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Não há esperança (quase)

por henrique pereira dos santos, em 15.06.25

Há muito tempo que defendo um programa simples de apoio à gestão activa de combustíveis finos florestais, a principal questão relacionada com a gestão do fogo.

Há muito tempo que falo de uma associação que ajudei a fundar, a Montis (sou sócio, acho dos 25 euros por ano mais bem empregados dos muitos que gasto anualmente), e vou dizendo que é uma associação que vai fazendo gestão activa de terrenos com objectivos de biodiversidade que, por acaso, em alguns casos, até têm efeitos positivos na gestão de combustíveis finos.

O governo, todos os governos, vão fazendo uns programas complicados de apoio à gestão florestal, reconhecendo que é na gestão de combustíveis finos que se ganha, ou perde, o controlo sobre o fogo.

Agora inventaram mais um programa, este cujas candidaturas estão abertas.

Sabem que mais?

A Montis não se pode candidatar porque as entidades colectivas não são elegíveis.

Ou se é proprietário singular, ou, sendo uma empresa (que é o que qualquer pessoa com dois dedos de testa faz se quiser gerir meia dúzia de metros quadrados de terrenos com um mínimo de seriedade), ou uma associação de interesse público, como a Montis, não há apoio para ninguém.

A coisa é tão evidentemente estúpida, que todos os potenciais intervenientes no processo decisório (e conheço muitos) me respondem que tenho toda a razão, que defenderam exactamente o mesmo que eu quando foram consultados, mas que o vizinho do lado (é sempre o vizinho do lado) se opôs a que as entidades colectivas fossem beneficiárias.

Só me resta uma esperança, mas muito, muito ténue: que o Ministro da Reforma do Estado leve a carta da Garcia e obrigue ao registo total, com total abertura do processo uma vez tomada a decisão, de todas as alterações que ocorrem durante um processo legislativo, desde a primeira proposta, até ao diploma final, com identificação do responsável por casa alteração, como acontece na Assembleia da República.

Seria uma maneira elegante de limitar o efeito da estupidez na burocracia, uma das mais notáveis e úteis invenções humanas, quando é inteligente.

É que sem responsabilização a sério, não há maneira de distinguir o estúpido que impede que as entidades colectivas sejam beneficiárias de um programa que se dirige a actividades que maioritariamente são executadas por entidades colectivas.

Domingo

por João Távora, em 15.06.25

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».

Palavra da salvação.

Mamadou Ba e o ar do tempo

por henrique pereira dos santos, em 14.06.25

No dia 10 de Junho, Lídia Jorge discursou.

Só ouvi até aos cinco minutos e tal porque estava à procura de confirmar a citação que fazia de um sobrinho meu e respectivo contexto, de resto, discursos deste tipo não são, de maneira geral, coisa a que dedique a minha atenção.

o que escreve João Pedro Marques interessa-me e foi por ele que fiquei a saber que Lídia Jorge terá feito umas afirmações alinhadas com o ar do tempo, sem grande rigor histórico, como resulta do ar do tempo, mas também sem importância excessiva (embora eu perceba perfeitamente a insistência de João Pedro Marques em corrigir estas coisas que se dizem porque está na moda dizer).

Este ar do tempo é o que faz uma activista como Joana Gorjão Henriques escrever o que escreve no Público, escolhendo quem quer para dizer o que ela quer, como faz a propósito de uma agressão a um actor que terá sido feita por neo-nazis (como se uma agressão feita por neo-nazis fosse diferente de outra agressão qualquer, especialmente para o agredido, nunca percebi esta coisa de procurar adoçar o comportamente de arruaceiros ligando as suas arruaças a justificações gerais, sejam elas quais forem).

Há sempre alguém que vem explicar aos pobres de espírito que somos todos nós que o Chega ter 60 deputados veio legitimar o discurso de ódio e normalizar o racismo, de maneira que deixou de haver vergonha em ser racista e outras estupidezes do mesmo tipo que uma parte da academia insiste em repetir.

É aqui que, neste post, entram as declarações racistas de Mamadou Ba.

"Mamadou Ba escreveu nas redes sociais que “é conhecida a história de linchamentos, torturas e assassinatos de pessoas negras na indústria carcerária, a nível global”.

“Tenho sempre muitas dificuldades em acreditar em ‘mortes naturais’ e, muito menos, em ‘suicídios’ de pessoas negras nas prisões. A minha convicção é que a probabilidade de serem mortas pela violência dos guardas prisionais é mais alta do que qualquer outra possibilidade de morte natural ou suicídio”".

Mamadou Ba há muitos anos, muito antes do Chega existir, não tem vergonha nenhuma de ser manifestamente racista, fazendo afirmações completamente tontas do género das que citei.

O sindicato dos guardas prisionais não gostou de generalização que Mamadou Ba, que o faz chamar assassinos aos guardas prisionais, e pôs uma acção em que pede quatro milhões de euros de indemnização (mil euros por cada um dos cerca de quatro mil guardas prisionais, que tenciona entregar às alas pediátricas dos Instituto Português de Oncologia, se ganhar a causa).

Eu acho que o sindicato fez uma grande asneira, não se processam racistas por fazerem afirmações racistas, Mamadou Ba, enquanto não passar aos actos (e não há nada no seu comportamento que sugira que tenciona fazer mais que declarações estupidamente racistas), tem todo o direito a fazer afirmações idiotas, que inclusivamente são contraproducentes em relação ao que supostamente defende (que não consigo perceber bem o que seja, parece que defende a discriminação positiva de algumas pessoas em função da sua cor, embora eu nunca tenha reparado que estenda a defesa desse ponto de vista explicitamente aos chineses e paquistaneses, mas posso estar enganado, não ligo assim tanto ao que diz e faz Mamadou Ba).

O direito à asneira é sagrado e a liberdade de dizer coisas tem uma amplitude e extensão que não deve ser limitada por decisões judiciais, a não ser em casos muito, muito específicos.

Para além disso, nem percebo a ideia de que qualquer um dos quatro mil guardas prisionais possa ter ficado ofendido, convenhamos que é preciso ser muito sensível para se ofender com as parvoíces de Mamadou Ba e não acredito que seja o caso da generalidade das pessoas.

Isto é apenas o ar do tempo, um manifesto racista como Mamadou Ba é tratado como activista anti-racista, a generalidade dos portugueses comuns são tratados como esclavagistas, apesar de no país não haver escravatura há mais de cem anos e não haver hoje um único português que tenha conhecido escravatura legal no país.

Na verdade, nem um discurso do dez de Junho, nem uma declaração de Mamadou Ba têm grande importância e, no entanto, cá estou a escrever sobre isso: é o ar do tempo.

"Mensagem" - um projecto poético para o século XX

por Daniel Santos Sousa, em 13.06.25

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No dactiloscrito do livro "Mensagem" (a imagem aqui publicada) é possível descobrir  as correcções feitas pela mão do próprio autor, preocupado em aperfeiçoar a dimensão simbólica do projecto literário. Aqui podemos acompanhar o raciocínio do poeta e entender os mecanismos da criação. O título da obra era para ser "Portugal", como nos evidencia o manuscrito, entretanto o autor terá sido advertido a mudar, acreditando estar o nome suficientemente vulgarizado para não dignificar a grandeza do livro. Embora mal não ficasse o título, a originalidade do poeta era suprema. Para Pessoa tudo tem um sentido. Tudo tem uma lógica própria. Um raciocínio. E por detrás da racionalidade um elemento enigmático que serve de desafio ao leitor. O título é uma composição laboriosa muito mais simbólica do que aparenta, uma espécie de elemento críptico que recebe o leitor na demanda do projecto épico. "Mensagem" é na verdade um anagrama, uma adaptação do verso de Virgílio, da "Eneida": Mens agitat molem. Significa isto que a mente controla a matéria. A palavra tem o mesmo número de letras da palavra "Portugal" (e volto a dizer que em Pessoa nada é escolhido ao acaso), uma palavra de 8 letras, número esse ligado aos templários (a cruz templária tem 8 pontas). Todos os elementos na poesia de Pessoa são preciosos e simbólicos. Até este mero título consegue falar por quase todo um livro. É Portugal perdido e reencontrado, uma missão para o século do aspirante a "super Camões". Uma nova vocação para um povo perdido nas intempéries da história.

Ambientalismo e criação de riqueza

por henrique pereira dos santos, em 11.06.25

Antes de entrar no post propriamente dito, gostava de assinalar este artigo de Vera Gouveia Barros, que faz (com o rigor da Vera, que é bem maior que o meu) o que gostaria de ter feito: ir verificar as fontes primárias de uma machete e artigo do Público que, confirmada a sua autoria (Rafaela Burd Relvas), era evidente, para mim, que seria pura propaganda política panfletária.

Eu não deixo de me espantar com a direcção do jornal e os donos não conseguem perceber como vender propaganda como jornalismo sé serve para destruir valor, nada mais.

Vamos ao que me interessa, a partir de outra notícia de jornal, neste caso, do Expresso, em que Carla Tomás resolve escrever um artigo sobre o acesso às praias da costa que vai de Tróia a Melides.

