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Responsabilizar os proprietários

por henrique pereira dos santos, em 26.07.17

Recentemente, numa pequena conversa para que me convidaram, sobre fogos, voltei a dizer (eu repito-me muito, em especial nesta matéria) que me parecia que a questão do cadastro, sendo relevante para muitas outras coisas, era uma falsa questão para a gestão do fogo.

Como de costume argumentei que não é porque não se sabe quem é o proprietário que não se cria riqueza, e portanto não se ganha gestão, é exactamente porque não se cria riqueza a partir de um terreno que ele deixa de ter gestão e dono, sendo irrelevante mudar de dono se não se mudar a circunstância da ausência de interesse económico.

A resposta habitual surgiu nessa conversa, mas é recorrente: o cadastro é fundamental para responsabilizar os donos dos terrenos.

É um argumento que vale a pena avaliar com atenção.

Como comentário prévio, refira-se que a Sertã não tem cadastro e Mação tem o cadastro completo (de acordo com informação de João Adrião, que não confirmei mas em que confio) e isso não faz a menor diferença no fogo que por lá anda há dias.

Quando se fala em responsabilizar os proprietários, fala-se de que responsabilidade?

Imaginemos que eu tenho um terreno num leito de cheia. Imaginemos que o meu vizinho constrói a sua casa no mesmo leito de cheia, mas um pouco mais recuada em relação ao rio. Passa pela cabeça de alguém responsabilizar-me a mim por não ter o meu terreno em condições de impedir que a cheia chegue ao terreno do meu vizinho? Claro que não.

Mas em relação ao fogo parte-se do princípio de que eu sou responsável pelo fogo ter chegado ao meu vizinho, no caso de não ter limpo o terreno (é certo que se o fogo entrar de copas, mesmo tendo eu limpo o terreno, ele chega ao meu vizinho, mas não compliquemos o argumento).

As normas de defesa da floresta contra incêndios determinam que os terrenos devem ser limpos num raio de 50 metros à volta das casas, atribuindo essa responsabilidade aos donos dos terrenos, sem cuidar que se trata da defesa da casa em relação aos fogos que chegam da floresta, e não da defesa da floresta contra os incêndios.

Isto é, o beneficiário da limpeza dos terrenos é o dono da casa, que até a pode ter construído depois de eu lá ter o meu terreno mas o custo de gestão é-me atribuído a mim.

A defesa da floresta contra incêndios institucionaliza o velho princípio de que "uns comem os figos, aos outros rebenta-lhes a boca", mas sendo esse princípio profundamente injusto, a justiça, naturalmente, não se consegue obter pela aplicação da lei e, consequentemente, a lei é pouco aplicada.

A minha sugestão é simples: esqueça-se o argumento da responsabilidade dos proprietários (as segundas maiores vítimas do regime de fogos que temos, logo depois dos bombeiros), e institucionalize-se na lei o que é de justiça: os beneficiários que paguem os benefícios de que precisam.

Dito de outra maneira, pague a sociedade aos donos dos terrenos o que entende ser justo para ter o benefício de um regime de fogos socialmente úteis e a probabilidade de se ir fazendo o que é preciso aumenta exponencialmente.

Tem uma casa? Quer protegê-la do risco de fogo? Limpe, ou pague a limpeza dos vinte metros que a rodeiam (não são precisos 50), faça a limpeza coercivamente se quiser e o dono do terreno que se queixe dos prejuízos ao tribunal, se achar que eles existem.

Acha que ter eucaliptos é um crime incendiário que merece o fogo eterno do proprietário? Muito bem, pague ao proprietário os custos de gestão para obter um belo carvalhal, ou um rebanho, ou uma zona de caça, ou a extracção de resina, seja o que for que entender que pague uma gestão que acha melhor para si e para a sociedade.

Para mim, responsabilizar os proprietários tem um significado diferente daquele que está na lei: é responsabilizar os proprietários (e, já agora, os consumidores e contribuintes) pelo pagamento dos benefícios de que precisam, em vez de se pretender que uns tenham os benefícios e os outros que os paguem.


