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Por puro divertimento, resolvi olhar, lado a lado, para os resultados das eleições de Domingo passado e para os resultados das europeias de 2019, que se irão repetir dentro de menos de três meses.
Comecemos pelo número de votantes: cerca de seis milhões no Domingo passado contra cerca de três milhões em 2019.
Começar por aqui é importante para se poder ler os números seguintes, que seguem a ordem de voltação nas últimas europeias.
O PS elegeu então 9 deputados, com um milhão e cem mil votos e 33,38%. Daqui a menos de três meses irá, com certeza, perder alguns destes deputados, tendo em atenção que nas eleições de Domingo teve um milhão e oitocentos mil votos, o que é mais que em 2019, mas 28,7% dos votos, uma perda de quase 5%.
O PSD e o CDS (vou juntá-los porque parece fazer sentido), elegeram 7 deputados com com mais de novecentos mil votos, que comparam com o milhão e oitocentos mil que tiveram no Domingo passado, o que em percentagem quer dizer passar de 28% para 29%, por aí. Ou seja, devem eleger 6 a 8 deputados, se se considerar (consideração assumidamente estúpida, o que não quer forçosamente dizer inútil) que as eleições de europeias terão alguma consistência de resultados com as de Domingo passado.
O BE elegeu dois deputados, com 320 mil votos e quase 10% dos votos, mas no Domingo passado teve 275 mil votos e menos de 5% de percentagem, portanto, poderá eleger, ou não, um deputado europeu (o último a eleger, em 2019, foi o PAN com 5% dos votos, perto de 170 mil), sendo mais provável que Catarina Martins acabe eleita, mas dificilmente haverá um segundo deputado europeu do Bloco de Esquerda.
O PC elegeu dois deputados, com cerca de 270 mil votos e quase 7% dos votos, que contrastam com os 200 mil votos e menos de 4% dos votos no Domingo passado, ou seja, eleger um deputado parece possível, tendo em atenção o número de votos do PAN nas últimas europeias, mas não é nada seguro tendo em atenção a diferença de 3 para 6 milhões de votantes entre umas e outras eleições.
O PAN elegeu um deputado com apenas 170 mil votos, mas 5% dos votantes, só que agora, com o dobro dos votantes globais, ficou-se pelos 120 mil votos e 2% dos votos, uma percentagem em linha com os vários partidos que não elegeram deputado nenhum nas europeias anteriores, portanto, deve perder o seu deputado europeu (na verdade, perdeu-o logo depois das eleições, à conta das divergências internas).
A IL e o Livre estão, essencialmente, na mesma posição, não elegeram com votações mais ou menos residuais em 2019 (30 mil e 60 mil votos, respectivamente, 0,88% e 1,83%), mas no Domingo passado tiveram votações com alguma expressão (300 mil e 200 mil votos, respectivamente, 5.08% e 3,26%), sendo possível que eleger um deputado cada, mais provável para a IL, mais difícil para o Livre.
O Chega não concorreu em 2019 e agora teve um milhão e cem mil votos, em torno dos 18%, o que quer dizer que deve ficar com os deputados todos que os outros perderem, 3 a 4 do PS, um do BE, um do PC e um do Pan, menos um que a IL pode ir buscar, ou seja, aí uns 5 deputados, mais coisa, menos coisa.
Claro que tudo isto não passa de um divertimento sobre o futuro, as variações do número de votantes inviabilizam qualquer comparação minimamente sólida, os cabeças de lista podem influenciar qualquer (pouco, mas pode ser a diferença entre ter mais um ou menos um deputado) e confesso que divertiria imenso que o Chega candidatasse Mithá Ribeiro como cabeça de Lista, para ver os branquelas todos dos outros partidos a acusá-lo de racista (a discussão sobre o racismo está tão absurda que Cristina Roldão, uma mulata que escreve no Público sempre a mesma crónica sobre diferenças de tons de pele, reconhece a ironia de ser o Chega o único partido a ter elegido deputados racializados (sem qualquer ironia, não consigo mesmo perceber este conceito de pessoas racializadas), dizendo que elegeu Mithá Ribeiro (ascendência em famílias pretas e indianas, se não me engano) e um outro deputado manifestamente mulato, nem reparando que Rita Matias é também mestiça, com ascendência indiana).
Num comentário ao meu post anterior, um dos leitores lembrou que vamos entrar na época do IRS.
Depois de muitas peripécias, que duraram anos, obrigaram a mudanças estatutárias irrelevantes (comunicadas em avaliações sucessivas e não apenas na primeira análise, isto é, os serviços públicos acham admissível que depois de analisarem um documento, indicarem que alterações precisam de ser feitas para estar correcto, na verificação de que essas alterações foram feitas, descubram novas desconformidades que precisam de ser corrigidas), a Montis, desde o ano passado, passou a ser elegível para receber 0,5% de IRS que os contribuintes indiquem.
A coisa está toda explicada aqui, mas essencialmente o que é preciso é que no formulário do IRS se indique:
Tipo de entidade que pretende apoiar: Pessoas coletivas de utilidade publica de fins ambientais
NIF da entidade - MONTIS 510976077
O tipo de consignação: “IRS”
Como no ano passado foi o primeiro ano em que isso foi possível, não havia, até há uns dias atrás, qualquer ideia do que teria resultado desse processo.
Não sei muitos pormenores, mas tenho ideia de um dia destes, em conversa com alguém da direcção, me terem dito que já tinha entrado a receita proveniente desse processo no ano passado e ser relevante para um dos objectivos centrais da Montis, desde o primeiro dia: ter um número de sócios suficiente para que as quotas pagassem um secretariado, sem depender de mais ninguém.
Na altura não se considerou a possibilidade de consignação de 0,5% do IRS, mas faz sentido que se junte este dinheiro ao dinheiro das quotas para reforçar este objectivo: o secretariado profissional mínimo da Montis deve ser pago pelos seus sócios e apoiantes, sem depender de mais ninguém.
Esse é mais um dos instrumentos para que a Montis seja uma associação realmente independente, cuja orientação depende primordialmente do que os sócios querem que seja a associação, em cada momento.
Ao fim de dez anos, se se consideraram 400 sócios e o dinheiro da consignação do IRS talvez se esteja a falar de qualquer coisa como o custo de uma pessoa a tempo inteiro, que é a base de trabalho que permanece sempre disponível, independentemente das flutuações de disponibilidade de recursos que dependem de projectos e outras fontes de financiamento.
Parece um objectivo ridículamente pequeno, mas olhem que não, olhem que não.
A Montis é uma pequena organização de conservação da natureza que ajudei a fundar e de que fui presidente nos primeiros dois mandatos.
Estatutariamente não se pode fazer mais de dois mandatos e os dirigentes não podem ter comércio jurídico (incluindo receber dinheiro que não seja ressarcimento de despesas documentadas) da associação que dirigem.
É das poucas organizações deste tipo que conheço em Portugal que leva a sério o pagamento de quotas, portanto, estatutariamente, em vez da solução usual de remeter a perda de qualidade de sócio para uma decisão da Assembleia Geral (que, na verdade, raramente ocorre), essa perda da qualidade de sócio ocorre automaticamente desde que não exista pagamento e o sócio tenha sido avisado de que está a dever a quota (por isso os meus amigos estão a receber contactos meus, a pedido da direcção, no sentido de pagarem as quotas, se for esquecimento. Se for opção, tenho pena, mas é a vida, nunca insisto).
Quando digo pequena organização é porque terá qualquer coisa como 410 a 420 sócios (dos quais, uns 80 em risco de perder essa qualidade por falta de pagamento de quotas), sendo o crescimento em número de sócios a minha maior frustração com a Montis (já agora, quem se quiser fazer sócio, é só daqui um salto).
Para muita gente, é uma associação frustrante, porque não tem posições políticas, limita-se a estar comprometida com a gestão concreta de terrenos em que ninguém está interessado, ou porque os comprou para dedicar à conservação (penso que será dono de qualquer coisa entre 15 e 20 hectares, quase todos comprados com recurso a crowdfunding), ou porque fez acordos de gestão de longo prazo com os proprietários, não pagando rendas, limitando-se a gerir com objectivos de conservação (deve andar pelos 200 ou 300 hectares, mas como não estou ligado à gestão diária da associação, não tenho os números na cabeça. Em qualquer caso, quem quiser saber mais sobre isso, partindo do princípio de que a informação está actualizada, princípio errado porque já vi que faltam pelo menos as propriedades na zona da serra da Estrela, pode dar um salto aqui).
O que me interessa é que no dia 21 (às vezes aparece como sendo no dia 23, eu não me lembro) a associação vai comemorar dez anos, o que, em si, representa, para mim, uma grande vitória: dez anos a crescer lentamente, sem estar apoiada no Estado, quase sem grandes projectos aprovados (o único grande projecto apoiado, um projecto LIFE, ia transformando a associação em mais uma associação de conservação mais preocupada em captar recursos que em gerir terra com objectivos de conservação), sem grandes mobilizações "contra interesses", sem nada de especial que não seja o gosto por gerir terra com objectivos de conservação e o compromisso de confiar nas pessoas comuns para o conseguir.
Nas próximas semanas irei fazendo mais posts sobre a Montis, até porque está em preparação mais um crowdfunding para criar uma base melhor de aquisição de terrenos mas, para já, o que queria era sinalizar o meu gosto por estes dez anos assentes em gente livre que se junta para fazer o que acha que nos beneficia a todos.
"Eduardo Oliveira e Sousa, ex-presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, que gerou polémica por negar as alterações climáticas...", escreveu ontem no Público Ana Bacelar Begonha.
Quando li isto lembrei-me imediatamente de uma cena de Notting Hill em que a actriz principal, depois de uma confusão qualquer, responde, a quem lhe diz para não dar importância ao que vem nos jornais porque no dia seguinte estarão no lixo, que a história vai ser arquivada e até ao fim dos dias dela, sempre que alguém escrever alguma coisa sobre ela, a história vai voltar a ser desenterrada.
A grande diferença do filme para a realidade é que no filme a cena diz respeito a uma situação que realmente aconteceu, na realidade a observação que ela faz continua a ser verdadeira, mesmo para coisas que nunca aconteceram (ou de que não há registo de que tenham acontecido), como o famoso "nunca me engano e raramente tenho dúvidas", o não menos famoso "vem aí o Diabo", para não falar do mais distante "se não têm pão, comam brioche".
Oliveira e Sousa vai ter de viver até ao fim da vida com o surgimento periódico da invenção mediática de que terá negado as alterações climáticas num comício da AD em Ourém.