O artigo tem um interesse muito relativo (a única coisa com interesse é mesmo a resposta do Presidente de Câmara de Grândola) e hesitei em escrever meia dúzia de parágrafos sobre o assunto.

Na realidade, a única coisa que me leva a escrever isto é a mudança de opinião do mundo ambientalista.

Não vou falar das mais de setenta mil camas previstas para Tróia, ou da ponte que chegou a ser pensada para ligar Setúbal a Tróia, vou sim falar da preocupação base dos ambientalistas há uns anos, no que diz respeito ao acesso às praias.

Naquele tempo, o problema era o exceso de acesso, e dentro deste o excesso de acesso automóvel, a rebaldaria, a falta de ordenamento, a multiplicidade de acessos formais e informais, a devassa das dunas, etc., etc., etc..

Agora parece que o problema é que não se fazem acessos fáceis e baratos para levar as pessoas à praia, o que se liga sempre aos empreendimentos de luxo que vão surgindo ao longo desta costa (com certeza esses empreendimentos não surgiram ao longo das prais da Costa da Caparica até ao Meco, onde uma política de acesso fácil, incluindo de transporte público, e uma ponte sobre o Tejo, deu origem a uma utilização intensa das praias, e quase zero interesse natural das zonas imediatamente atrás das praias, no lado de terra).

Com esses investimentos, que implicam pesados programas ambientais e de conservação da natureza, resultantes de longos e nem sempre lineares processos de autorização (declaração de interesses, participei directamente em alguns deles, do lado da administração pública), passa a haver ordenamento (se o Estado fiscaliza e verifica o cumprimentos das decisões que toma no processo de licenciamento, é uma questão que diz respeito ao funcionamento do Estado, não é uma responsabilidade dos promotores), passa a haver áreas de conservação, passa a haver práticas ambientais de elevado padrão, para além de actividades de grande valor acrescentado.

Naturalmente, tudo isso tem custos para os utilizadores, quer pela relativa raridade (constrói-se muito menos que noutras áreas), quer porque todas essas exisgências custam dinheiro aos promotores, portanto os utilizadores são de níveis sócio-económico elevado ou muito elevado, na esmagadora maioria, que são os que podem pagar o serviço que resulta deste modelo de licenciamento.

Mas é totalmente falso que os acessos sejam impossíveis para a generalidade das pessoas (não são à borla).

Com o ódio do ambientalismo ao dinheiro e à criação de riqueza, o movimento ambientalista foi-se deslocando, deslocando, deslocando, e agora, em vez de usar argumentação de base ambiental, inventa o direito de toda a gente a ir à praia à borla e facilmente.

Não há maneira do meio do movimento ambientalista, de maneira geral, se convencer de que onde há criação de riqueza, há soluções (umas boas, outras más), mas onde não há criação de riqueza, não há soluções, nem mesmo do lado da administração pública que, sem criação de riqueza, não só tem poucos recursos como, naturalmente, os aplica prioritariamente a resolver os problemas sociais decorrentes da pobreza que se instala onde não se cria riqueza.

Eu não entendo.

Domingo

Pentecostes

por João Távora, em 08.06.25

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Leitura dos Atos dos Apóstolos

Quando chegou o dia de Pentecostes, os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar. Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos, procedentes de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus».

Palavra do Senhor.

Imagem: Pentecostes por El Greco

O estranho caso da ajuda humanitária em Gaza

por henrique pereira dos santos, em 06.06.25

Israel tem vindo a dizer que a ajuda humanitária em Gaza tem sido apropriada pelo Hamas, que a usa para manter o controlo sobre a população e se financiar.

A ONU contesta, naturalmente.

Por causa disto, Israel decidiu avançar com um modelo alternativo de prestação de ajuda humanitária, com o objectivo explícito de impedir a sua apropriação pelo Hamas.

O modelo tem sido contestado, por não cumprir os princípios da ajuda humanitária (desde logo, por ter origem numa das partes em conflito).

Até aqui, nada de especial, faz parte da complexidade da situação em Gaza.

O problema, para mim, começa quando eu tento perceber, através do jornalismo, se realmente o modelo alternativo tem alguma utilidade, isto é, se realmente tem conseguido fazer chegar ajuda a quem precisa.

Vejo a ONU (ou pessoas ligadas à ONU, é inacreditável como a ONU tem permitido o uso da sua credibilidade por qualquer pessoa com o mínimo de ligação à organização), vejo jornalismo de referência e vou à procura de confirmar o que leio e, estupefacto, verifico que grande parte do que é afirmado num determinado momento, não tem qualquer confirmação segura posterior, sendo, nalguns casos, evidente que o relatado pela generalidade da imprensa não era verdade.

Não vou ao ponto destes senhores, e sei que estes senhores estão ligados a uma das partes mas, ainda assim, a distância do que me parece razoável admitir que seja a realidade, dentro da grande gama do que é possível que tenha acontecido em situações como esta, e aquilo que grande parte do jornalismo admite como hipótese, está muito para lá do que me parece razoável, já que se admite que o Hamas, e as suas múltipla ramificações mediáticas, é uma fonte aceitável de informação.

Lembro-me de uma teoria inicial (ultimamente tenho-a visto menos) completamente absurda (a de que este modelo de ajuda humanitária era conscientemente desenhado para ser uma armadilha ao serviço do genocídio do povo palestiniano) ser admitida como uma possibilidade, por grande parte do jornalismo.

Depois eram os problemas dentro dos centros de distribuição, que afinal se verificou que não existiam, existem sim problemas na envolvente não controlada pela organização que fornece a ajuda humanitária.

Vejo que a ONU, e grande parte das organizações comunitárias, se recusam a colaborar, por entenderem que a ajuda não respeita os princípios internacionais consagrados (calculo que para quem tem fome e não vê comida a chegar, isso deva parecer uma discussão bizantina, mas não sei, "no tengo hambre", como diria o Patxi Andión).

Tenho imensa dificuldade em encontrar jornalismo que admita que há problemas sérios com a ajuda humanitária (a anterior, e esta), que o modelo dos centros de distribuição deste modelo tem um efeito de atracção que implica expor as pessoas que a ele recorrem, e que esse efeito de atracção tem provocado incidentes nos seus acessos, não se sabendo que é responsável pelos ataques às pessoas que se dirigem aos centros para recolher caixas de alimentos (presume-se sempre que os disparos e afins são do exército israelita, há muita gente confortável com a ideia de que o Hamas não provoca problemas em Gaza).

E muito menos encontro quem, descrevendo esta realidade, diga que a hipótese mais provável é que seja o Hamas, o principal interessado em que o modelo falhe, a provocar incidentes, disparando sobre os desgraçados que desrespeitam a ordem do Hamas para recusar a ajuda através deste processo.

Há alguma razão para o jornalismo se ter tornado nisto, ser tão primário na defesa de um ponto de vista, tendo tanta dificuldade em admitir o contraditório?

Carta de um velho funcionário a um novo ministro

por henrique pereira dos santos, em 05.06.25

Caro Gonçalo Matias (não tendo, ainda, tomado posse, acho que posso dirigir-me a si nestes termos),

De mim não pode esperar nada, nem de bom, nem de mau, porque vou usar a minha idade e os meus 44 anos de serviço para me reformar dentro de pouco tempo, o que quer dizer que não tenho grande esperança de que a sua acção tenha qualquer efeito relevante nos próximos tempos.

Esta minha desesperança, felizmente, muito longe do desespero de outros menos privilegiados que eu, não tem nenhuma relação consigo, mas com o contexto em que lhe calhou em sorte ser ministro.

Eu sei, se não soubesse o jornalismo tem repetidamente insistido nesse ponto, que tem todas as qualificações formais para o cargo de que vai tomar posse, mas também sei, por "honesto estudo com longa experiência misturado", que não tem conta o número de pessoas qualificadas, bem intencionadas, bem avontadadas, que o precederam nessa tarefa de introduzir um mínimo de racionalidade na gestão da coisa pública, alguns tomaram mesmo medidas politicamente corajosas, mas sem que daí tenha resultado grande benefício para a sociedade.

Talvez consiga explicar-lhe o que pretendo lembrando três questões: 1) a escolha de dirigentes; 2) a avaliação de funcionários; 3) as regras de contratação pública.

A escolha de dirigentes entrou no debate público no tempo do cavaquismo, e Guterres prometeu solenemente, durante a campanha eleitoral, que iria alterar profundamente as regras, obrigando à existência de concursos públicos para acabar com a partidarização e governamentalização da administração pública.

Por acaso, nessa alteração do cavaquismo para o guterrismo, uma amiga e colega minha, inegavelmente independente de espírito e com o mais profundo sentido de serviço público, foi nomeada presidente do Instituto de que eu era funcionáro há bastantes anos.

Académica, com clara consciência dos limites da experiência académica para a gestão de orgãos da administração pública, caiu na asneira de me convidar para seu vice-presidente, sabendo que eu conhecia profundamente o sector em causa e o instituto a que ia presidir.

Uma das primeiras coisas que tentámos foi, exactamente, fazer a escolha de dirigentes por concurso público, tal como Guterres tinha prometido e a lei permitia (embora como método complementar de escolha).

