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Equívocos

por henrique pereira dos santos, em 20.03.23

No mesmo dia em que o Observador tem um texto meu sobre a aplicação do Fundo Ambiental e a gestão da paisagem, o Jornal de Notícias faz uma manchete, que é replicada por toda a gente, sobre umas declarações de autarcas que protestam contra a possibilidade das pessoas serem impedidas de sair de casa por causa do risco de incêndio.

Confesso que não percebo a manchete do Jornal de Notícias, nem a surpresa dos senhores autarcas: aquilo a que se referem é apenas o resultado de uma política de gestão de fogo que esquece a realidade e acredita que o Estado é a fonte do poder de gerir o mundo, política essa que tem sido fortemente apoiada pelos senhores autarcas em geral.

O Estado português, em vez de aceitar que o fogo é um processo natural, filho do seu contexto, e que o actual padrão de fogo em Portugal resulta da falta de recursos necessários para a gestão da paisagem, decide fazer uma abordagem moral do problema, achando que os proprietários têm o dever moral de cuidar bem da sua propriedade (o que é verdade), ao ponto de terem obrigações de a gerir em função dos interesses de terceiros, mesmo que com isso se arruinem (o que já é mais que discutível).

Portanto o Estado português montou todo um edifício jurídico assente nessa moral, criando legislação atrás de legislação cujo objectivo, em teoria, é obrigar os proprietários a fazer o que o Estado (de que fazem parte os senhores autarcas), e grande parte da sociedade, acham que é o seu dever de gestão.

Na realidade, e isso pode ser visto de forma muito clara na tese de doutoramente de Tiago Oliveira, que hoje é o manda-chuva da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (de quem sou amigo, fica feita a declaração de interesses), a produção da tal legislação aumenta quando existem grande fogos, e diminui nos anos que correm mais ou menos, demonstrando que a legislação serve essencialmente para que os decisores passem a impressão de que estão a gerir o problema, sem ter de fazer o que realmente é difícil: gerir o problema.

Mas este modelo, assente em legislação que persegue os proprietários, em corpos de bombeiros que recebem milhões de euros dos contribuintes, apesar da gestão mais que opaca de muitas das organizações de bombeiros, e numa protecção civil onde se encaixam os náufragos da política, é o modelo que tem sido apoiado pela acefalia das redacções dos jornais e pela generalidade da sociedade.

Agora que a necessidade de ir sempre mais longe, de embarcar em fugas para a frente neste modelo de gestão do fogo assente em legislação cada vez mais absurda, sem qualquer avaliação de resultados séria, chega ao ponto de terem transformado uma carta técnica (fraquinha, já agora, e bastante inútil, mesmo para o fim a que se destinava) num instrumento normativo que dá resultados tontos, os senhores autarcas, em vez de pararem para pensar, acham que o que é preciso é alterar essa carta que, suspeito, nem sabem como é construída, nem para que serve.

Meus senhores, o resultado que agora vos assusta (mas não tem assustado nestes anos todos em que se tem vindo a caminhar neste sentido), não se resolve alterando documentos técnicos produzidos com fins definidos e abusivamente usados para fins normativos, isto resolve-se liquidando a generalidade da legislação sobre prevenção de incêndios, que é estúpida, inútil e nunca deu nenhum resultado relevante, por aquilo para que a informação relevante e séria aponta: o pagamento da gestão de combustíveis finos que permita aos proprietários gerir o que é deles de forma razoável e sustentável.

Jornalistas e lacaios

por José Mendonça da Cruz, em 19.03.23

Há anos, percorrendo de automóvel a estrada entre Florença e Siena, testemunhei com surpresa e, logo, bom humor o funcionamento de uma série interminável de radares de controlo de velocidade, cuja disposição se destinava a promover segurança, e não a caçar multas. Os radares estariam dispostos a uns 5 km entre si, cada um deles bem identificado, com novo aviso a distância imediata. Quem quisesse ultrapassar o limite de 120 km/h depressa constatava que essa condução aos arrancos era tão desconfortável como inútil, e passava a respeitar o limite, por ser a melhor opção. A isto poderá chamar-se prevenção, e esta preocupação de prevenir é um sinal de civilização.

Há, ao contrário, aqueles países onde o Estado não é pessoa de bem; não pretende prevenir, pretende sobretudo lucrar com os faltosos e os distraídos; deseja até que faltosos e distraídos reincidam para assim «arrecadar» mais.

Ontem, a Tvi emitiu uma reportagem -- uma reportagem jornalística -- sobre essa atitude dissimulada, ávida de saque do Estado português, que coloca sinais arbitrários de limite de velocidade em localizações absurdas para sorver mais euros aos incautos através de multas denunciadas por radares escondidos ou dissimulados. Os jornalistas da Tvi investigaram e informaram, ainda, que PSP e GNR são pressionadas para atingir objetivos de x milhões com multas, sob ameaça no caso de incumprirem. Foi o retrato de um Estado venal e inimigo, feito por jornalistas em missão de serviço público.

À mesma hora, na Sic, uma outra reportagem indignava-se com o atraso na entrega de radares, e proclamava que o atraso na sua instalação impedira o Estado de «arrecadar» -- era a palavra -- milhões de euros. Era o mesmo retrato (agora involuntário) de um Estado venal, inimigo e disfuncional nas boas como nas más coisas. Só que a redacção da Sic não pretendia que deixasse de o ser; apenas lamentava que uma questão de prazos tivesse impedido que o fosse mais.

Na estrada para Siena vi prevenção e civilização. Nas nossas vejo avidez e atraso. Na reportagem da Tvi vi jornalismo e serviço públivo. Na da Sic a expressão sombria das almas de lacaio.

Domingo

por João Távora, em 19.03.23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?». Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus. É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e ficou a ver. Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?». Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?». Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver». Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?». O homem respondeu: «Não sei». Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo e lhe tinha aberto os olhos. Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo». Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?». E havia desacordo entre eles. Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?». O homem respondeu: «É um profeta». Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que ele agora vê?». Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias. Por isso é que disseram: «Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador». Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo». Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?». O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?». Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é». O homem respondeu-lhes: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista. Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade. Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer». Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?». E expulsaram-no. Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?». Ele respondeu-Lhe: «Quem é, Senhor, para que eu acredite n'Ele?». Disse-lhe Jesus: «Já O viste: é quem está a falar contigo». O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor». Então Jesus disse: «Eu vim a este mundo para exercer um juízo: os que não vêem ficarão a ver; os que vêem ficarão cegos». Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe: «Nós também somos cegos?». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece».

Palavra da salvação.

O merendeiro

por João-Afonso Machado, em 18.03.23

Partiram de toda a parte, hoje de manhã, rumo a Lisboa em protesto contra o Governo. Dezenas e dezenas de autocarros, vai ser o maior escarcéu na Capital. A vida está cara...

E o Governo merece depois do seu sinuoso percurso entre a Geringonça e a maioria parlamentar. Há que desmascarar as suas mentiras.

Entretanto gostei de ver os preparativos. Os manifestantes, com ar descontraído, os farneis - o "merendeiro" diz-se por aqui - e um "adeus, até amanhã" porque o regresso não será decerto hoje.

Em uma das imagens televisivas, um belo leitão assado, modelo bairradino muito tostadinho no porão do autocarro, em berço rectangular de cartão. Repasto de nos fazer água na boca - oxalá o tapem e a poluição do combustivel não o mate mais do que ele já está morto... Seja como for, são estas e outras que começam a fazer-me simpatizar com os credos da CGTP. Qualquer dia também participo - a partir da Mealhada. 

Vão com Deus, estremeçam S. Bento e santuários políticos quejandos. Já agora, tragam numa bandeja a cabeça de Costa, expurguem-nos dessa parasitagem.

Ah! E por falar nisso, língua de Marcelo para esta mesa, fax'avor.