Para quem queira saltar por cima da mediação do quarto poder, pode ouvir aqui, integralmente, o seu discurso nesse comício.
Ao minuto 15 do vídeo pode ouvir-se o momento em que Oliveira e Sousa começa a criticar algum ambientalismo.
Ao minuto 16 e 45, aparece a primeira crítica que o quarto poder resolveu usar para inventar posições políticas que não foram expressas, atribuindo-as a Oliveira e Sousa.
Ao minuto 19 começa a falar de alterações climáticas, começando por referir vários fenómenos meteorológicos extremos do passado, para ilustrar a ideia de que sempre houve fenómenos meteorológicos extremos.
Ao minuto 20 e 03, conclui dizendo "O planeta tem vida própria. Mas as alterações em curso são diferentes e são mais recorrentes. Há que deitar mão do conhecimento e dos meios técnicos para encontrarmos soluções que diminuam os riscos que sabemos que corremos".
É absolutamente claro, cristalino, que Oliveira e Sousa não nega as alterações climáticas como, pelo contrário, faz pedagogia sobre o assunto ao responder a um argumento recorrente de quem nega as alterações climáticas - sempre houve fenómenos meteorológicos extremos -, dizendo que sim, isso é verdade, mas aquilo a que assistimos agora é diferentes e mais recorrente.
Não me interessa discutir se tem razão ou não, se o discurso é bom ou não, etc..
O que me interessa é a opção do quarto poder.
Neste caso, como em muitos outros, a opção de esquecer os factos para apresentar argumentos, o que me parece que resulta da ideia errada de que o jornalismo é um contra-poder que deve ajudar a mudar o mundo, e não apenas a actividade de produzir informação útil às pessoas comuns (que, frequentemente, acaba em ser contra-poder, mas isso é um ponto de chegada, não de partida).
Recentemente apareceram notícias de mais um despedimentos colectivo num grupo de comunicação social, ilustrando a prolongada crise dos jornais (não necessariamente do jornalismo, mas não vou entrar por aí), que terá, com certeza, razões estruturais e de contexto, mas é também o resultado de um jornalismo de causas, que é como agora chamam ao jornalismo oportunista que aproveita a visibilidade dos seus agentes para contrabandear ideias, mascarando a nudez crua da propaganda sob o manto diáfano do jornalismo.
O quarto poder, quando é limitado pelas preferências dos seus leitores, tem ligações à realidade que o impedem de desembestar pelo mundo poético de superioridade moral em que vive a generalidade do jornalismo, mas quando vive de fontes de financiamento sem ligação com os seus leitores, como é o caso do Público que vive da caridade da família Azevedo, ou o Expresso, que vive do bolso fundo e da televisão do seu dono, perde qualquer limitação que o obrigue a procurar a confiança das pessoas comuns.
Infelizmente, o quarto poder parece ter vindo a escolher o lado errado da barricada, focando-se no que julga ser a sua missão de nos salvar a todos, mudando o mundo, em vez de se focar em dar-nos informação fiável que nos permita, a cada um de nós, com as nossas limitações, fazer opções que entendermos sobre as melhores formas de lidar com a realidade.
Tive de ir ao google saber o que queria dizer o título deste post, que vem directamente de um comentário a um post meu anterior, e depois de ver, achei que era um bom arranque para um post.
Talvez seja da natureza humana, talvez não seja nada de especificamente português, mas a verdade é que em Portugal há uma grande tendência para olhar para nós pelas lentes dos mitos, um "manto diáfano de fantasia" que nos defende da "nudez crua da verdade", como diria o outro.
Um bom exemplo é-me sugerido pelo facto de continuar a ler o livro de Nuno Palma, depois de ter lido parte do que foi escrito sobre ele.
Frequentemente há gente a escolher o facto de Nuno Palma dizer que Pombal foi o pior governante que Portugal teve (não tenho a certeza que a formulação que use seja exactamente esta), centrando-se nesta ideia (que é sempre discutível, como é evidente) em vez de se centrar na fundamentação que ele apresenta como base para essa conclusão, que é bastante objectiva.
Nuno Palma defende (pelo menos é essa a minha interpretação) que a disponibilidade de ouro do Brasil destruiu económica e institucionalmente o país (destruiu é um exagero meu, para ser mais rigoroso, afectou negativamente), sendo aliás uma das razões que teriam permitido a Pombal exercer o poder de forma tão livre e absoluta (neste ponto, compreendendo que possa ter contribuído, diria que o despotismo foi uma tendência geral na Europa ocidental na mesma época de Pombal, portanto é preciso alguma prudência na atribuição a causas nacionais pelo contexto cultural em que Pombal exerceu o poder).
E é a partir dessa ideia que faz a apreciação que faz do governo de Pombal.
Acima de outros aspectos que refere, escolhe a destruição do sistema escolar, com a expulsão dos Jesuítas, como a decisão mais negativa de Pombal, por coincidir com o fim das entradas do ouro do Brasil, com o tudo o que isso significa de dificuldade económica, dificuldade essa cuja resolução é travada pela destruição da capacidade de fazer crescer o capital humano, exactamente quando no resto da Europa ocidental a escolarização generalizada se começa a desenvolver, em paralelo com a industrialização.
Até aqui, nada de especial, acontece e pode acontecer em qualquer lado do mundo, uma decisão trágica, tomada por conveniência política de manutenção do poder, que acentua as dificuldades de contexto de uma sociedade, potenciando o desenvolvimento negativo do país, por décadas.
O que me parece extraordinário é que, ainda hoje, mais de duzentos anos depois, a defesa do governo de Pombal ainda motive discussões e mais de cem anos depois da sua saída do poder o país lhe tenha dedicado uma das mais proeminentes estátuas da capital do país, não porque uma historiografia rigorosa tivesse demonstrado que Pombal foi um grande governante, mas porque servia o mito de um poder político forte, que se opõe à igreja e às forças obscurantistas.
Ainda hoje esse mito sobre Pombal, e as maravilhas que fez na modernização do ensino em Portugal (que destruiu sem apelo nem agravo), é ensinado nas escolas sem grande escândalo, provavelmente porque preferimos discutir mitos a ter o trabalho de procurar entender a realidade e operar sobre ela, procurando sistematicamente avaliar o que funciona ou não funciona e quem ganha ou perde com cada decisão que o poder político vai tomando.
Toda a campanha eleitoral foi feita nesta base.
Quando uma afirmação perfeitamente sensata de Passos Coelho sobre a necessidade de levar a política de imigração a sério apareceu, raramente se discutiu o problema real levantado, preferindo-se tecer grandes considerações sobre a dimensão da virtude de cada um no amor ao próximo.
Quando uma defesa perfeitamente legítima de um ponto de vista, por Paulo Núncio, foi feita, raramente se discutiu a questão de fundo, optando-se por falar dos grandes mitos associados ao famoso "não passarão" e ao avanço civilizacional que o aborto representa (é extraordinário como um avanço civilizacional, o fim da perseguição legal de mulheres em desespero, é confundido com o recuo civilizacional que consiste em achar que não há nada a discutir sobre os limites da legitimidade de intervenção no desenvolvimento de um embrião de pessoa).
E finalmente chegamos ao título deste post, que decorre de um pequeno post scriptum meu sobre a actual Iniciativa Liberal, na sequência do que um amigo meu classificou como "a necessária clarificação interna".
O que aconteceu na Iniciativa Liberal não tem nada de novo, aliás, um outro amigo meu, perante a minha indignação com os métodos de sufocação da divergência que foram usados na Iniciativa Liberal, limitou-se a responder que os partidos são assim, inevitavelmente.
Ora é exactamente esta resignação sobre a degradação institucional, neste caso, dentro de um partido, que me indigna, não é qualquer espécie de "Schadenfreude".
É verdade que gostei de ver o que aconteceu em Lisboa com a Iniciativa Liberal (na verdade, o único distrito em que a Iniciativa Liberal desceu em deputados, votos e percentagem, há apenas um outro distrito em que a Iniciativa Liberal desce em percentagem, mas não em votos) porque isso me dá esperança, mostrando que pessoas comuns, como eu, reagiram de forma clara e tranquila a uma pulhice (não, não é a ausência de Carla Castro que motiva esta reacção de eleitores como eu, mas sim todo o contexto de eliminação da divergência, associado a uma sonsice éticamente inaceitável na forma como se pretendeu neutralizar a divergência, no caso de Carla Castro).
Ao mesmo tempo que fiquei muito contente com a eleição de Mário Amorim Lopes em Aveiro e tenho pena que Pedro Brinca não tenha sido eleito em Coimbra.
O que está em causa na Iniciativa Liberal não é nenhuma "necessária clarificação interna", isso fez-se nas eleições, ganhou a linha dos liberais em toda a linha, está o assunto resolvido, do ponto de vista da clarificação interna.
O que está em causa é a necessidade que o poder legítimo dentro da IL, obtido com 51% dos votos, sentiu de sufocar toda a divergência, de eliminar os "liberais conservadores", como eles dizem, os que discordam, os que contestam, resumindo, a opção por uma "linha justa" em detrimento de uma opção pela aceitação da conflitualidade potencial decorrente da pluralidade do conceito de liberal.
Para o actual poder na IL a divergência e a diversidade ideológica é um risco para o partido, para mim, essa é uma condição base de crescimento e aumento da influência social das ideias liberais, aceitando que há quem defenda âmbitos mais alargados de aplicação de ideias liberais e quem restrinja a validade desses conceitos a âmbitos mais restritos.
Espero que Lisboa, onde foi levada mais longe a defesa da linha justa, com insídia e sobre o alvo mais inesperado, seja suficiente para pelo menos haver gente, dentro da IL, a ter dúvidas sobre a virtude de expurgar do partido todos aqueles que não encaixam na pureza da definição de liberal que hoje é dominante na direcção do partido.
O Facebook tem uma função de memória que vai mostrando coisas escritas anteriormente, na mesma data, mas em anos anteriores.
É uma função divertida, aqui e ali pode ser um bocadinho constrangedora quando se lê coisas que, lidas hoje, são autênticos disparates (e às vezes já eram, quando foram escritas) e hoje lembrou-me de que há dez anos usei este gráfico, vindo do INE, no relatório das contas de 2013 e que tinha saído nesse dia.