Fomos impedidos pelo então governo, sim, era verdade que isso tinha sido prometido na campanha eleitoral, mas era para ser bem feito, e não ad-hoc, era preciso definir regras à prova de bala, consultar os sindicatos, desenhar um modelo de concurso inteiramente igualitário e, depois, nessa altura, fazer concursos completamente imunes ao favorecimento.

A ideia central era a de que os dirigentes de topo, incluindo os membros do governo, eram todos venais e, consequentemente, só um processo totalmente blindado face à discricionariedade poderia valer.

Depois de longas negociações com os sindicatos, que estão sempre, sempre, sempre, do lado da mediocridade porque não aceitam a desigualdade resultante do facto de uns serem melhores que outros, o processo de concursos teve início e, ainda hoje, uns bons quase trinta anos depois, a estúpida ideia de blindar previamente processos de decisão face a qualquer eventualidade de discricionariedade prevalece, dando origem, como seria inevitável, ao completo descrédito do sistema de escolha de dirigentes da administração pública, com resultados deprimentes que toda a gente conhece.

Passo agora à segunda questão (como todas elas são estruturalmente semelhantes, vou procurar ser mais sintético nestas duas), a da avaliação dos funcionários.

Havia um sistema de avaliação dos funcionários muito velhinho (tão velhinho que sempre ouvi falar da história da reclamação do meu pai, contestando a sua classificação de muito bom, que pretendia reverter para bom, porque não contestava os critérios da avaliação, mas de uma coisa tinha a certeza, nunca seria justo ter a mesma classificação que outro colega seu cujo desempenho conhecia muito bem) em que quase toda a gente tinha muito bom, com uma quantidade astronómica de pessoas que tinham a classificação máxima.

O que se passava é que essas classificações tinham muito pouca relevância (eram usadas nos concursos de promoção, em que a antiguidade era o principal critério) e as chefias não estavam para aturar reclamações, de maneira que corriam tudo a notas fantasticamente altas (mesmo assim não se livravam das reclamações dos que, tendo 9,8 em 10, achavam injusto em relação ao colega que tinha 9,9 em 10).

Para acabar com isto, resolveu-se estabelecer quotas por níveis de classificação (bem) e fazer reflectir essa avaliações na progressão.

Mais uma vez, para garantir que nenhum dirigente beneficiava os seus amigos (o pressuposto base de todas estas regras), inventou-se um sistema complicadíssimo, que consome horas e horas de trabalho (eu, por exemplo, deveria ter ido a uma plataforma qualquer aceitar a definição de objectivos que me foi estabelecida para este ano, mas como me vou reformar, resolvi perguntar o que me acontecia se eu me esquecesse de ir a essa plataforma, como a minha chefia encolheu os ombros, estou à espera que chova, para lá ir) e cujo resultado final é exactamente o mesmo que o do anterior processo de avaliação (há unidades orgânicas que estabelecem um sistema rotativo de atribuições de notas para todos ficarem em igualdade de circunstâncias nos processos de promoção, evitando conflitos e confusões).

Por último, sobre a contratação pública, cujas regras partem do mesmo princípio (somos todos venais e é preciso garantir processos de decisão que, à partida, são totalmente blindados em relação à natureza humana), toda a gente sabe o seu efeito mais visível: ninguém consegue decidir nada de jeito, sem ser através de processos excepcionais, que se tornaram a regra.

Nos três exemplos que dei de evolução da administração pública, a base é sempre a mesma: desconfiar de todos, consequentemente, transferir a garantia de transparência e decência para as regras prévias de decisão.

O resultado é sempre o mesmo: a desconfiança mata a gestão, o risco e a responsabilização (ninguém é responsável por nada, são as regras que dão os desastrosos resultados conhecidos), não sendo necessário haver sólidos mecanismos de avaliação posterior, porque as regras que existem garantem, à priori, a decência do processo de decisão e a sua adequação aos objectivos pretendidos, dizem eles.

Para os verdadeiramente venais, que os há, quaisquer regras servem, porque a sua especialidade é não as cumprir, o resultado tem efeitos perversos sobretudo para as pessoas decentes.

Vai longa a carta e na verdade ela poderia ser resumida a esta pequena frase final:

esqueça essa coisa da igualdade e da definição de regras prévias que pretendem blindar processos de decisão em relação à natureza humana, confie nos dirigentes e funcionários, deixe-os decidir discricionariamente, dentro de regras simples e verificáveis, e reforce os mecanismos de avaliação de gestão.

O resto não interessa nada.

O direito de propriedade

por henrique pereira dos santos, em 04.06.25

Quando estive no Texas, a visitar uma das minhas filhas e vários dos meus netos, lembro-me de ter visto um letreiro que dizia qualquer coisa como: Prayer is the best way to meet God, trespassing is the faster.

Deste lembro-me por ter graça, mas eram aos magotes os avisos para não violar propriedade privada.

Em Portugal, pelo contrário, há sempre um "mas" em relação ao direito de propriedade, sistematicamente referido como não podendo sobrepor-se a outros direitos, como o direito à habitação e coisas que tais.

No entanto, na declaração universal dos direitos humanos, a lista de direitos começa (art.º 3º) na vida, liberdade e segurança pessoal, e vai seguindo até que o seu art.º 17º diz, expressamente, "Todo ser humano tem direito à propriedade", mesmo antes de falar na liberdade de pensamento, de opinião, de expressão, de reunião, ao trabalho, repouso, bem-estar, educação (na verdade, o que está escrito é instrução) e etc..

Compreende-se que a menção expressa do direito à propriedade venha antes de tudo o que citei, exactamente porque o direito a ter propriedade é um fundamento das outras liberdades, sem recursos próprios, é muito difícil não estar dependente de terceiros que condicionem a nossa liberdade individual (voluntária ou involuntariamente).

É por isso completamente incompreensível que alguém se ache no direito de abrir estradões nos terrenos de terceiros, sejam quais forem as razões invocadas, fora de situações de emergência iminente que ponham em causa a vida de terceiros.

E no entanto, foi exactamente isso que aconteceu à Montis, como se explica aqui.

Não sei quem foi, não faço ideia do que vai fazer a direcção da Montis, sei é que se fosse nos Estados Unidos, o responsável por este abuso, fosse privado ou público, pagaria uma indemnização milionária, pelo simples facto do direito de propriedade ser levado muito a sério naquele país.

Em Portugal, por exemplo, a legislação de defesa da floresta contra incêndios tem inúmeras normas que violam direitos de propriedade, sem que ninguém ache que isso é um problema.

Essa falta de respeito pelos direitos de propriedade é um problema sério e conduz a sociedades bem menos eficientes do que poderiam ser.

Guilherme II - um monarca na vanguarda do século

por Daniel Santos Sousa, em 04.06.25

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 Guilherme II, último Imperador da Alemanha e rei da Prússia, faleceu a 4 de Junho de 1941, em Huis Doorn, Doorn (Países Baixos). Derrotado e exilado foi talvez dos mais odiados homens do século XX, ainda que a justiça tarde para esta figura renegada num século que conheceu todas as catástrofes. Um homem singular: grande orador, carismático, culto e apreciador das artes, tinha ao seu alcance o esplendor de uma era. Mas era também de temperamento irascível, instável e irritável, muitas vezes tendente a depressões.

O neto preferido da rainha Vitória foi talvez o mais inglês de todos os alemães, a proximidade que sentia ao povo de além-Mancha faziam-no crer numa aliança futura. Não podia estar mais enganado. Guilherme II admirava os ingleses, mas não os compreendia. Imediatamente a criação da marinha de guerra alemã levantou suspeitas à Britânia senhora dos mares. Entre outros erros diplomáticos (a política externa não era o seu forte), a incapacidade para garantir o equilíbrio entre a Áustria-Hungria e a Rússia, impérios cuja sede de ambição nos Balcãs conduziria a Europa para o suicídio colectivo em 1914.

O equilíbrio que Bismarck habilmente criara aos poucos começava a ruir. Aspirando à ribalta e consciente do seu desígnio histórico, o Kaiser afastara o velho ministro da vida política (a incompatibilidade dos homens de temperamento forte). Mas Guilherme II demonstra-se internamente um político hábil. É sobretudo um "imperador social" que para combater a ascendente força do partido social democrata institui uma legislação do trabalho sem precedente na Europa: desde leis sobre acidentes de trabalho, doença e velhice votadas entre 1882 e 1889 as quais formam, depois das políticas de Bismarck, o primeiro conjunto de reformas sociais, décadas antes da "revolucionária" e "republicaníssima" França.

São também pensados pelo Kaiser os tribunais arbitrais, o descanso ao domingo e a limitação das horas de trabalho. Juntamente com Bismarck, Guilherme II é o arquétipo do revolucionário de topo, como fora Alexandre II, da Rússia, Leopoldo da Bélgica e, entre nós, o nosso rei D. Carlos.