Ainda o Expresso e António Araújo

por henrique pereira dos santos, em 18.03.23

Por causa do meu post de ontem, sobre o afastamento de António Araújo do Expresso, alguém me lembra que António Araújo pode não ter sido afastado do Expresso, pode ter-se afastado.

Dito de outra maneira, o Expresso pode ter abordado António Araújo para se conversar sobre o que ele tinha escrito no seu blog pessoal, e António Araújo pode ter mandado o Expresso dar uma curva por não ter nada a conversar sobre o assunto, batendo com a porta.

Esta hipótese é perfeitamente plausível.

Só que não retira nem uma vírgula ao essencial: demonstrada, ou pelo menos bem fundamentada, a canalhice da jornalista, o Expresso prefere abordar António Araújo sobre a demonstração, ou pelo menos boa fundamentação da canalhice, em vez de aplicar tolerância zero ao abuso dos privilégios que os jornalistas têm (e bem) para escrever livremente.

Não é nada de estranhar: já Nicolau Santos tinha andado a promover o burlão António Baptista Silva por estar cego pela sua agenda política de crítica a Passos Coelho, para promoção da qual se esqueceu de aplicar princípios básicos de verificação dos factos inerentes à sua profissão, e não aconteceu nada, o Expresso continuou a considerá-lo apto para manter o seu lugar de director adjunto e é hoje presidente da agência LUSA, sem qualquer escândalo na profissão.

Não se pense que este é um problema do Expresso, estes são apenas exemplos de uma doença que corroi o jornalismo, penso que em todo o lado com diferentes graus, mas seguramente em Portugal, numa extensão profundíssima: um corporativismo que assenta na grande superioridade moral em que vive a generalidade do jornalismo (com honrosas excepções, evidentemente).

Os jornalistas (perdoem-me a generalização, que é muito injusta para as excepções) são os últimos operadores económicos que encaram as críticas ao seu desempenho profissional como ofensas pessoais (ainda há pouco tempo um director de um jornal deixou de me responder por eu lhe ter dito, em privado, que o seu jornal estava a espalhar desinformação em matéria de fogos), em vez de as encararem como um dos mais baratos e eficientes mecanismos de melhoria do seu desempenho.

Não por acaso, a generalidade dos operadores económicos gastam fortunas a procurar ouvir a opinião dos seus clientes, o jornalismo não, gasta tempo e recursos a condicionar as opiniões de terceiros sobre o seu trabalho, para evitar ser confrontado com situações como as que deram origem ao diferendo entre António Araújo e o Expresso.

É exactamente por admitir que foi António Araújo que bateu com a porta quando o quiserem condicionar nas suas opiniões que eu não fiz qualquer alusão ao papel dos restantes colaboradores do Expresso nesta história, por exemplo, estabelecendo um paralelismo com a forma como trabalhadores da BBC responderam à suspensão de Gary Lineker, porque o paralelismo me parece mais que forçado e os restantes colaboradores do Expresso não têm qualquer obrigação de solidariedade com António Araújo, sobretudo no caso de ter sido ele a bater com a porta.

Insisto, no entanto, é a tentativa do Expresso de condicionar a expressão de António Araújo sobre o conteúdo do jornal que conta.

Embora o resultado penalize o jornal, na medida em que perde um colaborador valioso, o facto é que tem um benefício enorme: ficam todos os outros avisados dos riscos de criticarem o jornal, mesmo fora das suas páginas.

Adenda: um leitor, com razão, chama-me a atenção para o facto de eu estar desactualizado. O embarretado Nicolau Santos já não está na Lusa, preside ao conselho  de administração da RTP

Estado da imprensa

por henrique pereira dos santos, em 17.03.23

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A história conta-se rapidamente.

Uma jornalista do Expresso faz uma peça sobre uma biografia de Fernando Pessoa de João Pedro George.

António Araújo, colaborador do Expresso e amigo de João Pedro George (e sobre o qual escrevi há tempos um post), não gostou e criticou, forte e feio, essa peça.

João Pedro George foi ainda mais longe, e para além de criticar a peça, foi muito claro a demonstrar a tendência para o plágio da jornalista em causa.

Na altura deste segundo texto, já António Araújo tinha deixado de colaborar com o Expresso, visto ter um entendimento diferente do jornal sobre o estatuto e deveres funcionais dos colaboradores.

Traduzido em miúdos, António Araújo entende ter o direito a criticar o jornal para defender um amigo que acha que tem razão, o jornal acha que o respeitinho é muito bonito e não quer colaboradores que critiquem o jornal nos termos em que António Araújo escolheu fazer.

Sobre esta história, que já tem semanas, há um quase silêncio.

Aparentemente, a generalidade das pessoas aceitam como normal o entendimento de liberdade de expressão do Expresso.

Acho que o Expresso tem o direito a ter os colaboradores e jornalistas que entender, e eu tenho o direito a não ter respeito nenhum por um jornal que dispensa pessoas como o António Araújo por delito de opinião.

Canal aberto

por João Távora, em 17.03.23

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Já tinha saudades de uma noite europeia assim: um jogo com gigantes, transmitido em canal aberto, um golo inolvidável para os anais da história, resolvido a nosso contento na emoção dos penáltis. Uma mistura explosiva em termos mediáticos que promove audiências retumbantes a fazer lembrar um apuramento da selecção no tempo em que só havia um canal e o espectáculo mágico entrava nas casas de toda a gente. Viam-no a família toda: o avô, a mãe e o bebé – não só os aficionados.

Por isso esta manhã, no café e no ginásio, nas ruas, lojas, escolas, fábricas, escritórios e nas paragens de autocarros, toda a gente falava do mesmo assunto: o extraordinário golo de Pote que dá a volta ao mundo, as defesas de Adan, e da exibição dos miúdos do Sporting contra o Arsenal. Nos cafés como nas redes sociais os sportinguistas são felicitados por toda a gente, nacionais e imigrantes, benfiquistas, portistas e agnósticos.

Os sportinguistas mereciam uma noite gloriosa assim. Os seus olhos brilhantes e sorriso discreto nesta manhã não disfarçavam a enorme alegria - notava-se bem. É a nossa mística, um consolo que nos conforta o coração.

Publicado originalmente aqui

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Dos mais destacados diplomatas que honraram Portugal, Franco Nogueira encima o Panteão dos Grandes. Com ele encerra-se o ciclo histórico que demarcou aquela elite conscienciosa do conceito de soberania e de independência nacional.
 
Educado no patriotismo republicano, onde efervescia a defesa das colónias como conditio sine qua non da manutenção da soberania portuguesa, não deixou de ser um filho do seu tempo. Não era desfasado o entendimento, quando o próprio Afonso Costa, da esquerda democrática, proferia nos anos 30 que "Portugal não é um país pequeno" - máxima que caracterizaria a política nacional no período de entre as duas Repúblicas.
 
A evolução do seu pensamento é determinante e coerente e não perde as premissas fundamentais. Onde alguns apresentam "paradoxos" ou "dúvidas" no percurso do Embaixador, pois diga-se que não existem, isso seria não compreender o pensamento mais amplo e profundo de um patriota português. Independentemente da forma de regime e das paixões ideológicas, Franco Nogueira posiciona-se acima das abstracções, interessado na realpolitik e na geopolítica atlântica com Portugal à cabeça, mesmo que isso signifique desafiar as grandes potências. É um patriota realista e um estratega da soberania nacional.
 
Nele não deixo de encontrar reflectida a silhueta de um homólogo, o 2.º Visconde de Santarém, também Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas este ao serviço de D. Miguel. Há um mesmo percurso na dedicação justa à causa nacional e ao serviço do Estado. Também uma mesma sina fatal de viver do lado dos vencidos, percorrendo um tempo de dúvidas e revoluções. Ambos exilados e ambos dedicados ao estudo em defesa da pátria, sempre levantando o bom nome de Portugal, ainda que a pátria os não merecesse (assim trata os filhos mais ilustres).
 