Num comentário, eu escrevia: "Este gráfico é muito, muito expressivo: primeiro do lado esquerdo o desequilíbrio das contas externas, na linha, o progressivo endividamento consequente, a tentativa de correcção progressiva do fim de Guterres e governos PSD/ CDS, a guinada de Sócrates logo em 2005, assente em necessidades de financiamento cada vez maiores (que se potenciam pelo stock crescente da dívida, mesmo quando as contas externas mostram alguma melhoria) e finalmente a correcção entre 2011 e 2013".
Achei muito útil trazer para aqui, exactamente hoje, no dia seguinte aos das eleições, um gráfico que começa quando começa Guterres e vai até ao meio de Passos Coelho e que, na minha opinião, explica em cinco segundos as razões para a chamada da troica e os excelentes resultados obtidos com o programa de assistência financeira (de que, felizmente, António Costa resolveu manter o essencial).
E acho útil porque ilustra bem as responsabilidades dos partidos na encruzilhada em que estamos (claro que há muitos outros factores não controláveis a contribuir para a tendência de progressiva degradação institucional e social em que estamos metidos).
A esquerda, toda a esquerda (ou seja, inclui a esmagadora maioria das redacções dos jornais, rádios e televisões), inventou uma história da carochinha sobre a responsabilidade exclusiva de Passos Coelho, e da direita, nas dificuldades sentidas durante o programa de ajustamento.
Com isso, em vez de estabelecer um chão comum de reconhecimento do problema e do caminho comum para o resolver, criou uma nebulosa argumentativa que nos impediu de investir seriamente na optimização das políticas públicas que contribuíssem para responder aos problemas que o gráfico mostra (e que são muito anteriores à troica, Sócrates, e o PS de então, apenas escolherem ignorar irresponsavelmente os problemas, agravando-os, para não perder votos).
A opção tem razões claríssimas de sobrevivência partidária e o artigo que, para mim, melhor mostra isso, é este artigo de Porfírio Silva (de quem sou pessoalmente amigo e de quem digo que é dos maiores sectários que conheço).
Dito de outra maneira, o PS, com medo de morrer ou se tornar irrelevante, resolveu torpedear os interesses do país (reconhecer os bons resultados do programa de ajustamento e respeitar o esforço das pessoas para os obter, fazendo a pedagogia da necessidade de criar riqueza como forma de ter uma vida melhor) para impor os seus interesses: garantir o acesso ao poder.
Púrpuro acaso, vi ontem um filme sobre o rapto do dono da Heineken, em que várias vezes ele diz que se pode ser rico de duas maneiras, ou tendo muito dinheiro, ou tendo muitos amigos, o que não se pode é ser rico das duas maneiras em simultâneo.
O PS (e a esquerda em geral), preferiu ter muito amigos, isto é, ter muitos votos, a contribuir para que o país tivesse mais dinheiro.
O resultado das eleições de ontem é consistente com o que seria de esperar de uma opção dessas que, ainda por cima, assenta no logro permantente de anunciar uma política (virar a página da austeridade) e manter a substância de outra política (a aplicação diferente da mesma política de austeridade).
Essencialmente, e simplificando, das eleições resultaram três blocos com dimensões apreciáveis: 1) os que não vêem alternativa a esse jogo de sombras e têm medo de mudanças, quaisquer mudanças (a perfeita definição do que é um reaccionário), que é o hoje o bloco das esquerdas, todas as esquerdas; 2) os que querem retomar o caminho que o gráfico vinha a desenhar na sequência do programa de ajustamento, sem grandes sobressaltos e aproveitando as condições mais favoráveis para cativar a sociedade para o esforço de criar mais riqueza; 3) os que se sentem enganados e sem esperança.
Da resultante de forças entre estes três blocos virá o caminho que vamos fazer daqui para a frente.
Por mim, o que me parece mais razoável, é que o grupo que acede ao poder faça o que tem a fazer e deixe aos outros as opções que entenderem.
P.S. sobre a Iniciativa Liberal - Não faço segredo do facto de ser ideologicamente liberal, de ter apoiado a Iniciativa Liberal e de continuar a achar que é a formação política que melhor me representa, ideologicamente. Também não fiz segredo da minha opção de votar na AD, na sequência de um processo sectário de gestão interna da Iniciativa Liberal, subsequente às eleições internas que houve, que culminou na proposta de um sétimo lugar nas listas de Lisboa a Carla Castro. O argumento de que seria um lugar perfeitamente ao alcance da eleição foi a base de uma proposta de uma perfídia sectária que não quis deixar de penalizar (nem eu, nem, pelos vistos, muito mais gente, visto que em Lisboa a IL perdeu um deputado, perdeu percentagem e número de votantes). Espero que a demonstração de que Roma não paga a traidores modere a sanha sectária do actual grupo dominante na IL, para eu voltar a ter em quem votar alegremente.
Portugal no longo prazo é o nome do blog de Nuno Palma.
Conheço Nuno Palma por nos termos cruzado no éter (depois cruzámo-nos pessoalmente duas ou três vezes, a mais longa das quais num almoço para o qual o Nuno me convidou) e desde aí acompanho o que escreve porque me parece muito consistente com o que eu próprio escrevo.
Sei que todos nós temos tendência para gostar de ver os nossos preconceitos confirmados de forma independente, razão pela qual faço um esforço para ler o que contradiz Nuno Palma, ou pergunto a terceiros que saibam mais de economia que eu se um ou outro aspecto que me pareça mais estranho tem base sólida ou não.
De maneira geral, as fontes independentes (sejam fontes primárias de informação, sejam opiniões de pessoas a quem reconheço seriedade e conhecimento sobre assuntos de que sou um mero leigo) confirmam, pelo menos em traços largos, o que o leio do que o Nuno escreve.
Tem havido excepções, mas confesso que na maioria dos casos são coisas sem interesse (o livro tem ideias boas e originais, mas as boas não são originais e as originais não são boas, como escreveu Diogo Ramada Curto, é um comentário típico de preguiçoso que prefere o lugar comum à crítica objectiva) ou coisas intelectualmente indigentes, como esta, por exemplo.
O Nuno nem sempre é fácil, como se pode ver por este post em que explica por que razão se recusa a falar com o Expresso (há mais jornais em que parece que não entra, pelo menos não tenho dado por isso, mas desconheço as razões).
Mas, aparentemente, a esquerda militante que domina na academia, perpetuando mitos sobre a nossa história (como o que se deve ao Marquês de Pombal no ensino, ou o esforço do Estado Novo para manter o país pobre e analfabeto), parece, finalmente, estar a perder a guerra cultural.
Por um lado, o livro de Nuno Palma sobre a nossa história económica estará a entrar na 5ª edição, com vinte mil exemplares vendidos, o que é extraordinário para um longo ensaio sobre história económica.
Por outro são cada vez mais os textos com visões menos marcadamente ideológicas sobre a nossa história económica dos últimos cem a duzentos anos e seria uma grande comemoração dos 50 anos do 25 de Abril o enterro definitivo de uma série de mitos fundadores do regime, que o tem mantido preso a ideias que nos tolhem os passos, enquanto comunidade e nação.
O próprio livro do Nuno, e o seu inegável êxito, é a demonstração de como o pêndulo tem andado num sentido diferente do que era dominante na historiografia do Estado Novo, movimento de recentragem que começou há muitos anos, também na academia, mas que tem tardado a chegar às pessoas comuns, ainda ensinadas na escola a tecer loas às reformas educacionais do Marquês de Pombal, sem o contraponto de lhes ser ensinado que há um grande desfasamento entre papel e prática e, na verdade, o que Pombal fez, por razões políticas e de gestão do poder, foi reduzir em 90% os alunos existentes no país. Não porque tivesse objectivo, mas porque precisava de derrotar os jesuítas, que na altura asseguravam o grosso do ensino no país.
Este ensaio publicado no Observador (chamam-me a atenção para a falta de rigor de dizer que o autor é professor de Harvard, com base numas aulas que ele lá dá ou deu, parece que em Portugal continua a ser normal enfeitar-se com penas alheias), é um bom exemplo de como é hoje normal encontrar-se na imprensa mainstream um discurso sobre a história económica do país que não assenta nos mitos fundadores do regime democrático.
A mim interessaram-me sobretudo dois gráficos, cujo rigor também parece deixar a desejar (o gráfico com a percentagem da despesa do Estado por tipo não inclui 100% da despesa, aparentemente faltam ali 30% não explicados), mas que são muito expressivos: a Formação Bruta de Capital Fixo no país (distribuída pelo contributo do Estado e dos privados) e o gráfico com a percentagem da despesa do Estado por tipo, que me parece mostrar as despesas sociais a começar a subir antes do 25 de Abril e as depesas de investimento a cair para níveis que, dizem os autores, não chegam para repôr o stock.
Não me parece um mau dia para olhar para "Portugal no longo prazo".
É muito frequente, quando aparecem as tolices habituais nesta altura do ano relacionadas com o tiro aos lucros, haver alguém que pede para se comparar a Jerónimo Martins (e os seus principais rostos) com a Delta (e o comendador Rui Nabeiro).
Aparentemente, pretendem demonstrar a diferença entre a consciência social de Rui Nabeiro e a ausência de consciência na família Soares dos Santos.
A principal ferramenta de distribuição social da riqueza criada pelas empresas é a remuneração do trabalho, por isso vale a pena ser esse o critério central da comparação.
Comecemos pela dimensão dos postos de trabalho associados aos dois grupos: cerca de 4 mil trabalhadores na Delta, contra 130 mil na Jerónimo Martins, ou seja, trinta vezes mais famílias vivem da riqueza criada na Jerónimo Martins que na Delta.
Claro que para quem acha que propriedade é roubo ou, menos radicalmente, que a mais valia é apropriação indevida do valor do trabalho pelo capital, isso significa que a Jerónimo Martins explora trinta vezes mais pessoas que a Delta.
Para as pessoas comuns, no entanto, significa que o grupo Jerónimo Martins é responsável por distribuir riqueza, através da remuneração do trabalho, por trinta vezes mais pessoas que a Delta.
Pode argumentar-se, no entanto, que isso resulta de um grau de exploração maior do trabalho, que é menos remunerado na Jerónimo Martins que na Delta, ou seja, que embora a Delta alimente muito menos gente, é muito mais justa da forma como remunera o trabalho.
Vamos esquecer uma pergunta perfeitamente legítima (se a Jerónimo Martins explora mais as pessoas, e se as pessoas são livres de procurar trabalho onde quiserem, como mantém uma força de trabalho de 130 mil pessoas?) e avaliar se há alguma razão para pensar que de facto há uma maior injustiça na remuneração do trabalho que as pessoas vendem à Jerónimo Martins, em relação ao que vendem à Delta.
