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Talvez ao contrário

por henrique pereira dos santos, em 20.03.18

Todos nós achamos que não deveria haver mortes nas estradas provocadas por incêndios.

Por isso todos achamos também que nos devemos pôr de acordo sobre as acções que é possível executar para diminuir o risco de isso acontecer.

A esmagadora maioria das acções que têm sido defendidas com este objectivo partem de uma lógica de gestão florestal: os grandes fogos resultam de falta de gestão logo, conclui-se, é preciso levar gestão florestal para onde fizer falta, custe o que custar.

Por isso temos um conjunto de regras que pretendem transformar todas as estradas seguras para quem nelas circular, afastando os combustíveis que alimentam os grandes fogos, na demanda, vã, de trazer segurança para a circulação em todas as estradas, mesmo durante um grande fogo.

Nessa demanda, vã, que parte do pressuposto de que a vida humana não tem preço e por isso se justifica o "custe o que custar", retira-se da equação a discussão económica e social das medidas que estamos a pretender adoptar.

Economicista me confesso e por isso acho que mesmo em circunstâncias destas é preciso trazer os números para a discussão, sob pena de estamos sempre a tentar aplicar soluções para as quais, simplesmente, não existem recursos.

Significa isto que se os números (como penso intuitivamente, sem os ver de perto) demonstrarem a inviabilidade da loucura a que a lei nos obriga, eu passo a estar no campo dos que resignam à fatalidade de ver gente morrer nas estradas por causa de grandes incêndios?

Não, de maneira nenhuma, significa apenas que acho que devemos voltar à equação base do problema, para ver se não é possível equacionar o problema de forma diferente para obter o mesmo resultado, isto é, a diminuição do risco de haver mortos nas estradas em consequência de incêndios em condições extremas.

Voltando ao essencial, para que morra gente nas estradas é preciso que existam condições na envolvente da estrada que sejam favoráveis a fogos de elevada intensidade (o problema que temos tentado resolver e que acredito que é o caminho errado, não por não ser lógico, mas por ser inviável) e é preciso o segundo factor que temos esquecido no momento de fazer a equação do problema: que existam pessoas a circular nessa estrada, naquele momento.

O que eu gostaria de ver discutido, sem preconceito, são os custos e benefícios sociais de medidas de redução do risco da estrada por intervenção da gestão da sua envolvente, face à alternativa de termos acções para evitar que circulem pessoas nas estradas de elevado risco, nos momentos de elevado risco.

O primeiro tipo de medidas exige intervenção física em milhares de hectares (terei ouvido, sem ter possibilidade de verificar, que o conjunto de áreas que estamos a querer gerir estritamente por razões de protecção civil, andará pelo milhão de hectares, 10% do país), de uma forma que é inerentemente deficitária: as recomendações técnicas exigem perda de produção por espaçamento das árvores e potenciam os custos de remoção de combustíveis por redução do ensombramento e da competição entre plantas em diferentes estratos, uma combinação que pontualmente pode fazer sentido mas que, à escala da paisagem, e de uma paisagem globalmente deficitária, é um desastre económico impossível de financiar.

O segundo tipo de medidas exige sobretudo gestão de informação e comunicação, que não é menos difícil que a intervenção física, é certo, mas que parece incomparavelmente mais barata e socialmente mais útil. Nesta aproximação ao problema, o que é preciso é saber com rigor e precisão quais são as estradas e regiões em que há risco em caso de incêndio, e quais são as situações meteorológicas que podem materializar esse risco, dois aspectos relativamente fáceis e corriqueiros, associando-se esta informação ao que é verdadeiramente difícil e levanta problemas que eu não sei avaliar se são, ou não, irresolúveis: um sistema de comunicação que rapidamente faça chegar às pessoas de uma região esta informação quando o risco passar um limiar a definir.

Com esta aproximação ao problema não é preciso estar a drenar recursos do país a manter, durante trinta anos, com gestão de combustíveis cada quatro a cinco anos, uma situação de risco compatível com uma situação meteorológica extrema que se admita que ocorra três dias nesses trinta anos, mas produzir informação, socialmente útil de vários pontos de vista, que permita rapidamente bloquear a circulação umas dezenas de vezes, nesses trinta anos, sempre que a probabilidade de ocorrência de fenómenos meteorologicos extremos ultrapasse o nível pré-definido numa determinada zona.

Talvez valha a pena deixarmo-nos da demagogia do "tem de se fazer alguma coisa, custe o que custar, porque não se pode repetir o que aconteceu" e olhar fria e racionalmente para o problema, tal como ele é, e é grande e complicado, sem deixar de fora qualquer solução possível.

