Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Carta aberta ao Senhor Primeiro Ministro

por henrique pereira dos santos, em 25.02.18

monsanto.jpg

Caro António Costa,

A imagem acima é do quartel de Monsanto do Regimento de Sapadores Bombeiros e o risco interrompido, encarnado, no seu canto superior direito indica, aproximadamente, 50 metros.

A menos que haja qualquer disposição legal que inclua este quartel nas excepções previstas na legislação - e acredito que sim porque a gestão da Parque Florestal de Monsanto é certificada e a primeira condição de certificação é o cumprimento da lei - há um manifesto incumprimento da legislação da Defesa da Floresta Contra Incêndios.

Repare que este não é um caso isolado em Monsanto, se reparar bem na imagem abaixo, e tem de olhar com atenção para reparar em várias instalações que mal se vêem debaixo das árvores, rapidamente compreenderá que esta é uma questão generalizada no espaço florestal de Monsanto.

monsanto2.jpg

A pergunta que gostaria de lhe fazer é a seguinte: por que razão, estando desde 2006 em vigor as obrigações de limpeza dos terrenos em volta de casas e infraestruturas - com certeza lebrar-se-á bem, visto que na altura foi um dos ministros mais relevantes para a tomada desta desgraçada decisão -, o Senhor nunca as cumpriu enquanto Presidente da Câmara de Lisboa?

Eu conheço várias explicações:

1) Porque Monsanto faz gestão de combustíveis e tem um baixo risco de incêndio. É uma resposta tecnicamente aceitável, é verdade que há gestão de combustíveis em Monsanto e é verdade que o risco de Monsanto arder é baixo, mas as justificações técnicas não substituem o cumprimento da lei, por isso não serve como resposta;

2) Porque Monsanto tem arvoredo classificado, o que o isenta do cumprimento da lei. Sim, isso é verdade para cerca de 10% de Monsanto, mas não tenho a certeza de que seja uma justificação válida para os outros 90% (a lei é suficientemente dúbia para eu ter certezas nesta matéria). Para além de que esta justificação formal servirá de pouco se Monsanto estiver a arder;

3) Porque Monsanto está incluído num aglomerado urbano. Seria uma justificação interessante se não estivesse sob regime florestal e se tivesse cumprido a obrigação de gerir os 100 metros em redor do aglomerado de Lisboa, que penso ser inquestionável que tem mais de dez casas.

Eu compreendo a ideia de que Monsanto nunca ardeu, tem baixa probabilidade de arder e tem uma gestão fantástica que impede a ocorrência de fogos desastrosos no interior do seu perímetro, mas gostaria de lhe lembrar que a lei não confere aos proprietários a faculdade de decidirem se se aplica ou não a lei em função da gestão que é feita e que, mais grave, dos autarcas de Mortágua aos gestores do Pinhal de Leiria, passando pelos gestores das matas das celuloses (apesar de tudo, estes muito mais cautelosos e menos voluntaristas), todos eles garantiam a improbabilidade de arder significativamente nas suas matas, dado o modelo de gestão praticado (em parte isto foi verdade apenas para os gestores das matas de celuloses, mas, mesmo assim, no ano passado, a afectação das suas matas deve ter sido dez vezes maior que a admitida como máximo anual).

Por isso volto à minha questão: por que razão não cumpriu, nem cumpre, a lei a Câmara de Lisboa?

A minha resposta é bastante simples: porque a lei é estúpida e os resultados pretendidos de defesa da floresta contra incêndios, nomeadamente no que diz respeito à protecção de pessoas e bens não florestais, dificilmente podem ser obtidos pela sua aplicação.

Acresce que haveria uma revolução se a Câmara desatasse a abater os milhares de árvores que seria preciso abater em Monsanto para que se cumprisse a lei, sem que ninguém visse qualquer vantagem. O resultado final seria ter um crescimento de matos muito mais rápido, drenando gravemente o orçamento municipal para o corte permanente de matos nas clareiras abertas, de forma a mantê-los abaixo de 50 cm de altura.

Há muitos países no mundo que definem orientações técnica para a defesa de casas e infraestruturas que se aproximam do que está na legislação portuguesa.