Franco Nogueira pertenceu à última grande geração dos diplomatas que lutaram pela independência e soberania desta terra.

Uma dor imensa

por João Távora, em 16.03.23

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Também eu estou cansado do tema dos abusos na Igreja Católica, o último sítio da terra onde estas perversões se admitiam que acontecessem. Já aqui o disse por diversas vezes: ao longo da vida como crente participei de diversas actividades e movimentos, conheci diferentes paróquias, onde tive a sorte de conhecer extraordinários padres e leigos anónimos, alguns dos quais vieram a revelar-se os meus maiores heróis, invulgares exemplos de vida e doação desapegada aos outros na forma de serviço e persistente oração (uma coisa não é possível sem a outra, garantem-me). Jamais detectei alguma coisa que me parecesse menos própria.

Antes de outra qualquer pertença, a Igreja Católica tornou-se o meu principal reduto. Nessa perspectiva eduquei os meus filhos, porque são a coisa mais importante da minha vida. Isso explica a dor imensa que sinto pelo mal que uns quantos tarados travestidos de cordeiros tenham infligido a pessoas vulneráveis, desde logo crianças. Tudo isto dificilmente me entra na cabeça, e sinto uma enorme vergonha alheia por esses energúmenos, a quem só Deus na sua infinita misericórdia terá capacidade de perdoar, se disso alguma vez se tenham arrependido e emendado. Acredito na Justiça Divina e no Inferno. Evidentemente que a cidade legitimamente exige outra.

Dito isto, não me conformo com o expectável aproveitamento que esta tragédia por estes dias permite a todos aqueles para quem a Igreja não tem qualquer significado ou dela alimentam ressentimentos insondáveis. Diga o que a Igreja disser, faça o que a Igreja fizer, por estes dias estamos reduzidos à chacota e ao descrédito, no mais despudorado desprezo pela realidade: a Igreja é incomensuravelmente maior em bondade do que os pecados de uns quantos traidores, uma diminuta minoria. Para piorar as coisas, muito por conta da sua organização horizontal e autoridade descentralizada numa rede de comunidades – uma fórmula intrinsecamente democrática (inclusiva) edificada ao longo de dois mil anos e que faz inveja ao poder político - jamais conseguirá produzir um discurso unânime, fechado. Não só porque o interlocutor de mediação, a Comunicação Social, nisso não esteja interessada, hipotecada que está na procura de escândalo – como se não bastasse um só caso de pedofilia no seu seio – que alimente as audiências ou satisfaça o secreto desejo de muitos dos seus actores da sua desautorização como ultimo baluarte do contrapoder ao niilismo materialista. Nada disto interessa à nossa imprensa que é espelho da descristianização vigente, vergada ao populismo e ditames da moda, por vocação e necessidade económica. Igreja jamais poderá capitular nesse campo: a família natural e fecunda é constituída por homem e mulher, a vida humana é sagrada da concepção até à morte natural. Aqui vem sendo surpreendente para mim o papel adoptado pelo Observador, projecto jornalístico que um dia nos pareceu reger-se por uma política editorial mais exigente e séria – que sentido fazem os comentários jocosos do Miguel Pinheiro e do Paulo Ferreira a respeito deste tema nas manhãs da rádio? O mesmo que convidarem a economista Susana Peralta a comentá-lo na rubrica da tarde “Directo ao Assunto” na mesma rádio. Uma enorme desilusão.

Mas nada disto disfarça a luta intestina que emerge do seio da Igreja Católica, provinda das suas franjas marginais, à esquerda e á direita (para usar designações simplistas), que em modo duma mal disfarçada guerra civil, se esquecem da prioridade que devia presidir as suas acções e discursos, o da salvação das almas pela unidade de todos os católicos em torno da mensagem redentora de Jesus Cristo. Compreende-se: é inevitável que toda a forma de Poder atraia lutas de poder, quer sejam vindas de fora quer sejam geradas por dentro. A Igreja tem uma longa experiência, fracturas e cicatrizes por conta desse deslumbramento mundano. Não é de surpreender que as reacções ao relatório da CI revelem o despertar ou o reeditar dessas lutas de influência sectária.

Bom seria que todos se unissem à volta do Papa Francisco, o chão comum em que devemos fincar os pés, porque as divisões internas são tão perniciosas quanto os inimigos externos. Por isso, atrevo-me a pedir encarecidamente aos protagonistas de um lado e do outro que poupem os fiéis a mais humilhações. O legado salvífico da igreja de Pedro é demasiado valioso para se conspurcar em guerras de passa culpas e acusações espúrias. A urgente purificação da Igreja não deve deixar ninguém de fora. Como nos revela esta reflexão de Adriano VI em 1523 *, ao tempo da cisão protestante:

“Nós reconhecemos livremente que Deus permitiu esta perseguição da Igreja por causa dos pecados dos homens, particularmente dos sacerdotes e prelados. A mão de Deus, de facto, não se retirou e ela pode salvar-nos. Mas o pecado separa-nos d’Ele e impede-O de salvar-nos.

Toda a Sagrada Escritura ensina-nos que os erros do povo têm a sua fonte nos erros do clero... Sabemos que, desde há muitos anos, também na Santa Sé foram cometidas muitas coisa abomináveis: tráfico de coisas sagradas e transgressões dos mandamentos em tal medida que tudo se tornou um escândalo. Não nos podemos espantar que a doença tenha descido da cabeça ao corpo, dos papas aos prelados. Todos nós, prelados e eclesiásticos, desviámo-nos do caminho da justiça. (...)

Cada um de nós deve honrar a Deus e humilhar-se perante Ele.
Cada um de nós deve examinar-se e ver em que pecado caiu.
E deve examinar-se muito mais severamente de quanto não o será por Deus no dia da Sua ira.
Consideramo-nos tanto mais comprometidos a fazê-lo porquanto o mundo inteiro tem sede de reforma”.

* Transcrição roubada ao meu querido amigo Pe. Pedro Quintela, daqui

Imagem: ruínas da Basílica Patriarcal de Dom João V depois do Terramoto

PS - A quem possa interessar, aconselho vivamente a leitura desta pequena entrevista a Felícia Cabrita, a  primeira jornalista a denunciar os casos de pedofilia na Casa Pia, em 2002. Ainda há gente com coragem.

A metáfora

por henrique pereira dos santos, em 16.03.23

Laborinho Lúcio:

"Nós organizámos a lista com os nomes justamente porque isso estava acertado com a própria Conferência Episcopal Portuguesa, que o que iríamos entregar eram alegados abusadores e entregaríamos no trabalho feito diretamente nas dioceses pelo Grupo de Investigação Histórica, a conexão factual entre aqueles nomes e esta lista. Evidentemente, quando na conferência de imprensa da CEP é dito “foi-nos entregue uma lista com nomes”, isto é verdade. Mas, enfim…

O que é que falta nessa verdade?
Mal comparado, o que falta é isto. Admitamos que convido um conjunto de pessoas para um casamento. E depois prometo: na véspera envio-vos a lista com o nome dos convidados. As pessoas não vão dizer “tenho aqui uma lista com nomes convidados, não sei para que é que isto serve”. Evidentemente, toda a gente sabe que aqueles convidados são para o casamento e as pessoas têm mais ou menos a ideia do que acontece num casamento. Ora, os senhores bispos tinham toda a informação sobre o casamento, o que lhes faltava era ter o conjunto exato dos nomes dos convidados."

Américo Aguiar:

"Vamos aos factos. Uma folha A4 com 24 nomes. Ponto. Se sabia, se não sabia, se tem dados, se podem ter acesso… Pode ser tudo. O que é que foi entregue à comissão diocesana de Lisboa, nas mãos do senhor patriarca, que recebeu no dia 3? Uma folha A4 com nomes.