Quer a Jerónimo Martins, quer a Delta, fazem parte de um grupo de empresas relevante que adoptaram como política salarial ter os seus ordenados de entrada mais altos que o salário mínimo nacional (todas elas empresas de certa dimensão, lucrativas, pagadoras de impostos, fazendo parte da pequena minoria de empresas do país que pagam a esmagadora maioria dos impostos e segurança social, isto é, são as empresas cujos lucros servem de base ao desporto do tiro aos lucros).
Quer numa, quer noutra, não é fácil saber qual é o ordenado médio e muito menos o mediano, mas o facto é que o ordenado de entrada na Jerónimo Martins parece ser ligeiramente superior ao da Delta, e não vi nada que me faça pensar que quer uma, quer outra empresa, tenham niveis de remuneração do trabalho desalinhados com os respectivos mercados e sectores de actividade, portanto parece-me razoável presumir que tenderão a ter uma remuneração de trabalho ou igualmente justa (para uns), ou igualmente injusta (para outros).
Em qualquer caso, quer um grupo, quer o outro, pagam melhor que a mediana do mercado, isto é, desempenham um papel de distribuição de riqueza, através da remuneração do trabalho, que é melhor que a generalidade da economia (incluindo Estado e sector social, provavelmente).
A sensação que tenho é a de que a discussão de assuntos complexos seria muito mais simples se cada vez menos pessoas insistissem em jamais permitir que a realidade influencie os seus argumentos.
Por coincidência, li ontem um post de Miguel Alçada Baptista sobre as reacções às notícias da apresentação de resultados da Jerónimo Martins e um dos meus amigos do Bloco de Esquerda publicitou um video do Bloco que intercalava declarações de Pedro Soares dos Santos e um discurso de Mariana Mortágua, ilustrando na perfeição o desporto nacional que nesta época do ano é muito praticado: o tiro ao lucro.
Começo por transcrever o que disse Mariana Mortágua com letras a traço grosso, com comentários meus dentro de parêntesis e em itálico, pedindo que a transcrição seja lida tendo em atenção que era um discurso de campanha, portanto o rigor formal do português, e mesmo da lógica, tem as suas fragilidades, não deixando de se perceber o essencial.
"O caso de Pedro Soares dos Santos.
Dono da Jerónimo Martins. (por uma questão de rigor, Pedro Soares dos Santos é apenas um dos donos do grupo, aliás, no caso do Pingo Doce, tenho ideia de que 49% do capital nem sequer é da família Soares dos Santos, mas reconheço que esta é uma informação relativamente lateral)
Soares dos Santos gosta que se fale de impostos, desde que seja ele a receber o bónus fiscal que a direita lhe quer oferecer. (esta afirmação é extraordinária porque é um comentário a declarações de Pedro Soares dos Santos a queixar-se de se falar demasiado em impostos, quando, na opinião dele, se fala tão pouco sobre a criação de riqueza sobre a qual os impostos incidem. É um tipo de distorção do discurso de terceiros em que o Bloco de Esquerda, e Mariana Mortágua, são especialistas. Compreendo a dificuldade em dizer que Pedro Soares dos Santos está, na verdade, a sugerir que o choque fiscal proposto pela direita é muito menos importante que a discussão sobre as condições para a criação de riqueza no país, tal como o Bloco defende)
Soares dos Santos tem o mérito de ter herdado uma das maiores fortunas do país. (isto não passa daquelas estribilhos que o Bloco repete contra a meritocracia. É verdade que Pedro Soares dos Santos "nem sequer foi ouvido no acto de que nasceu", mas Mariana Mortágua está a omitir que não foi ele o escolhido como sucessor do pai no grupo, inicialmente. Após essa sucessão, o grupo fez um investimento ruinoso que quase que levou o grupo à falência, que foi preciso um trabalho e engenho imenso para encaixar os prejuízos e voltar a relançar o grupo, tendo Pedro Soares dos Santos desempenhado um papel essencial nesse processo, razão pela qual o pai, e depois o resto da família, o escolheu para sucessor no grupo. Nisso terá algum mérito).
Ganha mais num único ano que o trabalhador médio da sua empresa ganharia em 260 anos de trabalho. (esta afirmação tem dois erros colossais. O primeiro é o de confundir o ordenado de Pedro Soares dos Santos no grupo como sendo o que ele ganha num ano, visto que tem rendimentos de capital substanciais que não estão incluídos no salário que recebe e a que se refere Mariana Mortágua. O segundo erro resulta da vontade irresistível que Mariana Mortágua tem de embelezar a realidade: a diferença de 260 vezes não é para o ordenado médio do grupo, mas para o ordenado de entrada, o que é muito diferente. Nunca percebi de onde vem a convicção de que Mariana Mortágua é rigorosa no que diz)
Para fazer o quê?
A fortuna deste milionário é o resultado de um exército de trabalhadores mal pagos que são mandados comprar barato aos produtores para vender caro no supermercado, fazendo com que os preços subam.
Isto não é produzir, isto não é criar, isto é tirar à economia, tirar à agricultura, tirar ao trabalho, tirar ao país".
Aqui está o que diz uma economista sobre a actividade retalhista, o mais primário e básico comentário sobre intermediários que se conhece desde tempos imemoriais (não há vez nenhuma em que me cruze com este comentário de taxista sobre os comerciantes que não me lembre do jogo de cintura de Ângelo Correia, nos idos do PREC, num comício do PSD em Aveiro, em que fazia toda uma diatribe contra os intermediários, um clássico da demagogia populista. Alguém lhe faz chegar um papelinho a alertá-lo para o facto da sala estar cheia de comerciantes, uma das bases mais sólidas de apoio ao PPD da altura. Ângelo Correia faz uma pausa de segundos e diz "isto é o que os comunistas dizem dos comerciantes, mas nós, pelo contrário, etc. e tal).
Vamos a factos.
Os lucros apresentados pela Jerónimo Martins andam pelos 3% de margem sobre as vendas, e andam talvez a menos de 6% de rentabilidade de capitais (eu não sou Mariana Mortágua e digo já que são números que vi por aí e não verifiquei, teria de perder muito tempo a verificar o seu rigor, mas do que conheço parecem-me ser números dentro do razoável, se alguém tiver melhor informação facilmente verificável, cá estarei para corrigir).
É um dos maiores contribuintes para a segurança social do país (está com certeza nos cinco primeiros), o que não é de espantar sendo um dos maiores empregadores do país e um dos maiores contribuintes (está consistentemente entre os dez maiores pagadores de impostos em Portugal).
Mais que isso, o salário de entrada no grupo, ou seja, o salário mais baixo que paga (normalmente por pouco tempo porque regra geral há subidas ao fim de um ano de trabalho), é umas dezenas de escudos (vi por aí que seria 80 euros, mas não sei se é tanto neste momento) acima do ordenado mínimo nacional (ao contrário do que é uma crença popular, as pessoas que trabalham nas caixas de supermercado da grande distribuição não recebem, na sua larga maioria, o ordenado mínimo nacional e se trabalharem na Jerónimo Martins não há ordenados que sejam o ordenado mínimo nacional, como penso também ser o caso no Continente, mas não fui verificar).
Ao mesmo tempo, apresenta ao consumidor preços competitivos, razão pela qual a esmagadora maioria dos operários e camponeses (para usar linguagem que Mariana Mortágua percebe) preferem ir comprar o que precisam à grande distribuição, e não ao comércio local tão acarinhado pela esquerda caviar e clássica.
Por fim, é um grupo que regularmente distribui participação nos lucros pelos seus trabalhadores (dois bónus por ano, de maneira geral, tanto quanto as caixas de supermercado me vão dizendo), investe na formação dos seus trabalhadores, investe no apoio social aos seus trabalhadores, financia fundações várias, incluindo a Fundação Francisco Manuel dos Santos (que financiou a publicação de um dos meus livros, fica feita a declaração de interesses), a Fundação dos Oceanos, que gere o Oceanário (penso que a concessão foi ganha em concurso público, não tenho a certeza), financia a Pordata e produz muitas outras coisas.
Tudo isto, na óptica de Mariana Mortágua é apenas retirar à economia, à agricultura, ao trabalho e ai país, através de um esquema manhoso de comprar barato (coitados dos produtores, não há mais ninguém no país a quem vender produtos) e vender caro (coitados dos consumidores, não há mais ninguém no país a quem comprar produtos).
Paulo Raimundo também passa o tempo a falar dos 25 milhões de lucros diários dos grandes grupos económicos, que, pelos vistos, o PCP considera um problema que deveria ser resolvido transferindo-os para os trabalhadores.
É tentador, representaria um aumento generalizado dos trabalhadores em cerca de 130 euros mensais (14 meses), o que parece ser um preço razoável a pagar pela destruição da capacidade de investimento e de remuneração do capital do país.
Estes tais grandes grupos económicos, ou as grandes empresas (a terminologia varia, mas não a realidade), pagam melhor aos seus trabalhadores, investem mais, são mais inovadores, têm políticas sociais e ambientais mais consistentes e sólidas, são os grandes contribuintes da segurança social e os grandes pagadores de impostos, e isso até seria bom, não se desse o caso dessas empresas serem lucrativas.
Um crime sem perdão que não pode passar sem castigo, como parecerá evidente a qualquer pessoa de bem e que norteie a sua vida pela busca do bem comum e não do interesse privado.
Ontem estava a passar numa coisa qualquer da televisão, sem grandes objectivos, e vejo Ana Gomes e Cecília Meireles, aparentemente, numa discussão.
Não tenho a menor paciência para o sectarismo e truculência de Ana Gomes, mas gosto bastante da ponderação de Cecília Meireles, de maneira que parei e andei para o começo daquilo, que ainda envolvia Sebastião Bugalho e Paulo Baldaia.
Não vi tudo, até porque às tantas falava tudo ao mesmo tempo e não se percebia nada (e, na verdade, quer Ana Gomes, quer Paulo Baldaia, para mim, caem na categoria dos que falam mais que o que dizem) mas vi o princípio em que Ana Gomes resolve classificar com uma nota de 8 em 10 Pedro Nuno Santos e com 0 Montenegro.
Há quem ache que estas notas não servem para nada, eu (como João Miguel Tavares disse um dia destes) acho que para entender a realidade são, com certeza, inúteis, mas são bastante explícitas sobre o ponto de vista de quem as dá, como se vê pelo exemplo acima.