Às vezes é preciso dar passos atrás para ganhar balanço que nos permita saltar o obstáculo.


18 comentários

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De Anónimo a 20.03.2018 às 09:18

há 80 anos minha mãe casou para o concelho de Mação.
na juventude ia às desta e feiras até Cernache.
o pinhal já lá estava e não ardia antes de 25.iv.
diminuiu intensamente a população e envelheceu, mas isso não é razão para transformar as Beiras em Baixo Alentejo
menos árvores, menos chuva
comprei couve de Bruxelas importada da Holanda ....
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De Anónimo a 20.03.2018 às 13:19

Menos pinheiros, mais mato!
Mais mato, mais despesa para o mandar roçar.
Mato, ninguém o quer porque ninguém precisa dele para a cama dos animais nem para estrume.
Porquê?
Porque não há Povo nas zonas onde o mato cresce.
Não havendo Povo, não há animais para lhes fazer a cama e as hortas não precisam de estrume, porque também já se encheram de mato!
Quando se deu o 25 de Abril, o Povo estava lá e há muitas gerações!

Se o Povo estava lá e já não está, o que é que fez com que deixasse de estar?
"Quem não está bem, muda-se!" diz o ditado.
Concluo que o Povo não estava bem onde estava e mudou-se.
Se o Povo não estava bem onde estava, alguém com responsabilidades de mando e administração fez alguma coisa para contrariar tal situação?
Se fez, pelos vistos não foi bem sucedido; se não fez, foi um embusteiro e um oportunista que arrecadou dinheiro do Povo para os seus bolsos, encheu-se de benesses vitalícias e "Passem bem, que eu já me aviei!" 
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De Luís Lavoura a 20.03.2018 às 13:26

Excelente post.
Quando se fala de pessoas que morrem na estrada devido a incêndios, há que perguntar o que é que as pessoas estavam a fazer na estrada nesse momento.
De resto, há atualmente apps que fornecem em tempo real o estado de engarrafamento das estradas e recomendam aos condutores por onde seguir. Não deve ser impossível construir apps que tenham também em conta o risco de incêndios e/ou a sua efetiva existência.
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De Tiro ao Alvo a 21.03.2018 às 12:34

O  que eu não esperava era ver ontem o PCP a atacar  o governo, acusando-o de ter montado uma farsa, nesta questão do combate aos incêndios florestais, para sacudir a água do capote, atirando a culpa para os ombros dos proprietários florestais, a maioria pequenos proprietários, muitos deles pobres agricultores, procurando responsabilizá-los pelos futuros fogos que, seguramente, vão acontecer.

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De Luís Lavoura a 21.03.2018 às 18:11

De facto. O PCP mostra nesta questão ser o único partido constituído por pessoas adultas, conhecedoras da realidade social, e defensoras dos proprietários florestais. Ou seja, temos, de facto, um partido comunista a defender a propriedade dos privados contra a desmesurada e desastrada intervenção estatal. É digno de nota.
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De Anónimo a 21.03.2018 às 16:17

Excelente. Capacidade de ir direito ao essencial afastando o secundário.
Nas regiões florestais as fugas a fogos, florestais, em viatura auto, em estradas ou acessos secundários, mesmo que bem planeadas, com vias alternadas a optar segundo as circunstâncias e sempre atempadamente, é a pior solução, segundo os perítos nos EUA.
Este caótico desflorestar é, será, sim, uma solução cara, sempre imcompleta e de efeito parcial e temporário.
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De Tiro ao Alvo a 21.03.2018 às 22:00

Vale a pena ler: https://observador.pt/opiniao/oferta-e-procura-de-incendios/
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De Luís Lavoura a 22.03.2018 às 10:08

No final desse artigo aparece a frase
"A manter-se a actual política, a principal consequência de longo prazo será a de haver muita gente a entregar os seus terrenos ao Estado."
Não sei se esta frase é realista - que eu saiba, o Estado não aceita doações de terrenos. Antes aceitasse...
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De Tiro ao Alvo a 22.03.2018 às 13:09

Antes aceitasse? Para acontecer o mesmo que aconteceu no Pinhal de Leiria, que o Estado deixou arder quase a 100%?
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De Luís Lavoura a 22.03.2018 às 15:21

Sim, antes aceitasse, porque dessa forma os proprietários de terrenos que não dão lucro que pague a sua limpeza poderiam livrar-se deles a favor do Estado.

