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Podia tudo ser diferente no BES?

por Maria Teixeira Alves, em 08.08.14

Tenho estado a tentar perceber esta intervenção inovadora (bail-in do BES). Começo por dar o braço a torcer porque da leitura do relatório e contas do BES do semestre, não se discorria a verdadeira natureza dos problemas. Faltou essencialmente esta informação, que agora é descrita pelo Governador do Banco de Portugal:

Na segunda metade de Julho, foram identificadas pelo auditor externo as seguintes operações:
i. A emissão de duas cartas-conforto dirigidas a investidores institucionais não residentes, em violação dos procedimentos internos de aprovação deste tipo de operações e das determinações do Banco de Portugal. Estas cartas-conforto conduziram ao reconhecimento de uma perda nas contas do Banco Espírito Santo no valor de 267 milhões de euros, com referência a 30 de Junho de 2014; [eu sei quem são os destinatários das duas cartas mas dispenso me aqui de revelar]
ii. A realização de operações de emissão e recompra de obrigações próprias, envolvendo o Banco Espírito Santo, o Grupo Espírito Santo e a Eurofin Securities, que determinaram um registo de perdas nas contas do Banco Espírito Santo no valor total de 1249 milhões de euros, com referência a 30 de Junho de 2014.
Estas operações tiveram um impacto negativo de cerca de 1500 milhões de euros na conta de resultados do 1.º semestre. Face às perdas apuradas, o BES deixou de cumprir os rácios mínimos de capital em vigor, verificando um rácio de Common Equity Tier 1 de 5 por cento, abaixo do mínimo de 7 por cento exigido pelo Banco de Portugal e do mínimo de 8 por cento para as instituições que entram no exercício de avaliação abrangente promovido pelo BCE

 

Estas duas informações são essenciais. E delas decorre a intervenção do Banco de Portugal, que foi em tempo record. Basta ver que entre quinta-feira à noite e domingo tiveram de pedir autorização a Bruxelas, que assim, com o BES, testa o novo mecanismo de intervenção dos bancos.  Este "novo esquema" baseado no mecanismo único de resolução dos bancos que foi aplicado ao BES faz com que Portugal seja o primeiro país a testar as bases da união bancária.  Para o concretizar o Governo teve de fazer aprovar um decreto-lei que altera a lei bancária, para dar poderes ao Banco de Portugal. A CMVM teve de suspender o BES na sexta. Carlos Costa disse aos deputados que "A única coisa que sabíamos na sexta-feira ao almoço era que, em reunião por teleconferência entre os membros do Conselho de Governadores [do Banco Central Europeu, BCE], na segunda-feira tínhamos uma data limite até à qual tínhamos de ter uma solução e tínhamos de ser nós a encontrar a solução".

 

O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou no passado dia 3 de Agosto aplicar ao Banco Espírito Santo a medida de resolução. Esta medida consistiu na criação do Novo Banco, para o qual foi transferida a generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo. O BES foi durante este fim-de-semana separado em dois bancos, o bom e o mau. O Novo Banco, que é o bom, tem um capital social de 4.900 milhões euros, integramente subscrito pelo Fundo de Resolução. O Fundo de Resolução pertence aos bancos, e a linha da troika emprestou o remanescente que são 4.400 milhões, mas que afinal podem ser apenas 3.900 milhões porque os bancos fizeram contas aos juros que vão pagar pelo empréstimo (2,95%) do Estado e preferem ser eles a emprestar mil milhões de euros. A brincadeira de Ricardo Salgado sobrou para os outros bancos.

O Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de activos problemáticos, salva os clientes, depositantes e empresas com empréstimos, nada muda. Mas deixa cair os accionistas para o velho banco. Muitos deles investiram acreditando que BES tinha fundos próprios suficientes para acomodar eventuais impactos, tal como tinha garantido o Governador do Banco de Portugal. Carlos Costa chegou a garantir, o que é inédito, que havia investidores para entrar no capital. Antes de a lei ser mudada, o Governador já a punha em prática. O BdP já anunciava a venda do banco. Mas depois da apresentação dos prejuízos brutais (e recordo que Carlos Tavares anunciou no Parlamento, um tempo antes, que iam haver surpresas nos resultados do BES, não era por isso totalmente desconhecido que ia haver um impacto negativo), no dia 31 de Julho, o Banco Espírito Santo, comunicou ao Banco de Portugal a impossibilidade de promover uma solução de recapitalização do banco, nos termos e nos prazos solicitados pelo Banco de Portugal.

Eu sei que tudo isso foi feito para evitar a corrida aos depósitos e a venda massiva de acções. Eu sei que foi com a realidade que se conhecia e com boa intenção. Mas se ainda decorria a auditoria da KPMG não teria sido melhor esperar pelos resultados dessa auditoria antes de dar garantias em público? É que assim foi pior a emenda que o soneto porque os accionistas perderam tudo, o mercado de capitais português foi profundamente abalado. A confiança minada. Os investidores institucionais desataram a vender acções do BCP, com o pânico do contágio. Quem irá dizer a um fundo institucional que entrou no BES a acreditar nas garantias do Governador para voltar a investir em Portugal? 

Para o sistema no seu conjunto, o novo BES é um banco mais sólido alvo de aumento de capital realizado pelo Fundo de Resolução. Mas mesmo os depositantes não ficaram totalmente sossegados e alguns tiraram os depósitos do Novo Banco. 

O banco mau, que vai ficar com o nome do BES, passa a deter todos os activos de empresas em dificuldades, nomeadamente as dívidas do grupo GES, assim como a participação accionista no BES Angola. Os empréstimos ao BESA ficam no banco bom que levou com ele provisões.

