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Em 30 de Janeiro de 2009 escrevi um post sobre Sócrates e a sua forma de actuar.
A data é relevante, porque é muito, muito anterior à sua queda, é mesmo anterior, quase um ano, às segundas eleições que ganhou, é ainda do tempo de apogeu e poder absoluto de Sócrates.
Há nesse post um esforço de contenção racional para impedir a sua contaminação pelas as minhas convicções não fundamentadas em factos verificáveis, e por isso digo claramente "que deixo à polícia o trabalho de seguir o rasto do dinheiro e só quero discutir modelos de decisão pública que vão para além disso".
A conclusão do post, limitada pela expressa vontade de não fazer juízos que estão para lá do que me seria possível demonstrar a partir de factos verificáveis, ainda hoje é o essencial do penso sobre Sócrates, para lá do que a investigação judicial tem vindo a apontar: "A Sócrates cabe a responsabilidade de um método de actuação voluntarista, determinado por objectivos pré-definidos mas que desconsidera a forma da decisão e a sua correcção processual. E cabe também a responsabilidade de criar um clima em seu redor que se funda na fiel aplicação da velha máxima: “Se o príncipe não puder ser amado e temido igualmente, é melhor ser temido” e que inegavelmente contamina a cúpula da administração pública. Estas são responsabilidades políticas com virtudes (há quem defenda que só assim é possível fazer reformas em Portugal).
Mas também com fragilidades ao criar uma informalidade de decisão e uma ausência de escrutínio que permite que qualquer escroque que ganhe a confiança de Sócrates use este clima e a falta de rigor nos procedimentos em proveito próprio."
O que aqui me traz não é exactamente lembrar a minha razão de há quase 9 anos, agora que é fácil dar pontapés em José Sócrates.
O que me traz é constatar que as conclusões a que cheguei não são de quem alguma vez esteve no inner circle de Sócrates, mas de quem, embora tendo tido alguma proximidade funcional a Sócrates (fui eu o responsável pelo parecer negativo ao Freeport, que levou ao meu afastamento imediato do processo e ao bloqueio da minha carreira na função pública até hoje, ao mesmo tempo que os responsáveis por esse tipo de procedimento, ilegítimo, continuam por aí, beneficiando dessa subserviência canina: ainda nestas eleições o responsável mais directo por este exemplo de submissão da administração pública a interesses privados foi o cabeça de lista do PS à Câmara de Bragança), estava longe de ver de perto a actuação de Sócrates.
O que me conduz a uma pergunta legítima: se eu, que de longe, naquele tempo, escrevi o que cito acima, como é possível que quem tenha estado ao lado, dia a dia, não tenha dado por nada?
Não falo da corrupção e do circuito do dinheiro, como é evidente, isso é muito difícil de ver (mesmo tendo indícios claros de desfasamento entre rendimentos e padrão de vida, não é fácil ter a certeza de que exista alguma coisa de ilegítimo nesse desfasamento, normalmente explicado com base em histórias fabulosas em que todos gostamos de acreditar, quando queremos desesperadamente afastar o incómodo de reconhecer que as pessoas de quem gostamos não são perfeitas e, provavelmente, são ainda mais imperfeitas do que queremos admitir).
O que falo é do mesmo que já falava no post que cito: como é que não deram pelos métodos de actuação? Como nunca viram a prepotência? Como nunca viram as entorses aos procedimentos? Como nunca sentiram a clássica ilegitimidade da norma geral de governação das nossas elites: "proteger os amigos, perseguir os inimigos e aplicar a lei aos restantes", classificando-se como inimigos todos os que simplesmente não eram por ele?
Não falo dos mais próximos dos próximos ("when your heart is on fire, smoke gets in your eyes" diriam os Platters) mas sim dos que têm por profissão e obrigação perguntar, investigar, ir à procura para lá das aparências.
O inquietante é saber que esses são os mesmos que ainda hoje são elite do jornalismo, os que escolhem os títulos, os que escolhem a perspectiva das notícias, os que escolhem o que é, ou não é, de interesse jornalístico, os que promovem os Artur Baptista da Silva só porque dizem o que queremos escrever sem comprometer a nossa reputação na profissão ou os que são "generais prussianos".
Ou seja, o que é inquietante é que, até agora, o processo Marquês não serviu absolutamente nada para melhorarmos as nossas defesas em relação a demagogos brilhantes que estejam do lado certo da paisagem política.
Não há nada na nossa imprensa que me dê o alívio de saber que não existe hoje, no topo do Estado, uma rede de cumplicidades e interesses tão densa e profissional como a que criou e sustentou José Sócrates.
"Espero, ardentemente espero" que essa rede não exista, estou convencido de que não existe, mas não é seguramente o jornalismo que temos que me ajuda a ter essa esperança, é a mesma fraqueza humana dos mais próximos de Sócrates que os impediram de ver o que realmente não queriam ver: mesmo sem a absoluta lucidez de que se queixava Álvaro de Campos, as coisas já são suficientemente difíceis.
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