A fundamentação para este disparate de Ana Gomes prendia-se com a elevação de Pedro Nuno Santos na resposta às interrupções no comício da Aula Magna (a discussão sobre as próximas eleições, do lado do PS, não passa destas minudências) e com o facto de Montenegro ter dito que Pedro Nuno Santos não tem estabilidade emocional (o PS não tem mais nada com que se entreter e acha que ganha votos achando que um comentário destes é uma coisa inqualificável, um ataque pessoal soez).
Resumindo, Ana Gomes valorizava, no que estava a dizer, a elevação da discussão política, condenando, sem apelo nem agravo comentários pessoais: combate político sim, ataques políticos, sim, mas ataques pessoais, isso era completamente inaceitável.
Nem meia dúzia de minutos depois, para ilustrar como a campanha da AD era má e a AD era perigosa (o PS acha que ganha muitos votos agitando papões, Ana Gomes esqueceu-se do que aprendeu, nos seus tempos do MRPP, sobre tigres de papel), fala do troglodita que é cabeça de lista da AD por Santarém, respondendo a Cecília Meireles, que lhe fez notar a deselegância de andar a insultar pessoas dessa forma, que era apenas um comentário político, não era um insulto (ao escrever este post, procurei uma coisa qualquer e dei com Miguel Sousa Tavares a dizer exactamente o mesmo aqui, no meio de uma conversa completamente ignorante sobre agricultura e o mundo rural).
Conheço Oliveira e Sousa das minhas andanças ligadas à conservação da natureza e ao mundo rural, tenho simpatia pessoal por Oliveira e Sousa, e posso garantir que nunca lhe encontrei um único traço de negacionista climático e, muitíssimo menos, de troglodita.
Ainda que o fosse, acho extraordinária a ideia de que os negacionistas climáticos não têm lugar na sociedade e nas discussões sociais, devendo ser tratados como leprosos e não contraditados com argumentos racionais.
Tem posições diferentes das minhas em relação ao ponto de equilíbrio entre economia e transição energética ou adaptação climática, mas tenho com ele largas áreas de sobreposição de pontos de vista sobre a forma concreta como a gestão dos problemas associados aos riscos ambientais precisa de ser tratada.
E posso garantir que sobre essas matérias, é incomparavelmente mais bem informado e sensato que Ana Gomes (convenhamos que não é difícil), que Miguel Sousa Tavares (convenhamos que não é difícil) e muitíssimo mais bem informado e sensato que a gente da Climáximo (ainda menos difícil).
Assuntos sérios e complexos não se tratam excluindo da discussão pessoas de quem se discorda radicalmente, e muito menos caricaturando as posições contrárias ao ponto dos adversários não as reconhecerem como suas.
Uma coisa é a discussão sobre a existência ou não de alterações climáticas (uma matéria em que há um esmagador consenso, sendo útil lembrar que consenso não é o mesmo que definição da verdade), outra coisa é a discussão sobre a origem e natureza dessas alterações climáticas (matéria em que ainda existe um largo consenso, embora menor que o anterior) e outra é a discussão sobre a forma como a sociedade deve responder a essa realidade, matéria sobre a qual não existe consenso nenhum, começando pela fortíssima clivagem entre os que querem essencialmente mitigar ou impedir essa alteração através das políticas de redução da emissão de carbono para a atmosfera, e os que querem essencialmente desenhar políticas de adaptação a essa nova realidade que, em larga medida, consideram inevitável.
Pelo meio existem milhares de nuances entre as posições defendidas pelas pessoas mais bem informadas sobre o assunto (não são apenas mais bem informadas sobre a física da atmosfera e coisas assim, são também as pessoas mais informadas sobre o funcionamento das sociedades, porque é disso que se trata).
Cada medida tomada na resposta ao problema das alterações climáticas tem efeitos positivos e negativos, sendo útil lembrar o princípio geral da química enunciado por Paracelso: a diferença entre um veneno e um remédio está na dose (por isso é tão risível ouvir pessoas que supostamente têm mundo, falar de uma agricultura sem pesticidas ou insecticidas, como Miguel Sousa Tavares que, pelos vistos, desconhece que a descoberta humana que isolada mais vidas salvou no mundo é a síntese da amónia).
Discutir cada uma dessas medidas, avaliar efeitos positivos e negativos, saber quem é que beneficia ou fica prejudicado em cada uma dessas medidas, é o mínimo que se exige nesta discussão.
E facilita, evidentemente, que as pessoas que querem participar na discussão tenham um mínimo de temperança, boa educação, gentileza e atenção a quem pensar de forma diferente, lembrando-se sempre do início do Discurso do Método, de Descartes: “O bom senso é a coisa que, no mundo, está mais bem distribuída: de facto, cada um pensa estar tão bem provido dele, que até mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em todas as outras coisas não têm de forma nenhuma o costume de desejarem mais do que o que têm. E nisto, não é verosímil que todos se enganem; mas antes, isso testemunha que o poder de bem julgar, e de distinguir o verdadeiro do falso que é aquilo a que se chama o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; da mesma forma que a diversidade das nossas opiniões não provém do facto de uns serem mais razoáveis do que outros, mas unicamente do facto de nós conduzirmos os nossos pensamentos por vias diversas, e de não considerarmos as mesmas coisas”.
Pequeno passeio por um texto com quase 180 anos cuja leitura é muito proveitosa para entender os movimentos milenaristas associados a Greta Thundberg, Climáximo e, de forma mais suave, a muitos outros que vão dizendo que enfim, não se reconhecem em tudo, mas a vozearia milenarista destes extremistas até é útil e se justifica, mesmo que contenha partes que seria melhor dizer de outra maneira e assente em práticas que talvez fosse melhor rever.
A razão pela qual é útil reler este texto integralmente (aqui estão apenas bocados sem contexto), não se prende com a ligação entre as actuais tendências milenaristas assentes nas questões climáticas e este texto (duvido que quer Greta, quer a generalidade das pessoas da Climáximo tenham perdido tempo a lê-lo) mas sim com as semelhanças estruturais deste discurso milenarista, o nós contra eles, a razoabilidade de alguns diagnósticos face ao desvario das soluções propostas (incluindo o que hoje sabemos do que resultou das tentativas de aplicação prática), o gosto por teorias de conspiração, etc..
Tirando esta pequena introdução em itálico, o resto vem tudo directamente de um texto que facilmente se encontra procurando no Google qualquer dos bocadinhos citados, começando pela sua primeira frase que usei no título do post.
os mercados continuavam a crescer, a procura continuava a subir. Também a manufactura já não chegava mais. Então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. Para o lugar da manufactura entrou a grande indústria moderna; para o lugar do estado médio industrial entraram os milionários industriais, os chefes de exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos.
O mercado mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez, reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos-de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais, empurrou todas as classes transmitidas da Idade Média para segundo plano.
O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa.
A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as actividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela.
A necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se implantar em toda a parte, instalar-se em toda a parte, estabelecer contactos em toda a parte.
As antiquíssimas indústrias nacionais foram aniquiladas, e são ainda diariamente aniquiladas. São desalojadas por novas indústrias cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, por indústrias que já não laboram matérias-primas nativas, mas matérias-primas oriundas das zonas mais afastadas, e cujos fabricos são consumidos não só no próprio país como simultaneamente em todas as partes do mundo. Para o lugar das velhas necessidades, satisfeitas por artigos do país, entram [necessidades] novas que exigem para a sua satisfação os produtos dos países e dos climas mais longínquos. Para o lugar da velha auto--suficiência e do velho isolamento locais e nacionais, entram um intercâmbio omnilateral, uma dependência das nações umas das outras.
A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.
A burguesia submeteu o campo à dominação da cidade. Criou cidades enormes, aumentou num grau elevado o número da população urbana face à rural, e deste modo arrancou uma parte significativa da população à idiotia [Idiotismus] da vida rural. Assim como tornou dependente o campo da cidade, [tornou dependentes] os países bárbaros e semibárbaros dos civilizados, os povos agrícolas dos povos burgueses, o Oriente do Ocidente.
A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária disto foi a centralização política. Províncias independentes, quase somente aliadas, com interesses, leis, governos e direitos alfandegários diversos, foram comprimidas numa nação, num governo, numa lei, num interesse nacional de classe, numa linha aduaneira.
A burguesia, na sua dominação de classe de um escasso século, criou forças de produção mais massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. Subjugação das forças da Natureza, maquinaria, aplicação da química à indústria e à lavoura, navegação a vapor, caminhos-de-ferro, telégrafos eléctricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras feitas saltar do chão — que século anterior teve ao menos um pressentimento de que estas forças de produção estavam adormecidas no seio do trabalho social?
A condição essencial para a existência e para a dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de privados, a formação e multiplicação do capital
na vossa sociedade existente, a propriedade privada está suprimida para nove décimos dos seus membros; ela existe precisamente pelo facto de não existir para nove décimos. Censurais-nos, portanto, por querermos suprimir uma propriedade que pressupõe como condição necessária que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade.
Em sentido próprio, o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de uma outra.
Volta não volta, aparece alguém indignado porque o ambiente não aparece na campanha.
Claro que todos os partidos têm coisas sobre ambiente nos seus programas eleitorais, de maneira geral declarações de sinalização de virtude, asneiras e coisas sensatas.
Se não aparece na campanha é simplesmente porque não é matéria relevante para a formação do voto da maioria das pessoas (ou, pelo menos, não é entendida assim pelas pessoas que decidem dar importância a esta ou aquela matéria na actividade política).
Não vale a pena argumentar que isso é criminoso e estamos à beira de uma catástrofe ambiental, o facto é que as pessoas comuns não têm essa opinião ou, mesmo que a tenham, não é por causa disso que votam neste ou naquele. Ou melhor, não é sobretudo por causa disso que votam assim ou assado.
É bem possível que as intervenções de Greta Thundberg e seus seguidores, quer os mais institucionais, como António Guterres, quer os mais histéricos, como a Climáximo, tenham um efeito negativo na forma como as pessoas comuns olham para a questão ambiental (há muita gente farta de ruído que não entende), ao contrário da convicção corrente de que contribuiu para aumentar a visibilidade do problema. Não sei se será assim, não sei eu, nem sabe ninguém, o facto é que não se nota qualquer efeito positivo na sociedade que obrigue os agentes políticos a dedicar ao assunto mais que palavras de circunstância.
A Montis, uma associação de conservação de que fui co-fundador e que está a dias de fazer dez anos, vai lançar uma subscrição pública para a compra de terrenos para conservação da natureza, dentro de dias, veremos se ao fim de dez anos consegue ser mais mobilizadora do que foi no seu início, mas o que me parece é que o trabalho de formiguinha destas associações é bem mais relevante, do ponto de vista social, que a vozearia climáxica.