O governo e o Banco de Portugal tomaram esta decisão porque já não era possível manter o mesmo BES com as portas abertas. Tinha perdido o acesso a empréstimos do BCE depois dos resultados que apresentou no primeiro semestre. 

Os accionistas do BES assim como os detentores de obrigações subordinadas perdem tudo, ficando donos do 'bad bank', ou 'BES mau' que perde a licença bancária e entra em liquidação e passará a ser gerido por um administrador de falências.

O Novo Banco mantém a administração que entrou recentemente no banco e é um banco que será vendido o mais depressa possível pelo Fundo de Resolução onde participam todos os bancos do sistema. Carlos Costa já voltou a dizer que há investidores interessados neste novo banco. O melhor é não dizer nada e apresentar os factos consumados. Até porque há mais uma auditoria encomendada, desta vez à PwC.

 

Podia o BES ter sido salvo?

Parece que não. Esgotada a solução de capitalização privada e afastada, por razões de estabilidade financeira, a hipótese de liquidação da instituição, restavam duas alternativas: a recapitalização pública e a aplicação de uma medida de resolução.

A recapitalização pública, mesmo na modalidade de capitalização obrigatória, não seria viável, dada a situação de urgência decorrente do risco iminente de incumprimento das obrigações do BES, e não asseguraria nem a necessária segregação em relação ao Grupo Espírito Santo, nem a protecção dos recursos públicos relativamente aos riscos próprios da atividade bancária.

 

Na audição de 7 de Agosto Carlos Costa respondeu a três questões:

O que se alterou desde a minha audição nesta Comissão no dia 18 de Julho e que conduziu à aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo? 
Em que consiste a medida de resolução e quais as consequências para as principais partes interessadas?
Quais são os próximos passos?

 

Responder, respondeu. Mas terá sido suficiente para a recuperação da confiança?

 

Outra coisa referida no Parlamento pelo Governador. "Os auditores auditam as contas, não o que não está lá. A ocultação é sempre um problema para todos". Ora se os auditores não detectam a ocultação nas contas, para que é que as contas são auditadas? Para saber se as contas maquilhadas estão bem contabilizadas? E isso de a ocultação ser um problema para todos é como diz o George Orwell, para uns mais que outros. 

Tenho ainda a perguntar porque é que sendo a ESFG uma holding que estava sob supervisão da EBA, não foi obrigada a provisionar a exposição dos seus bancos todos, e não apenas do BES, ao papel comercial? O Banco de Portugal podia ter deixado essa sugestão quando forçou o BES a uma provisão de 700 milhões.

 

P.S. Ricardo Salgado perdeu uma excelente oportunidade de ter recapitalizado o BES nas mesmas condições em que o fizeram o BCP e o BPI. Foi o engodo e  a soberba que o tramaram. Tinha entregue o BES à ajuda da troika e hoje, talvez ele não fosse o presidente do BES, por via do que se iria lá descobrir, mas talvez o banco ainda fosse Espírito Santo. Quem tudo quer, tudo perde. Lá diz o ditado.

 


5 comentários

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De O amigo do Gonçalo a 08.08.2014 às 10:46

"Ricardo Salgado perdeu uma excelente oportunidade de ter recapitalizado o BES nas mesmas condições em que o fizeram o BCP e o BPI. <b>Foi o engodo e  a soberba que o tramaram.</b>"

Diga-me por favor de que consegue ver mais alem do que isto.
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De tric a 08.08.2014 às 15:33

A familia Espirito Santo foi queimada...foi a cobaia...da Europa! aquelas desvalorizações de quinta e sexta foi tudo premeditado...afinal fazer da familia Espírito Santo a cobaia da Europa em Portugal...
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De antonio a 08.08.2014 às 17:55

Os grandes investidores perderam muito, mas não é deles. Agora eu perdi €100.000,00 em obrigações subordinadas que pouco mais davam que um deposito a prazo. No meu caso não foi a soberba / ganancia foi a má informação dada pelos senhores do BES/BdP.  Acreditei nas pessoas e elas queimaram o meu dinheiro. Estou de rastos.
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De Maria Teixeira Alves a 08.08.2014 às 19:28

Meu Deus! Tem toda a razão. Eu, na verdade não sou fã deste bail in. Não sei isso do tempo que impedia a recapitalização pública, eu preferia outra solução a esta, até a nacionalização desde que muito temporária. Acho que isto não se faz às pessoas.
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De Anónimo a 09.08.2014 às 23:02

A resolução do BES foi uma má solução para Portugal. A resolução não foi também uma escolha de Portugal. É necessário um trabalho sério para averiguar o que se passou no BES e no GES. É necessário um trabalho sério para avaliar o trabalho dos reguladores antes e depois da crise até à resolução. Já é mais do que tempo de tomarmos as rédeas do destino do país e deixarmos de andar a reboque das imposições dos outros. A medida é verdadeiramente má para Portugal. É gravíssimo o que aconteceu. Para o Natal, lá veremos os resultados desta borrada na evolução do PIB. Os Portugueses merecem melhores líderes. Falou-se demais, demasiado cedo. Atuou-se, como vem sendo hábito, demasiado tarde. Mas gostava muito que a situação melhorasse e que o Novo Banco, tendo um vida tão breve quanto o possível, provasse que eu estou errado. Desejo isso verdadeiramente. (PS: É um facto que sou parte interessada. Mas, mesmo que não o fosse, não poderia nunca deixar de lamentar a forma como os investidores foram tratados. Absolutamente lamentável.)

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