Do que mais gostava era das encenações, as grandes demonstrações militares, contudo teme a guerra. No fundo, cultivava o culto da personalidade. Todo esse "teatro" (um “regime de opereta” como chamava o nosso D. Carlos) fazia-o talvez ignorar a realidade do seu próprio poder: Guilherme II estava limitado como “rei constitucional”. Mas, ao mesmo tempo, está politicamente na vanguarda dos novos tempos: apercebe-se de elementos políticos importantes que no futuro definirão a política de massas: os discursos, a grande oratória, a ideia do soberano reflectir a vontade do povo, são constatações que fazem dele sobretudo um estadista moderno.

 Acredita no direito divino, mas não ignora que o poder deriva da nação, o que é interessante no seu pensamento: tradicionalista e revolucionário, conservador politicamente, mas ideologicamente na linha de um “socialista de cátedra”, propenso para a reforma social e para a manutenção da ordem e da autoridade. Em tudo é um paradoxo.

No reinado de Guilherme II a liberdade cresce. Entre as várias reformas políticas está a visão de um monarca esclarecido. Assim, a lei que reprimia os socialistas é revogada, aceita também que se constituam partidos políticos: desde a direita, militada pelo conservadorismo prussiano, hierárquico, castrense, nobiliárquico, ao centro católico. Amnistia as esquerdas sociais-democratas e dá alento à burguesia dividida entre liberais nacionais e liberais de esquerda. 

 Esta não é apenas a Alemanha do grande fomento industrial e do progresso económico, mas também da cultura, das artes e das ciências, que a Europa reconhece nos inúmeros galardoados com o Nobel, ou que são reconhecidos nas letras, na pintura, nas reformas políticas e na vanguarda da reforma social. Que mundo se perdeu.

Com o Kaiser morre uma certa Alemanha, o Reich que não resistiu a Bismarck seu arquitecto principal. Desaparece uma certa ordem, mas também sucumbe esse status quo, que foi história e tradição, que no âmago das hierarquias tradicionais reunia o melhor escol do Império. Junger foi um bom juiz deste declínio ao referir "os últimos troncos da nobreza alemã" que durante mil anos tinham sobrevivido a todas as crises e provações, mas não ao século XX. Duas guerras mundiais ditariam o fim da velha ordem.

 No final, traído e amargurado,  o velho monarca permaneceu um exilado, nunca desejando regressar à pátria enquanto a monarquia não fosse restaurada. O ciclo político não lhe foi grato, consomou-se a transformação europeia numa realidade que ficou nos antípodas de toda a concepção heróica, tradicional e metafísica, um mundo "de ontem" petrificado na história.

 Guilherme II é uma das mais interessantes figuras do século XX, admirado e odiado, merece ser estudado com atenção e com a relevância necessária.

"Eu não entrei pela porta dos fundos"

por henrique pereira dos santos, em 03.06.25

José Sócrates é dos poucos políticos que acho que vale a pena ouvir, quase sempre (quando não é sobre as minudências dos seu processo judicial e sobre a injustiça que sofre todos os dias, bem entendido), de maneira geral interessa-me muito mais o que fazem os políticos que o que dizem mas, no caso de Sócrates, vale a pena também ouvi-lo.

Por isso fui ouvir a entrevista que deu à CNN um dia destes, uma entrevista muito interessante (apesar das minhas objecções à explícita combinação do âmbito da entrevista, que é uma entorse grave às boas práticas do jornalismo político, apesar de ser uma prática comum).

Com certeza Sócrates continua a ser Sócrates e nada do que diz pode ser tomado pelo seu valor facial, portanto, tudo o que diz respeito a factos, tem de ser confrontado com fontes independentes (por exemplo, é extraordinário que durante o tempo todo que fala sobre investimento público, não tenha surgido uma oportunidade para perguntar se o pedido de ajuda externa não teria resultado dessa opção, mas enfim) e toda a entrevista tem de ser ouvida em função dos seus objectivos políticos que, no caso, passam muito por responsabilizar António Costa pelo estado actual do PS.

Reconhecido o contexto, é uma entrevista notável, digo eu, que desde o tempo em que era conhecido como o "Zé das sobras", por Elisa Ferreira o ter como Secretário de Estado Adjunto e segunda figura formal do ministério, dentro daquilo que eram as regras do primeiro governo de Guterres, um governo de coligação PS/ Independentes que tinha como figura tutelar Jorge Coelho, mas não lhe ter entregado nenhuma das competências mais relevantes do ministério, sou um feroz e consistente crítico dos métodos políticos de Sócrates.

A corrupção é uma questão que deixo para os tribunais, embora me pareça o resultado lógico das opções de gestão política de Sócrates, aquilo que desde esse longínquo anos de 1996 me separa de Sócrates são mesmo as suas opções políticas e de gestão.

Isto dito, é evidente que Sócrates, como político, está muito, muito acima da generalidade dos políticos seus contemporâneos, sobretudo no Partido Socialista (em grande parte, porque ninguém será capaz de, justamente, o acusar de cobardia política, como ele não se cansa de lembrar aos outros que é aquilo que os caracteriza), tendo cometido o grande erro de subestimar Passos Coelho, um político do mesmo nível de coragem política, com a vantagem de ser um tipo decente.

15 dias a ler e ver desinformação

por José Mendonça da Cruz, em 02.06.25

A maioria dos portugueses julga que aconteceu alguma coisa nova no dia 18 de maio, mas a comunicação social que temos decidiu que isso agora não interessa nada.

Parece que a Aliança Democrática, a coligação governamental, venceu e saiu reforçada das eleições de dia 18. Parece que conseguiu 31,79% dos votos e 91 deputados.

Parece que seria importante saber que vai agora fazer o novo governo da AD.

E o Chega? Parece ser importante o Chega. Parece que passou a ser a segunda força política, com 22,76% dos votos e 60 deputados, e que o seu líder é o líder da Oposição. Pareceria um bom tema informativo. Mas, tirando ofensas, remoques e gritos de «alerta, a democracia está em perigo», os media acham que não.

Qual é, então, segundo a nossa comunicação social, o grande tema do momento?

Ora essa, os derrotados, o PS, com um dos piores resultados de sempre – 22,83% de votos, 58 deputados e a perda do 2.º lugar. O grande tema, dizem os media, é o PS, fonte de fontes anónimas e avenças, sopro do ventrículo esquerdo do nosso coração, objecto do nosso acrisolado amor.

«Que esperar de José Luís Carneiro?», pergunta-se na pág.2 do Diário de Notícias na segunda-feira, 26?

Que esperar de Luís Montenegro, não seria melhor informação?

 

  1. A Comunicação Social que só tem olhos para o PS

A culpa foi toda do Pedro Nuno Santos e de mais ninguém.

Não sabiam? A comunicação social diz que sim.

Não se julgue que PNS tinha um séquito, o apoio do partido em peso que nele votou, um grupo de apoiantes incondicionais. Não, não. Conforme explica o Público de sábado, 24 de maio, na manchete e nas páginas 4-5, o «Núcleo duro de Pedro Nuno Santos foi contra voto que fez cair Governo» (e trouxe a desgraça). Presenças e porta-vozes de PNS na imprensa, nas rádios e nas televisões, afinal nem Mariana Vieira da Silva, nem Ana Gomes, nem Pedro Delgado Alves, nem Carlos César, nem João Paulo Rebelo, aliás, nem ninguém o apoiou no chumbo da moção de confiança. E já antes o atacavam por causa do Orçamento de Estado.

Não sabiam? Num artigo de cinco páginas na Revista E do Expresso de dia 23, Ricardo Costa explica melhor como é que um «jovem líder encadeado» levou o PS «para o seu Alcácer Quibir» (sendo AD, Chega e Iniciativa Liberal os mouros, supõe-se), esse PS que «entronizou um líder que o eleitorado nunca viu como tendo qualidades para ser primeiro-ministro, acabando por ser arrastado para a sua muito pessoal vingança», levado por «vertigem e pulsões de morte» para uma «conjugação fatal».

Pois é, a culpa deve ser mesmo de PNS, toda ela. Porque se não fosse, Ricardo Costa decerto teria escrito sobre os governos do irmão e as consequências que tiveram para este resultado do PS. Mas se conseguiu o difícil exercício de não escrever sobre isso nem uma linha, é porque se calhar foi assim. Foi tudo culpa do PNS.

Será assim, e tudo isto é uma desgraça, mas não se preocupem, isto passa, diz a comunicação social. Que logo deita mãos à obra de «resgatar a esperança», como diz Ricardo Paes Mamede no Público de dia 26, sobretudo porque, obviamente, está «a democracia em perigo».

E lá vão jornais e televisões à uma na sua nobre missão de resgatar a democracia e o PS.

Ah, os «nomes experientes» que estas eleições nos fizeram perder, ah o talento que se foi! O Parlamento, diz o DN desta 6.ª feira 23, nas páginas 10 e 11, ficou sem Luís Graça, do PS (lembram-se?), sem Sérgio Ávila, do PS (lembram-se?), sem Maria Begonha, do PS (lembram-se?), sem Mara Lagriminha, do PS (lembram-se?). Perdemos até uma gémea Mortágua, a Joana (lembram-se?), e Isabel Pires, também do BE (lembram-se?).