Eu, por exemplo, possuo um terreno que consiste numa faixa com 5 metros de lagura e 100 de comprimento, ao longo da parede de uma antiga fábrica (e com uma casa e uma oficina por perto). Supondo que me obrigam a limpar aquilo, serão 500 metros quadrados nos quais eu não poderei ter nada e que terei que todos os anos roçar. Ou seja, será uma pura despesa. Tomara eu poder doar esse terreno ao Estado...
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De Tiro ao Alvo a 22.03.2018 às 16:56

Entendi. O que o Lavoura quer é atirar para o Estado um problema que, com a legislação actual, não terá solução.
O que também está mal, foi a forma como apareceu essa fracção de floresta: unidades de tamanho tão reduzido já não deveriam existir há muito. 
Todavia, se a sua propriedade está dentro da zona de protecção da oficina e da casa vizinhas, acho que deveriam ser os seus donos a cuidar da limpeza, pois de outra forma o Lavoura está a ser explorado em favor de outros.
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De Luís Lavoura a 23.03.2018 às 09:53

o Lavoura quer é atirar para o Estado um problema que, com a legislação actual, não terá solução

Exatamente. Se o Estado pretende obrigar-me a limpar um terreno, então que fique ele com ele e o limpe ele.

O que também está mal, foi a forma como apareceu essa fracção de floresta

Estava mal, no tempo em que isso foi feito. Hoje em dia já não é permitido partir propriedades ao meio para as legar aos herdeiros.

E o que também esteve muito mal, foi a forma como essa oficina e essa casa de habitação surgiram coladas a zonas florestais. Nem essa oficina nem essa casa seriam atualmente autorizadas.
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De Tiro ao Alvo a 23.03.2018 às 16:58

Tenho um problema semelhante: a Câmara Municipal autorizou a construção de uma moradia a menos de 50 metros da extrema da minha propriedade florestal, integrada na Reserva Ecológica. Não é justo que, agora, tenha eu que arcar com a despesa de desmatação da minha propriedade apenas para proteger a casa do meu vizinho. Que a proteja ele ou o Estado, eu não.
O que me parece razoável é que, se foi o Estado que criou o problema, que seja o Estado a resolvê-lo, ou seja, se o Estado licenciou o que não devia, que cace a licença e que indemnize quem deve ser indemnizado. E, se possível, que responsabilize quem deve ser responsabilizado. 
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De Anónimo a 23.03.2018 às 18:04

Está a dizer que a moradia foi licenciada pela câmara em REN? E era uma acção interdita de acordo com o regime da REN? 
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De Tiro ao Alvo a 23.03.2018 às 19:08

O que sei que é que minha propriedade está na REN e quando a casa foi licenciada, há 20 ou 30 anos, não sei se já havia REN. Seja como for, com REN ou sem REN, não me parece justo que seja eu a pagar a segurança dos outros.
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De Anónimo a 25.03.2018 às 10:09

Não entendi nada da sua história da REN. Parece não saber do que está a falar e não conhece o regime da REN. Talvez na câmara o informem. Quanto à protecção de propriedades, parece-me óbvio que não devemos criar riscos nem para nós, nem para os vizinhos. Isto é um conceito antigo e universal e não percebo porque tantos agora o colocam em causa.
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De Tiro ao Alvo a 25.03.2018 às 22:29

Não entendeu ou não quer entender? Acho que toda a gente sabe o que é a REN - Reserva Ecológica Nacional. As palavras dizem tudo..
Quanto à protecção das propriedades, acha bem que uma Câmara emita alvará para a construção de uma moradia num terreno confinante com uma zona florestal, no meu caso, hoje classificada como REN, com uma implantação que não cumpre o afastamento legal necessário para a sua protecção contra incêndios, ou seja 50 metros? 
Acha justo que, agora, o meu vizinho exija, não só a limpeza dos matos como também o abate das espécies que já lá estavam quando a casa foi construída?
Se bem entendo a regulamentação que possibilita, a título excepcional, a construção de habitações nas zonas florestais, exige que seja garantida uma zona de protecção com um raio de 50 metros, com o compromisso do promotor a manter limpa de matos, tanto para protecção da sua propriedade, como para a protecção das propriedades confinantes. E, se não é assim, assim é que deveria ser.
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De Anónimo a 26.03.2018 às 16:24

Está com azar, porque conheço a fundo o regime da REN, desde o seu início. Leia-o, porque apenas tem uma vaga ideia sobre o que está a falar. Quanto ao resto, não dou parecer em caixas de comentários de blogs sobre processos concretos de licenciamento. Isso é perguntar à Câmara. 

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