Ainda assim, insuficiente para que o assunto tenha um papel central na campanha para uma eleição.
Eu, que tenho o meu ordenado dependente das políticas ambientais, que ajudei a fundar organizações de conservação, que profissionalmente me dedico ao assunto há dezenas de anos, nem sequer olho para os programas ambientais dos partidos (abri uma excepção para o programa da Iniciativa Liberal, para avaliar as diferenças deste programa para aqueles em que participei, em eleições anteriores, mas por mera curiosidade).
E não é apenas, ou sobretudo, por entender que o maior problema ambiental, o que está na base de todos os outros, é a pobreza, é mesmo porque acho que na nossa vida colectiva há coisas mais relevantes a tratar politicamente neste momento: a qualidade das instituições, a transparência da acção pública, a eficácia da administração pública, a liberdade individual, incluindo das liberdades económicas, a contenção da voragem estatista, só para dar alguns exemplos, são assuntos que podem influenciar mais o meu voto que as questões ambientais.
Isso é desvalorizar as questões ambientais?
Acho que não, no fundo, no fundo, tirando os lunáticos que acham que tudo se resolve destruindo o capitalismo, a verdade é que todos os partidos tenderão a ter uma política ambiental, e a distinção entre os diferentes partidos nessa matéria não será tanto na orientação dessa política, mas na qualidade da sua execução, isto é, transparência, participação e respeito pela realidade, o que inclui a consciência da complexidade do problema.
Não é o ambiente que é um ausente da campanha, somos nós que estamos preocupados com outras coisas, e isso diz mais sobre a qualidade de intervenção dos agentes das políticas ambientais (o que me inclui), privadas ou públicas, que outra coisa qualquer: as generalidade das organizações privadas e públicas na área do ambiente está mais focada em saber onde vai buscar os recursos para as actividades que os seus dirigentes acham úteis, que em trazer as questões ambientais para a vida quotidiana das comunidades em que vivemos.
Já aqui citei uma editorialista do Público nesta pérola sobre Passos e a invencionice da sua suposta xenofobia: "o ex-primeiro-ministro continua a ser fiel à mesma estratégia: instigar o medo, e o medo mais básico, como o medo do outro".
Ontem, por acaso, li um comentário de um amigo meu, amigo da vida real, não diria que é amigo de casa, mas reconhecemo-nos como amigos com diferenças acentuadas, que é de uma esquerda mais inorgânica, mas não menos solidamente esquerdista, a propósito do mesmo assunto e da responsabilidade dos políticos em relação a isso: "os políticos não podem ignorar [as percepções do público], mas quando lhes põem um microfone na boca podem ir à raiz do problema e debater como combater as sensações e produzir políticas públicas pró ativas ou podem aproveitar para agitar mais as "sensações" e aumentar as percepções do medo e da insegurança. Estes últimos se calhar estão a trabalhar para aumentar a faturação dos mercados da segurança?"
O que tem mais graça nesta história é que a generalidade da esquerda, que agora se sente bem representada neste argumento deste meu amigo sobre o que disse Passos Coelho (e, no caso, Ricardo Reis no seu artigo do Expresso desta semana) ter passado mais de quatro anos, entre o fim de 2010 e o fim de 2015, a falar da espiral recessiva, do facto da austeridade apenas poder gerar mais austeridade, no inevitável segundo resgate, e etc., como se pode ver nesta capa do Público de 28 de Setembro de 2013.
Não se pense que era um caso isolado, isto era o quotidiano dos jornais e dos meios de esquerda (perdoem-me o pleonasmo), que inclui uma outra capa do Público que também reproduzo frequentemente sobre uma estupidez de uma jornalista do Público fazer umas contas idiotas sobre a previsão do défice, com base num estudo do FMI, para dizer que o FMI dizia que o défice português ia ser muito mais alto que foi.
Aliás, no dia seguinte, dia 24 de Setembro, a mesma jornalista (Isabel Arriaga e Cunha, correspondente em Bruxelas do Público na altura), voltava à carga:
"Governo junta-se a Bruxelas e nega "negociações" para segundo resgate a Portugal
...
O comunicado diz ainda que o Executivo, formado pela coligação PSD-CDS, “lamenta” a notícia publicada este sábado pelo PÚBLICO, dizendo que esta não tem “fundamento”, mostrando o seu desagrado por ter sido publicada “enquanto estão em curso a oitava e nonas avaliações do PAEF e o país se encontra em dia de reflexão eleitoral.
Esta manhã, também a Comissão Europeia negou peremptoriamente que já esteja a trabalhar num novo resgate a Portugal, garantindo que o cenário de um novo pacote de ajuda financeira não está em cima da mesa, “nem parcialmente nem de qualquer outra forma”.
...
Segundo a notícia do PÚBLICO, a eventualidade de Portugal precisar de um segundo resgate para assegurar o seu financiamento é agora vista em Bruxelas como o cenário provável e que já está "parcialmente na mesa".
"Muito provável", "praticamente inevitável" e mesmo "largamente inevitável" foi a avaliação feita ao PÚBLICO por várias fontes envolvidas no actual programa de assistência financeira a Portugal. No centro desta convicção está a constatação de que muito dificilmente Portugal reconquistará a confiança dos investidores para voltar a obter nos mercados o financiamento necessário ao funcionamento do Estado a partir do fim do actual programa de ajuda, em Junho de 2014.
O PÚBLICO não escreveu que decorriam "negociações" em Bruxelas, mas sim que há "trabalho" a ser feito sobre a possibilidade de um segundo resgate."
Independentemente da falta de honestidade do Público, com rodriguinhos semânticos para evitar ter de dizer que a manchete do dia anterior (e respectiva notícia), era uma mentira que a jornalista assentava em fontes anónimas (numa clara violação das regras da sua profissão), o que interessa agora é que esta instigação do medo foi permanente durante o tempo de intervenção da troica e nos oito anos seguintes de governação do PS, sendo ainda hoje a trave mestra da campanha dos partidos de esquerda para as próximas eleições.
Costa ganhou as últimas eleições com uma maioria absoluta que muita gente de esquerda acredita que resultou do medo do Chega e da direita em geral, e portanto carregam nas cores ao falar das ameaças que a direita carrega consigo.
Eu, por acaso, acho isso um disparate, o PS teve uma maioria absoluta porque as pessoas se fartaram do jogo duplo do BE e do PC e, no lado da oposição, estava Rui Rio e anos de oposição à Rui Rio, isto é, de uma oposição que pretendeu negar Passos e o trabalho do seu governo, como Pedro negou Jesus por três vezes antes do galo cantar.
Que agora invoquem uma suposta ilegitimidade da adopção de estratégias de medo é uma ironia deliciosa cujos resultados veremos no dia 10.
Parece que vai estar de chuva no dia 10, os profissionais de sondagens vão explicar que isso altera os dados da abstenção e é tecnicamente muito difícil lidar com a abstenção quando se fazem sondagens, o que é potenciado pela elevada quantidade de indecisos que ainda existem e que ninguém sabe como votam (excepto Carmo Afonso que já demonstrou que são todos de esquerda).
Comecemos por um exemplo pouco provável (embora formalmente inatacável) e depois continuemos por coisas sérias.
Imaginemos que nas eleições do próximo Domingo o PAN elege uma deputada.
Imaginemos que essa deputada é milionária e decide pagar dois milhões de euros a cada deputado que aprovar um governo seu (seu, dela, naturalmente, não do deputado), convencendo 115 deputados a fazer esse negócio (ela própria é a 116ª deputada que faz a maioria).
A constituição impede essa solução?
Provavelmente não.
Significa isso que o PAN tinha ganho as eleições porque tinha conseguido fazer uma coligação que dava apoio um governo do PAN?
Não, evidentemente não.
Foi exactamente o que aconteceu em 2015, com umas pequenas alterações: o negócio não foi feito deputado a deputado, mas entre partidos, o pagamento não foi feito em dinheiro, mas em vantagem política (legítima, evidentemente).
Um partido, o PS, comprou politicamente o BE e o PC que estabeleceram um preço político que entenderam para apoiar o governo do PS.
Isso é o normal numa democracia e convém não confundir o plano formal, que é avaliado pelo Presidente da República e, se fosse o caso, pelo tribunal constitucional, com o plano político que é avaliado pelas pessoas comuns nas eleições seguintes.
No caso de 2015 Passos Coelho ganhou as eleições, teve mais votos e deputados que os projectos políticos concorrentes, muito provavelmente porque houve muita gente que, apesar da intensa barragem de propaganda da generalidade da imprensa, percebeu que o problema das contas do Estado era um problema sério.
O PS também percebeu que não poderia voltar à política que tinha executado antes de 2011, e que podia ser governo com o apoio de terceiros.
Com base nisto, comprou dois partidos a quem prometeu que iria mudar radicalmente a política de austeridade, ao mesmo tempo que mantinha essa política, alterando a forma de a fazer (aprovando orçamentos de Estado fictícios cheios de despesa e investimento público, que imediatamente cativava, e mudando carga fiscal directa para indirecta).
Note-se que vários partidos porem-se de acordo para apoiar um governo é perfeitamente normal.
Nestas eleições toda a gente sabe que a AD e a IL tentam ter condições para um acordo que permita um governo apoiado pelos dois, o que significa que nem a AD, nem a IL irão aplicar integralmente o seu programa, se tiverem de negociar um acordo entre os dois.
O que foi diferente em 2015 é que não só ninguém sabia que poderia haver um acordo entre os partidos que apoiaram a geringonça, o que limita a legitimidade política (mas não a legitimidade formal) do governo, retirando-lhe capacidade para actuar, como, o que é muito mais relevante, os três partidos têm muito pouca sobreposição programática, pelo que a coligação desses três partidos é muitíssimo limitada no que pode fazer e é inerentemente frágil, como se viu (sim, durou toda a legislatura, mas à custa de ninguém fazer nada de útil).
Ao fim de oito anos de degradação do funcionamento do Estado e de estagnação económica, a coligação dos perdedores o que tem a propor é voltar aos primeiros quatro anos em que formalmente se puseram de acordo para apoiar um governo.
O problema é que já ninguém acredita que a direita vai roubar os pobrezinhos, apesar dos favores mediáticos de que goza a coligação dos perdedores.
Não admira, por isso, que todo o esforço seja canalizado para falar de papões, sejam eles reais ou imaginários, e não do programa político que pretendem, em conjunto, executar.