No sábado, dia 24, o noticiário da RTP2 dá-nos José Luís Carneiro, depois Carlos César, depois PNS às portas da Convenção; e às 21 horas ouve detidamente Vitalino Canas (do PS) sobre «o partido mais fiável» (o PS), e sobre «o triunfalismo da direita», que parte dela é «revanchista». Segue-se uma entrevista com o autarca socialista de Campo Maior, que estranha ter sido o Chega a vencer ali.

A SIC abre o primeiro Jornal com a Convenção (do PS), após o que ouve Ascenso Simões (do PS) e Miguel Prata Roque (do PS), após o que anuncia uma peça sobre «As origens de José Luís Carneiro», a cargo provavelmente da secção de hagiografia.

No Domingo, 25, a CNN enche-se de brios, e às 22 horas oferece uma entrevista de 40 minutos com Augusto Santos Silva, cuja contribuição para o desastre socialista a estação julgará irrelevante. A CNN julga que os portugueses anseiam por beber as palavras de Santos Silva, o qual não se faz rogado e nos presenteia com opiniões sobre o que o próximo governo deve e não deve fazer.

No dia seguinte, a mesma CNN esmera-se e, num arroubo de originalidade, apresenta às 21 horas o programa «A Bússola», com José Luís Carneiro, que surge como «comentador da CNN», e no seu «comentário à situação política» diz que tenciona tornar o PS «o maior partido de Portugal», julgo que não como comentador.

Ainda que fosse na falta de decoro, a CNN acabara de ultrapassar a concorrência. O que terá levado o Público a dar no dia seguinte chamada de capa e página 10 ao mesmo Santos Silva que a CNN repescara.

Depois, por ser fatal que nestas manobras militantes surjam sempre uns minions com excesso de zelo e propensão para o desastre, houve um episódio cómico.

Na 3.ª feira, ao noticiar o encontro de Carneiro com fundadores do PS, uma voz off na RTP1 adiantara que o candidato a líder «revela que ainda não houve contactos com Luís Montenegro». Mas no mesmo dia, na CNN, a mesma notícia surge com o rodapé: «Carneiro revela não ter sido contactado por Montenegro» – o sonho de algum pobre escrevedor que imagina o primeiro-ministro eleito a contactar o líder por eleger do PS para pedir-lhe umas batatinhas.

(Algures, em dia incerto, ainda soubemos da eventual candidatura de Prata Roque à liderança do PS – humor ou fake news, uma das coisas, decerto).

E não há nuvens negras no horizonte?

Sim, há nuvens negras no horizonte da excitação da comunicação socialista, perdão, social.

Pedro Adão e Silva, que por vezes tolda intencionalmente as próprias aptidões intelectuais para melhor servir o seu PS, permite-se ser inteligente e diz-nos que José Luís Carneiro está de passagem. Assim: «Perdido num trauma pós-eleitoral, o PS decidiu que o melhor que tinha a fazer era evitar o confronto (…) e olhar para a frente como se nada tivesse acontecido», com «custos que tendem a revelar-se com o tempo». E «o PS tinha ganhado se tivesse uma disputa interna» e «o novo secretário-geral teria a força adicional de ter sido legitimado num processo aberto e competitivo» (Público, 28 de maio, última página).

E assim não tem.

Se a comunicação social fosse atenta, em vez de cega por parciais entusiasmos, ter-se-ia também perguntado por que razão Fernando Medina, depois de aguardar pacientemente o enterro de Pedro Nuno Santos, resolveu ainda e por agora abster-se em nome da «unidade partidária». Naturalmente, a comunicação social não se perguntou.

 

  1. Diz a comunicação social: «Já que não pode ser o PS, ao menos que seja o Centrão»

Se não podem ter tudo do PS todo para eles durante todo o tempo, então os media desejam ao menos e por agora um Bloco Central com o PS lá dentro.

Cuidado com o Chega, o Chega é fatal, dizem João Vieira Pereira e David Dinis na página 2 do Expresso de dia 23, nada de acordos, não vão por aí. E na página 6, o semanário põe as coisas mais por extenso ao titular «Navegar “pelo meio” e fazer fé no novo PS». Explica o texto que «na AD olha-se com expectativa para o PS, sendo José Luís Carneiro elogiado por Hugo Soares». E diz uma fonte – anónima, é claro – que, eleito José Luís Carneiro, o PSD acha que «mais depressa temos interlocutor». O artigo chega a ser comovente; lê-se como a confissão de um anseio profundo.

Estão a ver?! Era tudo culpa do PNS. Mal PNS saíu porta fora, é só moderados no PS.

O DN pensa exactamente o mesmo, e ninguém expõe melhor o sonho do que Bernardo Ivo Cruz, que na página 4 da edição de dia 26 se propõe «reconstruir o centro (…) num esforço urgente de reinvenção política», já não para salvar o país, apenas, mas «para salvar a Europa».

Acontece que, depois e mais uma vez, eis que vem o excesso de zelo borrar a pintura toda.  «Duas das maiores agências de rating preferem Governo da AD com apoio do PS», diz a manchete do DN de quarta-feira, dia 28. «A Fitch e a Moody`s», lê-se na entrada, «sinalizam preferência pela manutenção dos acordos entre AD e PS que permitem, dizem, prosseguir a rota esperada de “políticas prudentes” e “redução da dívida”, excluindo o Chega da equação.» E acrescenta o DN que «o cenário de um Governo de minoria AD com “apoio implícito” do PS em pontos-chave da política económica e orçamental (…) é o preferido dos dois mais influentes avaliadores internacionais».

Há um pequeno pormenor: a notícia é falsa; resulta de mera interpretação abusiva. As duas maiores agências de rating não «preferem» coisa nenhuma, não há «cenário preferido» nenhum. A Fitch e a Moody`s não «sinalizam» porra alguma, com vossa licença. Limitam-se a analisar e a enunciar probabilidades.

A Fitch não «prefere o cenário de um Governo AD com “apoio implícito” do PS». No relatório «Portugal`s Election Outcome Should Not Interrupt Debt Reduction», de 27 de maio, a Fitch apenas considera que esse é o cenário «mais provável» visto que «a AD excluiu uma coligação com o Chega.» E não só a Fitch não prefere nem sinaliza o que o DN diz, como escreve no seu relatório que, seja como for, «a posição da AD como maior partido no parlamento sugere ser provável uma geral continuidade política sob a próxima administração, com foco sobre superavits orçamentais moderados».

 

  1. O partido que a comunicação social acha que não devia existir

O Chega conseguiu 67.826 votos e 1 deputado em 2019; 7,18% e 12 deputados em 2022; 18,07% e 50 deputados. No dia 18 de maio conseguiu 23% de votos, 60 deputados, e a liderança da Oposição.

Mas, diz a comunicação social, isso não pode ser.

Pacheco Pereira e a proverbial reductio ad deplorabilis: «Desesperança, solidão e ignorância» explicam o Chega, escreve ele no Público de dia 24.

É pior, diz o mesmo jornal no dia seguinte: foram «zanga, racismo e medo» que fizeram crescer o Chega em Sintra. E além disso, assegura o editorial na página 6, «é fácil de prever» que o Chega que se diz anti-sistema se vai envolver nas «contas de mercearia do aparelho de Estado».

O Chega é «o caos, a instabilidade permanente», diz Filipe Santos Costa, na CNN, 3.ª feira, 27, ao fim do dia. O Chega «sabe que tem que fazer mais e pior».

É «uma ameaça real para a democracia portuguesa» como a vertigem fascista dos anos 20 e 30, determina Manuel Loft no Público na 4.ª feira; é «uma agremiação de oportunistas sem escrúpulos». Havemos de esperar, remata ele citando Ugo Palheta, «ter pela frente um movimento neofascista triunfante»?

O que me sugere uma reflexão: de quem é afinal «o medo», de quem é a «zanga», de quem é «a raiva»? Do Chega ou destes defensores da democracia, herdeiros do comunismo torcionário e assassino, para quem milhão e meio de eleitores são um perigo intolerável, a eliminar se pudessem?

 

  1. Defuntos a que a comunicação social se agarra

O Partido Comunista, o Bloco de Esquerda, o Livre, podem conseguir 10, ou 5, ou 1% dos votos, ou trocar entre si percentagens, agora sobes tu, agora desço eu, agora dá cá, agora toma lá. Pouco interessa. O que interessa é que contam com uma garantia: ainda que não cheguem a somar 10% das preferências do eleitorado, a comunicação social que temos, as televisões, as rádios, a imprensa, dedicar-lhes-ão teimosamente espaço e atenção desproporcionados e a todos os títulos injustificáveis. Bloco exige. PC inabalável. Livre garante. PAN quer. Os media têm até um berloque de esquerda novo, exótico e insular, que já chegou da Madeira.

Na sexta-feira, 23, o Público sugere uma união de esquerda para as autárquicas, uma ideia menos ambiciosa do que a daquela jornalista que defendia que se a esquerda tivesse ido unida às eleições tirava deputados a AD, IL e Chega [se os partidos fossem todos unidos, conquistavam 230 lugares, troçava adequadamente alguém].