...

Oito nomes foram identificados como sacerdotes falecidos, quatro nomes foram identificados como desconhecidos — portanto, até ao momento não conseguimos identificar, podem ter sido sacerdotes, podem ter sido leigos. Depois, há quatro ou cinco casos que são os já conhecidos, trabalhados e mediatizados, há um leigo — concluímos que é um leigo, que tem um petit nom. Tenho dado o exemplo de “Toy”, de brinquedo ou do cantor, mas não é o que está lá, é um petit nom desse género, que pode ser qualquer pessoa, de qualquer circunstância. E, depois, temos os tais sacerdotes…

Os cinco.
Os cinco ou seis, sobre os quais, naquilo que é o arquivo histórico, naquilo que é o conhecimento direto mais recente da vida no patriarcado, não há qualquer indicação de que tenha havido, de que possa haver, de que houve ou que não houve."

Alguém está a mentir aqui e, na opinião de Paulo Ferreira, no Observador, tem de ser o bispo porque entre Laborinho Lúcio e um bispo, por definição, ele acredita em Laborinho Lúcio.

Eu estranho que um jornalista use este critério para perceber quem está a mentir e, pessoalmente, uso outro, prefiro olhar para os factos.

Ora o que acontece é que Laborinho Lúcio reconhece que o que foi entregue apenas uma lista, mas diz que essa não é toda a verdade. E quando lhe perguntam qual é a parte que não é verdade, em vez de responder objectivamente, faz uma metáfora.

Qual é o problema dessa metáfora?

É que não corresponde aos factos que ele próprio reconhece como verdadeiros: a comissão independente anunciou uma lista de convidados para o casamento, mas entregou uma lista que inclui convidados e fornecedores, deixando a quem recebe a lista o trabalho de ir consultar o planeamento do casamento para saber quais são os convidados, para se poder organizar as boleias entre eles.

E, nesse momento, quando os que recebem a lista dizem que têm uma lista de nomes que os vai obrigar a ter mais informação para saber como podem organizar as boleias, Laborinho Lúcio vem dizer que não estão a dizer bem a verdade porque todos têm o planeamento do casamento, onde podem procurar a informação de que precisam.

O facto é que, se alguém mente aqui (eu acho que não é bem mentir, por uma razão que me escapa a comissão independente lida muito mal com a pressão da opinião pública e tem medo de ser acusada de estar a fazer o jogo da igreja, pelo que alguns dos seus membros se desdobram em declarações, completamente escusadas, que lhes permitam aparecer publicamente como os justiceiros que não fazem cedências na defesa das vítimas, ou melhor, destas vítimas, porque sobre as vítimas dos mais de 95% de crimes, que não ocorrem na igreja, demonstram bastante indiferença e não se escandalizam quando o membro do governo que tutela o desporto diz que não existem dados para avaliar abusos no desporto, assédio sim, mas abusos não, uma excepcionalidade portuguesa que se escusa de fundamentar, claro), é mesmo Laborinho Lúcio, porque é aquele que se recusa a descrever os factos tal como eles são, usando a sua brilhante oratória para passar a ideia que quer, mesmo quando aparentemente está a dizer outra coisa e a ser muito objectivo.

O que me deixa baralhado nisto é o facto destes membros da comissão independente terem tanta necessidade de estar sempre a procurar demonstrar que a hierarquia da igreja não está a fazer o que pode para responder ao problema, mas provavelmente é um mistério que nunca verei esclarecido, como o mistério desta comissão propor a revisão do segredo da confissão, questão que não se percebe qual seja a relação com o abuso sexual de menores.

Pedro Strecht já demonstrou, na Casa Pia, que quando as coisas não garantem a defesa das vítimas, bate com a porta.

Neste caso, não bateu com a porta.

Assim sendo, de que se queixam estes membros da comissão independente?

Contraditório, um depoimento

por João Távora, em 15.03.23

"Dentro da Igreja, há quem dissimule não ter poder nenhum. Excepto — repito — o de publicar nos grandes jornais e possuir jornais online, e ser aqui e ali convidado para a Corte. Ou melhor, para a TV. São quem domina a agenda eclesial. Simulam, também, docilidade ao Evangelho quando o que se ouve é apenas mundo e tudo o que o mundo projecta sobre a Igreja. Reconhecem-se nesses que têm que começar os seus discursos com actos de fé “eu que, aliás, sou católico...”. Lançam-se no típico discurso dos escribas: encontrar a salvação, não na ignominia da Cruz, mas na adesão cidadã à opinião dos Príncipes.

1 200 milhões de euros

por henrique pereira dos santos, em 15.03.23

Regularmente, seguramente pelo menos uma vez por ano, comento a aplicação do dinheiro do Fundo Ambiental.

Hoje é um bom dia para isso porque foi publicado, ontem ou hoje, o Despacho nº 3355-A/2023, do Ministro do Ambiente e Acção Climática, que aprova o orçamento do dito Fundo Ambiental.

Receitas por volta dos 1200 milhões de euros decididos por despacho de um Ministro, e este é o meu primeiro comentário: 1200 milhões de euros decididos por despacho de um Ministro.

Ficamos a saber que metade dessas receitas provêem do comércio europeu de licenças de emissão de carbono, o que significa que pelo menos 300 milhões destas receitas terão de reverter para acções climáticas.

No caso português, 60% (360 milhões) dessas receitas dizem respeito ao apoio a energias renováveis, isto é, a financiar a diferença de custo de produção dessas energias.

Esse é o meu segundo comentário: o Estado português prefere subsidiar a promoção de energias renováveis a apoiar a eficiência energética.

A aplicação das receitas deste fundo são em mais de 700 milhões de euros para apoio a projectos nos sectores da água, energia e transportes, quase duzentos milhões nos projectos definidos neste despacho (ver abaixo), outros quase 200 milhões em compromissos de anos anteriores, e sobram cerca de 100 milhões, dos quais 34 milhões aplicados em candidaturas abertas (ver abaixo).

Este é o meu terceiro comentário, a conservação da natureza (ver abaixo) e a gestão florestal (ver abaixo), nem aparecem autonomamente.

Escuso-me a fazer a descrição do que são os projectos previstos neste despacho, no essencial, são financiamento do Estado com as mais delirantes justificações.

Estão lá dois milhões e meio para projectos de conservação da natureza não especificados, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, porque na opinião do Estado português, quem faz conservação da natureza é o organismo do Estado que tutela o sector, e não os gestores do território.

E mais uns quantos milhões de transferências para o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas sob as mais diversas capas (ora é para a co-gestão, ora é para os projectos de co-gestão, enfim, qualquer coisa que uma imaginação fértil queira chamar a um mero financiamento do Estado por fundos autónomos).

E depois há uns quantos beneficiários, cuja razão para ali estarem não se entende, sejam o estudo do património natural costeiro dos concelhos de Sintra, Cascais e Mafra (porquê estes?), ou a mata do Bussaco (porquê esta?) e meio milhão para comemorar os 100 anos de Serralves (porque não?).

Como habitualmente há 600 mil (costumava ser meio milhão) para financiar festivais sob a capa de umas acções de esverdeamento daquilo, projectos de apoio ao pastoreio têm meio milhão, mas não se pense que é para apoiar pastores, os beneficiários são, por esta ordem, autarquias, associações e organizações com intervenção no território, entidades gestoras de baldios, e coisas que tais, agora pagar 100 por hectare a cada três anos a pastores que façam pastoreio, isso é que nem pensar.

Francamente, isto deprime-me, mas deprime-me muito mais que, ano após ano, esta bandalheira, este absurdo, esta dissipação do erário público continue a não suscitar mais que ligeiros murmúrios, como este que aqui deixo e, mesmo assim, de pouco mais de meia dúzia de pessoas.