Faço, no entanto, notar-lhe que:

1) Portugal optou pela versão mais maximalista de todas;

2) Em alguns desses países, pelo menos os EUA e a Austrália, são recomendações, e não obrigações legais;

3) Portugal (e a Galiza) inverteu o ónus da responsabilidade, passando-o do dono da casa, como é lógico e é adoptado na generalidade dos países, para o dono dos terrenos envolventes.

Ora como a sua experiência enquanto responsável político pelo Parque Florestal de Monsanto demonstra, não cumprir a lei e gerir sensatamente o problema é bastante mais racional que aquilo que agora defende enquanto primeiro ministro: aplicar cega e insensatamente uma legislação absurda, tecnicamente discutível e profundamente injusta.

Daí a minha proposta: aplique a lei em Monsanto, mande a GNR autuar sem piedade a Câmara de Lisboa, depois mande a autarquia de Lisboa fazer de Abril a Maio o que a proprietária (a mesma CML) não fará até 15 de Março, corte 20% das verbas para Lisboa se tudo não estiver feito em Monsanto no fim de Maio e depois, mas só depois, aplique aos desgraçados que ainda vão fazendo uma hortita em Alcaravelas o que resultar da avaliação dessa actuação em Monsanto.

Percebo que esteja apavorado por poder ser politicamente responsabilizado pela morte de mais uma pessoa que seja num incêndio, e nisso tem toda a minha solidariedade: é uma demagogia inqualificável responsabilizá-lo politicamente por isso.

Mas não é demagogia nenhuma responsabilizá-lo por ser um dos principais responsáveis pelas opções erradas de 2006, por ser um dos principais responsáveis por ter optado pelo combate em detrimento da gestão, por ter recusado a profissionalização de um corpo de bombeiros florestais, por não contribuir para a integração entre prevenção e combate, por apoiar uma distribuição de verbas para o mundo rural que esquece o pagamento de serviços de ecossistema e, acima de tudo, por apoiar uma actuação do Estado que toma os produtores florestais como adversários a perseguir administrativa e judicialmente, em vez de entender que, tal como em Monsanto, ninguém pode ser obrigado a fazer uma gestão irracional e economicamente insustentável só porque alguém se lembrou de resolver as consequências dos gravíssimos problemas de competitividade do mundo rural do país com produção de leis irrealistas e fiscalização maciça.

Pague aos proprietários e gestores os bens públicos que produzem e o mercado não remunera, pague aos proprietários e gestores a perda de rendimento decorrente da declaração de utilidade pública da rede primária de faixas de gestão de combustível, pague um verdadeiro serviço de extensão rural para apoiar quem lá anda e vive, crie um mercado público de consumo dos produtos que podem gerir combustíveis, nas cantinas escolares, nos hospitais, nos centros de dia, nos quartéis, afronte sem medo o lobby das corporações de bombeiros (não confundir com a Maria bombeira e o Zé bombeiro, que são tão vítimas como os outros do excessivo poder e dinheiro público das corporações, para o escasso escrutínio que se lhes dedica) criando um verdadeiro corpo, ou pelo menos uma verdadeira carreira de bombeiro florestal, e verá que as coisas correrão melhor, talvez não nos primeiros anos, é certo, mas irão melhorando com tempo.

Eu sei que está a pensar que isso lhe é pouco útil para as próximas eleições. E tem razão. Também em 2006 optou pelo que lhe era útil no curto prazo, e a castanha rebentou-lhe agora na boca, é preciso ter azar.

Se não pelos que morreram, e pelos que ainda vão morrer, ao menos pelo futuro da sua carreira política, para a qual tem demonstrado mais sensibilidade, pense duas vezes no que aqui lhe digo.

Com os melhores cumprimentos,

henrique pereira dos santos


1 comentário

Sem imagem de perfil

De Anónimo a 01.03.2018 às 19:56

Gostei! 

Comentar:

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Hugo

    A confiança constrói-se. Já se percebeu com quem M...

  • Filipe Bastos

    Perante resposta tão fundamentada, faço minhas as ...

  • Filipe Bastos

    O capitalismo funciona na base da confiança entre ...

  • anónimo

    "...Ventura e António Costa são muito iguais, aos ...

  • lucklucky

    Deve ser por a confiança ser base do capitalismo q...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2014
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2013
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2012
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2011
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2010
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2009
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2008
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2007
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2006
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D

    subscrever feeds