No mesmo dia, o DN informa na pág.13 que Mariana Mortágua, com a força do seu novo grupo parlamentar de uma só, «denunciou alegadas intenções de PSD, Chega, Iniciativa Liberal de “atacar a democracia”».

No Expresso, no mesmo dia, Rui Tavares indigna-se por se falar de revisão constitucional, um tema de que não se falou na campanha – e faz por não se lembrar se na campanha de 2015 alguém falou da geringonça negociada nas sombras.

À noite, na RTP2, volta Mariana Mortágua, que discursa sobre o que ela chama «a extrema-direita e a direita extrema» (um desarrincanço, pensará), e lamenta «o discurso que impuseram ao país».

Vem depois Raimundo, segundo o qual «as eleições agravam a instabilidade».

E depois Inês Sousa Real, que diz mais alguma coisa olvidável.

«Resistimos e isso está-lhes atravessado», ri Raimundo na RTP, à hora do almoço de domingo. Após o que Mariana Mortágua anuncia que «uma ampla maioria» no seio do Bloco rejeitou a sua demissão. (Compreendo a dúvida, mas esclareço: Mortágua disse de facto que tinha «uma ampla maioria». Agora já podem rir.)

«A revisão constitucional é populismo» decide Real do PAN, logo a seguir. Era um argumento exótico, mas não tão extremado como o de Pedro Tadeu que nessa mesma semana, no DN, escrevia que o caminho para uma sociedade socialista não podia ser cortado da Constituição, não por falta de uma maioria, não por falta de consenso, não por razões ideológicas, mas porque lá fora inscrito em determinada fase da evolução pós 25 de Abril, e retirá-la seria falsear a história. Quando pensávamos que havia limites…

Findo o recato do fim-de-semana, o Público de 2.ª feira informa, tremendista e na última página, que o «PCP não se resigna e avisa: “Vamos para cima deles”». E mais informa o Público que o PCP informa que os que votaram na direita vão ser os primeiros a arrepender-se.

Depois há futebol e Ucrânia.

 

  1. Há um elefante aqui. Diga onde está

Não sabemos nada de Javier Milei, que não é de esquerda; não temos uma notícia da Argentina ou da sua governação. Nada, excepto uma foto no Público de dia 23, sob o título de «ZOOM ARGENTINA», sobre um «protesto semanal dos reformados contra as políticas de austeridade do Presidente Javier Milei, em Buenos Aires».

Não sabemos nada de Giorgia Meloni, que não é de esquerda; não sabemos nada da sua governação, não temos uma notícia de Itália. Nem uma, excepto que, como já há meses pensava o Expresso, ao fim de 2 anos de governo «aumento da repressão e salários mais baixos assustam italianos».

Não sabemos nada da Hungria, não sabemos nada de Viktor Orban. Nada, excepto que, lamentoso, o Diário de Notícias noticiava em abril que o «Parlamento húngaro aprova emenda constitucional em nova ofensiva contra LGBT+»

É pouco. É enviesado. É medíocre. É afinal desinformação. Mas, e Portugal? Mas, e o Governo de Luís Montenegro e da AD, acabado de sair reforçado das eleições, com a esquerda reduzida a uma curta fatia? Não seria um tema importante para os media – para imprensa, rádio e televisões?

Será que o putativo primeiro-ministro vai fazer uma remodelação governamental? Profunda ou de pormenor? Ficam todos os ministros ou alguns? E quais? Quais serão as primeiras e mais importantes medidas do novo governo? Retomará medidas cujo alcance foi forçado a encurtar para conseguir o apoio dos socialistas? Como será na saúde, mais PPPs, e que mudanças? Como será com a imigração? E a Defesa? E a habitação? E os transportes? E as pensões? E o investimento? E os impostos? E a TAP e a CP? E os serviços públicos? E a justiça?

Pareceriam temas importantes, mas, por inclinação ou preguiça, os media acham que não.

Por falta de fontes, ou por incompetência, ou por desinteresse, ou por enviesamento, os media acham que não, embora eu tenha a certeza e lamente que dentro de pouco tempo – como fizeram na campanha eleitoral, ao preocuparem-se apenas com questões de lana caprina, para depois lamentarem que a campanha tivesse tratado de lana caprina, apenas –, dentro de pouco tempo os mesmos media, televisões, rádios e jornais, virão desculpar-se da sua própria preguiça ou intenção, proclamando ou escrevendo que a culpa de não terem reparado no elefante se deve à AD e a Montenegro. Foram Montenegro e a AD, foram eles que «se remeteram ao silêncio», dirão.

O despudor é assim.

Publicado originalmente aqui

 

Outro Napoleão

por Daniel Santos Sousa, em 02.06.25

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Napoleão Eugênio Luís João José Bonaparte, Príncipe Imperial de França (numa fotografia datada de 1870(?)), único filho de Napoleão III (derrubado e exilado), após a morte do pai em 1873 é proclamado pelos apoiantes bonapartistas como Napoleão IV, na esperança de novamente edificar o Império e redimir a memória trágica dos antecessores. Tal não acontecerá, a última esperança do bonapartismo morre a 1 de Junho de 1879, em Sobuza's kraal, na África do Sul durante a guerra Anglo-Zulu. Consta que terá levado a mesma espada que Napoleão I empunhara em Austerlitz, pouco influindo como amuleto, talvez mais propenso à maldição do nome e à vã glória que trazem as dinastias no seu seio. Inconformados, mas não rendidos, os bonapartistas vão proclamar (como fora desejo do defunto príncipe), Victor Napoleão como sucessor ao esperançoso e inaudito império, que de vestígio guardava apenas o nome da dinastia, assim elevado a Napoleão V. Hoje o actual chefe da Casa de Bonaparte descende desta linha.

Dar corda aos sapatinhos

por henrique pereira dos santos, em 01.06.25

Helena Matos, hoje, descreveu rigorosamente o que me resta de esperança: "A Luís Montenegro, cercado por todos os lados, talvez só reste mesmo trabalhar para ver se o eleitor o resgata do cerco".

Para Montenegro não é fundamental ter resultados, é melhor se tiver, mas não é fundamental.

O que é mesmo fundamental é demonstrar que tentou seriamente ter resultados, e que, não os tendo, as pessoas reconheçam que não foi por falta de esforço.

A partir dos resultados das últimas eleições e, provavelmente, das próximas, Montenegro dependerá apenas de si, o que é bom para ele, mas não me parece que vá a lado nenhum se optar por ser um rolha, sempre à tona, e nada mais.

É o que me resta de esperança política, que os incentivos se tenham alinhado para que ao primeiro ministro não reste alternativa que não seja tentar fazer alguma coisa de útil.

Há uma célebre cena de um filme de Nanni Moretti, em que, desesperado pelo seu candidato ter um discurso pós eleitoral na televisão que não lhe agrada, Nanni Moretti lhe pede encaracidamente (e inutilmente, está a ver televisão com a mãe, mais ninguém ouvirá o que diz) que ele diga qualquer coisa de esquerda.

Este post é mais ou menos o mesmo, a manifestação de um desejo irrelevante de que, finalmente, Montenegro arrisque quando precisar de fazer qualquer coisa de útil que tenha custos políticos potenciais elevados, porque não lhe resta outra alternativa.

Eu explico o que são esquemas a sério

por henrique pereira dos santos, em 31.05.25

Há bastante anos (1998), Pedro Santana Lopes era presidente de câmara da Figueira, em exclusividade de funções, e, ao mesmo tempo, escrevia uns artigos para um jornal desportivo, e fazia comentário aqui e ali, pelo que recebia uns trocos a mais.

A Direcção Geral da Administração Autárquica achou que estava a violar os seus deveres de exclusividade e, em conformidade, cortou-lhe o ordenado para metade (os presidentes de câmara podem não exercer o cargo em exclusividade, ganham é bastante mais quando o exercem em exclusividade).

Santana Lopes não achou bem, reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (em 2003, já era, então, presidente dacâmara de Lisboa) que lhe deu razão "por tal actividade revestir natureza artística ou literária", isto é, por essa prestação de serviços ser, fraudulentamente (digo eu), cobrada como direitos de autor.

O Estado poderia ter recorrido da sentença mas eis que surge António Costa, o responsável político que na altura tinha o poder de decidir recorrer (era então ministro da administração interna, portanto, com tutela sobre as autarquias), e decide não recorrer.

Santana Lopes recebeu 75 mil euros de ordenados que tinham sido reduzidos a metade.

Até aqui é tudo bastante melancólico mas, apesar de tudo, aceitável.

O esquema verdadeiro começa no facto desta sentença, da qual António Costa decide não recorrer, abrir um precedente sobre o entendimento do que é a exclusividade dos autarcas e da classificação de prestação de serviços de comentador como direitos de autor.

Surpresa, surpresa, anos mais tarde, António Costa ganha um pouco mais de cinco mil euros como presidente de câmara de Lisboa, em exclusividade de funções, acumulando esse rendimento com 7 700 euros provenientes de "direitos de autor", pela participação num programa de comentário político na SIC.