6 comentários

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De JS a 26.07.2017 às 17:39

Bem exposto. O dedo na ferida esta, meritória, infelizmente pouco usual, análise sobre o que Justo, poucas vezes abordada sobre o magno problema dos "Fogos não Urbanos". A Lei tem, terá que ser justa. Se acontecem tantos e tão insólitos fogos é porque alguém está a lucrar com eles. Será o proprietário ?. A indústria do "apagar fogos" ?.

"...esqueça-se o argumento da responsabilidade dos proprietários (as segundas maiores vítimas do regime de fogos que temos, logo depois dos bombeiros), e institucionalize-se na lei o que é de justiça: os beneficiários que paguem os benefícios de que precisam....".

Difícil legislar com justiça sobre relações sociais que impliquem propriedade e benefício, como a que acontece com a legislação do arrendamento urbano, em que as responsablidades de manutenção dos "fogos" são do proprietário, e os beneficiários..... O ódiosinho às Leis do Mercado ?...
Será possível fazer respeitar, por Lei, a relação proprietário / benefíciário ?.   
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De monge silésio a 26.07.2017 às 18:30

...e há aqueles que constroem pela amizade ao fiscal da Câmara. ... 
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De carlos gonçalves a 26.07.2017 às 20:43


Mais uma pergunta (até porque estou cheio de curiosidade em saber da sua disponibilidade em dar-lhe o mesmo destino que à primeira):



"...esqueça-se o argumento da responsabilidade dos proprietários (as segundas maiores vítimas do regime de fogos que temos, logo depois dos bombeiros)..." 


Não acha de algum arrojo esta sua certeza? Não acha que lhe escapam aqui alguns cadáveres?
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De henrique pereira dos santos a 27.07.2017 às 06:43


Hesitei quando escrevi essa frase, exactamente por essa razão.
Mantive-a porque estava a falar do regime de fogos que temos e das perdas estruturais que induz.
Os mortos por incêndio são, de maneira geral, bombeiros (em todo o mundo, não apenas em Portugal). O que aconteceu no fogo de Pedrógão foi uma excepção, sendo muito invulgar haver um número de mortos civis desta grandeza.
Daí o que escrevi: do regime de fogos, as principais vítimas são os bombeiros (não apenas por causa dos que morrem, há muitas outras maneiras de se ser prejudicado por uma doutrina absurda que transforma os bombeiros em carne para canhão) e logo depois os proprietários, que se vêem limitados nas suas opções e vêem muito restringidos os seus rendimentos potenciais por causa do risco de incêndio, mas também em por perdas reais.
Achei que sendo verdade não há perdas como as que implicam vidas, não poderia misturar essas situações excepcionais com questões estruturais.
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De XisPto a 27.07.2017 às 12:55

" a questão do cadastro, sendo relevante para muitas outras coisas, era uma falsa questão para a gestão do fogo."


Sou um leigo na matéria que adere à frequente argumentação de que com o continuum florestal e condições de seca calor e vento não é passível extinguir um incêndio pelo que se impõe a sua compartimentação, do que decorre a defesa da criação de uma entidade económica, os "condomínios florestais" ou as "sociedades florestaia" que penso estarem previstas no papel,  com capacidade para se substituírem aos proprietários. Como concretizar isto com segurança jurídica é algo que acho difícil de conseguir sem o cadastro. E mesmo que não seja imprescindível, é completamente inadmissível que esta reforma longamente identificada não saia do papel. Azar a troika não a ter colocado como condição para libertar uns cobres. Teria sido feita nem que com a metodologia autoritária da reavaliação patrimonial de 2012.
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De Anónimo a 06.08.2017 às 19:59

"...Tem uma casa? Quer protegê-la do risco de fogo? Limpe, ou pague a limpeza dos vinte metros que a rodeiam (não são precisos 50),..."

A prevenção, para si e para os seus bens, não é nem cara nem complexa.
Porque não há divulgação de normas tão simples e eficientes ?.

Most of the people who have died in wildfires
were trying to evacuate but left too late.
It is safer to stay inside your home during a
wildfire than to be caught in your car.
Don’t try to evacuate if there’s anyrisk of not making it to safety.

Porque não traduzem e divulgam estas simples normas ?.

http://www.fusee.org/resources/Documents/Hard%20Facts%20About%20How%20Homes%20Burn.pdf

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