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Animais de companhia

por henrique pereira dos santos, em 07.05.17

Há dias fiz um post a dizer duas coisas relativamente simples:

1) a posse de animais cuja utilidade social dominante é dar prazer aos seus donos terá crescentes externalidades negativas sobre terceiros, quer financeiras, quer de sustentabilidade;

2) decorrente desta ideia, sugeri que era tempo de reequilibrar custos e benefícios, o que significa pôr os principais beneficiários da posse desses animais a pagar mais pelas externalidades negativas que hoje recaem sobre a generalidade da sociedade.

Estes dois pontos motivam algumas objecções razoáveis (por exemplo, a posse de animais é da esfera das decisões privadas e o Estado não tem nada com isso, ou a operacionalização de um esquema de poluidor pagador ser excessivamente complicado para o benefício esperado), e muitas objecções pouco razoáveis (essencialmente negando as externalidades negativas, ou empolando os meus benefícios decorrentes do meu vizinho do sétimo andar ter um cão, um gato ou um hamster, ou ainda dizer que os meus cães, ou gatos, ou hamsters são fantásticos e se os dos outros têm externalidades negativas, é responsabilizar esses outros).

Para além disso motivam reacções emocionais sem grande utilidade para a discussão e que faço por ignorar.

O que não esperaria era a investida do proselitismo animalista tentando convencer-me de que estou a dizer o mesmo que as correntes associadas aos direitos dos animais e que a única opção ética consistente é ser vegan, esquecendo o essencial do post: é exactamente essa posição ética, sobre a qual não emiti qualquer juízo de valor, que foge como o diabo da cruz de discutir as implicações de consumo de recursos que tem para toda a sociedade, quando aplicada aos animais de companhia (por animais de companhia estou a dizer os animais cuja vida consiste em fazer companhia aos seus donos, não estou a falar de animais de trabalho, incluindo cães de gado, gatos que controlam ratos, pássaros que avisam os mineiros da falta de oxigénio e as milhares de outras utilizações produtivas e sociais em que são usados animais, como os ratos usados na desminagem de campos de batalha).

Tenho de facto uma grande sobreposição de pontos de vista com as correntes animalistas em relação aos animais criados para consumo: não há razão para o tratamento fiscal favorável que têm os lacticínios (que deveriam ser taxados a 23% e não a 6% no IVA, por exemplo) e a carne de produção intensiva, alguns modelos de produção intensiva são claramente desumanos e os recursos que o Estado usa para financiar o mundo rural deveriam estar concentrados no pagamento de serviços de ecossistema que não podem ser valorizados no mercado, e não ser gastos no apoio a produções intensivas de porco, por exemplo, cuja única externalidade social positiva que tem é a carne que os consumidores compram, cujo preço deve ser determinado pelo mercado, sem distorção provocada pelo abaixamento de preço induzido pelo Estado.

Mas não confundo a produção de animais para benefício de terceiros, com a posse de animais para benefício próprio, dizendo que porque a primeira situação tem externalidades negativas (e tem, muitas), então a única solução é deixar de consumir produtos derivados dos animais.

É que a produção de animais que tem pesadas externalidades negativas é a produção intensiva, fortemente regulada pelo Estado, também para resolver essas externalidades negativas, como qualquer pessoa que leia o kafkiano Regime de Exercício da Actividade Pecuária pode constatar.

Há um conjunto de outros modelos de produção pecuária, como a pastorícia extensiva, ou a caça (em rigor, não é um modelo de produção pecuária, mas chamemos-lhe um modelo de consumo animal) que podem ter imensas externalidades positivas, compensando largamente as suas externalidades negativas.

A questão central do meu post anterior é um pouco ao lado desta discussão dos diferentes impactos dos diferentes modelos de exploração animal, porque essa é uma discussão sobre a qual existem quilómetros de prateleiras de documentos escritos sobre o assunto.

O meu post anterior é sobre uma matéria bem menos discutida: qual é o custo social do aumento exponencial de animais de companhia nas nossas sociedades, potenciado pelas ideias associadas aos direitos dos animais? E é esse custo justamente repartido entre beneficiários e prejudicados?

Nada nesta discussão se relaciona com mais ou menos amor ou respeito pelos animais, mas sim com escolhas a fazer, de que a legislação contra o abate de animais nos canis é um bom exemplo.

Com a melhor das intenções e um mundo de compaixão decide-se que é desumano abater os animais. O resultado é que alguém vai ter de pagar a sua alimentação e tratamento durante o resto da vida. Pretender que pagar isso não tem implicações para terceiros é absurdo. Negar que esses custos existem, é absurdo.