Nem a Iniciativa Liberal, nas as ONGA, nem os artistas da rádio tv disco e cassette pirata mexam um dedo para pedir responsabilidades políticas por este despautério.

Lembram-se de Passos Coelho?

por henrique pereira dos santos, em 15.03.23

Durante anos, Passos Coelho poderia dizer ou fazer o que quisesse que era sempre trucidado nos jornais e na opinião publicada, seja atribuindo-lhe frases que nunca se provaram que foram ditas (como a célebre história do Diabo), seja comentando o facto de ir ao um espectáculo depois de tomar uma decisão difícil e com implicações na vida das pessoas como a da TSU (compare-se com o pianinho, pianinho com que foi tratada a questão das férias de Costa na altura do incêndio de Pedrogão), etc., etc., etc..

A mais vulgar das técnicas era dizer que comunicava mal, e demonstrava-se deturpando o que dizia (seja a história da emigração, seja a história do piegas, etc.).

Passos Coelho, apesar disso tudo ganhou as eleições de 2015, depois de aplicar um duríssimo programa de reequilíbrio financeiro, negociado pelo PS, com um enorme sucesso, mas mesmo assim conseguiram atribuir-lhe as culpas por as reuniões com o PS para a formação de um governo não darem em nada (quando era evidente que o PS não estava interessado em que dessem alguma coisa, porque estava a tratar de formalizar a geringonça).

A história da discussão dos abusos sexuais de menores na igreja segue o mesmo padrão: os membros da comissão independente podem dizer o que quiserem, que estão sempre certos e o relatório não é passível de crítica, a hierarquia da igreja pode dizer o que quiser que dir-se-á sempre que comunica mal, que toma decisões incompreensíveis e que não está a fazer nada para alterar coisa nenhuma. E, coisa que alguns consideram gravíssimo, não fala a uma só voz (a diversidade só é virtude nalgumas coisas, pelos vistos).

Um bom exemplo é a acusação recente, feita por Laborinho Lúcio, de que a hierarquia da igreja criou um facto com a lista de (escrever o que der jeito em cada momento) que foi entregue por essa comissão aos bispos, com o objectivo de evitar a discussão do relatório da comissão.

De acordo com Laborinho Lúcio:

"Esta lista não era para ter só os nomes de pessoas que estão no ativo? Inicialmente, foi essa a nossa perspetiva. É interessante verificar e começar por dizer isto: esta lista de alegados abusadores foi sempre referida, nomeadamente nas conferências de imprensa que fomos fazendo ao longo do ano, como sendo uma lista que nós enviaríamos, nomeadamente à CEP, que foi onde ela acabou depois por criar algumas dificuldades. Inicialmente, a nossa ideia era essa. Mas, no dia em que a entregámos, no dia 3 de março, à Conferência Episcopal, tivemos o cuidado de dizer que não era uma lista de alegados abusadores no ativo, mas era uma lista de alegados abusadores. E que, portanto, iria integrar também aqueles que já teriam falecido. E a razão é muito simples, e foi justamente essa razão que nos levou a alargar a lista para lá daqueles que estavam efetivamente no ativo. É que o facto de esses alegados abusadores já terem desaparecido conduz, evidentemente, à impossibilidade de os perseguir criminalmente ou disciplinarmente, mas não retira a possibilidade de procurar atingir a responsabilidade que a Igreja tenha em matéria de indemnização às vítimas, por exemplo."

" nós não podíamos tirar da lista aqueles que já tivessem desaparecido por morte, porque isso anularia a possibilidade de fazer as averiguações necessárias para definir os atos que eventualmente tivessem praticado e, a partir disso, poder indemnizar as vítimas".

"O caso específico de alguns que, entretanto, não são identificados ou de outros que até já tivessem tido processos, desses não tínhamos necessariamente essa informação para nós. E, como não tínhamos, não podíamos estar a adivinhar quem é que estava nessa posição. ".

"Sim, é maior do que se previa, embora nós não tivéssemos a previsão exata quantificada. Mas é maior, uma vez que nós tínhamos previsto enviar apenas aqueles que estavam no ativo e, depois, enviámos independentemente de estarem no ativo ou não."

"Os factos que constavam eram, pelo menos, a identificação da pessoa, os abusos sexuais que tinha praticado, o lugar onde eles tinham acontecido e o ano em que eles tinham ocorrido. Pelo menos estes factos estavam transmitidos e foram conhecidos de todos os senhores bispos ou dos representantes que eles próprios indicaram."

"Isto não significa que todos os testemunhos são verdadeiros, como é evidente, mas significa que há uma enorme, uma imensa probabilidade de verdade em todos eles. Isto, ligado à indicação daqueles factos que referi — e depois há a disponibilidade que a comissão tem de poder indicar mais um ou outro facto, desde que não ponha em causa o segredo quanto à identidade da vítima, porque isso é um compromisso nosso desde o início. Portanto, neste momento, em todos os lugares podia haver a adoção de medidas preventivas."

"bem podia ter acontecido que os senhores bispos, junto dos alegados abusadores, os tivessem levado a aceitar com naturalidade que eles próprios pedissem o seu afastamento enquanto o processo estivesse a decorrer. Não porque isso signifique qualquer antecipação do juízo de culpa, não porque se esteja a dizer que aqui está comprovado que foram eles que praticaram estes atos, mas apenas porque eles próprios diriam: o que está em causa é gravíssimo em função daquilo que é o prestígio da própria Igreja, eu sou um membro da Igreja, se é uma denúncia relativamente a mim estejam à vontade para me afastar de funções enquanto estiver sujeito a esta suspeita. E vamos avançar rapidamente com os respetivos processos. Nem isto se fez, nem os próprios senhores bispos tomaram a iniciativa, na maioria dos casos, de avançar nesse sentido, o que está a criar, evidentemente um imenso ruído à volta disto e a permitir — e isso é o menos agradável — que se comecem a firmar posições antagónicas, que se opõem umas às outras e que não vão levar, claramente, a nenhuma solução."

"Nós organizámos a lista com os nomes justamente porque isso estava acertado com a própria Conferência Episcopal Portuguesa, que o que iríamos entregar eram alegados abusadores e entregaríamos no trabalho feito diretamente nas dioceses pelo Grupo de Investigação Histórica, a conexão factual entre aqueles nomes e esta lista. Evidentemente, quando na conferência de imprensa da CEP é dito “foi-nos entregue uma lista com nomes”, isto é verdade. Mas, enfim…"

"O que é importante é isto, e é isto que eu julgo que nós temos de destrinçar: uma coisa é deixar claro que a lista que foi entregue aos senhores bispos era uma lista acordada, que foi esclarecida quando foi entregue. Relativamente a essa lista, há um conjunto de factos com ela cruzados que permitem que, a partir dela, e a partir da credibilidade dos testemunhos, se possam adotar ações de natureza preventiva."

Poderia continuar a citar a longa entrevista, mas o essencial é claríssimo: a comissão indepentende tinha uma ideia inicial de fazer um tipo de lista - a de acusados no activo - e depois decidiu fazer outra, a de acusados.

Nada contra, mas entre uma coisa e outra, parece-me claro que isso obriga a um trabalho posterior sobre a lista, no sentido de caracterizar melhor as situações, e foi que os bispos disseram que iam fazer (eu não entendo por que razão, havendo pelo menos a informação sobre nome, tipo de abusos, local e ano, não foi entregue uma tabela com essa informação, em vez de uma lista, mas eu estou perfeitamente disponível para aceitar que a comissão fez o melhor que lhe era possível).