Por que razão uma televisão paga a um político 7 700 euros por mês para o promover num programa televisivo, mesmo considerando que um dos homens fortes dessa televisão é um irmão do dito político, eu não quero discutir (mesmo estando a fazer um post sobre o que é um esquema), a mim só me interessa o facto do dito político aceitar pacificamente um precedente mais que duvidoso, impedindo o recurso de uma decisão judicial, de que anos mais tarde beneficia directamente.

Que a comunicação social, enterrada até às orelhas em esquemas manhosos deste tipo, se tenha esquecido de escrutinar o assunto (o escrutínio foi essencialmente feito por um blog, o "Porta da Loja") mas agora rasgue as vestes pelos esquemas de Montenegro, é uma boa demonstração de que não é a exigência ética que está na base do ataque permanente a que a comunicação social se dedicou nos últimos meses, e que acabaram com a sua (sua, da comunicação social, não de Montenegro) derrota estrondosa nas eleições de 18 de Maio.

O PS saiu abalado destas eleições, mas pode, com propriedade, usar a velha piada "mas nem imaginas como ficou o outro", referindo-se à comunicação social.

Como unir um grupo? Inventar um inimigo.

por Miguel A. Baptista, em 30.05.25

Não percebo grande coisa de futebol jogado. Mas interessa-me o futebol como fenómeno social — um verdadeiro laboratório de comportamentos, emoções e estratégias coletivas.

Uma das formas mais eficazes de gerar unidade num grupo, organização ou país é a criação de um inimigo externo. Quando todos se concentram numa ameaça comum, as divisões internas tendem a ser temporariamente ultrapassadas ou esquecidas.

A História está repleta de exemplos. Quando a ditadura militar argentina enfrentava forte contestação interna, optou por invadir as Ilhas Malvinas. O gesto teve o efeito imediato de mobilizar grande parte da opinião pública em torno da "causa nacional".
Anos mais tarde, num contexto completamente distinto, Vladimir Putin, perante a estagnação económica e a erosão da sua popularidade, lançou a ofensiva sobre a Ucrânia — reativando o sentimento de unidade nacional através da perceção de ameaça externa.

Mesmo em democracias consolidadas, a lógica repete-se. Quando António Costa assumiu o cargo de primeiro-ministro com uma legitimidade diminuída por ter perdido as eleições, não tardou a ganhar força política ao confrontar, numa cimeira europeia, um responsável da Holanda — país símbolo da austeridade do Norte —, apresentando-se como defensor da honra e dos interesses portugueses. O efeito simbólico foi imediato.

Algo semelhante parece ocorrer, agora, no universo do Benfica. Em ano de eleições, a intensificação do discurso contra inimigos externos — árbitros, conselhos disciplinares, estruturas do futebol — poderá servir como forma de reforçar a coesão interna e desviar a atenção de fragilidades e frustrações acumuladas.

Naturalmente, não discuto aqui se o clube tem ou não razão nas queixas que apresenta. Não tenho conhecimentos suficientes para isso. O ponto que procuro sublinhar é outro: a utilização do inimigo externo como instrumento simbólico de reforço da liderança em momentos de tensão ou fragilidade interna. Uma técnica recorrente, tanto na política como no futebol — onde, aliás, o tribalismo torna este recurso ainda mais eficaz e acessível.

A incompetência é muito mais corrosiva que a corrupção

por henrique pereira dos santos, em 30.05.25

De entre as poucas coisas em que discordo do que vai dizendo Carlos Guimarães Pinto, a mais importante será, provavelmente, a forma como os dois olhamos para a corrupção.

Cito um amigo que fez uma síntese bem melhor do que eu conseguiria, quando eu disse que a força da incompetência era muito mais poderosa que a da corrupção:

"É quase uma Lei da Física. Para que ocorram problemas devidos a incompetência é preciso fazer muito pouco, frequentemente até resultam da inação. Isso torna a sua ocorrência muito mais fácil e frequente, a incompetência é aparentada com a entropia.
Já a corrupção exige reflexão, organização, intencionalidade, agência, eficácia. Não é que não ocorra, mas ao ser muito mais complexa, é menos provável.
Quando vejo casos de crime organizado em Portugal, vem-me uma restiazinha de esperança. Não seria a minha primeira escolha, mas revela que não somos completamente desprovidos da capacidade de organização".

Lembrei-me disto a propósito do comentário de António Nunes, o presidente da CIP dos bombeiros, cujo nome oficial é Liga dos Bombeiros Portugueses, apesar de não representar nenhum bombeiro, mas os patrões dos bombeiros, sobre a operação Torre de Controlo, uma operação judicial que investiga a cartelização das empresas de helicópteros que prestam serviços no combate aos fogos.

Diz António Nunes que "meios aéreos do Estado evitam situações pouco claras com privados".

Bem sei que António Nunes é presidente da Liga dos Bombeiros por razões que desconheço, tal como desconheço a sua ligação ao sector anterior ao exercício deste cargo, mas esta ideia de que o Estado é intrinsecamente melhor que os privados a prestar serviços é especialmente estranha neste domínio, e tudo isto me parece uma metáfora tão boa da administração pública que vou tentar descrevê-la.

O país tem, como tem qualquer outro país, questões de protecção civil a tratar.

Há muitos anos, por circunstâncias históricas fortuitas, a gestão dos fogos florestais passou a ser uma das grandes questões que o país trata no contexto da protecção civil (em vez de ser, como devia, uma questão de gestão florestal), na qual têm um peso esmagador umas associações humanitárias, que não são financiadas pelas comunidades mas pelos contribuintes, e que não têm, na sua génese, competências de ecologia do fogo (estão, portanto, na posição do indivíduo que todos os dias come, e por isso tem uma relação profunda com a comida, mas nunca aprendeu a cozinhar).

Apesar de todos os anos este modelo absorver mais recursos dos contribuintes, os mecanismos de avaliação e controlo na gestão desses recursos são frágeis, quando existentes, e muito pouco relacionados com os resultados que se pretendem obter, o que, naturalmente, não contribui para que se aumente a eficiência no uso dos recursos, e se redesenhe permanentemente o modelo, em função do que funciona, e deve ser mantido, e do que não funciona, e deve ser abandonado.

É assim que um indivíduo sem especial qualificação na matéria é escolhido por um jornalista para se pronunciar sobre uma investigação judicial, acabando a sugerir soluções que só um extra-terrestre poderá ignorar que foram adoptadas anteriormente, com resultados inacreditáveis: a compra de helicópterps KAMOV e a invenção do SIRESP.

Foi exactamente com a tineta de que os meios próprios do Estado evitam situações menos claras, que um responsável político (por acaso, António Costa, a que alguns chamam o melhor político da sua geração, apesar de não se conseguir perceber bem a ideia, a partir dos resultados para as pessoas comuns que foi obtendo ao longo da sua longa carreira política) comprou helicópteros e criou o SIRESP, que não pouparam dinheiro, não deram transparência ao uso dos recursos disponibilizados pelos contribuintes, não resolveram nenhum dos problemas que pretendiam resolver e acabaram envolvidos em investigações judiciais e processos manhosos de gestão de recursos.

Por que razão, com este histórico, António Nunes pode continuar a propor coisas do mesmo tipo?

Porque pode, como podem todos os agentes do sector.

Sapadores florestais? São caros e não servem para o que foram criados, mas quem avalia seriamente o retorno dos recursos que os contribuintes gastam nisso?

Faixas de gestão de combustível? Caras, frequentemente inexequíveis, limitadoras da livre iniciativa das pessoas e sem resultados relevantes para os fins para que foram criadas, mas quem avalia seriamente?

Legislação de defesa contra fogos? Tecnicamente absurda, resultando num poder claramente abusivo, cara e ineficaz, mas quem avalia seriamente?

Planos de transformação da paisagem? Tecnicamente frágeis, inexequíveis, caros e sem qualquer utilidade para o que se pretende, mas quem avalia seriamente?

Etc., etc., etc..

Não, o post não é sobre a gestão do fogo em Portugal, o que está descrito acima é aplicável ao SNS, ao sistema educativo (o ministro ainda anda às voltas para tentar ter informação de base séria para gerir alguma coisa) e a grande parte da administração pública.

A corrupção é um problema sério que deve ser levado a sério, e ter mecanismos de limitação dos seus efeitos negativos sérios, mas comparada com a ineficiência que a incompetência cria na máquina do Estado, a corrupção não passa de um problemazinho sem grande relevância.

Fogos

por henrique pereira dos santos, em 29.05.25

Basta aumentar um bocadinho a temperatura, e lá vem a conversa dos riscos, dos fogos, das limpezas e, já agora, dos interesses obscuros à roda dos fogos.

Por partes.

Aumentar a temperatura, por si, aumenta pouco o risco de incêndio (quando eu escrevo risco de incêndio não estou a falar de haver mais ou menos fogos, mas sim de cada um deles representar um aumento do risco de dar origem a grande fogos incontroláveis).

Eu não entendo a conversa, vinda de bombeiros, protecção civil, jornalismo e fontes diversas, sobre alertas e afins sobre estes dias de temperaturas altas, não vi nada de relevante quer na intensidade do vento, quer na humidade atmosférica, que justifique o barulho público (coisa diferente é a informação técnica para quem combate fogos, que com certeza deve circular, porque vai haver mais uns fogos, e um bocadinho maiores e mais demorados, sem grandes riscos associados, mas que é preciso gerir).

