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A propriedade das paredes dos hospitais

por henrique pereira dos santos, em 10.04.18

Frequentemente vejo comentarios deste tipo (é um comentário real, não verifiquei os factos, mas isso é irrelevante para o essencial do que é dito no comentário): "Por outro lado, os hospitais privados também vivem pendurados no Estado. Mais de 50% das receitas vêm do SNS e ADSE. E nos laboratórios de análises privados a dependência do Estado é ainda maior, mais de 70%. Portanto, esta iniciativa privada também tem muito pouco a ver com capitalismo ou economia de mercado."

É esta ideia que leva o PC e o BE (e a ala bloquista do PS) a estar sempre a fazer propostas de nacionalização de todos os cuidados de saúde (todos, não, em rigor defendem que quem pode pagar que escolha, os outros que sejam obrigados a recorrer a hospitais cujas paredes são do Estado).

Há neste tipo de comentários um erro de base: o Estado não faz donativos aos prestadores de serviços de saúde, o Estado paga cuidados de saúde a pessoas concretas.

Se esses cuidados de saúde não forem prestados em hospitais cujas paredes são de privados, terão de ser prestados em hospitais cujas paredes fossem do Estado.

Para as pessoas concretas, é-lhes completamente indiferente de quem são as paredes dos hospitais em que estão, o que querem é ser tratadas.

Para os funcionários, é-lhes completamente indiferente quem é o dono das paredes do hospital, o que lhes interessa é que tenham condições para trabalhar e o seu trabalho seja justamente remunerado (ou, ao menos, se for injustamente remunerado, ao menos que seja a favor do trabalhador).

No caso da saúde, vindo os recursos, de uma maneira ou de outra, dos contribuintes, parece mais ou menos óbvio que mais vale o Estado ter os seus próprios hospitais, evitando pagar os custos de capital e os lucros dos privados.

Isto é verdade, isto é, se o que o Estado está a pagar é o mesmo que pagaria e ainda mais os custos de capital (os privados, de maneira geral, financiam-se a taxas mais altas que o Estado porque representam um risco maior para quem empresta) a que se somam os lucros que remuneram esses capitais, não faz o menor sentido pagar a privados o que de qualquer maneira tem de ser pago pelos contribuintes.

O erro deste raciocínio está em considerar-se que a eficiência no uso dos recursos é sempre igual, o que está longe de ser verdade, isto é, os ganhos de eficiência de gestão podem ser maiores que os custos de capital e os lucros dos privados, acabando numa factura global mais baixa.

Há um erro secundário que consiste em pensar que a gestão privada é sempre mais eficiente que a gestão pública. De maneira geral isso é verdade, mas na condição do privado ter o risco de perder dinheiro, porque quando o Estado gera rendas sem riscos para privado (o que tipicamente aconteceu em muitas PPP rodoviárias, mas não nas PPP da saúde), o privado gera uma gestão tão ineficiente como a generalidade da gestão estatal, tal como uma gestão estatal que consiga limitar o princípio de que uns comem os figos e aos outros rebenta-lhes a boca (que é o princípio geral de quem toma decisões sobre o dinheiro dos outros), pode ser tão eficiente como uma gestão privada.

Eu sei que tudo isto é básico para qualquer economista, mas achei que valia a pena lembrar aos que não percebem nada de finanças, nem consta que tenham bibliotecas, como eu, que a discussão sobre prestação de cuidados de saúde por privados ou pelo Estado é uma discussão de custos relativos em cada momento e para cada tipo de interacção entre trabalhadores de saúde e doentes.

Pôr a tónica da discussão em quem é o dono das paredes do hospital só atrapalha no momento de decidir as melhores opções para, por esta ordem, os doentes, os trabalhadores de saúde e, já agora, os contribuintes.


1 comentário

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De Anónimo a 10.04.2018 às 18:38

Os melhores e mais caros privados do país estão cheios da nata da política local e nacional, de conhecidas figuras de tribunais, e suas famílias. Tudo gente "de esquerda" que anda pela televisão a bradar pelo SNS. Experimentem ir para a porta do São João ou Santo António e vejam se os conseguem ver lá. Que nojo, credo! A esta malta não convém perguntar se um cidadão Belga ou outro europeu que vai a uma clínica privada e depois recebe a comparticipação é cliente do público ou do privado, porque a questão central é a posse, porque possuir é mandar e mandar é poder, para quem do sistema faz parte.

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