Como uma boa parte das pessoas estavam à espera da lista que tinha sido anunciada inicialmente, e como os membros da comissão deixaram crescer a ideia de que os bispos poderiam actuar imediatamente a partir de uma lista que na verdade não foi preparada para isso (a informação estará no relatório, diz a comissão, mas exige que a lista seja confrontada com o relatório, como é evidente), gerou-se um sururu sobre o arrastar de pés dos bispos (em menos de quinze dias boa parte das dioceses tomaram decisões e faltam algumas que acharam que precisavam de mais informação, como aliás Laborinho Lúcio reconhece na entrevista que é possível que assim seja "Relativamente a essa lista, há um conjunto de factos com ela cruzados que permitem que, a partir dela, e a partir da credibilidade dos testemunhos, se possam adotar ações de natureza preventiva").

Pretender que a ambiguidade de vários membros da comissão em relação a essa lista e ao que ela seria não existe e que os bispos quiseram inventar factos para evitar discutir o relatório é simplesmente complicar o que o é simples: em processos complexos é normal que haja hesitações, contradições, problemas e o que interessa é perceber como se faz o processo andar para onde será mais útil.

Só que isso pressupõe duas coisas: admitir que o trabalho da comissão não é perfeito e muito menos os membros da comissão que se pronunciam publicamente sobre o assunto, e que os bispos não são uma máfia que pretende rebentar com todo o processo, através de manobras florentinas.

Isso, admitir essa coisa simples de que a generalidade das pessoas estão de boa fé mas que o processo é complexo e com problemas inerentemente não lineares, não só parece ser uma posição ultra-minoritária, como é frequentemente qualificada como sendo uma defesa da igreja ou, pior, dos acusados de pedofilia, o que evidentemente impede qualquer debate civilizado sobre o assunto.

Resumindo, a racionalidade neste tipo de discussões é um bem escasso, que o diga Passos Coelho.

 

Lucros excessivos e outras fantasias

por henrique pereira dos santos, em 14.03.23

Este post responde a um extenso comentário ao meu post sobre a melancólica degradação institucional em que vamos deslizando sem esperança.

"- Os lucros das empresas nunca são excessivos, são apenas o merecido retorno do seu árduo trabalho..."

Neste primeiro comentário, que pretende resumir o que digo no tal post, há duas ideias sem qualquer relação uma com a outra e que passo a tentar esclarecer.

É verdade de que não faço a menor ideia do que sejam lucros excessivos e penso que ninguém sabe, o que me parece natural visto que não existem. Pode haver lucros legítimos ou ilegítimos, legais ou ilegais, e outras coisas que tais, mas excessivos não sei o que sejam e penso que não existem.

Só que isso não tem qualquer relação com merecidos retornos de árduo trabalho, que é uma coisa muito diferente. Os lucros podem resultar de sorte ou azar, sem qualquer relação com o mérito de gestão de uma empresa (por exemplo, posso ser o melhor fabricante de luvas, se as pessoas deixarem de usar luvas por razões sobre as quais não tenho a menor responsabilidade, os meus lucros potenciais quase desaparecem, o inverso sucedendo se de repente toda a gente começar a usar luvas outra vez), podem resultar de condições de mercado pontuais, por exemplo, se eu vender ouro posso fazer uma fortuna se de repente começar uma guerra ou falir um banco, desde que tenha um stock relevante, etc..

Portanto, primeiro ponto, não embarco em visões moralistas de lucro, limito-me a dizer que em mercados razoavelmente abertos, com muitos concorrentes, é muito difícil que os lucros se possam aguentar muito tempo só em função de preços que não reflectem essas condições de mercado.

"Porque não se fala dos mais variados expedientes, lícitos e ilícitos, encontrados por essas empresas para "fugir" ao pagamento de impostos e defraudar o erário público"

Porque não sou especialista em fiscalidade, mas expedientes lícitos não são fugas aos impostos. Já quanto aos ilícitos, a administração pública que demonstre a sua existência e actue. Partir do pressuposto de que as empresas, em especial as grandes empresas, fogem aos impostos e que isso é a base relevante em que assentam os seus lucros, é um processo de intenções que não faço e não faço porque acho inútil e, na verdade, bastante pouco razoável.

Em qualquer caso, fugir aos impostos não é defraudar o erário público, defraudar o erário público é meter três mil milhões de euros na TAP, de dinheiro dos contribuintes, sem qualquer contrapartida de valor social, ou acabar com as PPP da saúde, pagando mais para ter serviços piores e outras coisas que tais. 

"forma escandalosa e absolutamente injusta para todos os cidadãos a quem são cobrados impostos, sem qualquer possibilidade de "fuga" ou de encobrimento de lucros?"

Mais uma vez, uma afirmação sem qualquer base factual: a lista dos dez maiores pagadores de impostos em Portugal inclui, regularmente, as maiores empresas de distribuição, como a Jerónimo Martins e a SONAE.

"- Os Serviços Públicos, onde trabalham uns putativos "malandros", que pouco fazem, deveriam ter um horário de trabalho semanal para além do estipulado legalmente e deveriam abdicar de ter vida própria, em prol dos restantes cidadãos... E, já agora, esses putativos "malandros" costumam pagar todos os impostos devidos e não têm a possibilidade de "fugir" ao Fisco, mas isso, como alguém diria, "também não interessa nada"...".

Não me lembro de ter discutido qual o horário ideal para a função pública, mas seguramente nunca defendi horários de trabalho para lá do estipulado legalmente. De resto, lembro-me de há muitos anos ter escrito sobre os meus próprios horários de trabalho.

"Recomenda-se uma análise séria e honesta, por exemplo, aos Sectores da Saúde e da Educação, onde praticamente todos são mal pagos e trabalham, muitas vezes, abnegadamente, em prol de um verdadeiro serviço público...".

É o que tenho procurado fazer, demonstrando que é inaceitável que se defenda o que está a acontecer nos serviços públicos em Portugal, em que crescentemente há uma educação para quem pode pagar e outra, pior, para quem não pode pagar, uma saúde para quem pode pagar, e outra para quem não pode pagar, sendo os trabalhadores do sector público, em especial os mais diferenciados, uma das principais vítimas do desvario e degradação a que se assiste todos os dias.

E, francamente, não consigo entender como raio é que há quem defenda que a defesa de melhores condições de vida para os trabalhadores da função pública se conseguem obter através da perseguição das melhores, mais eficientes e mais lucrativas empresas portuguesas, perseguição essa que tem que se justifica estritamente com a obtenção de ganhos políticos de curto prazo por parte de quem usa o poder do Estado para as determinar.

Não entendo mesmo.

Não é o supermercado, são os boys

por José Mendonça da Cruz, em 13.03.23

Fez-se luz. Afinal o ataque aos supermercados não é um ataque às empresas, nem uma espada contra «o grande capital», nem uma maneira de distrair da incapacidade governativa. É mais simples, é até comovedoramente simples: é o pretexto para a criação de um Observatório dos Preços, ou seja, mais um  cargo de presidente, cinco cargos de vice, 25 cargos de assessores, 50 secretárias, 30 motoristas e o pessoal que der jeito contratar para observar. Nós a criticar e, afinal, o socialismo é tão transparente.

A pedido da Rosa

por henrique pereira dos santos, em 13.03.23

No Domingo, 12 de Março, o Público tinha umas quantas páginas sobre o facto dos apoios às raças autóctones, que existe há trinta anos, não parecer estar a dar o resultado esperado (impedir o desaparecimento dessas raças).