Não, não é o absurdo de ter uma mulher crescida, com longos anos de expeirência política e um contexto social fortemente politizado, a dizer que o pai foi condenado a prisão perpétua pela PIDE que motiva este post, apesar de ser o exemplo perfeito do arroubamento de espírito que define a alienação.
É mesmo a quantidade de gente que, apesar de trabalhar na produção de informação sobre a sociedade, perdeu completamente a ligação com a realidade.
Um tal Miguel Santos Carrapatoso, por exemplo, considera que Montenegro correu o risco de trazer Passos Coelho para a campanha da AD. Passos Coelho, para as pessoas normais, é o senhor que ganhou umas eleições, em 2015, imediatamente depois de ter aplicado um rigoroso programa de austeridade (embora os último ano e meio a dois anos antes das eleições já fossem de alívio desse programa, permitido pelos bons resultados obtidos). Não formou governo, é certo, mas isso não foi por ter perdido as eleições, foi por ter havido uma coligação de perdedores que ocupou o governo e o Estado e que, fraca como todas as coligações de perdedores, se limitou a ir sobrevivendo enquanto assistia à progressiva degradação do Estado e das instituições.
Uma tal Helena Pereira, fazendo de caixa de ressonância da invencionice sobre a xenofobia de Passos, escreveu um editorial do Público que acaba assim: "Em 2015...Passos Coelho brandia a ameaça de que o diabo vinha aí....Esse diabo não veio. Mas o ex-primeiro-ministro continua a ser fiel à mesma estratégia: instigar o medo, e o medo mais básico, como o medo do outro". Isto é de tal maneira absurdo (mais ainda que o outro ter sido condenado a prisão perpétua pela PIDE) que nem vale a pena perder muito tempo com o assunto, mas Passos Coelho não brandia ameaça nenhuma em 2015, limitava-se a ter a opinião de que o Orçamento de Estado apresentado pela coligação de perdedores não seria executado ou criaria problemas brutais às finanças do Estado. António Costa deu-lhe razão total, impedindo a execução do orçamento com cativações. Aliás, é completamente ridículo dizer que Passos Coelho passou a sua carreira política toda a instigar o medo, tão ridículo como achar que o medo mais básico é o medo do outro (de quem haveria de ser, de si próprio? Isso não é medo, é doença mental).
Parece que há outros que diziam que era absurdo trazer Assunção Cristas à campanha porque isso lembrava as pessoas da famosa lei Cristas quando toda a gente está preocupada com a habitação. Ó inteligentes, a lei Cristas, como lhes chamais, é uma lei que na pior das hipóteses preocupa as pessoas que não querem sair das casas onde estão e a actual crise da habitação preocupa as pessoas que querem entrar em casas que não encontram.
Outros ainda acham que as mulheres em Portugal podem ir a correr votar na esquerda por causa da questão do aborto, como se essa não fosse uma questão permanentemente em aberto na sociedade e houvesse alguém no país que esteja genuinamente a pensar que o resultado destas eleições influencia alguma coisa a legislação do aborto. É uma questão em aberto, aqui e em qualquer parte do mundo, como sabem bem as mulheres que estão perante decisões nessa matéria, porque é uma questão filosófica que só é simples para os simples de espírito: embora achem que é uma questão de mera liberdade feminina, quando questionados sobre a hipótese de legalizar abortos aos oito meses de gestação, entopem e não sabem responder porque reconhecem o conflito de legitimidades que está em causa na discussão.
Relaxem, são só umas eleições, em que um candidato me escreve a dizer que "seremos todos chamados às urnas para defendermos as grandes conquistas colectivas do nosso povo. Conquistas ameaçadas por uma direita que directa ou inderectamente tudo quer entregar aos privados: desde o SNS até à Escola Pública universal e gratuita" e outro candidato se limita a dizer que já basta o que basta e está na altura de mudar de rumo.
Entre uma e outra hipótese suspeito que estes alienados que citei acima não têm dúvidas, e eu também não. E suspeito também que a maioria das pessoas se está nas tintas para os tortuosos raciocínios sobre as vantagens e desvantagens de cada pormenor da campanha e se limita a estar farta dos que governam, com pequenos intervalos, há décadas.
Veremos dentro de uma semana quem tem razão.
Paulo Tunhas faz falta, lembrei-me eu ao reler este texto de que me lembrava de um bocado que fui procurar.
O texto usa a Venezuela como pretexto próximo, mas desde o título é bem claro que o texto não é sobre a Venezuela, é sobre o desprezo pela plebe que resulta de se viver no interior de um mito.
A razão para me lembrar do tal bocado que me fez reler o texto todo é, em primeiro lugar, a necessidade de sistematizar um bocadinho as minhas ideias sobre essa seita que vive aterrorizada com o monstro das bolachas e, para espantar os seus males, em vez de cantar como seria sensato, atira tinta verde para cima de quem lhes pareça que possa ser o monstro das bolachas disfarçado de gente normal.
Mas verifiquei que isso se aplica também à quantidade de analistas que, perante uma opinião perfeitamente banal de Paulo Núncio sobre o aborto, sem ponta de novidade, na qual ele diz, e bem, que uma coisa aprovada por um referendo só deve ser revogada por referendo, resolvem ressuscitar uma frente política contra a reacção, o velho reflexo do "não passarão" que esquece a resposta de Franco: "passámos".
Paulo Tunhas explica admiravelmente: "é preciso ter em conta que o mito obriga a uma extraordinária selectividade no uso da compaixão. Se as criaturas humanas não encaixarem bem no esquema que o mito oferece, não gozarão sem dúvida da mesma piedade que merecem aquelas que nele encaixam. Formam uma plebe indistinta que não comove. Não se anda longe do desprezo".
O exemplo de Mariana Mortágua, condoída com dificuldades que a subida da renda da casa causam à viúva de um industrial rico, sem a menor preocupação para com os doentes mentais pobres do concelho de Tábua que beneficiam dessa subida, é o exemplo mais caricato que esta campanha trouxe, desse desprezo pela plebe, seguido de muito perto pelo famoso "mas o que é que não funciona" de Pedro Nuno Santos.
Mais transversal é a quantidade de comentadores e analistas que acham que para a formação do voto no dia 10 de Março o facto mais relevante que ocorreu ontem é uma declaração banal de Paulo Núncio e não a notícia de que foi encontrado em decomposição o corpo de uma senhora que desapareceu de um hospital porque a impediram de estar acompanhada por familiares, apesar de ter Alzheimer.
"A facilidade em saltar para os hipotéticos males futuros, desvalorizando alegremente os reais males presentes, é ajudada por duas características salientes: a incapacidade de olhar os factos com um mínimo de despreendimento relativamente a um quadro teórico geral no qual cresceram e de que nunca se afastaram por um milímetro – e um profundo desprezo pela plebe. Estas duas características encontram-se, de resto, ligadas uma à outra", Paulo Tunhas, outra vez, que eu não consigo ser tão claro.
Passos Coelho fez um discurso de campanha num comício, um bom discurso, no qual disse várias coisas, entre elas, o mesmo que Mariana Mortágua tinha dito no debate com Ventura: nem uma imigração sem regras, nem oposição à imigração.
A forma como o disse foi diferente, mas o essencial do que disse sobre imigração é isto: precisamos de olhar para a política de imigração antes que arranjemos um problema mais sério.
Porque falou em insegurança no mesmo passo que falou em imigração, caiu o Carmo e a Trindade, na bolha mediática (o resto do mundo continuou tranquilamente a fazer a sua vida).
Para mim, e estou convencido de que será o mesmo para quase toda a gente, está simplesmente a referir-se a um problema mais que conhecido: quando os imigrantes não se integram (por responsabilidade sua ou de quem os recebe, é irrelevante para o diagnóstico, não sendo irrelevante para as medidas a adoptar), o risco de guetização é grande e o risco de conflitualidade entre diferentes grupos sociais é potenciado.
Parece que para a bolha mediática e os partidos situacionistas (no sentido em que são avessos a qualquer mudança do que existe, não são contra a mudança em si, são contra a mudança em mim, como se costuma dizer) desataram aos gritos, chamando nomes a Passos Coelho (coisa a que com certeza está habituado) e logo os comentadores vieram falar do fantasma de Passos Coelho ser um grande problema para a campanha da AD (Passos Coelho ganhou as eleições contra António Costa em 2015, mas isso não impede uma quantidade de gente enorme de achar que é um activo eleitoral tóxico).
O mais interessante é que, fora dessa pequena bolha, provavelmente toda a gente percebeu perfeitamente o discurso, toda a gente achou normal, uns concordando, outros discordando, e só essa pequena bolha mediática é que acha que a resposta política eficaz ao discurso consiste em agitar o fantasma do Chega e da extrema-direita, convencidos que estão de que alguém está convencido de que Chega tem umas SA (como os mais novos já nem devem saber, SA era as milícias para militares do partido Nazi) escondidas em algum lado.
Veremos no dia 10 (como vimos em 2015) se essa bolha mediática que está convencida de que Passos Coelho é uma activo eleitoral tóxico tem razão ou não, a mim, a sensação que me deu é que se perguntarem à esmagadora maioria das pessoas o que é que eles disseram, a resposta será a clássica: "nada, só falaram".
“A IL que recebeu dinheiro diretamente do presidente da EDP e que em dois anos dois empresários entregaram ao seu instituto de estudos uma quantia de 600 mil euros”.
Isto é de um discurso de Mariana Mortágua num comício, sobre o dinheiro que jorra para o Chega e a Iniciativa Liberal.
O dinheiro que chega ao Chega não me interessa, aliás nem li metade de um artigo ridículo no Público deste Domingo sobre o assunto, de tal forma era infantil o trabalho do jornalista, a falar de donativos de 10 mil euros para um partido como se fosse um grande indicador do que quer que seja (as contas dos partidos são públicas e os donativos representam uma parte relativamente pequena do seu financiamento, se comparado com o financiamento público, que depende do número de votos).
Mas interessa-me esta frase de Mariana Mortágua, não pelo que diz sobre o financiamento da IL, mas pelo que diz sobre a forma como Mariana tortura os dados até que eles digam o que ela quer que digam.
A parte de receber dinheiro directamente do presidente da EDP não interessa nada, sobretudo com as limitações que existem para os donativos aos partidos, o que interessa é o contorcionismo da segunda parte da citação.
Mariana Mortágua refere-se a isto, que é transparente e claro:
Comecemos por notar que o dinheiro a que se refere não tem nada com esta campanha eleitoral, diz respeito a 2022.
