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Controlo passivo de combustíveis

por henrique pereira dos santos, em 17.07.17

Espero, com este post, fechar um conjunto de posts sobre o mito da estreita relação entre fogos e espécies.

O que tenho vindo a escrever, insistentemente, é que o essencial são os combustíveis finos, que se relacionam mais com os modelos de gestão que com as espécies arbóreas que dominam o povoamento.

Para além de acusações sobre a forma desonesta como estou a defender os eucaliptos e os interesses das celuloses (o tipo de argumento de quem não tem grandes argumentos), há um comentário recorrente que se prende com os benefícios para a gestão do fogo que haveria se tivéssemos uma muito maior área de carvalhais adultos.

O argumento tem uma parte em que está certo e é razoável: os povoamentos maduros das nossas folhosas, quando suficientemente densos, criam um ensombramento profundo que limita o crescimento dos matos e dos outros combustíveis finos que alimentam as frentes de fogo.

Ao contrário dos modelos de gestão sobre que tenho escrito, não se trata de uma gestão activa destes combustíveis finos (por corte, fogo ou gado) mas sim da criação de condições para que o crescimento dos matos seja muito limitado pelo ensombramento, sem que seja preciso fazer o seu controlo activo: nessas circunstâncias a ausência de gestão não tem o efeito de aumentar o risco de incêndio.

É aliás a este ponto, em que não precisamos de gerir para obter o que procuramos (biodiversidade, amenidade, qualidade paisagística, diversidade económica potencial, etc.) que procuramos chegar na gestão dos terrenos que estão sob gestão da associação de conservação a que pertenço.

Há portanto vantagem, do ponto de vista da gestão do fogo, em aumentar a área de povoamentos densos de folhosas maduras.

Se assim é, por que razão não se faz um grande esforço nacional para ter esses povoamentos e resolver de vez o problema dos fogos?

Em primeiro lugar sabemos pouco como se comportam estes povoamentos quando o fogo entra de copas, isto é, quando a progressão do fogo não se faz pela transmissão da chama através dos combustíveis finos junto ao solo, mas sim pela transmissão da chama copa a copa. É provável, quer pela história natural que temos, quer pelos exemplos da Califórnea, que este povoamentos ardam também, em condições meteorológicas extremas, quando o fogo entra de copas.

Apesar de tudo seria uma situação bem mais fácil de gerir que a actual (não o fogo de copas que esteja a ocorrer, mas a sua fragmentação à escala da paisagem).

O problema é que entre o momento em que se decide ter um carvalhal maduro e o momento em que ele realmente atinge as características citadas no início (uma sombra profunda e contínua), podem passar muitos anos, dificilmente menos de vinte, nas situações mais favoráveis, seguramente acima de trinta, na grande maioria das situações.

E durante esses muitos anos, um carvalhal é tão susceptível ao fogo como os matos altos, pelo que não vale a pena discutir qualquer solução de aumento da área de carvalhal (que está a ocorrer naturalmente, em paralelo com o padrão de fogo que temos, mas demorando muito tempo a chegar ao ponto em que o carvalhal pode ser útil no controlo de matos e outros combustíveis finos) sem discutir como se gere a transição entre a situação actual e a situação desejável: que gestão é necessária para encurtar o tempo até se atingir o objectivo, quanto custa, quem paga, quando, de que maneira, a quem? e por aí fora, como se faz em qualquer projecto de investimento.

A experiência que tenho é a de que são precisos muitos recursos (António Giestas, um proprietário de Vouzela, tem uma gestão exemplar orientada para este objectivo: há trinta anos que mantém consistentemente esta linha de orientação, financiada por si próprio, não pelo retorno que lhe é dado pelo carvalhal, está numa das zonas mais favoráveis a esta opção, mas ao fim de trinta anos, tem menos de 30 hectares de carvalhal) para que seja possível reduzir de forma consistente o tempo que o carvalhal demorará a chegar a um ponto de "não gestão" aceitável, sem que exista grande contrapartida em retorno financeiro do investimento.

Ou seja, sim, é bom que haja uma área maior de carvalhal maduro para nos ajudar a gerir o fogo, não, não é uma solução nem imediata, nem fácil, nem generalizável.

E não, não basta querer, é condição sine qua non querer, mas não é condição suficiente, é mesmo preciso saber onde ir buscar os recursos para isso, sabendo que não há, nem pode haver, recursos suficientes para que esta opção jogue um papel relevante na gestão do fogo nos próximos trinta ou quarenta anos, com excepção de situações pontuais e, mesmo nessas, que não dispensam uma gestão atenta aos resultados e que saiba fugir das ideias feitas sobre o assunto, para evitar gastar recursos à procura de milagres que, provavelmente, não acontecerão.


2 comentários

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De henrique pereira dos santos a 17.07.2017 às 22:42

Sugeria que fosse rever o que aconteceu em Nisa, no maior incêndio registado em Portugal (41 mil hectares). É que mais de 50% era sobreiro, azinheira e carvalho.
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De Anónimo a 17.07.2017 às 22:54

Comentário apagado.
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De henrique pereira dos santos a 17.07.2017 às 23:08


Imagino sim, mas foi só para não ficar a ideia de que nesse fogo tinha ardido sobretudo eucalipto. Ardeu muito (não tenho a percentagem de cor) mas ardeu mais sobreiro, azinheira e carvalho.
Em condições meteorológicas extremas (e as de 2003 foram do pior, até porque foram muito dias de vento forte, com a agravante de num dos dias o vento ter rodado um dia, transformando as laterais, de menor intensidade, mas mais extensas, na cabeça do incêndio e quando voltou a rodar a frente tinha-se alargado enormemente), arde tudo.

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