Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Há dias fiz um post a dizer duas coisas relativamente simples:
1) a posse de animais cuja utilidade social dominante é dar prazer aos seus donos terá crescentes externalidades negativas sobre terceiros, quer financeiras, quer de sustentabilidade;
2) decorrente desta ideia, sugeri que era tempo de reequilibrar custos e benefícios, o que significa pôr os principais beneficiários da posse desses animais a pagar mais pelas externalidades negativas que hoje recaem sobre a generalidade da sociedade.
Estes dois pontos motivam algumas objecções razoáveis (por exemplo, a posse de animais é da esfera das decisões privadas e o Estado não tem nada com isso, ou a operacionalização de um esquema de poluidor pagador ser excessivamente complicado para o benefício esperado), e muitas objecções pouco razoáveis (essencialmente negando as externalidades negativas, ou empolando os meus benefícios decorrentes do meu vizinho do sétimo andar ter um cão, um gato ou um hamster, ou ainda dizer que os meus cães, ou gatos, ou hamsters são fantásticos e se os dos outros têm externalidades negativas, é responsabilizar esses outros).
Para além disso motivam reacções emocionais sem grande utilidade para a discussão e que faço por ignorar.
O que não esperaria era a investida do proselitismo animalista tentando convencer-me de que estou a dizer o mesmo que as correntes associadas aos direitos dos animais e que a única opção ética consistente é ser vegan, esquecendo o essencial do post: é exactamente essa posição ética, sobre a qual não emiti qualquer juízo de valor, que foge como o diabo da cruz de discutir as implicações de consumo de recursos que tem para toda a sociedade, quando aplicada aos animais de companhia (por animais de companhia estou a dizer os animais cuja vida consiste em fazer companhia aos seus donos, não estou a falar de animais de trabalho, incluindo cães de gado, gatos que controlam ratos, pássaros que avisam os mineiros da falta de oxigénio e as milhares de outras utilizações produtivas e sociais em que são usados animais, como os ratos usados na desminagem de campos de batalha).
Tenho de facto uma grande sobreposição de pontos de vista com as correntes animalistas em relação aos animais criados para consumo: não há razão para o tratamento fiscal favorável que têm os lacticínios (que deveriam ser taxados a 23% e não a 6% no IVA, por exemplo) e a carne de produção intensiva, alguns modelos de produção intensiva são claramente desumanos e os recursos que o Estado usa para financiar o mundo rural deveriam estar concentrados no pagamento de serviços de ecossistema que não podem ser valorizados no mercado, e não ser gastos no apoio a produções intensivas de porco, por exemplo, cuja única externalidade social positiva que tem é a carne que os consumidores compram, cujo preço deve ser determinado pelo mercado, sem distorção provocada pelo abaixamento de preço induzido pelo Estado.
Mas não confundo a produção de animais para benefício de terceiros, com a posse de animais para benefício próprio, dizendo que porque a primeira situação tem externalidades negativas (e tem, muitas), então a única solução é deixar de consumir produtos derivados dos animais.
É que a produção de animais que tem pesadas externalidades negativas é a produção intensiva, fortemente regulada pelo Estado, também para resolver essas externalidades negativas, como qualquer pessoa que leia o kafkiano Regime de Exercício da Actividade Pecuária pode constatar.
Há um conjunto de outros modelos de produção pecuária, como a pastorícia extensiva, ou a caça (em rigor, não é um modelo de produção pecuária, mas chamemos-lhe um modelo de consumo animal) que podem ter imensas externalidades positivas, compensando largamente as suas externalidades negativas.
A questão central do meu post anterior é um pouco ao lado desta discussão dos diferentes impactos dos diferentes modelos de exploração animal, porque essa é uma discussão sobre a qual existem quilómetros de prateleiras de documentos escritos sobre o assunto.
O meu post anterior é sobre uma matéria bem menos discutida: qual é o custo social do aumento exponencial de animais de companhia nas nossas sociedades, potenciado pelas ideias associadas aos direitos dos animais? E é esse custo justamente repartido entre beneficiários e prejudicados?
Nada nesta discussão se relaciona com mais ou menos amor ou respeito pelos animais, mas sim com escolhas a fazer, de que a legislação contra o abate de animais nos canis é um bom exemplo.
Com a melhor das intenções e um mundo de compaixão decide-se que é desumano abater os animais. O resultado é que alguém vai ter de pagar a sua alimentação e tratamento durante o resto da vida. Pretender que pagar isso não tem implicações para terceiros é absurdo. Negar que esses custos existem, é absurdo.
Não deveríamos estar a discutir se esses recursos não seriam muito mais bem empregados em campanhas sérias de esterilização de animais?
Eu acho que talvez, mas que a questão nunca estará em cima da mesa se se continuar a negar o custo social associado à decisão de proibir os abates (com o resultado, não previsto, de se estar a estrangular as associações que recolhem animais vadios, muitas vezes associadas ao bem estar animal, simplesmente porque se tomou a decisão com base em ideias gerais, sem estudo nenhum sobre a situação no terreno e as implicações da decisão).
É por isso que acho útil discutir as externalidades negativas associadas aos animais de companhia, "serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença" como diria o Jorge de Sena.
Falando só por mim, nunca neguei as externalidades negativas dos animais de companhia. Nem o poderia fazer porque muito do que fazemos tem externalidades negativas. É mesmo um dos “inconvenientes” de viver em sociedade. Mas fiz uma pergunta ao Henrique que ficou por responder sobre a matéria fiscal. Qual seria e como funcionaria o tal mecanismo de taxação? Haveria mecanismos de correção para quem tem um filho e um cão? Ou dois filhos e um cão? Um filho, naturalmente, tem externalidades negativas ao início, mas transforma-se em fator de externalidades positivas se se tornar um adulto válido para o trabalho. E um gato seria taxado de forma diferente de um cão? Henrique, releve o eventual tom jocoso e considere que esta é uma matéria que me interessa diretamente.
p.s. continuo estupefacto com a dimensão tremenda do impacto social dos animais de companhia. juro mesmo que nunca dei pela real dimensão do fenómeno.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
A confiança constrói-se. Já se percebeu com quem M...
Perante resposta tão fundamentada, faço minhas as ...
O capitalismo funciona na base da confiança entre ...
"...Ventura e António Costa são muito iguais, aos ...
Deve ser por a confiança ser base do capitalismo q...