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Serve este post para continuar a crítica ao ensaio publicado por Henrique Raposo no jornal Expresso e que pode ser lido em Clube das Repúblicas Mortas, a propósito da eventual adesão da Turquia à União Europeia. Sendo eu favorável a essa adesão, tal como o autor, penso que ela não deve ser defendida com argumentos ao lado do alvo.

 

O Tratado

A entrada da Turquia nunca será possível sem que a UE se prepare. É, pois, preciso um novo Tratado. No caso do Tratado de Lisboa, faz-se uma alteração de poder onde os países têm um peso equivalente ao da sua população, o que daria uma vantagem importante à Turquia. Dada a dimensão da economia turca e o seu atraso relativo, é também fácil imaginar que este país iria absorver importantes fatias dos fundos estruturais. Além do novo tratado, a UE teria de reformar a sua agricultura, sob o risco de não poder pagar a nova adesão.

Duvido que a UE pudesse suportar esta adesão sem mudar as instituições e aumentar o orçamento; duvido que a Turquia esteja apta a adoptar grande parte da legislação do mercado único. Mas, enfim, vamos ser optimistas: as negociações serão lentas, o Tratado de Lisboa entrará em vigor e, entretanto, os países de leste ficarão mais ricos. A adesão em 2020 será talvez viável…

 

Os laicos

Escreve Henrique Raposo que o “Estado turco é laico. Demasiado laico, aliás”.

A frase deixou-me perplexo. Na realidade, um dos critérios de Copenhaga (condições de adesão) na parte dos direitos humanos que a Turquia não cumpre diz respeito à liberdade religiosa, pois o Estado interfere na escolha e nomeação dos imãs, sendo este um dos temas que mais enerva o partido no poder (AKP, conservadores islâmicos), incapaz de avançar com uma reforma que permita a liberdade de escolha em seminários, mesquitas e sinagogas. Aliás, quando o governo pertence a um partido de raízes religiosas e que teve duas maiorias absolutas consecutivas dificilmente pode ser chamado esse Estado de “excessivamente laico”. O governo do AKP é altamente controlado pela elite (vamos chamar-lhe republicana, em vez de jacobina), que teme a imposição de valores não ocidentais. Daí, por exemplo, a linha vermelha do poder judicial, dominado pelos republicanos, a propósito do lenço islâmico nos edifícios públicos.

  

Conservadores

Acho que o problema da análise do Henrique Raposo vem da circunstância do autor pensar a Turquia como o jogo político da resistência dos jacobinos contra um grupo de modernizadores liberais e democratas.

Na realidade, o AKP é um partido profundamente conservador, com sectores onde se defende a junção de estado e religião. Estão a modernizar e democratizar o país, é justo que se diga, mas também a defender legislação mais rígida nos costumes. Temos de compreender a desconfiança das elites “jacobinas”.

Há uns três anos participei num encontro organizado pela União Europeia onde se juntaram jornalistas ocidentais e turcos, estes últimos divididos em dois grupos, os republicanos e os islâmicos. Para meu espanto, aterrei numa espécie de guerra civil onde não foi possível o mínimo diálogo: os laicos eram jornalistas ocidentais, pró-europeus, articulados e modernos; os islâmicos falavam mal línguas, não se misturavam com os kemalistas e tinham ideias bizarras sobre a Europa, sempre muito hostis. Ultra-conservadores, sem dúvida. Sinceramente, não me pareceu nada idêntico ao Portugal entre 74 e 82.

 


1 comentário

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De Tiago Moreira Ramalho a 18.05.2009 às 18:01

Adivinha-se aqui uma excelente polémica, especialmente informativa para quem sabe pouco sobre a Turquia.

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