar fazer a diferença. Desta vez o jogo não é fácil.