Não deveríamos estar a discutir se esses recursos não seriam muito mais bem empregados em campanhas sérias de esterilização de animais?

Eu acho que talvez, mas que a questão nunca estará em cima da mesa se se continuar a negar o custo social associado à decisão de proibir os abates (com o resultado, não previsto, de se estar a estrangular as associações que recolhem animais vadios, muitas vezes associadas ao bem estar animal, simplesmente porque se tomou a decisão com base em ideias gerais, sem estudo nenhum sobre a situação no terreno e as implicações da decisão).

É por isso que acho útil discutir as externalidades negativas associadas aos animais de companhia, "serenamente, 
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença" como diria o Jorge de Sena.


13 comentários

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De zazie a 07.05.2017 às 19:33

Vai-me desculpar mas está a querer levantar uma questão economicista que é logo literalmente abafada por outra maior social- com direito a Partido e movimentos de ONGs por toda a Europa.


Primeiro há que fazer debate precisamente do mesmo modo que foi feito para em poucos anos esta situação se ter tornado uma moda, aparentemente inesperada.


Não vai ser com legislação a fazer pagar quando o lobbie se move por efeitos de transferência afectiva, sendo que o essencial é a noção do Humano e a noção do Animal.


Se lê o Peter Singer, deve ter entendido que estas questões começam pelos académicos e depois descem aos megafones mediáticos e tornam-se moda acéfala.


Seria muito mais pertinente desmontar o malthusianismo implícito nessa nção "senciente".
E mostrar como tudo isto até é uma derivação do "marxismo cultural" preparada há muito, por exemplo- pelo Deleuze
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De henrique pereira dos santos a 07.05.2017 às 23:18

Está desculpada mas quando eu quiser fazer um post a dizer o que pensa eu aviso. Até lá, eu escolho os posts que quero fazer, com os temas que quiser fazer e sob o ponto de vista que quiser fazer.
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De zazie a 07.05.2017 às 23:44

Claro que faz os posts acerca do que entende.


Eu comentei o seu post e apenas desenvolvi uma questão que v. próprio já tinha aflorado e me3ncionado- as teorias do Peter Singer.


E penso que o que propõe pode ter todo o sentido. Apenas penso que não vai ser exequível nem ninguém se atreveria a legislar algo parecido pelo motivo que expliquei- as emoções falam mais alto e isto é uma moda ideológica que agarra as pessoas por transferência emotiva. 
Hão-de querer mais benesses- nunca serem penalizadas por algo que é vendido como um progresso civilizacional de cariz ético. 
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De henrique pereira dos santos a 08.05.2017 às 09:39


Sobre o que diz existem palettes de documentos escritos (eu próprio já escrevi sobre o carácter intrinsecamente totalitário das ideologias associadas aos direitos dos animais porque pretendem em falar em nome dos que não têm voz, o que impede a decisão democrática por se ficar dependente do que são os interesses "dos que não têm voz" e, naturalmente, não votam).
O que é menos realçado, e foi isso que fiz no post, é que as opções baseadas nessas ideologias não são neutras do ponto de vista de afectação de recursos.
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De zazie a 08.05.2017 às 09:48

Tem razão que não são neutras em termos de recursos mas também se dá conta que a sua medição não fácil, pois uns podem ser locais- por bairro, até e outros são internacionais- caso dos recursos alimentares para rações. 


Creio que o mega problema de travar loucuras é a dificuldade em fazer passar o bom-senso. E isto são modas- de tal modo modas que até as raças dos animais domésticos passam a estandartizadas por "saison".


Entender como apareceu o PAN- já era pertinente. Começou por fazer parte do projecto para a lusofonia. Foi um universitário que se lembrou de levar a lusofonia ao budismo, ou o budismo animal à lusofonia por partido.


Depois veio a ralé mediática das causas estrangeiradas e pegou na coisa. O simples facto de em pouco tempo terem conseguido votos para lá meterem um deputado, diz muito da confusão que vai na cabeça das pessoas, que passaram a adoptar causas no lugar de pensarem a política. E a causa animal é das mais básicas porque nem precisa de se perceber que são os próprios que coleccionam animais e os põe a procriar, os responsáveis por depois haver tanto bicho abandonado. Estes bichos não são vadios nem se propagam por livre iniciativa nas ruas das cidades.
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De pito a 10.05.2017 às 16:34

Olhe, Dos Santos,
Pior que Zazie, eu não percebi nada dos seus escritos. Grande embrulhada. Quando se escreve ou se fala do que se sabe, é-se limpidamente simples,
Cumprimenta
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De Anónimo a 07.05.2017 às 23:09

"[...]o aumento exponencial de animais de companhia nas nossas sociedades, potenciado pelas ideias associadas aos direitos dos animais?"