A Rosa Pomar, cuja retrosaria e trabalho com a lã podem conhecer aqui, republicou essa reportagem, e uma pessoa fez, sobre ela (a reportagem, não a Rosa), o seguinte comentário:

"Infelizmente o amor á camisola não chega. Precisamos de outras mentalidades. Desde o governante ao criador de gado passando pelo consumidor. É preciso outra visão do que temos. Mais do que olhar para estes animais como peças museológicas é preciso ver as qualidades que têm e fazer-se melhoramento nos pontos menos produtivos, mesmo que isso implique cruzamento com outras raças.
Os subsídios são uma ajuda, mas pouco mais têm feito que criar dependência.
Também precisamos mais gente como a Rosa Pomar que promove e valoriza as nossas raças e os nossos produtos. Precisamos que as associações que gerem os livros genealógicos abracem e criem este tipo de projectos em vez de fazerem apenas o mínimo obrigatório.
Enquanto criador de Churras Mondegueiras sinto a falta disto tudo e estou cada vez mais cansado deste romantismo em volta do autóctone. E a ideia de mudar para outras coisas mais rentáveis é cada vez uma hipótese a considerar.
Obrigado Rosa Pomar e desculpe este desabafo".

A Rosa disse que gostava de saber a minha opinião sobre isto e como eu também fiquei com curiosidade para saber o que eu pensava sobre o assunto, resolvi escrever este post.

Comecemos pelo princípio e pela maior divergência entre o que eu penso e o que se lê na dita reportagem e neste comentário: tradicionalmente, a principal função dos rebanhos de pequenos ruminantes, penso eu, não é a produção directa de bens (seja lã, carne ou leite), mas a função coproiética, traduzindo, o transporte e acumulação de nutrientes, sob a forma de estrumes, a partir das terras pobres para junto das terras de pão.

E foi para cumprir esta função que as raças foram sendo apuradas, portanto, as raças tradicionais têm milhares de anos de apuramento das raças no sentido de os animais morrerem pouco naquelas condições, ter menos doenças e servirem bem para aproveitar melhor os pastos da envolvente da exploração na sua função de canalizar fertilidade para os campos agrícolas.

Uma vez desfeita a necessidade de gerir a fertilidade através do pastoreio, visto que passámos a produzir adubos em fábricas desde a generalização da síntese da amónia, o pastoreio entra em declínio, passando a depender da remuneração da produção directa de bens (lã, carne, leite e afins).

Tendo sido as nossas raças apuradas para se aguentar em pastagens pobres, naturalmente estão em desvantagem em relação às raças que foram sendo apuradas para optimizar a produção de um bem específico, nos locais onde havia melhores condições para isso.

Aqui chegados, a pergunta central (finalmente entro na questão levantada) é a de saber qual é o problema das raças desaparecerem e por que razão deverão os contribuintes pagar a sua manutenção, mesmo que seja deficitária (ou melhor, mesmo que tenham um custo de oportunidade muito alto porque com o mesmo investimento noutras raças, se pode produzir coisas de forma muito mais rentável).

Há uma razão que não vou fundamentar aqui pormenorizadamente, mas que posso tentar explicar brevemente: cada uma destas raças tem um património genético que não sabemos se não nos será útil no futuro (por exemplo, a resistência a uma doença que apareça e se espalhe pelas ovelhas do mundo).

Nesse sentido, por uma questão de diversidade genética, faz sentido manter esse património que hoje existe, mas para isso não é preciso que haja grandes rebanhos, basta tratar essas espécies como peças de museu e fazer-lhes o que se faz nos bancos de germoplasma, manter uma capacidade reprodutiva que possa ser rapidamente expandida em qualquer altura.

No dia em que começamos a melhorar esse património genético para que sirva objectivos diferentes daqueles que o moldaram durante séculos, estaremos a criar novo património genético à custa da perda do património genético anterior.

Nada contra (ou a favor), estou apenas a caracterizar o problema de querer, ao mesmo tempo, conservar os elementos e os processos evolutivos, uma impossibilidade de facto.

Questão muito diferente é a do pagamento dos serviços de ecossistema proporcionados pelo pastoreio: se quisermos optimizar a produção de leite de ovelha, faz sentido procurar as melhores ovelhas produtoras de leite e as técnicas que optimizam essa produção, desde as que dizem respeito à alimentação, às que dizem respeito ao maneio, como a estabulação.

Isso far-se-á à custa das alterações de características do produto final (os queijos ou a lã produzidos assim não são os mesmos que produzidos assado), uma questão que cabe ao mercado resolver (comprei ontem um frasquinho de figos pingo de mel em calda por mais de doze euros, Casa das Rendufas, para quem queira saber, porque gosto, porque a minha madrinha já morreu e a minha tia e irmã que os fazem produzem quantidades pequenas para muitos interessados e, ainda, porque acho que é bom financiar produções alternativas que garantam diversidade paisagística).

E far-se-á à custa de uma alteração dos instrumentos de gestão da paisagem que tem efeitos sociais bastante negativos, razão pela qual faz sentido que os contribuintes se substituam aos mercados no pagamento desses serviços de ecossistema que são dificilmente apreensíveis no mercado.

Resumindo, para responder à Rosa, e esperando ter clarificado para mim a minha opinião, as partes museológicas da conservação do património devem ser tratadas como tal, é preciso optimizar o mercado potencial para o financiamento de produtores que desalinham em relação à produção dominante e teremos muito a ganhar se a sociedade pagar directamente aos produtores alguns serviços de ecossistema em que o pastoreio é muito competitivo e interessante (também porque ajuda à regeneração de solos depauperados, porque ajuda à gestão do fogo, porque ajuda à conservação do património botânico, porque ajuda à diversidade paisagística e social, etc.), aumentando a escolha potencial dos diferentes produtores, no momento das decisões de investimento.

Amanhã alguém me pode convencer a ter uma opinião diferente, que esta é pouco sedimentada.

Jacobino, não sei, mas primário...

por henrique pereira dos santos, em 12.03.23

Fizeram-me chegar o artigo de Luis Aguiar-Conraria, no Expresso.

Conheço o Luis, não pessoalmente, peço-lhe ajuda frequentemente em questões económicas, gosto do bom senso, informação sólida verificável e equilíbrio com que fala de muitos assuntos.

Por isso nem duvido que tenha avaliado cuidadosamente as razões pelas quais diz que as leis do trabalho não se aplicam à igreja católica, que o levam a concluir que: "Como é evidente, se uma empresa (em especial, uma grande empresa) fizesse uma segregação sexual tão rígida como a Igreja faz, impedindo as mulheres de exercerem uma série de funções e de chegarem às posições mais importantes da hierarquia, seria escandaloso. Inconstitucional, na verdade, e com toda a certeza seria condenada em tribunal de trabalho."

O Luís não citou o artigo da constituição em que baseia a sua convicção sobre a inconstitucionalidade evidente em que vive a igreja católica, mas suponho que seja o artigo 4º da constituição "2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.".

Daí a minha estupefacção pelo facto do Luís se rebelar apenas contra discriminação baseada no sexo, quando a discriminação baseada na religião é muitíssimo maior e mais profunda: se em relação ao sexo a igreja ainda poderia argumentar com os conteúdos funcionais do emprego de padre e freira, procurando demonstrar que não discrimina ninguém em função do sexo, parece-me evidente que só existem padres e freiras católicos na igreja católica, uma discriminação com base na religião que seria absolutamente impossível de aceitar em qualquer empresa e com certeza condenaria qualquer empresa no tribunal de trabalho a que recorressem os seus trabalhadores.