Esta psicose é que dá origem às confusões que são referidas na ligação acima, sobre a contratação de meios aéreos, mas sobre financiamento de bombeiros, sobre vendas de equipamentos, sobre fornecimento de refeições, sobre utilização de combustíveis, o que se entender, quando existe um serviço que precisa de ser prestado com urgência e em quantidades razoáveis, o risco de más decisões (umas por corrupção, outras por incompetência, convém nunca desvalorizar o potencial negativo da incompetência) é altíssimo.

A montante de tudo isto está uma doutrina errada sobre fogos, que dá origem a muita legislação performativa (nem conhecia este conceito, mas Paulo Fernandes vai-me mandando umas coisas curiosas e divertidas que me permitem ir-me actualizando), isto é, legislação com objectivos, medidas, calendários que visam demonstrar que se quer fazer alguma coisa, mas que ninguém sabe como se aplica na realidade, a muita decisão igualmente performativa no mesmo sentido, como a da semana passada sobre mais dinheiro despejado sobre as equipas de sapadores florestais.

Esta coisa dos sapadores florestais é mesmo um bom exemplo, uma ideia que parece boa (o Estado pagar a pessoas para fazer gestão florestal que é fundamental para gerir o risco de fogo), mas cujo desenho esquece a realidade, criando um monstro sugador de recursos, completamente ineficiente e sem avaliação consequente.

As equipas de sapadores, que custam uns 65 mil euros anuais por equipa ao Estado, gerem em média uns 40 hectares de combustíveis, um pastor com 150 cabras gere uns 100 hectares de combustíveis, e toda a gente tem medo de desenhar um programa sério para lhe pagar esse serviço, por causa da fraude, porque torna, porque deixa, e lá continuam os sapadores a torrar dinheiro sem efeitos visiveis, seja qual for o governo.

Quem diz pastor diz resineiro, caçador, conservacionista, qualquer agente económico (empresário puro e duro ou de sectores sociais), cuja remuneração pelo serviço de gestão de combustíveis seria incomparavelmente mais eficiente que com equipas de sapadores florestais ou a permanente invenção de novas medidas, sempre complicadas, sempre com intermediários, que alguém acha mais eficiente que o pagamento directo a quem presta o serviço.

Sempre, sempre, com medo da fraude que esses agentes possam cometer, como se a complicação e emaranhado de regras das alternativas não dessem origem a fraudes de muito maiores dimensões.

O país tem um cancro no mundo rural (o abandono por falta de competitividade da gestão de grandes áreas) e passamos o tempo, governo após governo, a distribuir aspirinas para controlar os sintomas (os incêndios).

Se a minha mãe não tivesse insistido tanto na ideia de que há limites de boa educação que nunca devem ser ultrapassados, eu dir-vos-ia o que fazer à conversa sobre fogos.

 

O fim da experiência liberal em Portugal

por Daniel Santos Sousa, em 28.05.25

28maio-1.jpg

28 de Maio de 1926, não é apenas o fim da "República velha", mas de um século de experiência liberal, de 1820 a 1926, com diversas interrupções, guerras civis e revoluções à mistura na fornalha ideológica saída dos compêndios iluministas. Foi o fim de um paradigma ideológico que acompanha o terramoto político europeu entre as duas guerras. A decadência anunciada desde a Geração de 70  encontrava ali um desfecho e, à falência institucional apenas agravada pela República, decidia-se uma resposta cirúrgica e imediata: a ditadura. Como correlativo apenas o golpe cesarista dos tempos finais da República Romana, ou o 18 do Brumário napoleónico. Contudo - e apesar das circunstâncias - não havia ali um César, mas um triunvirato de aspirantes ao lugar cimeiro. E como na história romana de Suetónio, seria igualmente marcada pela ascensão da autocracia do princeps senatus. Entre reviravoltas, o destino reservaria o consulado vitalício para um civil (não a um general); e à aspiração dos césares das espadas e esporas seguir-se-ia a prudência catedrática de borla e capelo.

"O príncipe dos esquemas"

por henrique pereira dos santos, em 28.05.25

João Miguel Tavares, como é público e notório, não tem grande apreço por Montenegro, tendo um dia destes levantado a hipótese de que ele seja o príncipe dos esquemas.

Eu não tenho a mesma acrimónia em relação a Montenegro, mas acho que hipótese merece ser discutida, não em função das especulações sobre a vida e o carácter de Montenegro (o que anteriormente se chamaria, fazendo um processo de intenções), mas em função da sua vida, longa vida, como político.

Em 2011 não votei em Passos Coelho, exactamente porque na minha avaliação (e com certeza não terei estado sozinho nessa avaliação, a julgar pelo que diz José Miguel Júdice nesta entrevista muito divertida e útil) Passos Coelho tinha uma história de jotinha muito mal explicada, sem nada de relevante que o recomendasse para as funções a que se candidatava (em 2011 votei contra Sócrates, bem entendido, que, esse sim, conhecia de ginjeira há muito tempo, ao contrário da esmagadora maioria dos membros do PS, que nunca tiveram grandes dúvidas sobre a sua excelência, tal como nunca tiveram dúvidas sobre a excelência de Costa ou Pedro Nuno Santos, bem aventurados os pobres de espírito).

Avaliei mal Passos Coelho e hoje reconheço que teria feito melhor em ter votado em Passos Coelho (como votei em 2015), razão pela qual fiquei mais cauteloso em relação a apreciações de carácter dos políticos.

Há, na biografia política de Montenegro, zonas de sombra que me incomodam, a principal das quais uma quase esquecida história de pertença à maçonaria de que nem Passos Coelho tinha conhecimento na altura, incluindo a rápida desvinculação que Montenegro garantiu na altura.

E há, no último ano de governo, zonas de sombra que me incomodam igualmente, em especial uma lógica de protecção partidária (em rigor, uma lógica de protecção, seja de que tipo for) de algumas pessoas que a mim não me parecem ser dignas dessa protecção.

Aliás, o seu governo parece ser uma espécie de governo híbrido, com uma componente de assuntos sérios, para a resolução dos quais se escolhe gente que pode falhar, mas seguramente tentará fazer com que as coisas funcionem, e outra componente, que por facilidade eu chamaria a componente aparelhística e autárquica, que anda para ali a encanar a perna à rã e a anunciar milhões para isto e aquilo, procurando sobretudo manter-se próxima do poder que permite o exercício dos pequenos poderes em que se especializaram os aparelhos partidários.

Finanças, Justiça, Educação, Saúde, Migrações, Economia e Trabalho e Segurança Social são áreas em que manifestamente há uma vontade de fazer, e fazer bem.

Quando se critica Fernando Alexandre por ter usado números errados, e depois adjudicar e pagar uns milhares de euros numa auditoria que não vai conseguir dar os números que se pretendia, está a fazer-se a crítica errada, a crítica certa seria aos ministros anteriores que governaram sem se preocuparem em preparar a administração para a produção de informação relevante.

Quando se critica a Ministra da Saúde por não conseguir os objectivos definidos no plano de emergência a que se vinculou, está a fazer-se a crítica errada (a menos que a Ministra tentasse martelar os números não mudar nada em relação ao previsto), porque a crítica certa é aos anteriores ministros que se furtaram a estabelecer metas e calendários verificáveis, bem como à gestão desse plano e calendário em função dos resultados verificados.

Ou seja, nas matérias que citei, o governo de Montenegro é manifestamente um governo que serve, no sentido em que tenta identificar problemas e resolver, mesmo que tenha o problema de todos os governos portugueses que é o de assentar a sua acção numa administração que é péssima a produzir informação de gestão fiável (uma absoluta necessidade que me parece que vai sendo olhada com atenção por Miranda Sarmento, mas é cedo para perceber se realmente é assim).

Noutras matérias, que me escuso de citar (e que pessoalmente me chateiam bastante, porque incluem aquelas que são as minhas áreas de actividade profissional), o modelo parece ser o esquemático, isto é, a gestão de esquemas que evitem ondas, ou seja, deixar tudo na mesma.

Eu não tenho a psicose das reformas, o meu critério central de voto nas próximas autárquicas não se prende com o candidato que tem melhores ideias e reformas para a autarquia em que voto, mas sim com a minha convicção de qual é o candidato que, mais provavelmente, me garante que as sarjetas funcionam correctamente.

Talvez por isso eu fique pouco impressionado com os políticos carismáticos e me interesse tanto por políticos cinzentos que se focam em fazer o seu trabalho tão bem quanto conseguem, sabendo que não são génios que criam soluções miraculosas para problemas persistentes, mas pessoas que procuram tornar a vida dos outros mais fácil.

Não tenho uma opinião definitiva sobre Montenegro mas, até agora, não tenho razão nenhuma para lhe chamar príncipe do que quer que seja, parece-me ser uma pessoa normal, a tentar fazer razoavelmente o trabalho que tem entre mãos.

Espero não me enganar.


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