Notemos depois que o Instituto +Liberdade (declaração de interesses, de que sou sócio, pagando uma quota anual de 50 euros, se não me engano) não é um Instituto da IL, tem com certeza uma orientação liberal, mas não é da IL e nem é controlado pela IL.
Tem gente da IL, foi fundado por Carlos Guimarães Pinto (posteriormente à sua saída de presidente da IL) e desenvolvimento (que se reduziu desde que se candidatou pela IL, e foi eleito deputado, nas últimas eleições), mas na sua direcção estão militantes de outros partidos, como Cecília Meireles e Fernando Alexandre, outras pessoas sem militância partidária conhecida e tem um conselho de curadores com gente que nem sequer está na política partidária e tem carreiras profissionais conhecidas.
Notemos depois que os donativos de que fala Mariana são donativos a sério, não são os meus míseros 50 euros anuais, mas estão muito longe da perda anual de pelo menos um milhão de euros que a família Azevedo aceita para fazer exactamente a mesma coisa: ter gente independente a produzir informação, no caso do Instituto +Liberdade, uma associação sem fins lucrativos, no caso do Público em que a família Azevedo enterra um donativo acima de um milhão de euros anual, um jornal.
Em qualquer dos casos, as campanhas eleitorais podem ser influenciadas pelas duas organizações, diferindo apenas na sua orientação ideológica, sendo estranho que Mariana Mortágua não se refira ao donativo da família Azevedo para o jornal Público como um financiamento estrondoso anti-liberal, como de facto é.
Eu sei que a Mariana acha que não está a mentir quando comete a pequena imprecisão de dizer que o Instituto +Liberdade é um instituto da IL, é o normal nas pessoas dadas às teorias de conspiração.
O problema é que, em política, dizer coisas destas, ou apresentar viúvas ricas de industriais como vítimas da ganancia do grande capital porque o senhorio, uma IPSS que apoia doentes mentais sem recursos em Tábua, lhes quer aumentar um renda artificialmente deprimida pelo poder repressivo do Estado ao serviço da transferência de recursos dos doentes mentais de Tábua para uma viúva rica, é um exercício arriscado, independentemente de poder haver opiniões sobre se é tecnicamente uma mentira ou não.
"Sim e demorou sete anos. Um terreno comprado à Câmara de Lisboa, com luz verde, num leilão, demorou sete anos para ser aprovado".
Esta é a resposta de Pedro Soares dos Santos à pergunta sobre a nova sede do grupo Jerónimo Martins, cujo projecto foi aprovado há meses, pelo que li.
Estamos a falar de um edifício vendido pela própria câmara municipal, em leilão, para o uso que terá e, mesmo assim, demora sete anos a ser aprovada a sua construção.
No Barreiro corre a história, que nunca confirmei, de que quando Alfredo da Silva decidiu fazer as fábricas que fez no Barreiro, quis contratar um projectista francês (se não me engano, para a história isso é irrelevante).
Quando o informaram de que sim, seria possível contratar esse projectista, mas isso atrasaria o começo das obras em um ano, perguntando-lhe o que fazer, terá respondido que plantassem batatas.
Mesmo que a história não seja verdadeira serve para ilustrar a ideia de que um investimento parado é destruição de valor e o país acha normal que entre o momento da venda do terreno pela Câmara e o início das obras passem sete anos.
Se fosse um caso isolado, enfim, era mau, mas era um caso isolado, mas o quarteirão da Artilharia Um está há 19 anos em bolandas (vale a pena ler o que escreve sobre o assunto Margarida Bentes Penedo) e poderia dar milhares de outros exemplos, para quem não repara nos tempos infindos entre um edifício ter uma placa de obras e realmente entrar no mercado.
Não se pense que é apenas na construção que é assim, é em tudo e, infelizmente, não é apenas no Estado (basta pensar no tempo infindo que gastamos em atrasos no princípio das reuniões e no facto de em muitas organizações não ser habitual definir uma hora de fim das reuniões).
Diz-se que Jardim Gonçalves se recusava a começar fosse que reunião fosse sem ter a acta escrita (durante a reunião poderia mudar-se o que fosse preciso, claro).
O país tem um problema sério de eficiência e o Estado potencia brutalmente essa ineficiência e, no entanto, andamos entretidos, numa campanha eleitoral, a discutir o que farão os partidos que perderem em vez de se pretender saber o que farão os partidos que ganharem.
A nossa capacidade de fechar os olhos para não enfrentar os problemas é homérica (a tal ponto que ninguém pergunta a ninguém do PS o que pensa das opções políticas do partido no tempo de Sócrates, não estou a falar das questões de justiça, essas podem ir sendo discutidas nos sítios que se quiser, mas o PS e os seus dirigentes de então, que são os mesmos de hoje, nunca foi confrontado com as suas responsabilidades anteriores à troica e que conduziram à troica e à assinatura do memorando de entendimento, o que é extraordinário, tendo em conta o sarilho em que nos meteram).
Hoje o Observador tem mais um artigo meu porque a novela com a avó da Mariana é irresistível.
No entretanto chamaram-me a atenção para este artigo de Fernanda Câncio, de 2018, que vale bem um comentário no actual contexto.
O artigo é escrito no auge da tensão entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda, que culminou na queda do segundo governo de Costa a que se segue a maioria absoluta, e Fernanda Câncio, sem grande surpresa, escreve o artigo a atacar o Bloco de Esquerda, o que duvido que fizesse hoje a propósito da avó de Mariana.
Só que Fernanda Câncio e bem melhor que a generalidade dos jornalistas (independente de ser uma jornalista de causas, uma contradição nos termos, para mim) e o artigo que escreve é muito interessante, até porque morando Fernanda Câncio na Baixa, tem sobre o assunto uma grande proximidade.
Não vou fazer uma recensão do artigo mas apenas uns comentários.
Comecemos por lembrar que o arrendamento não era um mercado até 1990 (as rendas estavam congeladas, o que na verdade significava que não havia arrendamento novo, praticamente), altura em que Cavaco Silva, percebendo bem o problema real que tinha entre mãos (o país sem um mercado de arrendamento para habitação, mas com milhares de contratos de arrendamento antigos que na verdade constituíam uma expropriação dos proprietários a favor dos inquilinos), resolve por um lado evitar o vespeiro político de mexer no status quo mais que impedir a tranferência de contratos (ou seja, mantém tudo o que estava para trás, excepto a hereditariedade da situação contratual), ao mesmo tempo de cria novas regras para o futuro.
Com esta decisão não assume grandes custos políticos ao mesmo tempo que desbloqueia a possibilidade de ir criando um mercado de arrendamento real nas construções novas ou por morte dos inquilinos, do que resulta um país dual no arrendamento, tal como existe na educação, na saúde, etc..
Usando a técnica muito cara aos populistas de esquerda e direita que consiste em pegar num caso concreto e fazer generalizações, Fernanda Câncio começa o seu artigo com o caso concreto de um prédio na Baixa que há cinco gerações estava na mesma família e que acaba vendido a alguém por três milhões de euros.
Primeiro comentário: o preço é, provavelmente, um preço abaixo do mercado porque a família, que há cinco gerações detém o prédio, está farta da expropriação de facto, aceitando desfazer-se de um activo por um preço que forçosamente foi limitado pelas circunstâncias desfavoráveis e pelo facto da família não se querer envolver numa guerra com os inquilinos.
Os novos donos, dada a alteração da legislação entretanto ocorrida (não a que foi promovida por Cristas, mas por António Costa, como, e bem, explica Fernanda Câncio), acham que conseguem ganhar dinheiro com a compra, desde que possam usar os mecanismos da lei para resolver o problema dos contratos de arrendamento, adoptando uma postura agressiva de gestão, desligando a luz das escadas, acabando com a sua limpeza, etc., evidentemente com o objectivo de tornar a vida dos inquilinos num inferno.
Note-se que a péssima regulamentação do mercado de arrendamento tinha, numa primeira fase, promovido a destruição de capital através da desvalorização do imóvel, transferido riqueza dos proprietários para os inquilinos, para numa segunda fase transferir riqueza do vendedor para o comprador, através da desvalorização do capital que referi, aumentando os custos de remodelação do edifício para o comprador, num evidente processo de potenciação da ineficiência económica e destruição de capital.
O que aconteceu foi que, em 2006, António Costa e o governo de que fazia parte, do PS, promoveu o descongelamento das rendas anteriores a 1990 (as outras, como disse acima, já tinham sido liberalizadas com Cavaco, o que tinha sido insuficiente para resolver os problemas de gestão da cidade e da habitação que congelamento tinha criado), mas com uma moratória para os dez anos seguintes, que permitisse uma transição mais suave de um regime de arrendamento para outro (tal como Cavaco, António Costa sabia muito bem que mexer esses arrendamentos acarretava um risco político brutal).
Como é típico dos governos do Partido Socialista, um passo na direcção certa, vem normalmente acompanhado com dez passos para o lado, e portanto inventaram uma regulamentação para os inquilinos de mais de 65 anos que na prática punha o senhorio e o inquilino a definir uma renda a ser paga pelo Estado.
Como é habitual no Estado português, essa parte do Estado pagar (em defesa do Estado, convenhamos que pôr duas pessoas a discutir o valor de uma coisa que vai ser paga por terceiros é um convite ao abuso) foi sempre sendo adiada, naquilo que Fernanda Câncio, com muita acuidade, chama uma "expropriação sonsa".
O facto é que a possibilidade de pôr toda a gente na rua com o argumento de que se iria fazer uma remodelação profunda do edifício era uma oportunidade que os proprietários dispunham para, finalmente, se defenderem dessa expropriação sonsa.
E a questão de fundo é essa, a de encontrar mecanismos razoáveis para fazer a transição entre a situação actual (que em muitos casos continua a ser de expropriação sonsa), para uma situação de mercado eficiente e apoio social forte e dirigido a quem realmente precisa (mesmo que seja difícil definir o que é uma necessidade real).
Claro que enquanto persistir a ideia de que o Estado é responsável por garantir casas a preços razoáveis para a classe média cumprindo o ideal de Eça de Queirós (uma quinta com porta para o Chiado), haverá sempre quem proponha um serviço nacional de habitação, com o argumento infantil de que o que fazem os privados é sempre mais caro porque para além do custo normal ainda é preciso acomodar o lucro, esquecendo que é o objectivo do lucro que gera a eficiência que permite aos privados fazer mais barato e, ainda assim, ter lucro.
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