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A nossa fotografia

por José Mendonça da Cruz, em 02.09.17

IMG-20170901-WA0000.jpg

 

Esta é a fotografia da casa portuguesa, com certeza. Ao centro - em espontânea saudação fascista que deixa à mostra o bracinho branco, sem tónus nem manga de camisa - o suspeito de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, recebimento indevido de vantagem, tráfico de influências e falsificação de documento. O homem que sabedoria política e literacia financeira do povo elegeram duas vezes Primeiro-Ministro: José Sócrates. Os jornalistas avençados aclamaram-no como animal feroz. Justamente. Nunca, sem ferocidade e apetite desmesurados, se concretizariam as suspeitas acima. Os jornalistas avençados celebraram o seu enorme dinamismo. Com justiça. Não conseguiria nem um défice de 11% - que os avençados juravam ser menos de 5% - nem uma bancarrota nacional quem não fosse dinâmico. E pressente-se-lhe o carisma. Ao menos o carisma suficiente para convencer os convertidos por avença, os cúmplices, os ignorantes, os iletrados e o gado ovino em geral. Foram maioria absoluta da primeira vez e mais de 39% da segunda. O nosso retrato.

Junto ao braço esquerdo do herói caminha – como soe dizer-se – um idoso. Foi um dos responsáveis pela implantação em Portugal de uma democracia representativa em economia de mercado. Contribuiu muito para esse feito. Ficou a seu grande crédito. Mas ao tempo desta fotografia, já não lhe devemos nada. Nesta fotografia já traz a boca aberta das dificuldades cognitivas, e a expressão perplexa com que, em fim de vida, renegou tudo e atacou «o capitalismo selvagem», o «imperialismo americano», os «privados» horrorosos, o «casino» dos mercados, e tudo quanto cheirasse a liberdade económica, social e política. Regrediu às ilusões e palermices da adolescência, como muitos senis fazem.

Sob o sovaco do herói segue um homem habilidoso, Costa, menos obeso do que é na actualidade, o sorriso ainda sem o esgar trocista, os beiços menos untados e ávidos. Mas já sonha suceder, e, por poucochinho e linhas tortas, sucederá. Na sua confusão de conceitos e na sua certeza das causas, os avençados chamam-lhe «hábil». É uma corruptela – passe a expressão sem segundo sentido. É, na verdade, habilidoso. Tem que ser habilidoso quem, durante anos, é braço direito e ministro do suspeito sem nunca suspeitar de nada. Tem que ser habilidoso quem, participando convicta e largamente na propagação da peste financeira, culpa a terapêutica pelas desgraças da falência. Foi habilidoso quem, com poucochinhos resultados eleitorais, equilibrou uma aliança que tem, num dos pratos, a sua sobrevivência pessoal, e, no outro, a entrega de sectores da sociedade e da economia a forças minoritárias e retrógradas.

Ao lado direito extremo da fotografia vai um tipo qualquer.

Falta um companheiro de estrada, uma figura - Marcelo, vindo para tirar uma selfie, alacremente.

Atrás dos três homens da primeira fila, mais abaixo, no putativo rasto de puns e mau hálito, fora de vista, agitados, saídos de debaixo de pedras ou pululando sobre fezes caninas avulsas, vão aos gritos os Galambas, os Cabritas, as Câncios, as Mortáguas, as Catarinas, os Teixeiras, os Baldaias e os avençados em matilha. Rosnam a quem não se junte à festa, mordem a quem descreia dela. A mesma fé de 2010.

Vem, depois, a mole indistinta (guarda-costas à parte) dos que apreciam ter um ministro das finanças para quem qualquer português que aufira mais de 1300 euros brutos mensais é altamente privilegiado. A mole invejosa concorda. A mole vive com 600 euros. Está contente, é maioria, sonha com «apoios do Estado» a que nunca chama o dinheiro dos outros. Vai vivendo, em vez de viver. Não ambiciona mais, não ambiciona muito. O que quiseram e não têm foi decerto por culpa dos outros, do liberalismo selvagem, dos privados, dos casinos, dos capitalistas, dos americanos, dos alemães, da vida. Basta-lhes o crédito para as férias, a praia de todos, esta política para as pessoas e um aumento de 50 cêntimos, a folga entre o abate do pau, uma vitória do Benfica.

 

image.jpg

 Esta outra fotografia é um corolário. A reversão «estratégica» da TAP contentou sindicatos e fileiras de idiotas úteis. As reversões na educação e nos transportes devolveram verbas e protagonismo a parasitas. A reversão da reforma do IRC proclamou o programa: tirar aos produtivos para dar aos instalados. Uns tostões dados a parvos (parvos, do latim) alegraram-nos, e foram sobejamente compensados por aumentos de impostos em que os mesmos parvos não reparam. Outros agravamentos de impostos contaram com o apoio de legítimas herdeiras dos assaltos, das que querem ir buscar dinheiro aonde ele está. A dívida de Estado (a subir em flecha), empresas (estável), e privados (em queda) atinge os 725 mil milhões de euros. Mas é invisível para a mole, e os avençados só veem aquilo que lhes pagam para ver. E, por fim, a modernidade, a rentabilidade, o emprego, o contrato social da AutoEuropa, foram invadidos pelo que se vê na fotografia: o atraso, o bafio dos legítimos (embora não únicos) herdeiros de tiranos, assassinos em massa, torcionários e devastadores de economias. Eis o bafio, o sarro das cabecinhas comunistas, eis o negócio subscrito por Costa e acolhido pela mole, espelhados neste folheto. Uma das maiores empresas portuguesas, um dos maiores contribuintes para o PIB, um dos maiores empregadores e praticante de salários e regalias muito acima da média, é, afinal, para estes fósseis, o «trabalhador» com grilhetas, o «patrão» de chapéu alto em cima da bola de ferro que o agrilhoa. A mesma demagogia, o mesmo rumo à ruína. A mesma fé de 1917.

São fotografias portuguesas. Estas fotografias somos nós.  


1 comentário

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De Anónimo a 02.09.2017 às 18:44

Excelente post.
Parabéns.
Só não concordo que sejamos nós, porque eu e muitos de nós fomos sempre contra esta "troupe" e nunca votámos neles.

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