Domingo

por João Távora, em 12.03.23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-Me de beber». Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Respondeu-Lhe a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?». De facto, os judeus não se dão com os samaritanos. Disse-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva». Respondeu-Lhe a mulher: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?». Disse-Lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna». «Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la». Disse-lhe Jesus: «Vai chamar o teu marido e volta aqui». Respondeu-lhe a mulher: «Não tenho marido». Jesus replicou: «Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco e aquele que tens agora não é teu marido. Neste ponto falaste verdade». Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que és profeta. Os nossos antepassados adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar». Disse-lhe Jesus: «Mulher, acredita em Mim: Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito e os seus adoradores devem adorá-l’O em espírito e verdade». Disse-Lhe a mulher: «Eu sei que há-de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier, há-de anunciar-nos todas as coisas». Respondeu-lhe Jesus: «Sou Eu, que estou a falar contigo». Nisto, chegaram os discípulos e ficaram admirados por Ele estar a falar com aquela mulher, mas nenhum deles Lhe perguntou: «Que pretendes?», ou então: «Porque falas com ela?». A mulher deixou a bilha, correu à cidade e falou a todos: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?». Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus. Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo: «Mestre, come». Mas Ele respondeu-lhes: «Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis». Os discípulos perguntavam uns aos outros: «Porventura alguém Lhe trouxe de comer?». Disse-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra. Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da colheita? Pois bem, Eu digo-vos: Erguei os olhos e vede os campos, que já estão loiros para a ceifa. Já o ceifeiro recebe o salário e recolhe o fruto para a vida eterna e, deste modo, se alegra o semeador juntamente com o ceifeiro. Nisto se verifica o ditado: ‘Um é o que semeia e outro o que ceifa’. Eu mandei-vos ceifar o que não trabalhastes. Outros trabalharam e vós aproveitais-vos do seu trabalho». Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher, que testemunhava: «Ele disse-me tudo o que eu fiz». Por isso os samaritanos, quando vieram ao encontro de Jesus, pediram-Lhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias. Ao ouvi-l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».

Palavra da salvação.

Jornalistas pouco sérios

por henrique pereira dos santos, em 11.03.23

João Francisco Gomes é um jornalista do Observador que escreve sobre a igreja católica (ele diz que escreve sobre religião, mas não é isso que tenho visto, como leitor).

Hoje, está uma peça dele em destaque sobre o que têm feito os bispos com a tal lista de cem nomes.

A lista, ainda hoje, é descrita por João Francisco Gomes desta maneira: "lista com os nomes dos alegados abusadores sexuais que ainda se encontram no ativo".

Ora hoje já é perfeitamente seguro dizer que pelo menos um terço desses nomes são de pessoas mortas (é preciso uma grande fé para considerar como abusador no activo uma pessoa morta), outros não estão no activo, outros não se sabe quem são, etc..

Ou seja, a lista não é o que o jornalista diz que ela é.

Esta informação está perfeitamente fixada, portanto se o jornalista continua a chamar-lhe uma lista com nomes de alegados abusadores sexuais no activo é apenas porque isso serve os seus objectivos, não porque seja informação fiável, isto é, é porque é desonesto no seu trabalho (essencialmente, está na mesma situação do restaurante que serve gato por lebre).

Ana Sanlez e Ana Suspiro assinavam, há dois dias, uma peça com o título "Distribuição sob pressão máxima do Governo por causa de preço dos alimentos. Medidas de outros países estão a ser estudadas" em que, entre outras coisas, tratam informação do governo sobre ilegalidades nos supermercados como permitindo uma dúvida razoável de que há especulação nos preços dos bens alimentares.

Nada nessa informação, nem numa reportagem que o Observador também fez acompanhando uma fiscalização da ASAE, permite supor isso, tanto mais que o principal argumento usado para essa suspeita (suspeita criada pelo principal interessado em que a suspeita exista, o governo) é simplesmente estúpido: uma comparação entre preços de compra e venda de produtos, feita num relatório que não é público e sem qualquer consideração sobre os custos associados a essa venda, o que as jornalistas sabem perfeitamente.

Puro populismo (igual ao que se passa na conversa sobre rendas de casa, igual ao que se verifica nas reportagens sobre lares de terceira idade, igual à conversa que foi usada durante a epidemia, igual à conversa sobre o governo que geriu o memorando de entendimento que o PS negociou para evitar a bancarrota, igual à conversa sobre a TAP, etc., etc., etc..).

Que assenta na pura desonestidade na escolha de informação, como é típico de populistas e do populismo dominante nas redacções dos jornais.

Liberdade da Igreja

por Convidado, em 10.03.23

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Ontem no Parlamento vários partidos decidiram não apenas criticar a Igreja, mas explicar aquilo que a Igreja deveria fazer na questão dos abusos de menores. Também o Presidente da República decidiu criticar a Conferência Episcopal Portuguesa sobre este assunto e fazer sugestões sobre o comportamento da Igreja, como aliás já tinha feito André Ventura. Estamos perante dois enormes equívocos que não podemos deixar passar.

O primeiro é bastante simples: por muito impressionantes que possam ser os números de relatório, infelizmente são uma minúscula minoria dos abusos sexuais que acontecem em Portugal. Em média há 2400 processos de abusos por ano, sabendo perfeitamente que os casos que chegam à justiça estão longe de ser a totalidade dos casos. A Comissão Independente recebeu 512 denúncias que considerou válidas, para um período de 70 anos, ou seja, quase um quinto da média ANUAL de casos denunciados no nosso país.

Para a Igreja é indiferente se percentualmente o número de casos no seu seio é pequeno ou grande relativamente ao resto da sociedade. Um só era de mais. Mas se o poder político quer falar de abusos de menores, então não pode ignorar que a esmagadora maioria dos casos não acontecem na Igreja.

Sobretudo quando fala dos abusos da Igreja, na consequência de um relatório que foi encomendado pela própria, num processo de purificação, que mais nenhuma instituição em Portugal fez. É verdade que no tema dos abusos houve erros na Igreja e que a comunicação tem sido muitos desastrosa. Mas nos últimos anos a Igreja portuguesa tem feito, na senda daquilo que os Papas têm proposto, um trabalho enorme para garantir a segurança dos menores. Tem regras muito mais apertadas que o Estado ou qualquer outra instituição. Em consequência do relatório apresentado todas as dioceses estão a fazer investigações para assegurar que não há padres abusadores no seu seio. Mas pelos vistos ao Presidente da República e aos deputados só lhes interessa o abuso de menores na única instituição que realmente está a fazer alguma coisa para acabar com eles!

Se estão realmente preocupados com o abuso de menores, façam o que lhes compete e tomem medidas para combater seriamente o flagelo dos abusos de menores no país. Apontar à Igreja serve à onda mediática, mas não às vítimas de abusos em Portugal.

Mas há segundo equívoco, e este mais grave. É que a Igreja é autónoma do Estado. A separação da Igreja e do Estado, não significa apenas que a Igreja não se mete no Estado, significa também que o Estado não interfere na Igreja. Os cidadãos, sejam ou não eclesiásticos, respondem perante a lei como é evidente. Um sacerdote que abusa de um menor deve ser julgado. Mas isso não significa em momento algum que o Poder político possa interferir na Igreja.

Ter o Presidente da República e os deputados a dizer que a Igreja deve fazer isto ou aquilo, que não fez o suficiente ou que tem que fazer mais, é uma violação grosseira da separação entre o Estado e a Igreja e uma ofensa à Liberdade da Igreja. Os deputados podem fazer leis para punir quem abusa de menores (e devem fazê-lo), não podem é tentar impor à Igreja o quer que seja, que não a lei geral e abstrata. Esta ofensiva é um ataque à Constituição e as regras mais elementares do Direito de qualquer Estado civilizado. Mais grave só a ideia peregrina do Chega, aprovada por unanimidade dos restantes partidos, de chamar ao Parlamento o presidente da CEP para prestar esclarecimentos, como se de um ex-banqueiro ou de um presidente de um clube de futebol se tratasse.

Sobre os abusos a Igreja tem de fazer o seu caminho de purificação. E é com esperança que vejo algumas dioceses a fazê-lo com clareza e espero que as outras lhe sigam o exemplo. Também espero que a CEP tenha mais cuidado na comunicação, centrando-se mais nas vítimas e menos em questões laterais. Mas discernir esse caminho cabe à Igreja não ao Estado. A Igreja não está acima da lei, mas o poder político também não. Em Democracia, aplica-se a boa velha máxima de Nosso Senhor: então dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. 

José Seabra Duque



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