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É razoavelmente impreciso saber se vai arder este terreno e não o terreno a 3 quilómetros de distância, é razoavelmente impreciso saber até onde irá a intensidade de um fogo que se declare, é razoavelmente impreciso, a algum tempo de distância, saber o dia, o mês ou mesmo o ano em que vai arder e a região em que vai arder.
Mas é perfeitamente possível saber quais são as áreas de maior risco estrutural, isto é, aquelas onde a acumulação e continuidade de combustíveis finos garantem que, em condições meteorológicas extremas, qualquer ignição, seja ela originada pelo que for, produz uma progressão rápida e intensa de um fogo.
E é também possível, com alguns dias de antecedência, saber com bastante precisão, onde irão ocorrer condições meteorológicas extremas, susceptíveis de originar, nas tais áreas de risco estrutural elevado, fogos brutais, aumentando a precisão dessa previsão meteorológica na medida em que diminui o tempo que nos separa do momento que queremos avaliar.
No essencial, o que podemos dizer é que, nas nossas condições, o fogo é uma certeza, não é uma probabilidade, o que é uma probabilidade é o momento em que esse fogo vai ocorrer num determinado sítio, mas é uma questão de tempo até que esse fogo ocorra.
Paulo Fernandes, das pessoas com quem mais aprendo sobre fogos e que ouço quase religiosamente quando fala do assunto, perguntava-me num comentário: "estando o contexto presente é preciso agir em conformidade. É mais fácil, rápido e barato sensibilizar e vigiar o povo e ter prontidão ou gerir giga toneladas de combustível?".
É uma pergunta fulcral para os próximos meses e vale a pena explicar o contexto da pergunta.
Num post sobre o facto de mesmo em circunstâncias meteorológicas como as de ontem e hoje, com grande parte do país (e da Galiza, onde também houve mortos) a arder ser muito vulgar encontrar dezenas de pessoas a fazer pequenas queimas nesta altura do ano, sejam pastores ou agricultores, eu insurgi-me contra a ideia central do post e, sobretudo, dos comentários subsequentes, que punham a tónica nas ignições em vez de se concentrar totalmente no contexto que as tornas importantes, referindo eu que já em meados do século XIX o Relatório Geral da Arborização do Paiz se insurgia contra essas queimas (vamos esquecer a estupidez da mão criminosa e das organizações terroristas e parvoíces dessas, estou mesmo a falar da falta de sensatez no uso corrente do fogo em mundo rural).
A pergunta do Paulo reaje ao meu comentário.
O contexto que temos no país é especialmente favorável à ocorrência de fogos e há já vários anos que vou escrevendo que temos tido sorte em não ter havido, ainda, um episódio de quinze dias ventos fortes de Leste (na verdade não foram exactamente quinze dias de Leste porque num dos dias o vento rodou e voltou depois à direcção anterior, o que tem um efeito brutal no aumento da dimensão dos fogos), como em 2003, porque quando isso acontecer, aquilo a que estamos a assitir agora pode muito bem ser rapidamente relegado para um segundo plano, porque a situação será verdadeiramente assustadora e devastadora.
Daí a relevância da questão do Paulo que resume as opções políticas com que estamos confrontados como sociedade: sendo este o contexto, o que podemos fazer rapidamente, enquanto mudamos as políticas estruturais (admitindo que existe capacidade política para fazer alterações estruturais na política para o mundo rural, do que tenho as minhas dúvidas).
Embora a pergunta do Paulo parece ter duas opções, na verdade tem três linhas de trabalho substancialmente diferentes:
1) Reduzir as ignições. Educar, reforçar a aplicação da lei e essas coisas todas, ideia em que se encontram quer os lunáticos da mão criminosa, quer os sensatos do combate ao uso negligente do fogo;
2) Melhorar o combate;
3) Alterar as condições estruturais de acumulação e continuidade de combustíveis.
É absolutamente consensual que a terceira linha de trabalho, sendo a prioritária, será sempre a menos urgente, a que não tem visibilidade social, a que não gera ganho político, daí o meu cepticismo em relação ao que virá a ser feito neste domínio que, para mim, passa, para usar uma forma ligeira de pôr o assunto, por transferir os apoios ao mundo rural da produção dirigida aos mercados, para a produção de serviços de ecossistema que o mercado não remunera, resolvendo a falha de mercado que está na origem do padrão de fogo que temos;
Melhorar o combate é razoavelmente consensual, embora com uma linha de clivagem social muito marcada: a) as pessoas ligadas aos bombeiros e protecção civil acham que é preciso pôr mais músculo num sistema que deve ter como objectivo liquidar todos os fogos à nascença, a ideia absurda e trágica que nos tem guiado até aqui; b) as pessoas ligadas à gestão do fogo e do território, que sabem que o fogo é um elemento natural que não pode ser retirado do sistema, tem defendido a profissionalização e autonomização do combate florestal em relação às dimensões de protecção e socorro, ao mesmo tempo que defende que essa profissionalização, assente em maior conhecimento do fogo e do seu comportamento, permite que o combate faça um uso inteligente das acções de prevenção, o que actualmente não ocorre.
Onde estou quase isolado é na ideia de que insistir nas ignições é perder tempo e dinheiro, desresponsabilizando politicamente qualquer governo pelas suas falhas nas duas dimensões que referi antes.
Eu tenho um verdadeiro pavor de todas as soluções que parecem lógicas e sensatas mas que têm, como condição prévia, fazer um homem novo.
Ora se é verdade que existe muita, muita margem para um uso mais sensato do fogo no mundo rural, isso faz-se sobretudo com apoio aos produtores, com trabalho de proximidade, com extensão rural se se quiser, faz-se reforçando os laços de confiança entre as pessoas e o aparelho do Estado.
Continuar a insistir que as ignições são um problema de legislação, de coimas mais pesadas, de fiscalização eficiente, de aplicação da lei, tem sobretudo um efeito: o crescimento exponencial do "fogo furtivo", isto é, do uso do fogo para actividades ancestrais, nas quais o fogo sempre foi um instrumento de trabalho normal, e que o Estado tem vindo a criminalizar e a impôr uma pesada carga burocrática a que as pessoas normais respondem como respondemos todos os que somos normais: ignorando o Estado, tanto quanto possível.
O que implica usar o fogo ilegalmente, o que implica usar o fogo em circunstâncias que não são escolhidas pela sensatez e pelo conhecimento, mas em circunstâncias que são definidas pelo medo da repressão do Estado.
Essas são as piores e mais perigosas circunstâncias para usar um instrumento com o poder destrutivo do fogo.
Infelizmente a psicose das ignições é um consenso nesta matéria e por isso temo que o uso furtivo do fogo seja a consequência natural da nova geração de políticas de gestão do fogo que, forçosamente, começaram ontem.
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