Eu não diria que as "ideias associadas aos direitos dos animais" potenciam "o aumento exponencial de animais de companhia nas nossas sociedades", porque isso seria colocá-las a montante, e parece-me que se encontram a jusante.


Legitimam, justificam à posteriori, mais do que potenciam.
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De henrique pereira dos santos a 07.05.2017 às 23:22


Uma interpretação legítima do que escrevi porque eu não fui suficientemente claro: "qual é o custo social do aumento exponencial de animais de companhia nas nossas sociedades, potenciado pelas ideias associadas aos direitos dos animais?" permite ler-se, como leu, que é o aumento dos animais de companhia que é potenciado pelas ideias associadas aos direitos dos animais quando o que eu pretendia dizer era que é o custo social que é potenciado.
Devia ter escrito a frase de maneira a não deixar dúvidas.
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De Renato a 08.05.2017 às 09:23

Falando só por mim, nunca neguei as externalidades negativas dos animais de companhia. Nem o poderia fazer porque muito do que fazemos tem externalidades negativas. É mesmo um dos “inconvenientes” de viver em sociedade. Mas fiz uma pergunta ao Henrique que ficou por responder sobre a matéria fiscal. Qual seria e como funcionaria o tal mecanismo de taxação? Haveria mecanismos de correção para quem tem um filho e um cão? Ou dois filhos e um cão? Um filho, naturalmente, tem externalidades negativas ao início, mas transforma-se em fator de externalidades positivas se se tornar um adulto válido para o trabalho. E um gato seria taxado de forma diferente de um cão? Henrique, releve o eventual tom jocoso e considere que esta é uma matéria que me interessa diretamente.

p.s. continuo estupefacto com a dimensão tremenda do impacto social dos animais de companhia. juro mesmo que nunca dei pela real dimensão do fenómeno.

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De zazie a 08.05.2017 às 09:41

O modo como esta questão foi colocada, já foi confrontada com a sua impossibilidade prática pelos próprios comentadores.


E resume-se sempre ao mesmo- é insensato querer fazer com que a "bondade" e o "progresso civilizacional" paguem imposto.


O motivo dessa impossibilidade também já aqui teve resposta- um animal passou a ser equiparado a um ser humano. Ter um cão dentro de um apartamento ou 5 ou ter 1 filho é da mesma ordem.


E mais- é tão verdade que já se pensa assim e os governos europeus idem, que suponho que é em França onde o máximo que a lei faz é proibir ter mais n animais domésticos por agregado familiar. Por cá a Cristas ainda se lembrou disso.


Só que em França, quando têm não multam pelo facto- retiram as crianças que lá estão em situação de risco e ficam os cães que bem entenderem.


E isto sim é o caminho para onde se vai. De igual modo justifica as câmaras usarem dinheiros dos contribuintes para ambulâncias, ou haver desconto no IRS por gastos de saúde e alimentação do animal- tal qual como se fosse um filho.


E cinemas para "progenitores" acompanhados dos respectivos cãezinhos, também já existe.


A conclusão que se pode tirar é a que eu enunciei- as teorias materialistas à la Peter Singer" são um neo-malthusianismo que nivela a nível de bicho o ser humano, enquanto coloca no lugar do humano o Animal.


Para haver qualquer movimento de bom-senso, não acredito que sejam pondo o estado a cobrar mais impostos, tanto mais que o uso deles não é controlado pelo contribuinte. E não há quem se atreva porque os ventos sopram em sentido de loucura oposta.
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De maria a 08.05.2017 às 13:55

Tantas cabeças cheias de verborreia! Gente nova atrás de cães, que tristeza! Felizmente que o meu prédio com mais de 40 pessoas ninguém tem qq animal. Muitos deveriam mostrar  era amor pelas pessoas doentes em hospitais.
Que direito têm os vizinhos com cães a ladrar incomodando o próximo que precisa de sossego?
Ontem quando cheguei a casa tinha o prédio envolvido em dejectos e bem visíveis.
Onde estão os meus direitos?
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De Renato a 08.05.2017 às 18:09

É a loucura, como diz a zazie. Agora até prédios envolvidos em dejetos. Isto tudo parece uma comédia. 
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De zazie a 08.05.2017 às 22:54

Por acaso, os dejectos caninos só se distinguem dos humanos pelo menor tamanho da poia.


E sim, é comédia quando chove ver aquelas dondocas de saco plástico na mão e mais os machos-beta-anémicos a tentarem meter o que sobre do que fica debaixo dos sapatos lá dentro do saquinho. 


Acho mil vezes mais grave a cagada nas paredes a que chamam "arte urbana". Igualmente com financiamento camarário. 

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