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Dos sofrimentos úteis e dos inúteis

por José Luís Nunes Martins, em 27.11.12

Conhecer a história da vida de alguém pode revelar muito pouco a respeito do que ela irá fazer hoje. As circunstâncias mudam, a capacidade de escolher altera-se, o simples facto de ter consciência de estar a seguir uma linha pode ser o suficiente para querer sair dela.

 

É certo que o ser humano tende a refugiar-se no hábito. Mas é também verdade que nunca deixa de ser livre, ainda que permaneça fiel a uma determinada opção. Ser-se obediente é sinónimo de uma liberdade elevada, assumida e forte. Mas há poucos homens livres a este ponto.

 

A consciência reescreve os dados do passado a fim de criar narrativas mais ou menos fantasiosas que ou nos apoucam os falhanços ou nos aumentam os sucessos. Assim, a imagem que temos de nós mesmos é quase sempre fruto desta distorção. Na verdade, talvez não sejamos tão bem sucedidos, inteligentes e talentosos quanto julgamos... tendemos a olharmo-nos como heróis que já superaram mil e um cabos de outras tantas, ou mais, tormentas.

 

Há nestas narrativas a posteriori um erro comum. Trata-se da ideia de que há uma relação direta entre o valor do objetivo que se pretende e o sacrifício que é necessário para o atingir. Como se as coisas boas tivessem sempre um preço justo a pagar em dor, direto e proporcional. Assim não é. O sofrimento de um caminho, por si só, não é garantia de que o caminho seja, sequer, certo.

 

Tende-se a promover o sofrimento como a pena a pagar pelo que é bom. Assim, há muitas histórias onde a moralidade subjacente é a de que só com espírito de sacrifício se podem alcançar bens valiosos. Na realidade, por vezes é assim que acontece, mas não é sempre. Muito mais são os sacrifícios que se fazem em favor de alcançar... coisa nenhuma. Há, infelizmente, muita dor em vão. E há bens, muito valiosos, raros, ao alcance da nossa mão, aqui, já... nem acreditamos de tão simples!

 

O sofrimento não é bom. É um mal. E, todo aquele que quer ser feliz, deve lutar contra o mal, no campo do inimigo – se necessário, mas nunca fazendo lá a sua casa. Já há sofrimento inevitável que chegue na vida, não é preciso escolher o que pode ser evitado.

 

Também não vivemos para estar alegres a cada minuto. A felicidade será uma forma de caminhar, mais que um prémio no fim de um qualquer caminho espinhoso. Devemos aprender a enfrentar a vida com generosidade, dando sempre o melhor de nós mesmos, e, quando for tempo de enfrentar o sofrimento, que o façamos então com coração cheio de amor, não pela dor, mas pela vida.

 

Nascemos com uma vontade grande de viver, mas há quem teime em querer sofrer a cada hora... ora porque não tem o que deseja; ora porque o tem mas receia perdê-lo; ora, finalmente, porque perdeu o que tinha...

 

Aqui, talvez seja bem mais justo olhar a vida como uma dádiva contínua que envolve um mundo imenso de possibilidades. Mais, talvez a essência da vida seja a sua dimensão intemporal. Eterna. Daí, esta vontade funda que é a certeza de um infinito.

 

Há instantes em que experimentamos o eterno aqui. Sempre breves. Simples. Mas um sinal. Como um raio de luz que nos ilumina o caminho a partir do destino. A partir de nossa casa.

 

Ser feliz talvez passe por uma capacidade de partilhar o nosso caminho, de aceitar como nossas as dádivas das alegrias e das dores dos outros. Obedecendo humildemente, a cada instante, à nossa essência, a esta vontade infinita de ser feliz, nos caminhos deste mundo, apesar de tudo. Lutando

contra todo o sofrimento. Contra todo o mal.

 

 

 

(publicado no jornal i - 24 de novembro de 2012)

 

ilustração de Carlos Ribeiro



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